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nordestino, trajes de cena e de folguedo. São Paulo: Universidade de São. Paulo; Doutoranda; Fausto Roberto Poço Viana. RESUMO: O teatro popular brasileiro ...
Tipologia: Provas
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VASCONCELOS, Tainá Macêdo. Anotações sobre teatro popular nordestino, trajes de cena e de folguedo. São Paulo: Universidade de São Paulo; Doutoranda; Fausto Roberto Poço Viana.
RESUMO: O teatro popular brasileiro é entrelaçado por uma abordagem política e pelas tradições culturais populares da comunidade que o circunda. No percurso da história teatral observa-se que as arenas comunitárias, feiras, praças, pátios das igrejas, sindicatos e espaços públicos no geral, sempre foram ocupados com representações teatrais. Esse artigo reflete sobre a diversidade da produção do teatro popular na Paraíba a partir dos grupos Cia Oxente, Grupo Soluar e SerTão Teatro, com ênfase nos trajes cênicos através do estudo da figura popular do Mateus.
PALAVRAS-CHAVE: Teatro popular. Traje de cena. Mateus.
ABSTRACT: Brazilian popular theatre is intertwined by a political approach and cultural traditions of the community around. In theatre history it is observed that the community arenas, fairs, squares, church courtyards and public spaces, has always been occupied with theatre. This essay reflects on the diversity of production of popular theatre in Paraíba through Cia Oxente, Soluar and SerTão Teatro, with emphasis on costumes designs and interactions with the folk character Mateus.
KEYWORDS: Popular theatre. Costume. Mateus.
Introdução
Esse é um estudo inicial que integra a pesquisa de doutoramento que venho realizando sobre os trajes do teatro popular brasileiro. Aqui, apresento anotações sobre os trajes do Mateus, ainda existem muitas outras figuras para analisar, como a Catirina, o Capitão, os Galantes e as figuras fantásticas. As tradições populares constituem um universo e o teatro nordestino navega nele.
Ao analisar a história do teatro mundial, as representações populares sempre tiveram seu espaço garantido, nas feiras, nos pátios, nas comunidades em geral. Existem referências sobre essas representações muito antes do teatro grego (BERTHOLD, 2000). A essência do fazer teatral é eminentemente ritualística com forte apelo popular. Denis Guénoun afirma que o teatro é necessário porque a humanidade tem a necessidade de jogar (GUÉNOUN, 2012, p.147). E é da relação entre as representações ritualísticas e do desejo pelo relacionamento lúdico que o teatro popular surge.
No contexto ocidental, a expressão do teatro popular mais conhecida até hoje é a Commedia dell’Arte , movimento teatral cômico que se desenvolveu na Itália do século XVI e se espalhou pela Europa. A Commedia dell’Arte se caracterizava pelos roteiros pré-estabelecidos ( canovaccio ), nos diálogos improvisados, nas movimentações clownescas ( lazzi ) e nos tipos sociais visualmente identificados por uma máscara e um traje de cena peculiar (BERTHOLD, 2000). As Atelanas romanas, do século II a. C., são os antecedentes dessa comédia.
Os tipos apresentados na Commedia dell’Arte são servos ( Zanni, Arlecchino, Brighella ), velho mesquinho ( Pantalone ), falso sábio ( Il Dottore ), enamorados ( Fabrizio, Leandro, Isabella, Flaminia ), capitães ( Il Capitano, Scaramuccia ), mulher sagaz ( Colombina ), entre outros (RUDLIN, 1994, p.67- 159). Esses tipos acompanham a trajetória do teatro popular com algumas modificações e novas roupagens, refletindo o tempo e o espaço em que estão inseridos.
Teatro Popular Brasileiro
No Brasil, o teatro popular pode ser definido a partir de diferentes olhares, sendo os mais frequentes relacionados às questões políticas, sociais e culturais. Todavia, é importante esclarecer que essa análise parte das referências construídas em um país colonizado, que não registrou formalmente manifestações teatrais anteriores ao período colonial. Até meados do século XX, as representações teatrais populares aconteciam em lugares públicos com aglomeração de pessoas, como as praças, igrejas e mercados. Com o golpe militar de 1964, o cerceamento de direitos, o decreto do AI- 5 e a censura, os artistas se mobilizaram por meio da arte. Os casos com maior repercussão dessa mobilização pela arte envolvem músicos, mas no teatro não foi diferente. Augusto Boal e o Teatro Arena são um bom exemplo. Boal foi integrante do Teatro Arena, junto com Gianfrancesco Guarnieri, onde montaram diversos espetáculos como Eles não usam black tie e Arena conta Zumbi, com grande carga política criticando o sistema capitalista, os abusos de poder e a luta de classes.
