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VEGETAÇÃO E FLORA DAS CAMPINARANAS DO ..., Manuais, Projetos, Pesquisas de Ciências da Natureza

“floresta em terra firme sobre solo arenoso”, e “vegetação baixa ao longo da estrada”, ambos nas proximidades da Estrada da Alemanha, em ecótono da região ...

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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VEGETAÇÃO E FLORA DAS CAMPINARANAS
DO SUDOESTE AMAZÔNICO (JU-008)
MARCOS SILVEIRA
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE
DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
Relatório apresentado à
Associação S.O.S. Amazônia,
como um componente do
Documento de Defesa Técnica,
que subsidiará a criação de
uma Unidade de Conservação
na região das Campinaranas do
sudoeste da Amazônia.
RIO BRANCO
OUTUBRO
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VEGETAÇÃO E FLORA DAS CAMPINARANAS

DO SUDOESTE AMAZÔNICO (JU-008)

MARCOS SILVEIRA

UNIVERSIDADE FEDERAL DO ACRE

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA

Relatório apresentado à

Associação S.O.S. Amazônia,

como um componente do

Documento de Defesa Técnica,

que subsidiará a criação de

uma Unidade de Conservação

na região das Campinaranas do

sudoeste da Amazônia.

RIO BRANCO

OUTUBRO

ii

APRESENTAÇÃO

Com vistas a elaborar um Documento de Defesa Técnica, para subsidiar a criação de uma Unidade de Conservação na região das Campinaranas do sudoeste da Amazônia, este relatório apresenta uma síntese sobre a vegetação e a flora desse sistema, com base em dados secundários e observações efetuadas durante o sobrevôo, o reconhecimento e o levantamento de campo, realizados no período de 16- 23/09/2003, em áreas do polígono JU-008 (Programa ARPA do IBAMA), fronteira do Estado do Acre com o Amazonas, entre Cruzeiro do Sul-AC e Guajará-AM.

1. INTRODUÇÃO

O termo Campinarana é geralmente aplicado a um tipo de vegetação que se desenvolve sobre solos arenosos extremamente pobres (oligotróficos), na maioria dos casos hidromórficos, e ricos em ácido húmico. Porém o termo engloba um complexo mosaico de formações não florestais, porém não savânicas, com ocorrência esporádica, mas freqüente em toda a região Amazônica (Pires, 1974; Pires & Prance, 1985; Richards, 1996).

Esse complexo está encravado no domínio das planícies terciárias de terra firme, acima do nível das planícies alagáveis, nas depressões do relevo tabular onde desenvolvem solos mal drenados, com horizonte C impermeável, cimentoso e acinzentado (IBGE, 1991; Veloso et al ., 1976).

Esses habitats apresentam uma vegetação com subosque de porte baixo e irregularmente aberto, densidade alta de árvores pequenas e finas, escassez de árvores emergentes, lianas e epífitas, abundância de elementos com esclerofilia pronunciada, folhas esclerófilas perenes e pequenas, com aparência xeromófica, e valores baixos de diversidade (Anderson, 1981; Medina et al ., 1990; Richards, 1996). Em contraste com a maioria das florestas Amazônicas, além da pobreza de espécies vegetais, essa vegetação exibe uma tendência pronunciada de dominância por uma ou poucas espécies (Anderson 1981).

Outra característica distintiva é a presença de uma rede espessa, compacta e flexível de raízes finas sobre o solo, que em alguns casos pode apresentar até um metro de espessura. Comparada com as florestas crescendo em outros tipos de solo, essa vegetação apresenta uma proporção muito maior de raízes finas na fitomassa (Klinge & Herrera , 1978), e utiliza a própria matéria orgânica que deposita no ambiente, como fonte de nutrientes.

