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Um estudo sobre a violência instalada no bairro jacintinho, em maceió. O trabalho busca entender o dia a dia dessa realidade violenta, utilizando métodos quantitativos e qualitativos. O texto aborda a formação do bairro, as condições que favoreceram a violência e as estratégias de sobrevivência adotadas pelas pessoas. Além disso, o documento discute a relação entre a pobreza, a criminalidade e o sistema capitalista.
O que você vai aprender
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Não perca as partes importantes!
A violência urbana vem sendo apontada como um dos grandes problemas enfrentados pela sociedade nos tempos atuais, espalhando-se por todas as cidades do país; violência que se dá de forma intensa nos chamados bairros de periferia. Sendo assim, torna-se de fundamental importância a verificação das causas que levam os habitantes desses lugares a conviver num cotidiano violento. O presente trabalho tem como objetivo focalizar o dia a dia da violência no Jacintinho, expondo um caso particular, que pode ser entendido, inclusive, como exemplo do que se pode encontrar nos centros urbanos do país. O bairro foi escolhido por representar um dos pontos de formação de bolsões de miséria, tendo surgido com o processo de “inchação” da cidade. Por cotidiano, estamos entendendo o que o próprio senso comum indica. Essa perspectiva é suficiente para nos possibilitar discutir e levantar o que desejamos no corpo do trabalho, embora saibamos que ela comporta extensa discussão teórica.^1 O senso comum o indica como dia a dia, sucessão de acontecimentos; e é esta sucessão o que nos interessa, pelo fato de estar ressaltada na fala do povo, na fala do local. É um cotidiano, esse, em que a marca da desigualdade no sistema funda as suas relações sociais, embora não se esgote nessa perspectiva, pois, como diz Velho:
Sustento que uma das variáveis fundamentais para se compreender a crescente violência da sociedade brasileira é não apenas a desigualdade social, mas o fato de esta ser acompanhada de um esvaziamento de conteúdos culturais, particularmente os éticos, no sistema de relações sociais. (1998: 15-16).
Para o entendimento desse cotidiano de violência instalado no Jacintinho, buscamos trabalhar com métodos quantitativos e qualitativos. Para os do primeiro tipo, trabalhamos a questão estatística na investigação do grau de percepção da criminalidade e as prováveis medidas de segurança tomadas pela população. Aplicamos 212 questionários aleatoriamente.2 Os resultados são explorados em tabelas no capítulo 4. Para os do segundo tipo, trabalhamos com o método de história oral, com a aplicação de vinte e quatro entrevistas com os próprios moradores e principais conhecedores da área. Dez dessas entrevistas tinham o intuito de trabalhar a formação do bairro, resultando num texto historiográfico que permitiu ter parte da história do bairro através da fala do povo. O resultado está exposto nos capítulos 2 e 3. As catorze restantes tiveram o intuito de descobrir os lugares considerados mais violentos pela população do Jacintinho e o dia a dia desses locais. O capítulo 5 expõe esses resultados, complementando-os com algumas passagens
(^1) Cf CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. “O Conhecimento da Vida Cotidiana: Base Necessária à Prática Social”. In CARVALHO, Maria do Carmo Brant & NETTO, J.P. Cotidiano: conhecimento e crítica. São Paulo: 2000, p. 14. (^2) Amostra calculada com base em 95% de fidedignidade e erro de 5% sobre a população, com base na dicotomização por sexo.
