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Lucas: Jesus, o Profeta e o Visitador de Seu Povo, Exercícios de Teologia

Neste documento, analisamos como o evangelho de lucas descreve jesus como o profeta esperado pelos judeus e o visitador de seu povo. O autor utiliza paralelismos e dispositivos literários para conectar as tradições bíblicas e as fontes. Lucas destaca as ações de jesus, que atualiza a história salvífica de deus. O documento também discute a importância da misericórdia de deus e a ação dos crentes.

Tipologia: Exercícios

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo
PUC-SP
Victor da Silva Almeida Filho
Σπλαγχνίζομαι: expressão do amor entranhado de Deus
Uma leitura exegético-teológica de Lc 7,11-17
Mestrado em Teologia
São Paulo
2017
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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Victor da Silva Almeida Filho Σπλαγχνίζομαι: expressão do amor entranhado de Deus Uma leitura exegético-teológica de Lc 7,11- 17 Mestrado em Teologia São Paulo 2017

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP Victor da Silva Almeida Filho Σπλαγχνίζομαι: expressão do amor entranhado de Deus uma leitura exegético-teológica de Lc 7,11- 17 Mestrado em Teologia Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Teologia Sistemática, com concentração bíblica, sob orientação do Prof. Dr. Boris Agustín Nef Ulloa. São Paulo 2017

À Cristine Macedo Santos ( in memoriam ). A todas as viúvas de nosso tempo, por vezes esquecidas, que choram a morte de seus filhos e aguardam o ἐσπλαγχνίσθη de Deus enquanto amor entranhado na pessoa de Jesus, como o ἐπεσκέψατο de Deus.

AGRADECIMENTOS

À Arquidiocese de Campinas, que proporcionou os recursos necessários para que este trabalho se consumasse. À Adveniat, que por meio da PUC-SP me concedeu as bolsas por descontos nas parcelas das mensalidades. Aos alunos da Casa Propedêutica, que compreenderam as minhas ausências, quando dos estudos em São Paulo. Ao meu orientador, Prof. Dr. Boris Agustín Nef Ulloa, pela paciência e por, sem pestanejar, me acolher “no meio da caminhada” do mestrado. Agradeço pelas orientações, pela competência, pelo amadurecimento proporcionado ao longo deste trabalho e pelos estímulos para poder concluir esta pesquisa, quando tudo parecia incerto. Aos professores do Departamento de Teologia da PUC-SP e da Faculdade de Teologia da PUC-Campinas, pelos ensinamentos nas aulas e pela dedicação. Aos padres Caio Augusto, Marcelo Oliveira, Alexandre Moura, Rogério Penha, Florentino Antônio e José Arlindo de Nadai, pela amizade e incentivo. Um agradecimento especial aos meus pais, Victor e Vilma, que compreenderam minhas ausências durante a elaboração deste trabalho. A Fabrício, Julia e Nick, que sempre torceram por mim. A Leticia Barata e Amie, que sempre incentivaram e acompanharam minha caminhada acadêmica. A todos e a todas que, a seu modo, me incentivaram e, direta ou indiretamente, contribuíram ao longo destes três anos para a perseverança neste estudo. Meu muito obrigado!

ABSTRACT

ALMEIDA FILHO, Victor da Silva. Σπλαγχνίζομαι: expression of the ingrained love of God. An exegetic-theological reading of Lc 7,11- 17 This study is an analysis of the account of Luke 7, 11- 17 better known as the resurrection of the son of the widow of Naim. In a first moment the work deals with general questions of the Gospel according to Luke, presenting the structural analyzes of the narrative. So, the pericope of Naim assumes a literary function, serving to complete the answer to the messengers sent by John the Baptist (Lk 7, 18-23) about the identity of Jesus. To prove this, Luke employs the Greek verb σπλαγχνίζομαι, to be moved with compassion, to a widowed woman who was in a situation of vulnerability. We studied the rule for the use of this verb in the pericope as well as its semantic root and its two other occurrences in the Lucan Gospel. For the analysis and interpretation of Lk 7,11-17, analytical elements of contemporary biblical exegetical methodology were used. The research valorized the diachronic studies by making the interface with the synchronic studies and intertextual analyzes, aided by texts of the Magisterium of Pope Francis. The results achieved were a better understanding of the Lucan account, because in using the verb σπλαγχνίζομαι the author does so in a conscious and coherent way towards those who are in a situation of vulnerability and uses their own literary criteria and their particular narrative style. Keywords: Widow, love-ingrained, σπλαγχνίζομαι, mercy, vulnerability.