Ressaltando as relações de poder entre o teatro literário, o teatro burguês e o teatro popular, sendo este último encarado como um espaço de resistência.
Rubens José Souza Brito (2009), por sua vez, faz menção a influência das tradições populares no teatro.
A partir de 1990, solidifica-se o uso da denominação popular na qualificação de espetáculos que aduzem elementos da cultura popular brasileira, espetáculos esses que obtém inequívoco sucesso junto à crítica especializada e ao público do circuito tradicional. [...] Incontáveis exemplos de peças que evidenciam configurações estéticas singulares entre si, utilizam, na fatura da obra cênica, caracteres da nossa cultura popular de uma forma sofisticada [...], e que exibem seus trabalhos em salas de espetáculos às quais tem acesso apenas uma pequena parte da população, ainda que o número de espectadores seja ocasionalmente ampliado em virtude de campanhas de incentivo ao teatro. (BRITO, 2009, p. 275)
Se torna comum assistir espetáculos teatrais populares utilizando elementos de folguedos, seja na construção dramatúrgica, na interpretação ou na visualidade. Entretanto, nessa citação Brito (2009) faz uma crítica aos espetáculos que usam esses elementos da cultura popular para encantar espectadores burgueses, tendo em vista que o povo não consegue ter acesso as salas de espetáculo, corroborando com a definição da segunda categoria do teatro popular proposta por Boal (1979).
Nordeste
No nordeste, o teatro popular ganhou força com os movimentos populares e o interesse em aproximar as comunidades. Nesse período, alguns grupos se destacaram nesse processo, no Ceará, o Grupo Independente de Teatro Amador (GRITA) é um dos exemplos.
Inicialmente, a experiência que o GRITA empreende, apresenta, também, uma postura iluminada, diante do popular. O Grupo acreditava que representar um teatro com elementos populares significava promover uma arte popular. No entanto, à medida que o movimento se aproxima dos bairros, refaz a visão do popular, passando a perceber que um teatro é popular na medida que compreende as contradições da vida e se integra às lutas de libertação da classe subalterna. (SILVA, 1992, p. 218)
O GRITA foi um grupo importante para o fortalecimento do teatro cearense, inclusive por fazer parte do movimento da federação de teatro amador, que foi responsável pela difusão do teatro em território nacional no final do século XX. O grupo atuava com pautas nos grandes teatros do estado, assim como mantinha atividades constantes em colégios e sindicatos afastados dos centros urbanos. A grande experiência deles foi tentar compreender as questões sociais e políticas da comunidade sem perder a criatividade e a ludicidade inerentes a cultura popular.
Outro grupo com forte atuação no estado de Pernambuco, foi o Teatro Popular do Nordeste (TPN), liderado por Hermilo Borba Filho. Esse grupo teve início no movimento estudantil, era formado por antigos integrantes do Teatro do Estudante de Pernambuco (TEP), grupo oriundo da Universidade Federal de Pernambuco. Luís Reis (2018) afirma que a motivação inicial do TPN está vinculada ao TEP:
O primeiro ponto a destacar é a manifesta intenção de que o novo grupo pudesse dar continuidade aos ideais que motivaram as diversas ações do TEP: o fortalecimento do teatro como arte, e não somente como forma de entretenimento; a democratização do acesso à arte teatral; o estímulo a uma produção dramatúrgica moderna, preferencialmente inspirada e temas da cultura local; e a crença do teatro como veículo de aprimoramento cultural, pessoal e coletivo. (REIS, 2018, p. 35)
Uma das principais características do TPN era a escolha por uma dramaturgia que espelhasse a cultura local. Nesse caso, a vantagem era que Ariano Suassuna (dramaturgo e romancista, membro da Academia Brasileira de Letras) fez parte do grupo durante muito tempo, e alguns de seus textos foram encenados pelo TPN. Porém, o grupo não excluía a possibilidade de montar textos clássicos, contanto que houvessem semelhanças com os temas locais.