UMA BREVE DISCUSSÃO SOBRE A URBANIZAÇÃO DE MACEIÓ
Dados sobre a urbanização de Maceió
A expansão do sistema capitalista significou, dentre outros pontos, a montagem de um modelo de desenvolvimento enfatizado na produção industrial-urbana. Considera-se que, no Brasil, o processo de industrialização iniciou-se na década de 30, acelerando-se na segunda metade do século XX3. Nesse período, algumas cidades se fortaleceram como centros industriais e comerciais. Essa contingência da produção provocou a saída de parcela da população do meio rural, afetando os centros urbanos que funcionaram como pólos de atração. No decorrer desse processo, o setor produtivo de Alagoas entrou em crise, principalmente, com a decadência da monocultura da cana-de-açúcar, provocando o fechamento de várias usinas. No entanto, apesar dessa acentuada crise, o Governo não aplicou uma política de desenvolvimento capaz de estimular a diversificação da produção. Em conseqüência, várias pessoas foram afastadas dos seus postos de trabalho, o que, sem dúvida, aumentou o fluxo migratório. O quadro de desocupados, em sua maioria constituído por trabalhadores rurais, ampliou-se com a introdução da tecnologia, mesmo sendo baixa sua implementação em Alagoas. O avanço tecnológico serviu para substituir homens por máquinas, que garantem maior produtividade e, também, fomenta a concentração da propriedade fundiária. De acordo com trabalho publicado por Fernando de Lira (1998: 107), extraindo dados do IBGE de 1985, o estado possui Índice de Gini, relativo à distribuição de posse de Terra, configurado em 0,83. Segundo o autor, 67% da área total está nas mãos de 5% dos estabelecimentos maiores. Para efeito de comparação, entenda-se o Índice de Gini como medida de concentração, com uma variação entre 0,00 e 1,00. Quanto mais o resultado se aproxima de um, mais o indicador aponta para a concentração. Para completar esta breve visão sobre o quadro alagoano, deve ser considerado que os municípios contam com uma deficiente prestação de serviços sociais básicos como educação e saúde. Veja a conseqüência dessa crise através da exposição de Lira (1998:57).
Essa crise, que já dura mais de quinze anos, tem provocado uma grande descapitalização dos produtores, aumentando muito o número de desempregados, baixando o nível de renda e levando as microrregiões a sofrer um rápido processo de estagnação e pauperização.
(^3) “Assim, desde a Primeira Guerra Mundial, e principalmente a partir de 1930, a indústria passou a ser a atividade econômica mais dinâmica, atraindo o maior volume de capitais e de mão-de-obra. A economia global do país crescia porque a indústria estava em expansão, enquanto a agricultura permanecia quase estagnada. E isso caracterizou o início da fase industrial brasileira, embora só em 1956 o valor da produção industrial do país tenha ultrapassado o da agropecuária” (Argemiro J. Brum-p.214)
A desorganização agrária, a falta de oportunidades e outros fatores que não cabe detalhar, conforme já nos referimos, tem levado ao deslocamento de grandes contingentes populacionais do interior para centros urbanos. A maior parte dos deslocamentos no Estado vai para Maceió, o maior centro urbano de Alagoas, agravando os problemas da capital. Em consonância com esses argumentos, diz Lira (1998:48):
A crise urbana que Alagoas vem enfrentando é conseqüência não só do processo de urbanização implantado no país, como também do desemprego estrutural existente. A falta de oportunidade de emprego vem levando um enorme contingente de pessoas a se deslocar das zonas rurais e das pequenas cidades em direção aos grandes centros urbanos da região.
Maceió é o principal pólo urbano e isso determina sua expressão no contexto estadual em termos administrativos, econômicos e sociais. Possui as sedes das repartições públicas, oferece a maioria dos serviços de saúde e educação, desempenha a função de centro administrativo, comercial, bancário, portuário e industrial, enquanto nos demais municípios do Estado predominam o setor primário da economia. O elevado processo migratório para a capital de Alagoas desencadeia o fenômeno da “inchação”, desequilibrando o quadro urbano. A cidade não possui recursos para comportar a corrente que se desloca do interior em busca de oportunidades. É grande a disparidade entre o número de pessoas que entram em Maceió e a oferta de emprego. Consequentemente, há a formação de grandes bolsões de miséria, gerando-se uma circunstância do tipo comentada por Guimarães sobre a situação brasileira:
A situação das classes pobres começa a agravar-se, a partir dos grandes aglomerados urbanos, onde se formam, ou crescem de proporção, os cinturões de miséria, que ocupam a periferia dos centros mais povoados e depois se reproduzem também nos centros menos povoados. O desequilíbrio entre o crescimento urbano e a disponibilidade de recursos e equipamentos sociais se reflete nos baixos padrões de habitabilidade, de saúde, de conforto, cujos níveis não cessam de cair. (1982:157).