SUMÁRIO

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INTRODUÇÃO

O presente estudo é uma tentativa^1 de abordar o amor de Deus, que se manifesta desde o Gênesis até o Apocalipse como história da salvação. Esta história tem sido narrada como a história da misericórdia cativante de um Pai de ternura e compaixão, que cria o homem e a mulher para serem a imagem de seu Criador. Mesmo com a desobediência do homem e da mulher, Deus continuou a manifestar a sua misericórdia, oferecendo sua Aliança para com este povo: o instrui através dos profetas e o convida a ocupar um lugar especial diante das outras nações, como Povo de Deus. Por isso, antes de ser metafísica, a afirmação sobre Deus deve se referir a seu projeto de realização para a criação e, por isso, ser histórica. No tempo oportuno, manifestando ainda mais a sua misericórdia, Deus enviou do mais íntimo de suas entranhas seu Filho unigênito. Ninguém revelou melhor o projeto do Pai senão seu Filho único: Jesus Cristo, a imagem do Deus invisível (cf. Cl 1,15). O Filho torna visível a nós o mistério até então inefável de Deus. Ele é o projeto encarnado do Pai. As entranhas misericordiosas do Filho são expressão máxima do rahamim^2 de Deus, pois sua compaixão e ternura recriam, regeneram, ressuscitam e reanimam a humanidade para o novo, para uma nova significação. Para expressar isso, a presente narrativa da reanimação do filho único da viúva de Naim é a plena manifestação desse amor regenerador. A partir do sentimento entranhado de misericórdia de Jesus pela viúva, mãe de filho único, se manifesta todo o amor visceral para com aquele que se encontrava em situação de vulnerabilidade. Para demonstrar toda essa capacidade regeneradora de Deus, o estudo se vale dos recursos que a teologia bíblica e a exegese oferecem para, com tais instrumentais, ampliar o campo de visão de tais revelações. (^1) Tentativa porque, por mais que se valha de todos os materiais e acessórios para este estudo, sempre o objeto de estudo deste trabalho estará misteriosamente além da capacidade intelectual de qualquer pesquisador da área. Mistério é um conceito teológico que diz respeito a uma realidade que pertence à esfera do sagrado e que o homem não consegue esgotar com sua lógica e inteligência. Mas que, de qualquer modo, se dá a conhecer na história, permitindo descobrir o projeto salvador de Deus. (^2) Rahamim é a expressão hebraica que remete às entranhas de Deus; termo ligado à misericórdia ( hesed ). A misericórdia enquanto rahamim de Deus possui esse caráter regenerador, reconciliador de Deus. Deus que salva criando e cria salvando, agora por meio de Jesus Cristo.