Esse acúmulo pouco usual de matéria orgânica em um solo tropical úmido, pode ocorrer em decorrência, i) da acidez do solo promovida por ácidos húmicos, ii) do acúmulo de compostos tóxicos e qualidade nutricional baixa da serapilheira, iii) da taxa baixa de decomposição, e iv) da remoção de nutrientes protéicos por complexos fenólicos originados nos compostos secundários produzidos pelas plantas, especialmente fenóis e taninos, conforme Janzen (1974).

Estudos florísticos realizados em vegetação sobre areia branca no Peru, por Gentry (1988a), Gentry & Ortiz (1993), Vásquez Martínez (1997) e Ruokolainen & Tuomisto (1998), indicaram uma riqueza florística baixa, porém, também revelaram dezenas de espécies de plantas endêmicas. Quase 90% das espécies amostradas em ambientes associados com areia branca, os “Varillais” da região de Iquitos, no Peru, são especialistas de vegetação sobre areia branca, muitas delas endêmicas (Gentry, 1986; Vasquez, 1997).

Pelo fato de estarem localizadas em uma mesma zona climática que as florestas adjacentes, mais que a pluviosidade e a temperatura, o solo é um dos fatores determinantes dos contrastes entre esse sistema e as florestas vizinhas. Além do solo, a seca fisiológica sazonal causada pela diminuição da altura do lençol freático, também limita o estabelecimento e o crescimento das plantas, sendo que a seca pode chegar a condições extremas onde o lençol freático é profundo e a areia porosa não permite a ascensão da água.

A documentação da heterogeneidade ambiental no complexo de formações vegetais sobre areia branca na região de fronteira do Acre com o Amazonas, e também da diversidade florística associada às fitofisionomias, e da vulnerabilidade e ameaças de um sistema ecológico único nessa região da Amazônia, representa, conforme segue, uma passo elementar para o conhecimento de padrões e processos ecológicos que caracterizam o meio.

2. A DIVERSIDADE DE AMBIENTES E TERMINOLOGIAS

As características fito-fisionômicas das formações vegetais sobre areia branca variam entre uma vegetação gramíneo-lenhosa rala e aberta, quase arbustiva, com alta penetração de luz, chamada "Campina" nos Estados do Pará e do Amazonas (Anderson, 1981), e "Bana" na Venezuela (Jordan, 1985), até estágios arborescentes com dossel apresentando poucas árvores emergentes, subosque com uma densidade alta de árvores finas e pequenas, chamados de "Campinarana" ou "Caatinga amazônica", no Rio Negro (Anderson, 1981), e "Varillal" no Peru (Gentry, 1977; Ruokolainen & Tuomisto, 1993). Formações vegetais sobre areia branca também são encontradas na Colômbia (Duivenvoorden, 1996), Venezuela, Suriname, e Guiana (Anderson, 1981; IBGE, 1992).

No Peru são descritas pelo menos três comunidades de Varillais: o “varillal seco”, localizado nas colinas e pequenos declives com boa drenagem; o “varillal úmido”, restrito às depressões tabulares e solos com drenagem deficiente, e coberto por uma rede de raízes; e o “olho” do varillal, também localizado nas depressões, mas na parte mais central onde a drenagem é quase nula, e o estrato arbóreo é quase ausente (Ruokolainen & Tuomisto, 1993).

No Brasil, esse complexo formado por manchas de vegetação lenhosa oligotrófica, localizado em áreas alagadas ou sobre acúmulo de areia, é denominado pelo IBGE (1992) de Campinarana (ou Campina), e é dividido em três subgrupos: campinarana densa ou florestada, campinarana arbórea aberta ou arborizada, e gramíneo-lenhosa.

Na Amazônia brasileira, a região do alto Rio Negro é conhecida pela ampla distribuição desse tipo de vegetação, porém no sudoeste da Amazônia, mais especificamente na fronteira do Acre com o Amazonas, as Campinaranas foram “descobertas” apenas entre as décadas de 70 e 80.