Maceió conta com o maior parque industrial diversificado do Estado. Criado na década de 60, o Distrito Industrial Major Luís Cavalcante surgiu para comportar essas indústrias. O processo de industrialização no Nordeste, especialmente em Alagoas, deu-se de forma lenta, na medida em que se intensificava a concentração industrial no sul do Brasil. Poucas fábricas foram instaladas em Maceió, o que não se harmonizava com a quantidade de braços disponíveis para o trabalho. Além do mais, várias empresas entraram em processo de decadência, após o seu já baixo desempenho, como, por exemplo, as indústrias têxtil, metalúrgica, mecânica e química. As empresas falidas não eram substituídas, não havia uma rotatividade. Sem oportunidades na indústria e sem expansão necessária nos serviços, verificou-se intensa pressão da mão-de-obra sobre os serviços municipais, estaduais e federais. O setor público tornou-se o principal empregador formal. A partir de 90 cessou a fonte de emprego com a crise fiscal e PDVs. As
Neste recorte, o espaço tem sido, ao longo do tempo, por sua proximidade com o mar, determinante no que se refere à definição de uma vocação econômica que tem mudado a feição da cidade nos últimos anos: o turismo. (2000: 68)
À medida que a urbanização se estendia na parte baixa da cidade, o local se valorizava; as casas humildes que existiam na Orla Marítima foram sendo substituídas por outras melhores. Enquanto isso as pessoas de menores rendas foram se deslocando para locais distantes do centro, levando à criação de bairros precários. Esse processo se expandiu com o aumento cada vez maior do número de pessoas que vinha do interior de Alagoas ou de outros Estados em busca de oportunidades. Disso resultou a ocupação desordenada do solo, criando-se para a massa da pobreza um espaço específico: a periferia, que pode ser vista como a pobreza em espaços às vezes distantes da área central, às vezes perto dessa mesma área, favelização gerada pela desordem ocupacional. Como argumenta Normande: Nos anos 60, verifica-se em Maceió um grande crescimento populacional – 56,9% em dez anos
As cidades possuem em sua dinâmica o que se chama de segregação espacial, que vai definindo de que forma a população será distribuída. Um dos instrumentos utilizados para isso é a habitação. Fundado em relações capitalistas, o sistema habitacional constrói, para aqueles que podem pagar o jogo especulativo do mercado, moradias adequadas nas áreas valorizadas. Resta à população de baixa renda ocupar as áreas rejeitadas por esse comércio. Com isso, estende-se a formação de locais precários, com déficits nos serviços sociais básicos, nos serviços urbanos etc. Nas condições em que se encontra Alagoas, com elevado número de desemprego e subemprego, com baixa remuneração dos que ainda conseguem se instalar no mercado de trabalho e com elevado êxodo rural para sua capital, a tendência é a ampliação de bairros e moradias cuja precariedade aumenta o processo de favelização. É o que reforça o trabalho de Lira:
Diante da crise que vem passando o país e, muito particularmente Alagoas, as cidades alagoanas e brasileiras não podem mais continuar acolhendo o grande contingente de migrantes
que afluem, agravando os problemas urbanos e aumentando o cinturão de miséria das favelas em todo o país e também em Alagoas. (1998:68)
Maceió apresenta crescimento populacional de 2,86% ao ano. É o segundo maior do Brasil, de acordo com matéria veiculada no Jornal Gazeta de Alagoas.4 Extraindo dados do IBGE, a matéria afirma que existem 400 mil desempregados na cidade, isso levando em consideração que a Fundação não inclui entre os desocupados aqueles que se integram na informalidade. Por causa desse índice de desemprego, como conseqüência grande parte das periferias vive abaixo da linha de pobreza. Bairros como Vergel e Trapiche possuem 50% da sua população vivendo nessas condições. Em locais como Jacintinho, Barro Duro, Serraria, Feitosa, Bom Parto e Rio Novo esse quadro salta para 65%. É nesse contexto de favelização e pauperização que se encontra o local específico de nosso trabalho: o bairro do Jacintinho. Nesse contexto, portanto, focalizaremos a violência, verificando-a no cotidiano da área. Por cotidiano, estamos utilizando a mesma indicação que o senso comum enuncia: o desenrolar do dia a dia.
UM POUCO SOBRE O JACINTINHO
Introdução
Nada existe escrito em profundidade sobre a área do Jacintinho e isso nos obrigou a irmos em busca da memória local para sabermos um pouco sobre a formação do bairro. Então, realizamos entrevistas junto a moradores antigos, enfocando, dentre outras questões, como se deu o desenvolvimento da área que se tornou uma das mais populosas de Maceió, verificando o surgimento das casas, da feira, do comércio e a entrada de serviços sociais básicos como: água, luz, transporte, saúde, educação. etc. Enfim, estivemos em busca da construção do bairro. Infelizmente, e isto é compreensível, houve dificuldades em datar o aparecimento desses itens, revelando que a memória coletiva local tende a não resguardar datas, mas acontecimentos. (Ver Mapa 1, à página 19. Fonte: Secretária do Planejamento do Município de Maceió).
