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Este documento explora o candomblé como reelaboração de cosmologias africanas, insurgidas no brasil durante o processo de diáspora entre os séculos xvi e xix. As cosmologias africanas não possuem disjunções entre as vivências afetivas, sociais, emocionais e outras, tudo está interligado. O autor, ana paula da silva fernandes, relata suas experiências pessoais com as cosmologias africanas e o papel divinizador e curativo que elas desempenham na comunicação com os ancestrais. O documento também discute a interpretação de cosmologias africanas como religiosidades em diáspora africana no brasil.
Tipologia: Notas de estudo
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Ana Paula da Silva Fernandes*
Esta pesquisa tem por objetivo investigar o Candomblé, ponderando-o como reelaboração de cosmologias africanas, insurgidas no Brasil durante o processo de diáspora entre os séculos XVI e XIX. Em universo de cosmologias africanas não há disjunções entre as vivências afetivas, sociais, emocionais e tudo o mais que aporte o corpo e alma, tudo esta interligado. Partindo desta concepção, intentaremos problematizar sobre quais aspectos estas culturas foram lidas como religião, Candomblé, em diáspora afro-brasileira. Palavras- Chaves: Cosmologias; Diáspora; Candomblé; Religião.
Nascida em família afro-descendente, as cosmologias de matrizes africanas sempre estiveram presentes em minha vida, e permearam-se na construção de minhas subjetividades. Compreendendo como cosmologias de matrizes africanas, nos dizeres de Amadou Hampâté Bâ, mestre da tradição oral e especialista nos estudos das sociedades negro-africanas das savanas, o entendimento de mundo dos homens, mulheres e o universo por eles vivenciados, sentidos e experienciados (Hampatê Bâ, 2011). Nestes universos, tudo se interliga, religa e se combina, "sem disjunções cultura/natureza, corpo/comunidade" (ANTONACCI, 2013:1) uma vez que, "em cosmologia de povos africanos todo universo é povoado por seres vivos" (ibid). A vida não é dividida em parte, é concebida em sua totalidade. Vida social, espiritual, afetiva, material estão integradas e estes homens e mulheres a vivenciam como um todo.
Em cosmologias de matrizes tradicionais africanas, a vida é baseada pela visão sagrada que se tem do universo o qual se pertence. É pelo corpo que sente-se o sagrado e se interage com o mundo, como observa o poeta, dramaturgo, escritor e professor nigeriano Esiaba Irobi "o corpo físico incorpora, num certo nível, um hábito memorial por meio do qual certas atividades funcionais, tais como subir, esculpir, prostrar-se, manusear, gesticular e
*Mestranda do Programa de Pós Graduação em História da PUC-SP. O presente trabalho esta sendo desenvolvido com o apoio da Coordenação de aperfeiçoamento de pessoal de nível superior -CAPES.
andar são inventadas e praticadas”. (IROBI, 2013: 276). O corpo torna-se sagrado, porque carrega as cultura, as memórias, reflexo do mundo humano, elo entre os ancestrais e os vivos, com a oralidade como suporte para estas tradições.
A fala, as palavras também tem um papel importante. São tidas como um dom dado por Deus aos homens e mulheres, por isto é necessário ter prudência ao usá-las. Grande agente mágico dentro das cosmologias de matrizes africanas, sua pronúncia ativa as folhas, as águas, os minerais, fogos e os demais elementos da natureza, tem papel divinizador e de cura, sendo o meio de se comunicar com os ancestrais, pois neste universo "tudo é fala que ganhou corpo e forma". (HAMPATÉ BÂ, 2011:185)
Estas cosmologias, chegaram nas Américas por meio do deslocamento forçado de africanos escravizados compreendido como diáspora africana. Este processo, desterrou-os de várias localidades geográficas, sobretudo das macro-regiões denominadas de África do Oeste e África Central (Heywood, 2008). Homens e mulheres, foram negociados no circuito Atlântico, e apesar de considerados como objetos e mercadoria, foram capazes de reter e ressignificar suas cosmologias. Mesmo transpostos para margens opostas do Atlântico como escravos, rearranjaram-nas, reinventando-as nas Américas para assim recompor memórias que os ligassem até as suas vivências nas Áfricas
" Processo lento, através dos séculos em África, no Brasil este se acelera, dá as condições de inserção vivenciadas pelo negro que precisa reconstruir seu universo fragmentado junto a parceiro que lhe são estranhos, mas com os quais se identificam nas tragédias e nos pressupostos básicos de ideologia humanista negro africana ". (SERRANO&WALDMAN, 2008, p. 143) No ano de 2011, em Janeiro, fui iniciada 1 no Candomblé. E ao iniciar-me, vivenciei- lhe por meio de meu contato contínuo, como o estar no mundo africano que fora recriado no processo de diáspora. A iniciação no Candomblé, levou-me a processo de subjetivação que desdobraram-se em meu tema de pesquisa, ponderação do Candomblé enquanto ressignificações de cosmologias africanas, lidas em diáspora brasileira como religiosidade.