As Campinaranas abrigam na verdade uma diversidade de ambientes, e diferentes terminologias são utilizadas para a descrição das fisionomias. Através dos registros do Banco de Dados da Flora do Acre foi possível verificar como os botânicos que visitaram esse complexo vegetacional sobre areia branca nos últimos 30 anos, descreveram a fisionomia dos ambientes onde realizaram suas coletas botânicas (Tabela 1).

G.T.Prance e P. Maas visitaram a região em 1971, e coletaram respectivamente em “floresta em terra firme sobre solo arenoso”, e “vegetação baixa ao longo da estrada”, ambos nas proximidades da Estrada da Alemanha, em ecótono da região core das formações sobre areia branca no sudoeste da Amazônia.

Na década de 80, A. Henderson do New York Botanical Garden (NYBG), coletou diversas palmeiras em “área úmida em areia branca, campina”, em 1984 e em 1989; C. A. Cid Ferreira do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), coletou em “Campina fechada”, na estrada entre Cruzeiro do Sul e Guajará. Novamente na região em 1991, Cid Ferreira coletou em Campinarana, “Campina aberta”, “Campina alta”, e “Campina alta aberta”, ao longo da BR 307, e em Campinarana e Campina, na estrada do Isaac, juntamente com E. Ferreira do INPA-Acre, em 1992.

Em 1994, M. Silveira da Universidade Federal do Acre e José Ramos do INPA, coletaram em Campinarana com muitas árvores finas entre 10-15 m, e em Campina aberta com muitos arbustos até 3 m de altura e poucas árvores, em trechos da BR 307; em agosto de 2002 e março de 2003, com estudantes de Biologia da UFAC, M. Silveira coletou em Campina aberta, Campinarana e Floresta com caranaí ( Lepidocaryum tenue, Arecaceae), na área da Colônia Santa Bárbara, BR 307, e no ramal Badejo de Cima, município de Guajará- AM.

fisionômico-estruturais e florísticas das tipologias documentadas durante o levantamento de campo.

3. INTERPRETAÇÃO VISUAL DE IMAGEM DE SATÉLITE E OBSERVAÇÃO DAS

TIPOLOGIAS VEGETAIS ATRAVÉS DO SOBREVOO

Ao contrário da maior parte da vegetação Amazônica, as formações vegetais sobre areia branca são facilmente identificadas através das imagens do satélite Landsat 7 (Figura 1). A interpretação visual do padrão espectral de uma imagem de 2002, preparada pelo SIVAN, indica que a paisagem regional é composta por polígonos de diferentes tonalidades, cujas mudanças muitas vezes abruptas na coloração, representam transições entre tipos fisionômicos-estruturais de vegetação.

A relativa uniformidade na textura da imagem indica que o relevo na região das Campinaranas do sudoeste da Amazônia é praticamente plano ou suave ondulado, com exceção da porção noroeste, na região das cabeceiras do Rio Ipixuna, onde é possível observar certa rugosidade, indicando a presença de relevo ondulado.

De modo geral, a paisagem regional é formada por uma matriz de tonalidade verde, cuja intensidade varia entre o verde claro e o escuro, indicando a presença de diferentes tipologias florestais. Nessa matriz de tonalidade verde estão imersas manchas grandes, freqüentemente circulares, e perfeitamente visíveis, de tonalidade azul, que apontam para a presença de água e, portanto, para a existência de uma vegetação inundada, sujeita a inundações periódicas, ou ainda, que se desenvolve sobre solo mal drenado. Os polígonos de tonalidade azul apresentam variações difusas ou transições rápidas para a tonalidade lilás, indicando uma diminuição na altura da cobertura vegetal. Imersas nessas manchas de tonalidade azul e lilás, como se fossem “ilhas”, existem manchas pequenas e discretas de tonalidade rósea, o que indica uma diminuição na altura da cobertura vegetal, e portanto, presença de solo parcialmente exposto. A imagem ainda mostra a existência de polígonos de tonalidade vermelha, indicando a presença de solo totalmente exposto, em áreas urbanas ou fazendas.