Um pouco da história e a idéia da marginalização
Conta-se que um sítio, de propriedade de um senhor chamado Jacinto, deu origem ao bairro. O nome do proprietário teria gerado o nome do lugar. Esse fato não foi contemporâneo dos entrevistados, apenas três comentaram que ouviram falar sobre o assunto. O bairro, desde a sua origem, tem a maioria de sua população composta de pessoas vindas do interior, como afirma o depoimento de Carlos:
(^4) Gazeta de Alagoas, Caderno A. 29 de agosto, 1998. p. 21.
Nessa época, o Jacintinho apresentava facilidades na obtenção de terrenos. Cercado por mato, sem água, luz, transporte coletivo estruturado, com acesso extremamente difícil, ninguém queria morar no lugar. Isso condiz com a situação financeira dos que iam morar na área, o que levou, por exemplo, a mãe de Carla a comprar uma casa: “O dinheiro dela era pouco, só deu para comprar aqui”. Os terrenos eram vendidos a baixo preço ou mesmo invadidos. E como decorrência das condições financeiras daqueles que se instalavam no bairro, as casas iam sendo construídas de forma precária, na maioria, de taipa. Segundo Fábio, as primeiras habitações caracterizavam o bairro como o que ele chama de uma favela. Aliás, o Jacintinho era conhecido por favela. A falta de serviços sociais básicos, o excesso de mato que cercava o bairro, e principalmente o acesso difícil, realizado por uma ladeira de pedra que começava na antiga Legião da Boa Vontade, onde nenhum carro queria subir por causa da quantidade de buracos existentes, favoreciam a discriminação do bairro. Osman afirma que os moradores sentiam vergonha de morar no Jacintinho. Como a única forma de locomoção era andar a pé, os habitantes sentiam muitas dificuldades de deslocamento nas horas de necessidades, como se verifica no depoimento abaixo de Osman:
Eu trabalhava no saneamento de esgoto, saía daqui de pé porque não tinha transporte nem dinheiro para pagar. Nenhum taxista queria vim por aqui, eles diziam: “Vou nada, Deus me livre, vou quebrar meu carro". Lá não tem estrada, só tem buraco.
É interessante verificar como a questão do transporte estava associada à questão da pobreza e da marginalização, como afirmou Ana:
Carro não subia. Quando minha mãe pedia um senhor que morava na Pajuçara, o nome dele é Tubarão, para levar no Jacintinho, ele dizia: “Vou nada, Deus me livre pegar meu carro e ir para o Jacintinho”.
Esta mesma condição aparece na fala de Carlos:
Para vim do comércio para o Jacintinho tinha que parar dez, doze carros desses para achar um que viesse, porque ninguém tinha coragem de vim. (Carlos)
A montagem da área
As primeiras habitações surgiram nas regiões mais aproximadas do centro da cidade. Elas eram construídas entre os locais onde hoje se encontram o Canal 5 (antes um campo de futebol) e a 96 FM (na época, uma lavanderia), recebendo o nome de Jacintinho. Como não havia forma de transporte, era natural que o bairro fosse inicialmente se desenvolvendo na direção do centro da cidade, facilitando, principalmente, a locomoção aos locais de emprego.
