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Vygotsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP), Provas de Comunicação

Vygotsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP): três implicações pedagógicas. in Revista Portuguesa de Educação, vol 14, nº 2, pp. 273-291.

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Vygotsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP): três
implicações pedagógicas.
in Revista Portuguesa de Educação, vol 14, nº 2, pp. 273-291.
Carlos Nogueira Fino
Professor Associado de nomeação definitiva
do Departamento de Ciências da Educação
da Universidade da Madeira
The actual developmental level characterizes mental development retrospectively,
while the zone of proximal development characterizes mental development
prospectively1.
1. Falando um pouco de Vygotsky
A obra de Vygotsky é contemporânea dos primeiros trabalhos de Piaget, ainda que o
conjunto do seu vasto contributo científico só tenha sido objecto de tentativas coerentes
de aplicação e de desenvolvimento no Ocidente a partir de meados dos anos setenta e no
início dos anos oitenta (Minick, Stone e Forman, 1993), embora tenham sido publicadas
anteriormente traduções de trabalhos seus nos Estados Unidos, em 1929 e 19342, em
proeminentes revistas científicas. Na antiga União Soviética, o pensamento de
Vygotsky, por ter entrado em choque com a ortodoxia, foi praticamente banido até ao
colapso do comunismo, sendo o seu legado apenas conhecido e estudado em meios
académicos restritos. Apesar do muro de silêncio que se tentou erguer à sua volta, duas
importantes obras suas puderam, ainda assim, por ser traduzidas e publicadas no
Ocidente em 1962, Thought and Language, e em 1978, Mind in Society, na sequência
de um intercâmbio entre académicos americanos e soviéticos iniciado no quadro das
tentativas de pôr termo à guerra fria que caracterizou o relacionamento entre a União
Soviética e os Estados Unidos imediatamente após o final da II Grande Guerra.
Como fizeram notar Veer e Valsiner (1994), parecia que Vygotsky tinha algo de muito
importante a dizer aos teorizadores da educação dos países ocidentais. Nos Estados
Unidos, a tendência da adopção do trabalho de Piaget para fundamentar as práticas
educacionais começava a declinar nos anos setenta, e fazia-se sentir a urgência do
aparecimento de uma nova referência tutelar. Nesse contexto, a mensagem de Vygotsky,
sobretudo o papel do outro social no desenvolvimento da criança, parecia feito à medida
das necessidades de determinados círculos educacionais americanos, onde a tónica no
direito e na liberdade de aprender, imputada a Piaget, era sentida como ameaça às
funções de autoridade e de controlo, por parte de alguns professores. Resquícios dessa
apropriação unilateral da importância do outro social para recolocar a importância do
papel do professor encontram-se a cada passo na literatura, através da qual alguns
1 Vygotsky, 1978, pp 86 87.
2 The problem of the cultural development of the child, em 1929, no Journal of Genetic Psychology nº 36,
e Thought in schizophrenia, nos Archives of Neurological Psychiatry, º 31.
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Vygotsky e a Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP): três

implicações pedagógicas.

in Revista Portuguesa de Educação, vol 14, nº 2, pp. 273-291.

Carlos Nogueira Fino Professor Associado de nomeação definitiva do Departamento de Ciências da Educação da Universidade da Madeira

The actual developmental level characterizes mental development retrospectively, while the zone of proximal development characterizes mental development prospectively ”^1.