Sobrevoando esse mosaico a 600 m de altitude em média, é possível observar que a variação na tonalidade dos polígonos na imagem de satélite corresponde a transições nas feições fisionômico-estruturais da vegetação, na maioria das vezes perfeitamente distintas (Figura 2), e marcadas especialmente por variações na composição florística, na densidade e na altura da cobertura vegetal.

A matriz verde corresponde a diversos tipos de vegetação florestal com dossel relativamente homogêneo e fechado, e com árvores emergentes. A presença de palmeiras (Arecaceae) no dossel desse polígono é marcante, especialmente nas áreas em que a rede de drenagem concentra diversos igarapés formados por água preta. Nesses locais a cobertura é marcada pela presença de pataua Oenocarpus , bacaba Oenocarpus , e manchas de buriti Mauritia flexuosa , ora densas e ora esparsas. As manchas de tonalidade azul correspondem a uma vegetação florestal com dossel irregular e pouco denso, e com algumas árvores emergentes, enquanto as manchas de tonalidade lilás representam uma cobertura marcada pela diminuição da altura do dossel, pela abundância de árvores finas e praticamente pela ausência de emergentes. As manchas pequenas com tonalidade rósea correspondem a uma fisionomia aberta e predominantemente arbustiva, com árvores grandes escassas e esparsas, e cuja cobertura pouco densa, expõe o substrato formado por areia branca (Figura 3).

O sobrevôo permitiu observar que a vegetação apresenta um gradiente fisionômico- estrutural bastante nítido, no entanto, a identificação das fito-fisionomias, e de variáveis que controlam a composição florística e a distribuição dessas formações, como por exemplo, o desenho da rede de drenagem composta por igarapés de água preta, a presença e

distribuição de solos mal drenados, e a variação temporal na profundidade do lençol freático, requerem uma avaliação mais fina, propiciada em parte, pelo levantamento de campo, descrito a seguir.

4. ASPECTOS FISIONÔMICO-ESTRUTURAIS E FLORÍSTICOS DA VEGETAÇÃO SOBRE

AREIA BRANCA NO SUDOESTE DA AMAZÔNIA

Antecedendo o levantamento de campo, foi efetuado um reconhecimento expedito da região das Campinaranas localizadas ao longo da BR 307, com vistas a identificar uma área estratégica que permitisse o acesso a trilhas que interceptassem o maior número possível de tipologias vegetais, e cuja estrutura permitisse a instalação de um acampamento para a equipe de campo. O reconhecimento foi georeferenciado com aparelhos de Sistema de Posicionamento Global, e guiado por uma imagem de satélite (Landsat 7, 2002), e por informações de moradores locais.

O reconhecimento seguiu pelo relevo plano da BR 307 cruzando a vegetação predominantemente arbórea sobre areia branca, atingindo uma região de relevo ondulado (Figura 4), com fazendas em ambas as margens da estrada. Porém, devido às condições impróprias da estrada, não foi possível localizar um ponto estratégico nessa região para documentar o ecótono entre o complexo sobre areia branca e as formações florestais vizinhas.

No retorno, moradores da região do Belo Monte indicaram uma trilha de caça na margem direita da BR 307 (sentido Cruzeiro do Sul-Belo Monte), com duas casas abandonadas, e acesso a outras trilhas. Na busca pela logística pretendida, em uma hora de deslocamento até a casa escolhida como ponto de apoio, foram observadas diferentes fisionomias.

Durante o levantamento de campo, foram observadas, georeferenciadas (Anexo 1) e descritas as grandes tipologias da região, como, as Campinas, as Campinaranas e as Florestas densas, cada qual com variações fisionômicas sutis, ou, na maioria dos casos, apresentando transições rápidas.

Campina aberta arbustiva

A Campina aberta arbustiva é uma formação vegetal esclerófila, com porte muito baixo (< 3m) para os padrões da vegetação amazônica, restrita a manchas de vegetação com alta incidência lumínica ao nível do solo, e fisionomicamente muito semelhante às moitas arbustivas das restingas litorâneas (Figura 5).