Foto 1 - Área do antigo campo de futebol
Foto 2 - Ladeira do acesso ao Jacintinho
Logo após, os carros já começaram a dar sinais de vida pelo bairro, apesar de a quantidade ser restrita. Na época, segundo Ana, os carros que circulavam cobrando da população eram chamados de carros de passeio; depois foram surgindo os táxis. Nesse mesmo local de início do Jacintinho foi construída a primeira igreja do bairro, a Santo Antônio, levantada pelos próprios moradores, que carregaram pedras do Reginaldo. Ela localizava-se na rua Belém, mas foi transferida para outro ponto. A capela ainda existe no antigo local. A parte onde hoje se encontra a 96 FM, até o atual Supermercado Santa Helena (na época o terreno era uma vacaria), era conhecida por Engenho de Dentro. Poucas habitações existiam: as principais
Atualmente, como já referimos, o bairro possui uma das maiores populações de Maceió. Conta com serviços de água, luz, grande variedade de transporte deslocando-se para diversos pontos da cidade, posto de saúde, escola, subdelegacia, comércio, enfim, uma infinidade de serviços que não obriga mais a população a se deslocar obrigatoriamente para o centro da cidade nas horas de necessidade. Além do mais, ele localiza-se num ponto estratégico da cidade, com acesso a vários bairros da capital alagoana. O número de pessoas que se instalavam no Jacintinho crescia constantemente, provocando “inchação” do bairro, repetindo, por conseqüência, o que ocorria na cidade. Muitos dos que se estabeleciam carregavam o peso da falta de emprego; outros que já residiam no bairro passavam pela mesma situação. Como forma de sobrevivência, foi impulsionada a criação do comércio local, cujo início deu-se com a instalação de um mercadinho, na frente do qual os moradores aproveitaram para colocar bancas. A construção de mais habitações, especialmente o conjunto da COHAB, favoreceu essa forma autônoma de trabalho. No ponto onde isso começou, foi construído recentemente o prédio do supermercado Unicompra, na parte do Jacintão. A população, que antes era obrigada a realizar suas compras no centro da cidade, passou a fazer isso no próprio bairro. E essa possibilidade foi apontada pelos entrevistados como uma das maravilhas que o progresso trouxe ao Jacintinho. Para eles, os serviços prestados são de grande importância, aumentando seu número à medida que cresce o de desempregados, como afirma Fábio:
Cada um tinha as suas banquinhas porque realmente não tinha emprego. Hoje tem muita gente adulta com carro de mão que vive fazendo frete, carregando feira do pessoal.
O local onde começou a feira chegou a ficar cheio de bancas. De acordo com Fátima, “era perigoso, os carros passando e a feira de um canto a outro”. A quantidade de comerciantes era demasiadamente grande, chegando a interromper o trânsito. Além do mais, como afirma Tânia, o aumento provocou uma sujeira nas imediações. Para resolver esse problema, foi necessária a intervenção da Prefeitura, que providenciou a transferência da feirinha para onde se localizava o campo de futebol 13 de Maio, sob protesto de quem o utilizava, construindo-se em seu local um Mercado Público. Mesmo com a mudança, alguns comerciantes ainda preferem o antigo local, por acreditarem que lá o movimento é maior, acontecendo então o que Vânia expôs:
Começou na feirinha de cima, acabaram de lá e ficaram aqui, mas encheram e continua lá e cá, essas duas feirinha.
As instalações das bancas não foram as únicas formas de comércio a serem introduzidas no Jacintinho. Com uma breve passagem pelo local, pode-se constatar a variedade de pontos comerciais que foram instalados, como lojas de móveis, jóias, roupas etc., ou seja, tudo o que a população procura pode ser encontrado no próprio local de moradia. Como afirma Fábio,
Cada um foi tomando conta que hoje está naquela situação, cheio. Tudo que você procura tem.
Um dos maiores problemas constatados no surgimento do Jacintinho era a falta de água encanada. Assim, os moradores eram obrigados a darem um jeitinho para obter o seu consumo diário, o que era feito através das cacimbas localizadas em alguns pontos do bairro. No decorrer dos depoimentos, foram mencionadas algumas cacimbas utilizadas pelos entrevistados, como Pau D'Arco, a da caixa d’água, da D. Elza, do Alfredo, da caixa amarela, da ladeira da Socôco, ladeira de pedra, entre outras. Essa água consumida pela população era uma forma de sobrevivência dos que possuíam as cacimbas, pois cobravam daqueles que desejavam adquirir a água.