(^1) Em Candomblé, para se adentrar, ter maior conhecimento com seus preceitos e cosmologias, é necessário que o adepto, passe por rituais de iniciação. Costumeiramente, estes ritos duram entre 21 dias. Após iniciado, o adepto do Candomblé, passa a viver de forma dialógica as cosmologias de matrizes africanas.
O filósofo queniano Jonh Mbiti, em "Religiões Africanas e Filosofia", renúncia as concepções que salientam como religiosas as culturas tradicionais africanas em diáspora (MBITI, 1990). O autor rejeita estas percepções, advertindo que o conceito de religião é nulo em muitas culturas africanas "inexiste um vocábulo especifico para "religião". (Apud, RISÉRIO, 2007:162), ressaltando que "Religião na África é uma cosmologia. Uma visão de mundo integrada, onde os ancestrais e os vivos estariam conectados; definindo uma filosofia" (AZEVEDO, 2013:9). Mbiti, afere que as cosmologias africanas são de cunho "extremamente antropocêntrica" (MBITI,1990), são experienciadas pelo corpo.
Em diálogo transatlântico com o queniano Jonh Mbiti, sobre concepções de cosmologias lidas como religiosidade de matrizes africanas, Makota^2 Valdina Pinto, baiana, candomblecista, escreve Meu Caminhar, Meu Viver (PINTO, 2013). Livro sobre suas memórias e trajetórias no Candomblé, onde a autora pontua como o Candomblé fora apresentado pela academia, em compreensões que não apreendem como visões de mundo: "Muitos desses costumes, dessas praticas geralmente eram apresentadas, e ainda são, por muitos pesquisadores, como magia, superstições, folclore, praticas exóticas e, muito raramente, como praticas sob a ótica da visão de mundo" (PINTO, 2013:157)
Problematizar o Candomblé enquanto cosmologia de povos africanos em diáspora, torna-se requerido pelos praticantes de Candomblé, trazido a voz por Makota Valdina que há 40 anos é candomblecista, e alerta para novas abordagem do Candomblé em pesquisas :
"o que considero muito importante para os pesquisadores que estão fazendo suas pesquisas aqui e ali, é que quando forem pesquisar um povo, a sua cultura, procurem saber, aprender qual é a visão de mundo que esse povo tem". (PINTO, 2013:158) Nesta perspectiva pode-se abranger o Candomblé, como uma recriação estético africana de culturas em diáspora, reinventadas em comunidades terreiros com o "o pretexto religioso (ora visto com maus olhos, ora reprimido, ora ridicularizado, mas sempre entendido com pratica de natureza religiosa pela ideologia dominante" (SODRÉ,M; 2005:91). Sobre estes espaços físicos, os adeptos do Candomblé rearranjaram suas vivências de forma á
(^2) Nome dado a mulheres em Candomblés que fazem referências a cosmologias das regiões de Angola e Congo. As makotas , constituem-se como assessoras das lideranças das comunidades terreiros.
rememorar as cosmologias originária a qual pertenciam, tradições africanas. As comunidades terreiros que mesmo reprimidas, do sistema colonial "até meados do século XX" (SOUZA, 2007:115) insurgiram-se as repressões e" instalaram-se em espaços territoriais urbanos" (SODRÉ,M; 2005:91).
As comunidades terreiros, são onde o "povo de axé" (SOUZA JUNIOR, 2011) entram em contato com as cosmologias do Candomblé. Mesmo inseridas em espaços territoriais urbanos, seus adeptos devem coadunar-se a suas vivências, a experienciando dentro e fora da comunidade a qual pertence. Mas que força explicativa poderá ter uma cosmologia dessa ordem no interior de uma sociedade, como a brasileira, regida em seus dispositivos básicos de poder de Estado pela moderna ideologia ocidental? (SODRÉ,M; 2005:92). Por que recorrer a cosmologias africanas em diáspora, o Candomblé? Comumente as pessoas aderem ao Candomblé após passarem por diversas religiões. Vivenciá-lo é entrar em contato intenso com o universo de africanidades, dados pela água, fogo, terra, animais e tudo o mais que for vivo, pois neste universo tudo esta conectado em "interações cultura/natureza sob a regência de visões de mundo" (ANTONACCI, 2014:5). Por que buscar o Candomblé como religião? Uma pessoa ao inserir-se no Candomblé, terá que vivenciar seus cotidianos e subjetividades em rearranjos de cosmologias africanas em diáspora, manifestos por uso de elementos da natureza, formas de comer, resguardo em alguns dias da semana, mudanças de posturas corporais. Como estas cosmologias, são sentidas e expereinciadas pela "gente de Candomblé"? Questionamentos vitais quando se propõe a problematizar o Candomblé não como religião, mas sim como vivências de cosmologias africanas, rememorizadas em diáspora pelo corpo, compreendendo como são sentidas pelos candomblecistas.