Na porção superficial do solo existe uma camada de 15-20 cm de espessura formada por uma rede intrincada e macia de raízes finas, que cede aos passos, dando uma impressão de que o terreno é “flexível” (Figura 6). Abaixo desse verdadeiro “tapete” de raízes existe uma camada de solo arenoso, húmico, e de coloração preta, também com 15- 20 cm de espessura, e abaixo desta, areia branca e úmida. Esta camada de areia torna-se mais úmida com o aumento da profundidade, indicando a presença de um lençol freático muito superficial.

A rede de raízes está irregularmente distribuída no ambiente, e é coberta por um três Pteridófitas do gênero Trichomanes (Hymenophyllaceae)(Figura 7), Selaginella (Selaginellaceae)(Figura 7), Lycopodiella (Lycopodiaceae), pelo liquen fruticuloso do gênero Cladonia (Cladoniaceae)(Figura 7), 4-5 espécies de Gramíneas, e outras ervas como, Pedicularis (Scrophulariaceae), Sobralia e Epidendron (Orchidaceae) , Stachyarrhena spicata ( Rubiacease ), e Sauvagesia (Onagraceae). Nos locais onde o solo fica completamento exposto, ocorrem ervas como, Xyris jupicai (Xyridaceae)(Figura 7), e Eriocaulum

mantêm as partes aéreas dessas plantas acima do nível das inundações temporárias durante as chuvas.

Nas depressões periodicamente alagadas, onde o lençol freático está muito próximo da superfície, existem raízes pneumatóforas (Figura 11), sendo comum encontrar no estrato herbáceo, Rapatea (Rapateaceae)(Figura 11), uma planta característica dos Andes, e principalmente da Guiana venezuelana, um centro de diversidade do grupo arbóreo. No estrato arbóreo há Clusia (Clusiaceae)(Figura 11), e as Rubiaceae, Ladenbergia e Cinchonopsis.

Em áreas mais secas existe um tipo de Campinarana com dossel denso formado por Dendropanax (Araliaceae), Protium heptaphyllum (Burseraceae), Platycarpum (Rubiaceae), palmeiras, como, Astrocaryum (Murmurú) e Oenocarpus (Patauá), e por árvores emergentes com 30-35 m (Figura 10). O estrato herbáceo-arbustivo até 3 m, pode ser dominado por espécies das Melastomataceae e Rubiaceae ( Pagamea, Palicourea e Psychotria )(Figura 10), algumas delas também encontradas na Campina arbustiva. A dominância dessas famílias invariavelmente diminui, favorecendo o predomínio de uma Pteridófita indeterminada com 1 m de altura (Figura 10 e 12). Em outros casos, o aumento na densidade de palmeiras com folhas pinadas grandes no dossel, limita a regeneração das espécies herbáceo-arbustivas acima citadas, favorecendo o desenvolvimento de espécies arbóreas no estrato arbustivo- herbáceo, ao invés das Rubiaceae, Melastomataceae e da Pteridófita. Ainda no estrato herbáceo-arbustivo existe uma espécie de palmeira de até 3,0 m de altura, chamada de Caranaí Lepidocaryum tenue (Arecaceae), muito comum nas Florestas que se desenvolvem sobre areia branca.