Foto 5 - O local de uma cacimba (Grota do Pau D’arco)
Apenas alguns proprietários de cacimbas forneciam a água gratuitamente; outros aproveitavam para ganhar algum dinheiro vendendo-a nas portas. Estes eram os chamados carroceiros, que circulavam pelo bairro. Para lavar as roupas, muitos tinham que descer até a bomba da Marieta ou ir ao Reginaldo, o que demonstra a situação desumana dos habitantes que tinham de passar pelo sacrifício de carregar latas de água até suas residências ou andar quilômetros com trouxas de roupas. Logo após, deu-se a construção de um chafariz e de uma lavanderia, podendo ser utilizados para lavar roupas e levar água para casa. Esses serviços se localizavam, respectivamente, onde hoje funciona a farmácia São José e a 96 FM. Ambos forneciam água gratuitamente. A instalação desses serviços melhorou um pouco a situação; entretanto, não era suficiente para abastecer toda a população. A água encanada surgiu primeiro no início do bairro, nas imediações do canal 5. O seu percurso de instalação seguiu o mesmo caminho do desenvolvimento do Jacintinho, sendo distribuído gradativamente nos outros locais. Na parte do Jacintão, a água chegou provavelmente em 1976 ou 1977, segundo Paulo. Recentemente, o fornecimento de água não foi muito questionado pelos entrevistados, e alguns até apontam-no como uma das melhorias do bairro. Apenas Tânia afirma possuir problemas com a sua falta, obrigando-a a fazer uma cisterna em sua residência. O Jacintinho iniciou sua história utilizando candeeiro para fazer a iluminação. A energia elétrica surgiu fazendo o mesmo percurso do progresso: primeiro a parte do canal 5, depois o Engenho de Dentro até completar todo o bairro. Segundo Osman, a eletricidade chegou inicialmente no governo de Muniz Falcão, sendo distribuída gradativamente em outras administrações. Antes de chegar aos postes hoje comuns, eles eram “feitos de pau”, como afirma os depoimentos de Carla e Gildo. A parte do Jacintão recebeu energia
das Graças, que eram utilizados pelos mesmos. A antiga Legião da Boa Vontade, citado em algumas entrevistas como referência ao primeiro acesso do bairro, servia de ajuda às gestantes. Nesse local era realizado atendimento às mulheres grávidas, bem como o fornecimento do enxoval aos seus filhos. Não era cobrado nada aos usuários desses serviços. Recentemente, o Jacintinho conta com atendimento de um mini pronto-socorro no próprio bairro. Entretanto, de acordo com as entrevistas, esse posto de atendimento, que deveria ter melhorado o sistema de saúde, infelizmente demonstra uma outra realidade que provocou reclamações intensas. Apesar da chegada do progresso, ainda são impostas formas desumanas e humilhantes à população no que diz respeito às necessidades básicas de sobrevivência. Passado tanto tempo, os habitantes ainda têm que se deslocar para o centro, mesmo havendo um serviço que deveria suprir suas necessidades. Isso pode ser constatado através dos depoimentos que se seguem:
O mini pronto socorro a gente quer uma ficha e não existe, tem que sair de madrugada. Já saí daqui para o posto da Maravilha porque no bairro não tinha condições. (Fábio) Chega no posto de saúde não tem médico, remédio suficiente. Cheguei com um rapaz que tinha levado um corte e mandaram para a central porque não tinha nada, nem esparadrapo. (Paulo) Se você tem um problema hoje, você corre para o mini pronto-socorro, mas quase eles não podem atender por falta de condições. Para mim nunca funcionou. (Gildo)
No passado, existia uma maternidade no bairro, mas não se comentou sobre a prestação dos seus serviços e nem por que ela teve fim. Ana cita a administração de Sandoval Caju como responsável pela sua implantação. No início, o bairro não possuía farmácia. Fátima cita como a primeira uma propriedade do senhor Medeiros, com poucos produtos para servir a população, exigindo dos habitantes o deslocamento para o centro nas horas em que necessitavam de algum remédio. Já Paulo menciona a Lafaiete como a origem desses serviços. O Jacintinho, desde a sua origem, nunca foi bem servido no que se refere a lazer. Antigamente eram apresentadas danças que fazem parte da cultura alagoana, como o pastoril, a baiana, o guerreiro. As festas de finais de ano, os parques de diversões que eram instalados no bairro, serviam de palco para essas apresentações. A existência de dois campos de futebol, um localizado no terreno em que se encontra o canal 5 e outro no terreno da atual feira do bairro, faziam a diversão do Jacintinho. Não só os jogadores davam ar de sua graça no local; havia ali, também, a freqüência de mulheres e crianças que gostavam de assistir aos jogos, como afirmou Carla. O desaparecimento do campo provocou profundas reclamações de moradores, como Osman e Gildo. Recentemente, o bairro não conta com um local que possa aglutinar a família para um lazer, como se pode identificar no depoimento de Fátima. Atualmente, o Jacintinho conta com uma infinidade de discotecas e bares que só servem para adultos. De acordo com Carlos, eles surgiram mais a partir de 78 e são flagrados constantemente com atos de violência pelos seus freqüentadores. São locais que concentram bebidas alcoólicas e usuários de drogas, citados por alguns como causadores da violência.