  1. Falando um pouco de Vygotsky

A obra de Vygotsky é contemporânea dos primeiros trabalhos de Piaget, ainda que o conjunto do seu vasto contributo científico só tenha sido objecto de tentativas coerentes de aplicação e de desenvolvimento no Ocidente a partir de meados dos anos setenta e no início dos anos oitenta (Minick, Stone e Forman, 1993), embora tenham sido publicadas anteriormente traduções de trabalhos seus nos Estados Unidos, em 1929 e 1934^2 , em proeminentes revistas científicas. Na antiga União Soviética, o pensamento de Vygotsky, por ter entrado em choque com a ortodoxia, foi praticamente banido até ao colapso do comunismo, sendo o seu legado apenas conhecido e estudado em meios académicos restritos. Apesar do muro de silêncio que se tentou erguer à sua volta, duas importantes obras suas puderam, ainda assim, por ser traduzidas e publicadas no Ocidente em 1962, Thought and Language , e em 1978, Mind in Society , na sequência de um intercâmbio entre académicos americanos e soviéticos iniciado no quadro das tentativas de pôr termo à guerra fria que caracterizou o relacionamento entre a União Soviética e os Estados Unidos imediatamente após o final da II Grande Guerra.

Como fizeram notar Veer e Valsiner (1994), parecia que Vygotsky tinha algo de muito importante a dizer aos teorizadores da educação dos países ocidentais. Nos Estados Unidos, a tendência da adopção do trabalho de Piaget para fundamentar as práticas educacionais começava a declinar nos anos setenta, e fazia-se sentir a urgência do aparecimento de uma nova referência tutelar. Nesse contexto, a mensagem de Vygotsky, sobretudo o papel do outro social no desenvolvimento da criança, parecia feito à medida das necessidades de determinados círculos educacionais americanos, onde a tónica no direito e na liberdade de aprender, imputada a Piaget, era sentida como ameaça às funções de autoridade e de controlo, por parte de alguns professores. Resquícios dessa apropriação unilateral da importância do outro social para recolocar a importância do papel do professor encontram-se a cada passo na literatura, através da qual alguns

(^1) Vygotsky, 1978, pp 86 – 87. (^2) The problem of the cultural development of the child , em 1929, no Journal of Genetic Psychology nº 36,

e Thought in schizophrenia , nos Archives of Neurological Psychiatry, º 31.

autores continuam a colocar questões sobre cooperação professor-criança, tentando provar que a aprendizagem com o auxílio de outros mais experientes é necessariamente mais produtiva que a aprendizagem a solo.

Convém fazer notar que o facto de Vygotsky ter sido adoptado como fundamento teórico do relançamento do papel do professor na aprendizagem das crianças, por alguns teóricos da educação mais conservadores, não tem que ver, directamente, com o que pensava Vygotsky sobre educação, mas sobretudo com a exegese que esses teóricos faziam e fazem das teses de Vygotsky. Nos anos oitenta, ainda segundo Veer e Valsiner (1994), estava generalizada a fascinação pelas ideias de Vygotsky, quer pela publicação do conjunto dos seus textos em russo, quer pela posterior edição em inglês, e a sua importância era ainda aumentada pelo movimento em redor da teoria histórico-cultural da actividade^3.

Sendo um dos mais importantes divulgadores da obra de Vygotsky no Ocidente, Wertsch (1993), considera que o contorno da perspectiva teórica de Lev Vygotsky assenta em três temas que se foram desenvolvendo ao longo dos seus escritos: a) o uso de um método genético ou de desenvolvimento; b) a afirmação de que as mais elevadas funções mentais do indivíduo emergem de processos sociais; e c) a afirmação de que os processos sociais e psicológicos huma nos se formam através de ferramentas, ou artefactos culturais, que medeiam a interacção entre indivíduos e entre estes e os seus envolvimentos físicos.

Por sua vez Cole e Scribner, em prefácio à obra de Vygotsky, Mind in Society , encontram nessa obra uma influência do materialismo dialéctico, afirmando que ela explora o conceito de ferramenta de um modo que encontra antecedentes directos em Engels:

The specialization of the hand - this implies the tool, and the tool implies specific human activity, the transforming reaction of man on nature ” (Cole e Scribner, 1978, p. 7).