Mata alta com caranaí

Pelo menos dois tipos de floresta são encontrados na região: uma floresta densa polidominante, com dossel até 15-20 m, caracterizado pela presença de Trattinnickia burserifolia e Protium (Burseraceae), Couma utilis (Apocynaceae), Schefflera megacarpa (Araliaceae), e Oenocarpus , Mauritia flexuosa e Mauritiella (Arecaceae), e emergentes até 30 m, como Ocotea gracilis (Lauraceae), Cariniana (Lecythidaceae), e Qualea e Vochysia (Vochysiaceae). No sub-bosque ocorrem Euterpe catinga e Paxiubarana (Arecaceae), e Haploclathra cordata , e o estrato herbáceo-arbustivo é marcado pela excepcional dominância de Caranaí Lepidocaryum tenue (Arecaceae) e de um Cyperus (Cyperaceae) com 2 m de altura, e pela presença de Calathea e Ischnosiphon (Marantaceae), Selaginella (Selaginellaceae), Rapatea (Rapateaceae), e Paxiubinha Iriartella stenocarpa e Paxiuba de macaco Wettinia augusta (Arecaceae). Nas pequenas depressões mais úmidas ocorre uma espécie de bambu arbustivo, provavelmente do gênero Olyra. As epífitas são raras e representadas por Peperomia (Piperaceae) e pelo menos três espécies de Araceae. Nesta fisionomia também podem ser encontradas espécies lianescentes como, Gnetum (Gnetaceae), uma Gimnosperma pouco comum nas formações da região, e Clidemia (Melastomataceae).

A outra fisionomia corresponde a uma floresta com árvores emergentes a 15-20 m, dossel fechado a 8-10 m de altura, dominado por Ocotea gracilis (Lauraceae), e caracterizado pela ocorrência de outras espécies arbóreas das famílias Apocynaceae ( Himatanthus ) e Rubiaceae. Espécies herbáceas e arbustivas observadas na fisionomia anterior, também foram encontradas aqui. Essa fisionomia ocorre ao longo dos cursos d’água, circundando o continuum de fases estruturais da Campinarana.

Nas manchas mais florestadas também ocorrem espécies arbóreas comumente encontradas nas florestas vizinhas, como as Moraceae, Ficus guianensis , Helicostilys scabra e Perebea guianensis , as Myristicaceae, Iryanthera juruensis e Iryanthera macrophylla , e as Sapotaceae, Micropholis guianensis e Chrysophyllum prieurii.

Tanto as características fisionômico-estruturais, como a composição florística das formações sobre areia branca, são controladas predominantemente pela variação no tipo de solo, pela microtopografia e, portanto, pelo tempo de inundação e disponibilidade de nutrientes, favorecendo ou limitando a dominância (oligarquia) de certas espécies, e determinando o porte e a densidade de formas de vida. Assim, via de regra, formações com predomínio de arbustos e árvores em torno de 5 m caracterizam áreas úmidas, enquanto formações com árvores em torno de 20 m ocorrem em áreas menos úmidas.

Considerações florísticas

O filtro aplicado ao número total de registros do Banco de Dados da Flora do Acre resultou em um total de 777 amostras botânicas coletadas na região das Campinas- Campinaranas-Florestas sobre areia branca na região de Cruzeiro do Sul e Guajará. Desse total, 286 (37%) amostras foram identificadas apenas até a categoria de família, 222 (28%) apenas até o nível genérico, e 271 (35%) até o nível específico, sendo destes registros gerada uma lista com 203 espécies (Anexo 2).

Embora 65% das amostras ainda estejam por ser determinadas, a relação entre o número total de amostras coletadas e o número de espécies identificadas completamente, indica que a cada quatro coletas efetuadas em fito-fisionomias associadas a areia branca, uma representa um novo registro para a flora desse complexo vegetacional.

Praticamente 26% das espécies identificadas pertencem às famílias Rubiaceae ( espécies), Arecaceae (21 espécies) e Melastomataceae (7), sendo estas as famílias mais especiosas da região. Muitas palmeiras que contribuem para a representatividade significativa da família, são espécies coletadas em manchas de floresta sobre areia branca e também ocorrem nas florestas de terra firme da região.