O aumento populacional levou a que fosse ampliado o acesso a áreas que antes não eram utilizadas. Essas áreas são os vales profundos que cercam o bairro, denominados de grotas. Grosso modo, o bairro é dividido entre grota e não grota. Nesses locais é que vem se concentrando toda a questão da criminalidade, segundo os moradores comentam.
GROTAS
Uma caracterização geral
As grotas sofreram um processo de favelização, termo utilizado para indicar a existência de casebres condensados e comprimidos onde alojam-se os mais humildes, sendo um fato peculiar ao crescimento da sociedade urbana brasileira. O depoimento abaixo é de moradora antiga, Fátima, que presenciou a construção de moradias nesses locais. Nele encontra-se reforçado o argumento quanto a preços dos terrenos:
As grotas eram habitadas conseqüência das pessoas que vêm do interior e não têm condições de comprar um terreno melhor num lugar plano. Aí chegam naquelas grotas, invadem um pedaço de terra e fazem aquelas casinhas na ladeira.
Foto 7 - A Grota do Cigano
percentual de 74,00% (n=115) para o sexo feminino e de 59,00% (n=97) para o sexo masculino. Isso não significa que perceber a violência seja matéria determinada pelo sexo do informante, embora haja maior ênfase na população feminina.
Tabela 1 - Sexo e posição quanto à violência em Maceió
Sexo Sim Não Total Feminino 85 30 115 Maculino 57 40 97 Total 142 70 212
Posição
Uma classificação semelhante é dada ao bairro do Jacintinho e repete-se a mesma percepção por sexo. As mulheres tendem mais do que os homens a considerarem que o bairro é violento. No total, essa afirmativa é dada por 67,00% dos informantes: Ao que diz respeito às mulheres, é de 77,00% contra 57,00% para os homens, dando-se uma associação medida em Qxy=-0,43, mais acentuada do que a força e direção da associação encontrada para o quadro de Maceió, onde Qxy=-0,335.
Tabela 2 - Sexo e posição quanto à violência no Jacintinho
Sexo Sim Não Total Feminino 88 27 115 Masculino 55 42 97 Total 143 69 212
Posição
Gráfico 1 - Posição quanto à violência
Ao pedirmos para os habitantes do Jacintinho realizarem uma classificação dos bairros de Maceió segundo a violência, a área em que habitam foi considerada como a principal, seguindo-se regiões
(^5) Não temos o objetivo neste trabalho de operar com gêneros. Evidentemente, a questão política referente aos gêneros está implícita nos dados estatísticos que apresentamos, restando-nos apenas chamar atenção para o fato. A questão apenas perpassa nosso objetivo, embora não desconheçamos a importância de focalizar o jogo de poder que se encontra em andamento no processo
0 %
20 %
40 %
60 %
80 %
100 %
SimNãoSimNão TotalFeminino
Jacintinho Maceió
vizinhas como o Feitosa e o Vale do Reginaldo. Tratava-se de uma questão de múltipla escolha, e gerou 240 menções no total, com o Jacintinho englobando cerca de 31,00% das menções. Somando-se a isso os dados do Feitosa e do Vale do Reginaldo, tem-se 52,00%. É o bairro e sua vizinhança que os habitantes demarcam como concentrando a violência em Maceió. As mulheres tendem mais do que os homens a centralizar suas observações sobre a região que apontamos, parecendo deterem-se no que poderia ser considerado como o círculo do doméstico. Tanto é assim que, das 126 menções femininas, 59,00% (n=126) relacionavam-se ao conjunto mencionado como de maior densidade criminal, enquanto as menções masculinas atingiam 43,00% (n=114).
Gráfico 2 - Menções aos bairros
A violência no Jacintinho é lançada pelos informantes especialmente em termos de assassinato, seguido por roubos e furtos, mas merece relevo, também, o que se refere ao estupro e à briga entre gangues.
Tabela 3 - Atividades julgadas no Jacintinho
Menções Total Feminino Masculino Assasinato 75 55 130 Assalto 23 28 51 Furto 16 35 51 Briga de gangue 8 8 16 Estupro 9 5 14 Invasão de propriedade 7 5 12 Droga/Álcool 6 5 11 Diversos 4 3 7 Total 148 144 292
Sexo
0
20
40
60
80
Jacintinho Conjunto
Feminino Masculino