Os mesmos autores, a propósito do conceito de mediação, acrescentam:

Vygotsky brilliantly extended this concept of mediation in human environment interaction to the use of signs as well as tools. Like tool systems, sign systems (language, writing, number systems) are created by societies over the course of human history and change with the form of society and the level of its cultural development. Vygotsky believed that the internalization of culturally produced sign systems brings about behavioral transformations and forms the bridge between early and later forms of individual development. Thus for Vygotsky like the tradition of Marx and Engels, the mechanism of individual developmental change is rooted in society and culture ”. (Cole e Scribner, 1978, p. 7)

(^3) A área de estudo conhecida por teoria (histórico-cultural) da actividade tem as sua origens nos

trabalhos dos psicólogos russos na tradição de Vygotsky. Descreve os processos através dos quais o conhecimento é construído como resultado da experiência pessoal e subjectiva de uma actividade. Considera que a actividade precede o conhecimento, que é mediada por signos culturais (linguagem, utensílios, tecnologias, meios de comunicação, convenções, etc.), e que as próprias tecnologias são artefactos de actividade prática. À medida que esses artefactos mudam, muda também a actividade e, com ela, a consciência dos participantes, num continuum que envolve ciclos de aprendizagem.

Consiste esse fenómeno numa série de transformações: uma operação, que inicialmente representava uma actividade externa, é reconstruída e começa a ocorrer internamente; um processo interpessoal transforma-se num processo intrapessoal, sendo a transformação do processo interpessoal em intrapessoal o resultado de uma longa série de eventos de desenvolvimento (Vygotsky, 1978).

O trabalho de Vygotsky é precursor de uma corrente de pensamento que é geralmente referida como teoria histórico-cultural da actividade. De acordo com Blanton, Thompson e Zimerman (1993), essa corrente de pensamento esteve inicialmente ligada à escola de psicologia soviética, sendo hoje o resultado das contribuições, acumuladas ao longo de várias décadas, de Vygotsky e dos seus colegas russos Luria (1978) e Leont’ev (1978), a que se juntaram, em fase posterior, as contribuições de ocidentais como Cole e colegas (ver Cole, Gay, Glick e Sharp, 1971; Newman, Griffin e Cole, 1989; Scribner e Cole, 1981), Moll (1990), Tharp e Gallimore (1988), Veer e Valsiner (1988) e Wertsch (1985; 1991; 1993), entre outros. Ainda de acordo com Blanton, Thompson e Zimerman, os principais postulados da teoria histórico-cultural da actividade são, em síntese, os seguintes:

  • A actividade humana é mediada pelo uso de ferramentas, que estão para a evolução cultural como os genes para a evolução biológica. As ferramentas são criadas e modificadas pelos seres humanos como forma de se ligarem ao mundo real e de regularem o seu comportamento e as suas interacções com o mundo e com os outros. Cada indivíduo alcança a consciência através da actividade mediada por essas ferramentas, as quais unem a mente com o mundo real dos objectos e dos acontecimentos. Para Vygotsky existe uma analogia básica entre ferramenta e signo. Essa analogia reside na função de mediação que caracteriza cada um daqueles elementos, sendo a relação lógica entre o uso de ambos ilustrada pelo esquema seguinte:

A função da ferramenta é servir como condutor da influência humana no objecto da actividade, sendo externamente orientada e devendo levar a mudanças nesse objecto. Como Vygotsky enfatiza, a ferramenta é um meio através do qual a actividade externa humana se orienta no sentido de dominar e triunfar sobre a natureza. O signo, pelo seu lado, não provoca nenhuma alteração no objecto da operação psicológica. É um meio de actividade interna, empenhada no domínio do próprio indivíduo. O signo é orientado internamente (Vygotsky, 1978).

  • A actividade socialmente organizada é importante para a construção da consciência, que se forma através da capacidade que os humanos têm de se empenharem em formas sociais de actividade produtiva e construtiva. Assim, as estruturas cognitivas e sociais são compostas e residem na interacção entre pessoas (Mehan, 1981).
  • Todos os processos psicológicos mais elevados aparecem em dois planos. Em primeiro lugar, partilhados, no plano interpsicológico dos processos sociais. Finalmente, intrapsicologicamente, à medida que vão sendo interiorizados pelo

indivíduo (Vygotsky, 1978).