13 Depois de considerar o texto enquanto tal, o capítulo II trata da análise exegético-teológica, buscando identificar o substrato escriturístico e extrabíblico empregado pelo autor na elaboração da perícope em estudo. Do ponto de vista literário, este trabalho confirma que o relato foi estrategicamente inserido no Evangelho lucano e cumpre a função de completar a resposta aos mensageiros enviados por João Batista (Lc 7,18-23) sobre a identidade de Jesus, o Messias. A análise pragmática tem por finalidade conhecer os interesses que o autor sagrado do terceiro Evangelho tinha na compilação dessa narrativa. Tal aproximação, sempre remota, se fará por meio de perguntas ao hagiógrafo, como, por exemplo: por que o milagre se dá em Naim? Por que o relato se dá às portas da cidade? O que significa sentir misericórdia por alguém? Por que é um jovem que é reanimado? Que significado tem dizer “um grande profeta nos veio visitar”? E a principal questão a ser feita: qual ou quais atitudes o autor sagrado quer que sua comunidade adote? Quais delas espera que os herdeiros desta tradição assumam? A análise hermenêutico-teológica aproxima-se do episódio de Naim, tendo como suporte os principais comentadores do Evangelho segundo Lucas, para dessa forma mostrar as principais ressonâncias da narrativa à contemporaneidade. Depois, apresenta dois paralelos aos relatos de Naim: um ligado ao episódio do bom samaritano (10,25-37) e outro, à narrativa do pai misericordioso (15,11-32). Isso porque são as únicas três perícopes lucanas que aplicam o termo grego ἐσπλαγχνίσθη.^6 A Igreja, enquanto sacramento de salvação e fiel a Jesus de Nazaré, deve se mostrar sensível aos vulneráveis de seu tempo, àqueles de que o Senhor ainda hoje se compadece, “sofre com”. Dessa forma, acreditamos que o Senhor, por meio da Igreja continua a se compadecer das viúvas de nossa época. Ele é o mesmo que se aproxima, toca os esquifes e ordena que se levantem os mortos de hoje, voltando à vida. Nesse sentido, o Papa Francisco tem feito diversas manifestações emblemáticas, seja por meio de documentos do Magistério, seja por meio de visitas pastorais que apontam, assim como Jesus no relato de Naim, um Deus do encontro, que vai e se interessa pelas pessoas. (^6) Termo grego que significa “movido em suas entranhas”.

14 Diversas vezes Francisco tem dito que quer “uma Igreja pobre e para os pobres”.^7 E também tem feito gestos concretos nesse sentido: visitou a penitenciária superlotada de Palmasola;^8 foi à primeira ilha em que refugiados vindos do Oriente Médio e norte da África aportam antes de chegar à Europa;^9 e instalou o Jubileu Extraordinário do Ano Santo da Misericórdia.^10 Além disso, tem manifestado sua compaixão em nossa época, fazendo, inclusive, com que a Cúria Romana seja um local de maior humanidade e menos carreirismo. Enfim, Francisco tem acenado como deve ser a Igreja moderna, saindo do Vaticano e indo ao encontro de pessoas nas mais diversas situações, especialmente daquelas em estado de vulnerabilidade. Portanto, o texto da narrativa da reanimação do filho da viúva de Naim, apresentado neste estudo, apoia os direcionamentos dados à Igreja por Francisco. A Igreja em saída proposta pelo Papa vai na direção do mundo, do outro, dos pobres, das periferias humanas mais vulneráveis, e também ao “coração do Evangelho”. O relato traz um caráter cristológico para o agir da Igreja nos pequenos e grandes detalhes, no sentido de se ter maior proximidade da Igreja com estas realidades humanas. Ao dizer que Jesus é o Messias de Deus que vem visitar seu povo, Lucas está confirmando aquilo que foi dito desde o início do seu Evangelho por Zacarias: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e realizou a libertação de seu povo” (Lc 1,68). “Graças à entranhável misericórdia de nosso Deus, nos visitará a Aurora que vem do alto, para iluminar os que vivem nas trevas e na sombra da morte”^11 (Lc 1,78-79). Jesus é o ἐπεσκέψατο^12 de Deus. É Deus mesmo presente no meio de nós, rompendo os céus e vindo ao encontro para estar junto dos seus. (^7) Primeira audiência do Papa Francisco na sala Paulo VI, no dia 16/03/2013, onde explicou, em breve discurso, entre outras coisas, a escolha do nome Francisco e os momentos que sucederam sua eleição. (^8) Visita à Penitenciária de Palmasola, em 10/07/2015, na Venezuela. (^9) Na Ilha de Lampedusa o Santo Padre falou de uma indiferença global ante o sofrimento existente hoje: “Estamos anestesiados ante a dor dos demais à nossa volta”. Sete migrantes caíram ao mar; tentando salvar suas vidas, se amarraram em redes para a pesca de atum, entretanto, os donos decidiram cortá-las, deixando os refugiados vindos do Oriente Médio e África morrer. Esta história comoveu o Papa Francisco, que decidiu fazer essa visita a Lampedusa. Francisco ainda surpreendeu a todos ao ir à Suécia para a abertura do 5º Centenário Comemorativo da Reforma Protestante, em Malmö, em 31 de outubro de 2016. (^10) O Santo Padre anunciou o jubileu do Ano Santo da Misericórdia por meio da Bula de Proclamação Misericordiae Vultus (O Rosto da Misericórdia). O Jubileu se iniciou em 08 de dezembro de 2015 e conclui-se em 20 de novembro de 2016, com a Solenidade de Jesus Cristo Rei do Universo. (^11) Os textos bíblicos utilizados neste trabalho são retirados do Novo Testamento da Editora Paulinas. Já para os textos em língua grega, ver: NESTLE-ALAND. Novum Testamentum Graece. 28. ed. Stuttgart: Deutsche Bibelgesellschaft, 2012. (^12) Palavra grega que significa “o olhar de Deus desde cima, mas que não consegue se manter à distância, fazendo-se visita, vindo ao encontro do que é seu”. Essa palavra procede da raiz verbal