Pensar o Candomblé e suas relações com heranças africanas, conexões atlânticas que desdobraram-se no Brasil, compreendendo-o como reelaborações de cosmologias africanas, interpretadas em diáspora como religiosidades, ponderando como são sentidas e experienciadas estas cosmologias pela "gente de Candomblé" (SOUZA JUNIOR, 2011), faz- se importante para os estudos sobre Áfricas e sua diáspora, pois na pesquisa sugiro uma nova abordagem do Candomblé, em uma perspectiva dialógica com as culturas africanas, onde tudo se interage e conecta-se, como ressalta-nos Hampaté Bá :
"uma vez que se liga ao comportamento cotidiano do homem e da comunidade, a "cultura" africana não é portanto, algo abstrato que possa ser isolado da vida. Ela
Neste processo de apreensões culturais, entre colonizadores e colonizados, as culturas sincréticas foram produzidas por meio de tensões e conflitos, não foram dadas como naturais como ressalta Stuart Hall :
"Não se quer sugerir aqui que, numa formação sincrética, os elementos diferentes estabelecem uma relação de igualdade uns com os outros. Estes são sempre inscritos diferentemente pelas relações de poder-sobretudo as relações de dependência e subordinação sustentadas pelo próprio colonialismo" (HALL, 2006: 34). Em aspecto de estética diaspórica, pode-se compreender o Candomblé. Fruto de negociações entre o sistema colonial brasileiro e suas visões de mundo fundamentadas por percepções européia/racionalista (SHOHAT&STAM, 2006) de mundividências, convivendo de forma hibrida com tradições africanas, dadas por meio da ancestralidade, oralidade e corporalidades. Etimologicamente a palavra Candomblé, origina-se dos povos bantos (SOUZA, 2007:115), assim denominados em diáspora no Brasil africanos escravizados das regiões da África-Central. Mesmo sendo de origem banta, a palavra Candomblé também fora usada para abrigar povos iorubas e daomeanos, africanos escravizados das regiões da África do Oeste. (IBID).
Para responder os escopo da pesquisa, além de depoimentos orais e referências bibliográficas, recorreremos como fonte para responder as problemáticas a " tradição viva", conceito de Amadou Hampaté Bâ (HAMPATÉ BÂ, 2011), no qual o autor pontua que as tradições africanas estão escritas no corpo, nas falas, nos modos de andar, em toda as mundividências das tradicionais culturas africanas, a qual o Candomblé como reelaboração destas visões de mundo em diáspora, torna-se herdeiro. Compreenderemos como "tradição viva" os costumes, gestuais, falas, formas de comer, de dormir, cantigas, formas de se vestir, manifestas no corpo dos candomblecistas. Utilizar a tradição viva como fonte para a pesquisa, faz-se necessário, pois ao propormos estudarmos as cosmologias africanas em diáspora anunciadas em uma comunidade terreiro, o corpo transcende-se como fonte, uma vez que o Candomblé são rearranjos de maneiras africanas de viver, alicerçadas de culturas orais e nestas, as memórias encontram-se no corpo.
Analisar a reconstituição de culturas africanas sobre o nome de Candomblé em diáspora, é o que a pesquisa objetiva. Cheguei o tema por meio de minha história pessoal.
Como historiadora acredito que a pesquisa é relevante, pois " o historiador deve redescobrir sua própria cultura" (VANSINA, 2011:162).
ANTONACCI, Maria Antonieta. Memórias ancoradas em corpos negros. São Paulo : EDUC, 2013.
_________________________. África/Brasil: corpos, tempos e histórias silenciadas. São Paulo, 2009
_________________________. Animista/Fetichistas? Dizem eles. São Paulo, 2013.
AZEVEDO, Amailton Magno. Músicas, Artes e Religiosidades: resistência cultural. São Paulo, 2013.
_________________________. África, Diáspora e o Mundo Atlântico na modernidade: perspectivas historiográficas. São Paulo, 2010.
GILROY, Paul. O Atlântico Negro: modernidade e dupla consciência ; - tradução de Cid Knipel Moreira. – São Paulo: Ed. 34; Rio de Janeiro: Universidade Candido Mendes, Centro de Estudos Afro-Asiáticos, 2001.
HALL, Stuart. Da diáspora: Identidades e mediação culturais ; Organização Liv Sovik; Tradução Adelaine La Guardia Resende – Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003
HAMPATÊ BA, Amadou. 1900-1991. – Amkoullel, o menino fula ; - tradução Xina Smith de Vasconcellos. – São Paulo: Palas Athena: Casa das Áfricas, 2003.
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HEYWOOD, M. Linda – Diáspora Negra no Brasil. São Paulo: Editora Contexto, 2008.
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LUNA, Francisco Vidal e KLEIN, Herbert. Escravismo no Brasil. São Paulo : EDUSP,
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