  • Finalmente, a teoria propõe a existência de dois tipos de conceitos, científicos (académicos) e de todos os dias (espontâneos), que têm origens diferentes e diversas formas de serem adquiridos. Segundo Vygotsky (1978) o conhecimento científico repousa em sistemas culturais que são transmitidos através da escolaridade formal. Em contraste, os conceitos de todos os dias adquirem-se através da participação em actividades da vida quotidiana, e começam por ser uma compreensão concreta de eventos e de fenómenos, que se vão tornando cada vez mais abstractos à medida que se movem “para cima” e vão sendo integrados em sistemas de conhecimento formal. Os conceitos científicos, por seu lado, adquirem-se por exposição verbal, e vão-se tornando mais significativos à medida que se movem “para baixo” e entram em contacto com objectos e eventos de todos os dias.
  1. Três implicações da Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP).

É sobre a noção Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)^6 que tem sido focado o essencial da onda de interesse contemporâneo sobre os pontos de vista de Vygotsky (Wertsch, 1993), nomeadamente nas suas implicações com a educação. Essa onda de interesse seguiu-se à publicação, em 1978, de Mind in Society (ver, por exemplo, Vygotsky, 1978; Bruner, 1985; Cole, 1985; Valsiner, 1988; Hedegaard, 1990; Veer e Valsiner, 1991; 1994, Moll e Whitmore, 1993; Evans, 1993). Com efeito, um aspecto particularmente importante da teoria de Vygotsky é a ideia da existência de uma área potencial de desenvolvimento cognitivo, definida como a distância que medeia entre o nível actual de desenvolvimento da criança, determinado pela sua capacidade actual de resolver problemas individualmente, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da resolução de problemas sob orientação de adultos ou em colaboração com pares mais capazes^7 (Vygotsky, 1978).

Para Vygotsky, o desenvolvimento consiste num processo de aprendizagem do uso das ferramentas intelectuais, através da interacção social com outros mais experimentados no uso dessas ferramentas (Palincsar, Brown e Campione, 1993). Uma dessas ferramentas é a linguagem. A essa luz, a interacção social mais efectiva é aquela na qual ocorre a resolução de um problema em conjunto, sob a orientação do participante mais apto a utilizar as ferramentas intelectuais adequadas

Em Mind in Society , Vygotsky afirma que o processo de desenvolvimento não coincide com o processo de aprendizagem. Pelo contrário, existe uma assintonia entre o processo de desenvolvimento e o processo de aprendizagem, que o precede. Dessa assintonia decorre a ZPD (Vygotsky, 1978), que é, essencialmente, uma área de dissonância cognitiva que corresponde ao potencia l do aprendiz.

De acordo com Wertsch e Stone (1985), Vygotsky introduziu a noção de Zona de Desenvolvimento Proximal num esforço para lidar com duas questões práticas de psicologia educacional: a avaliação das habilidades cognitivas das crianças e a avaliação

(^6) Em inglês zone of proximal development (ZPD). (^7) “ Is the distance between the actual developmental level as determined by independent problem solving and the level of potential development as determined through problem solving under adult guidance or in collaboration with more capable peers ” (Vygotsky, 1978, p. 86)

contextos de aprendizagem é a necessidade de se garantir, a cada grupo de aprendizes, um leque de actividades e de conteúdos para que eles possam personalizar a sua aprendizagem dentro da estrutura das metas e objectivos de um determinado programa de aprendizagem. Embora os critérios de sucesso da generalidade das unidades de aprendizagem impliquem o domínio de um conjunto fundamental de conceitos e de princípios, a concepção de ZPD de Vygotsky sugere que também devem ser proporcionados aos alunos meios que lhes permitam personalizar essa aprendizagem.