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CAPÍTULO I

CONTEXTO E TEXTO DA PERÍCOPE DE Lc 7,11- 17

INTRODUÇÃO

Antes de adentrar ao texto da perícope da ressurreição do filho da viúva de Naim é importante abordar o Evangelho segundo Lucas, pontuando suas características principais. Num primeiro momento se desenvolvem atributos gerais do Evangelho lucano, como: questões sobre a autoria, estilo, estrutura literária e os objetivos gerais do Evangelho; num segundo momento, se pretende uma aproximação da narrativa, assim como o seu contexto situacional: análise linguístico-literária, delimitação, segmentação, tradução, formas verbais, gênero literário, crítica textual e sua respectiva análise semântica. Dessa forma, se pretende uma melhor aproximação e entendimento da narrativa, assim como de todo Evangelho lucano, considerado o Evangelho da misericórdia.

1. AUTORIA DE LUCAS

Entre os autores do Novo Testamento, Lucas pode ser definido como o melhor narrador por ser rico em sensibilidade literária.^1 O terceiro Evangelho^2 foi escrito fora (^1) CASALEGNO, A. Lucas a caminho com Jesus missionário. São Paulo: Loyola, 2003, p. 209. (^2) Segundo CASALEGNO (op. cit., p. 235), Lucas é o único evangelista que, bem no começo do Evangelho e com muita discrição, faz menção à sua identidade de escritor. Com efeito, em 1,3, lê- se: “A mim também pareceu conveniente, após acurada investigação […] escrever-te de modo ordenado, ilustre Teófilo, para que verifiques a solidez dos ensinamentos que recebestes”. A referência à sua pessoa aparece provavelmente também nas “seções nós” dos Atos dos Apóstolos, onde o autor usa o verbo no plural para indicar sua participação nos acontecimentos vividos por Paulo e pelos outros missionários, embora nem todos os exegetas concordem com essa perspectiva. Em 16,11, frisa, por exemplo: “Tendo embarcado em Trôade, navegamos diretamente para Samotrácia, e no dia seguinte, para Neápolis”. Todavia, não sabemos com certeza quem de fato é o autor do Evangelho. Tradicionalmente, a autoria é atribuída a um médico cristão, companheiro de Paulo, chamado Lucas. Entretanto, é controverso definir a autoria de um Evangelho a uma única pessoa. Não se supõe necessariamente que o redator do Evangelho seja quem leva seu título, já que a autoria desses escritos pode se dar por um coletivo. Contudo, essa certeza também não temos. A questão pode parecer irrelevante, pois sabemos que o valor de um texto revelado está na sua mensagem. Não devemos esquecer, porém, que a revelação bíblica tem uma dimensão histórica. Daí que procurar identificar o autor de um livro do Novo Testamento e a situação em que ele escreveu não carece de sentido. Antes, ajuda a compreender melhor a história do cristianismo primitivo e conhecer as personalidades religiosas que atuaram na Igreja do primeiro século. Para GEORGE ( Leitura do Evangelho segundo Lucas. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 11- 12), o terceiro Evangelho é anônimo, mas se infere que seu autor é um homem culto do mundo