Dados sobre endemismos nas Campinaranas ainda precisam ser trabalhados por especialistas taxonômicos, porém, a maioria das espécies das famílias Rubiaceae e Melastomataceae é exclusiva das formações sobre areia branca, podendo algumas delas ocorrer na região do complexo da Serra do Divisor, onde existem manchas de vegetação sobre areia branca. Espécies que apresentam esse padrão de distribuição geográfica são: Macoubea guianensis e Rhigospira quadrangularis (Apocynaceae), Lepidocaryum tenue var. gracile (Arecaceae), Distictella magnoliifolia (Bignoniaceae), Phthirusa retroflexa (Loranthaceae), Leandra secunda (Melastomataceae), Cespedesia sphatulata (Ochnaceae), Ladenbergia amazonensis e Palicourea grandiflora (Rubiaceae), e Paullinia ferruginea (Sapindaceae).

Algumas espécies bem distribuídas em florestas de terra firme da região do Alto Juruá, também encontram nas formações sobre areia branca, ambientes preferenciais para seu desenvolvimento.

5. ESTADO DE CONSERVAÇÃO, VULNERABILIDADE, E AMEAÇAS À INTEGRIDADE

DO SISTEMA

Esse conjunto de fisionomias florestais sobre areia branca, além de relativamente pequeno em extensão, e ecologicamente único em função das adaptações às condições de pobreza nutricional do solo, à sazonalidade do regime hídrico, e da diversidade de ambientes, também representa um dos ecossistemas amazônicos mais frágeis e vulneráveis a atividades antrópicas.

O solo na sua maior parte impróprio para a agricultura, a produtividade baixa e a drenagem deficiente no período das chuvas determinam uma freqüência baixa no uso da terra nessas áreas. Porém, a ausência de alternativas econômicas faz com que a população

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Figura 1 – Distribuição das formações vegetais sobre areia branca na região de Cruzeiro do Sul e Guajara, fronteira do Acre com o Amazonas, onde a tonalidade azul na imagem do satélite Landsat 7, indica a presença de água.

Figura 2 – Gradiente vegetacional na fronteira do Acre com o Amazonas, onde, A1=Campina arbustiva aberta, A2=Campina dominada por Mauritia flexuosa em depressão alagada, B=Campinarana sensu lato , C=Floresta com Lepidocaryum tenue dominando o estrato arbustivo até 3 m.

B^ A

C

B

C

A

Figura 5 – Visão panorâmica da fisionomia da Campina arbustiva aberta na região do Belo Monte (acima), e do ramal Badejo de Cima (abaixo).

Figura 6 – Camada espessa de raízes finas sobre solo formado por areia branca, pobre em nutrientes e sujeito a diferentes níveis de lixiviação.

Figura 7 – Espécies herbáceas da Campina arbustiva aberta. Da esquerda para a direita e acima: Trichomanes, Selaginella, e Trichomanes; abaixo: Eriocaulum (Eriocaulaceae) , Cladonia (Cladoniaceae), e Xyris jupicai. (Xyridaceae).

Figura 8 – Espécies arbustivas e arbóreas da Campina arbustiva aberta. Acima, da esquerda para direita: Retiniphyllum concolor (Rubiaceae), Ouratea castanaefolia (Ochnaceae), e Bombacaceae. Abaixo, da esquerda para a direira: Melastomataceae, Abarema (Mimosaceae), e Byrsonima (Malpighiaceae).

Figura 10 – Variações fisionômicas nas Campinaranas lato sensu : A) Campinarana com densidade alta de árvores finas, e com emergentes a 15-20 m; B) Campinarana com estrato herbáceo-arbustivo dominado por Melastomataceae e Rubiaceae, e com emergentes a 10- 15 m; e, C e D) Campinarana com estrato herbáceo dominado por uma Pteridófita indeterminada, e com emergentes até 30-35 m.

A

B

C

D

Figura 11 – Raízes pneumatóforas crescendo em meio a camada de raízes finas em depressão alagável (Acima) e abaixo, da esquerda para direita, árvore caída expondo o sistema radicular superficial, Rapatea (Rapateaceae), e Clusia (Clusiaceae).

Figura 12 – Campinarana em depressão inundável por tempo inferior a 24 horas, onde são comuns associações herbáceas envolvendo as Pteridófitas, Elaphoglossum , Danaea , e Anthurium ( Araceae).