E, ao afirmar que uma pessoa só é capaz de imitar o que está ao alcance do seu nível actual de desenvolvimento , Vygotsky afirma implicitamente que uma completa compreensão do conceito de ZPD deve resultar na reavaliação do papel da imitação na aprendizagem. E cita, como exemplo, o seguinte:

Se uma criança tem dificuldade com um problema de aritmética e o professor o resolve no quadro, a criança pode compreender a solução num instante. Mas se o professor estiver a resolver o problema usando altas matemáticas, a criança não será capaz de compreender a solução, independentemente do número de vezes que imite o professor (Vygotsky, 1978).

As crianças imitam uma variedade de acções que vão para além dos limites das suas capacidades. Imitando, as crianças são capazes de fazer muito mais, em actividade colectiva, e sob a orientação de adultos. Como já foi indicado, a aprendizagem humana pressupõe, para Vygotsky, uma específica natureza social, sendo um processo, através do qual, a criança cresce dentro da vida intelectual dos que a rodeiam.

Vygotsky afirma, ainda, que são ineficazes, em termos de desenvolvimento, as aprendizagens orientadas para níveis de desenvolvimento que já foram atingidos, porque não apontam para um novo estádio no processo de desenvolvimento. A consideração da ZDP possibilita a proposta de “boas aprendizagens”, que são as que conduzem a um avanço no desenvolvimento (Vygotsky, 1978).

Portanto, na perspectiva de Vygotsky, exercer a função de professor (considerando uma ZDP) implica assistir o aluno proporcionando-lhe apoio e recursos, de modo que ele seja capaz de aplicar um nível de conhecimento mais elevado do que lhe seria possível sem ajuda. Nas palavras de Bruner, actuar como professor considerando uma ZDP tem que ver com a maneira como se organiza o contexto, de modo que a criança possa atingir um patamar mais elevado ou mais abstracto a partir do qual reflecte. Patamar onde é capaz de ser mais consciente (Bruner, 1985). Não é, portanto, a instrução propriamente dita, mas a assistência tendo presente o conceito de interacção social de Vygotsky, o que permite ao aprendiz actuar no limite do seu potencial.

Morrison (1993) afirma que a interacção social se refere à observação de Vygotsky de que a aprendizagem é um processo social e o conhecimento algo socialmente construído. O conceito de interacção social está para o contexto do aprendiz como a ZDP para a sua natureza. A interacção social não se define, portanto, apenas pela comunicação entre o professor e o aluno, mas também pelo ambiente em que a comunicação ocorre, de modo que o aprendiz interage também com os problemas, os assuntos, as estratégias, a informação e os valores de um sistema que o inclui.

Ensinar considerando a existência de uma ZDP, que é algo que só existe partilhado pelo

professor e pelo aprendiz que interagem, implica habilitar este último a envolver-se num nível mais elevado de interacção social com todo o contexto da aprendizagem, nível esse que resultaria frustrante noutras condições. A teoria de Vygotsky sugere que, por lhe ser possibilitado interagir a um nível mais elevado, o aprendiz interiorizará, sempre por meio da interacção, os processos, conhecimento e valores que usa, quer seja capaz, ou não, de os identificar no instante em que os usa. O ponto crucial de uma pedagogia segundo Vygotsky é que o conhecimento dos conceitos não precede necessariamente a habilidade do aprendiz os usar ou interiorizar. A instrução deve preceder o desenvolvimento (Henderson, 1986).

2.2. Segunda implicação: o tutor como agente metacognitivo.

Como se infere da teoria de Vygotsky, a interiorização não constitui, em si mesma, fundamento para uma pedagogia completa. O aprendiz deve ser capaz de identificar o conhecimento, habilidades e valores que foram interiorizados, completando esta actividade de identificação o processo iniciado com a interiorização, e ficando o estudante habilitado a iniciar um novo ciclo de aprendizagem a um nível cognitivo mais elevado.