19 Marcos e ao chamado documento Q, no qual, segundo uma hipótese provável, se exprimiam sentenças de Jesus que Mateus também conheceu. Nada impede que são Lucas tenha consultado outros escritos; talvez alguns deles contivessem detalhes da história da Igreja palestinense ou das viagens de Paulo.^7 1.1 Estilo literário lucano Fabris sublinha que o projeto teológico lucano é bem preciso. Suas características são de autonomia, clareza, ordem, liberdade e sensibilidade artística. Como citado antes, diferentemente de Marcos, Lucas evita repetições,^8 frases duras e de conteúdo popularesco. Ele tenta elaborar um livro com dignidade, peso e crédito para permanecer entre as obras de caráter histórico e literário de seu tempo.^9 O evangelista tem a habilidade de relatar acontecimentos e apresentar ensinamentos de Jesus, indicando o contexto e a ocasião em que ocorreram.^10 (^7) PIKAZA, J. A Teologia de Lucas. São Paulo: Paulinas, 1978, p. 10. (^8) Segundo CASALEGNO (op. cit., p. 210), o evangelista não gosta de repetições. Por isso, evita narrar episódios parecidos com outros já mencionados. Em 7,36-50, apresenta a perícope da pecadora que se encontra na casa de Simão, o fariseu. Em consequência desse episódio, o autor elimina o trecho quase paralelo da unção de Betânia, que em Mc 14,3-9 3 Mt 26,6-13 acontece na casa de Simão, o leproso. No relato da tempestade acalmada, no qual Jesus, levantando-se, conjura “severamente o vento e o tumulto das ondas” (8,24), para evitar repetições, elimina a perícope de Mc 6,45-52, que apresenta Jesus, que caminha sobre as águas, enquanto os discípulos se cansam de “remar, pois o vento lhes era contrário”. Em 9,10-17, o evangelista narra só uma multiplicação dos pães, à diferença de Mc (6,30-44; 8,1-10) e de Mt (14,13-21; 15,32-39), que apresentam duas narrações do mesmo acontecimento: a primeira alicerçada em uma tradição hebraico-cristã e a segunda, em uma tradição étnico-cristã. Com toda probabilidade, historicamente houve um só milagre. O evangelista menciona a figueira só na parábola de 13,6-9 para estimular a conversão e falar da paciência de Deus, tirando o relato da sua maldição por ocasião da purificação (Mc 11,12- 14.20-25; Mt 21,18-22). Obedecendo à mesma lógica e maior conformidade com o verdadeiro desenvolvimento dos acontecimentos, o autor menciona, no processo contra Jesus, uma única convocação do sinédrio de manhã, “quando se fez dia” (22,66-71). Diferencia-se, assim, de Mc (14,55-65; 15,1) e de Mateus (26,57-68; 27,1), que relatam duas reuniões da grande Assembleia. (^9) FABRIS, R., op. cit., p. 21. Segundo KARRIS, op. cit., p. 219, em seu Evangelho, Lucas apresenta um Jesus que, embora às vezes deixe as prescrições da lei de lado, é um defensor da validade da lei, por exemplo, 16,17: “É mais fácil acabar o Céu e a Terra do que cair uma só vírgula da lei”. Da mesma forma, em Atos, Paulo é apresentado por Lucas como aquele que se defende contra- acusações de que estaria pregando contra a Lei e o Templo. Para o Paulo lucano, o cristianismo se situa na melhor tradição do judaísmo, a do farisaísmo (observar os discursos apologéticos de Paulo em At 21–26). O judaísmo tinha uma longa tradição de oração. Jesus e a comunidade que segue seu caminho se situam nessa tradição. Ao narrar o estabelecimento do Israel reconstituído por Deus, Lucas diz como Jesus selecionou os Doze (6,12-16) e como o grupo foi reconstituído após a morte de Judas (At 1,15-26). O Evangelho começa em Jerusalém e no Templo. At 1–3 detalha as origens do Israel reconstituído em Jerusalém e no Templo. A partir de Jerusalém, a Palavra de Deus se dirige a todas as nações (At 1,8). (^10) CASALEGNO (op. cit., p. 211) destaca os principais: o chamado de Pedro acontece logo após o milagre da pesca milagrosa (5,1-11). Também a parábola do bom samaritano (10,25-37), que se situa numa posição concreta da vida de Jesus, representa uma resposta a uma questão levantada por um doutor da Lei que pede a Jesus que responda à pergunta: “Quem é meu próximo?” (v. 29). Lucas destaca, também, que as três parábolas da misericórdia (15,1-32) são contadas por Jesus quando os fariseus e os publicanos fazem murmurações contra ele, não entendendo por que “recebe

20 Na maioria das vezes, o evangelista utiliza o grego da koiné , dos autores profanos helenísticos. Esse idioma corresponde mais ao hábito do povo com o qual quer se comunicar. Procura, porém, evitar expressões menos convenientes para um relato religioso. Não usa, por exemplo, o termo “sêmen”, em grego σπέρμα, para indicar a descendência (20,29), e, com certo pudor, qualifica a prostituta que procura Jesus na casa do fariseu com a expressão “uma mulher pecadora da cidade” (7,37). Não coloca na boca de Jesus a frase mais popular “é mais fácil um camelo passar pelo fundo da agulha do que um rico entrar no reino de Deus”, mas fala de “buraco de uma agulha” (18,25; cf. Mc 10,25).^11 Para Léon-Dufour, Lucas usa suas fontes de forma criativa: vale-se do paralelismo como nos anúncios do nascimento de João Batista e de Jesus e é habilidoso no emprego de dispositivos literários para conectar as tradições e as fontes.^12 Os eventos preditos na narrativa acabam acontecendo, uma vez que Lucas usa o recurso literário da promessa e do cumprimento. Isso pode ser visto, por exemplo, na predição de Simeão, de que Jesus será motivo de seguimento e de queda de muitos em Israel (2,34). O evangelista gosta de inclusios literárias, isto é, de começar e terminar o Evangelho no Templo. Na mesma linha do paralelismo, Jesus conclama os habitantes de Jerusalém a se arrependerem quando estiverem às portas da Cidade Santa. Uma leitura atenta dos 52 capítulos da obra lucana revela-nos mais paralelismos, como a relação entre a oração de Jesus, agonizando na cruz, para que seus inimigos fossem perdoados, e a de Estêvão. Lucas emprega um esquema geográfico dominante em seu relato querigmático: da Galileia, Jesus viaja para Jerusalém e para Deus; de Jerusalém, a Igreja, impulsionada pelo Espírito Santo prometido, viaja para os confins da terra (At 1,8). E mesmo quando lida com a geografia teológica, ele mantém sua tendência ao paralelismo, ao mostrar que Paulo, em Atos, viaja para Jerusalém de acordo com a os pecadores e come com eles”. Jesus lhes manifesta que sua atitude é parecida com a de Deus, que acolhe os desviados e todos aqueles que precisam de seu perdão. (^11) CASALEGNO, op. cit., p. 214. (^12) Segundo LÉON-DUFOUR (Bulletin d’exegese du Nouveau Testament. RSR , 1954, p. 549-584), Lucas, distinguindo-se de Mc, se esforça por evitar os latinismos; faz pouco uso da paráfrase característica do segundo evangelista (“e… e… e…” kai… kai…… kai), utilizando mais a preposição subordinada, relacionando uma frase com a que a antecede, por meio de várias preposições gregas, como “porém” (de.), “pois” (ga.r), “portanto” (ou=n). Lucas conhece, também, o modo grego optativo, que indica desejo e manifesta uma disponibilidade, por exemplo, em 1,38, em relação a Maria: “Faça-se em mim segundo a tua palavra” (cf. 5,24; 10,17; 17,27; 24,19; 25,20; 27,12).