Um “bom” professor, conforme afirma Henderson (1986, p. 410)

must provide a learning environment that integrates the identification of appropriate subskills, the right technology, demonstration of a sort that helps the learner identify the ‘bugs’ in his or her performance, and explicit knowledge ”.

Corresponde o conjunto daquelas actividades ao processo metacognitivo, que é o que se relaciona com o planeamento e com a avaliação do próprio pensamento enquanto se resolvem problemas (ou quando se pensa sobre o próprio conhecimento tentando comunicá- lo a alguém). No que se refere à questão da maturidade intelectual, o conceito de metacognição pode ser usado referindo-se não apenas a conhecimento e a habilidades cognitivas interiorizadas, mas também aos valores interiorizados que lhe estão associados. Todo o processo envolve a tomada de consciência do aprendiz sobre o próprio conhecimento, e pode ser guiado pelo professor que confronta o aprendiz com as tarefas de reconhecimento apropriadas.

Ainda segundo Morrison, o professor actua inicialmente como agente metacognitivo ao monitoriza r e dirigir, subtilmente, a actividade do aluno em direcção à conclusão da tarefa ou da resolução do problema, trabalhando, efectivamente, como regulador do processo e analista do conhecimento. Quando o aprendiz interioriza o comportamento cognitivo, o professor transfere para ele a responsabilidade e o controlo metacognitivo. Se quiséssemos utilizar uma metáfora para ilustrar esse labor do professor, ou do tutor, talvez pudéssemos compará- lo aos andaimes que suportam exteriormente um edifício que está sendo construído, e que vão sendo retirados à medida que a estrutura em construção se vai tornando capaz de se sustentar sem ajuda.

2.3. Terceira implicação: a importância dos pares como mediadores da aprendizagem.

A par da proposta da ZDP, a questão da mediação da aprendizagem por pares mais capazes, pelo seu potencial de aplicação na esfera da educação escolar, tem sido um dos

deficiências académicas dos tutores e pela imprevisibilidade na interiorização do conhecimento, habilidades ou valores manipulados.

Aqueles autores também constataram que os ganhos em efectividade foram maiores nos tutores que nos alunos assistidos por eles, confirmando essa constatação o efeito positivo da actividade metacognitiva no desempenho geral da aprendizagem, conforme já se sugeriu. Nas palavras de Gartner e Riessman (1993)

The literature also shows that the gains for tutors often outdistance those of the students receiving help. This results from reworking what they know in order to make it understandable to their tutees. This learning through teaching is the significant mechanism, and it poses an opportunity to reformulate and extend the use of peer tutoring ”.

  1. Conclusão

Esta síntese pretende chamar a atenção para alguns aspectos da teoria de Vygotsky que interessam particularmente aos educadores. Um desses aspectos é o que se refere à a importância da interacção, uma vez que as mais elevadas funções mentais do indivíduo emergem de fenómenos sociais. Outro aspecto é o que se prende com a afirmação de que o uso de sistemas de signos (que são ferramentas simbólicas culturalmente construídas e partilhadas, como a linguagem, por exemplo), medeia a interacção entre os indivíduos e entre estes e o seu envolvimento (Wertsch, 1993), sendo dessas interacções que se formam os processos sociais e psicológicos humanos. Pretende, finalmente, reflectir sobre o postulado da zona de desenvolvimento proximal, considerado como espaço de interacção entre o aprendiz e o tutor ou par mais apto, e sobre o modo como esse postulado esclarece, ou dá novo sentido e novo élan , à acção do professor e à importância da sua acção como factor potencial do desenvolvimento cognitivo do aluno. Desse postulado decorre a ideia de que, na mente de cada aprendiz, podem ser exploradas “janelas de aprendizagem”, durante as quais o professor pode actuar como guia do processo da cognição, até o aluno ser capaz de assumir o controlo metacognitivo. E refira-se a importância, nesse particular, que pode ter a intervenção dos pares mais aptos que, num processo de encorajamento da interacção horizontal, podem funcionar, também eles, como agentes metacognitivos.

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