Cenário Paraibano
Atualmente, na Paraíba, destaco a atuação de três grupos de teatro que possuem dinâmicas de produção diferenciadas, mas se aproximam do objetivo de fazer teatro sobre o povo e para o povo. A Cia Oxente com quase 40 anos, surgiu do interesse de um grupo de amigos em brincar de fazer teatro
brincadeiras, as mais conhecidas são: Mateus, Catirina e o Boi. O folguedo do Boi é peculiar porque apresenta uma história encenada, essa história sofre alterações assim como o nome da brincadeira, dependendo da localidade (CASCUDO, 1954, p. 124-125). Maria Helena Kühner (1975) analisa essa tradição da seguinte forma:
Uma brincadeira folclórica – como o nosso bumba meu boi – é, por exemplo, ocasião de fazer de Mateus, Birico e Catirina – as figuras do povo – atores principais, compensando a comédia da vida, em que estão sempre relegados aos bastidores, vendo sob as luzes da ribalta apenas o Mestre, com sua coroa de espelhos, e os “galantes”, que o servem, com suas longas espadas; de usar o terreiro como seu domínio, tratando o Mestre de igual para igual, permitindo-se brincadeiras e liberdades, desrespeitando tudo que não seja sua vontade de “brincar” e expandir-se, de exibir suas “qualidades” na dança, presepadas e desafios (como os passistas a exibem nos desfiles de sua escola); de vingar-se com crítica ferina, cobrindo de ridículo as figuras “importantes” do local; de expandir sua fantasia, pondo em cena os monstros que um dia fizeram o pavor de seus ancestrais e que agora põem a seu serviço (Cavalo-Marinho, Gigante, Jaraguá, etc.), nesta fusão mito/realidade que é uma de suas formas típicas de pensamento e visão; de rir da própria miséria e desgraça, como no tragicômico episódio de Birico achando as filhas num bordel por terem já o que comer; de cantar seu trabalho e sua alegria de saber que nele é gente (alguns cantos de trabalho são bastante expressivos; de poder ele próprio repartir e ter sua parte no boi morto
Imagem 01 – Mateus no Festival de Cavalo Marinho, na Casa da Rabeca, Olinda-PE, em
Fonte: VASCONCELOS, Tainá Macêdo. Mateus. 2014. 1 fotografia. Arquivo digital.
Mateus e Birico assumem os papéis dos Zanni , servos na Commedia dell’Arte. Eles são a alma da brincadeira, pois entrelaçam cada momento com uma piada ou uma brincadeira. No Cavalo Marinho, eles também marcam o tom mais forte da música batendo uma bexiga de boi.
Pela Imagem 01 é possível analisar o traje do Mateus durante a brincadeira. Como servo e figura do povo, ele usa sempre a mesma roupa, calça, camisa e tênis, variando os adereços que podem ser um chapéu cônico, matulão (aglomerado de palha seca) amarrado nas costas e a bexiga de boi na mão. Outra característica da caracterização do Mateus é a maquiagem, o brincante pinta o rosto de preto, independente se ele mesmo for negro ou não. Ao questionar Aguinaldo Roberto, mestre do Cavalo Marinho Estrela de Ouro de Condado-PE, em conversa informal em 2018 sobre essa questão, ele respondeu, de maneira despretensiosa, que a pintura do rosto existe no Cavalo Marinho para reforçar que o Mateus é negro mesmo.
Os três grupos paraibanos citados anteriormente já apresentaram um personagem inspirado na figura do Mateus em algum espetáculo. A Cia Oxente em Quem quiser que conte outra, revive literalmente as cenas principais do folguedo do boi no palco. O Grupo Soluar em O Caboré, traz na figura do personagem Matuto as mesmas características do Mateus; e o SerTão Teatro, também o faz em Flor de Macambira com o personagem homônimo ao Mateus. Essas são maneiras de lidar com as influências da cultura popular no teatro, utilizando-a tal como é na tradição, como fez a Cia Oxente, ou referindo-se a ela com características que aproximam as personagens, como foi o caso do Grupo Soluar e do SerTão Teatro.
Os três grupos apresentam semelhanças na produção dos trajes de cena, pois todos trabalham com figurinista responsável por criações específicas para cada espetáculo; quando possível, reutilizam peças do acervo de outras montagens; e sofrem influências diretas dos trajes dos folguedos populares nordestinos. O que vai diferenciar um grupo do outro é a condição financeira, que não favorece todos eles.
Fonte. VASCONCELOS, Tainá Macêdo. Matuto – Soluar. 2017. 1 fotografia. Arquivo digital. O Mateus do SerTão Teatro, na imagem 04, é o único que usa short curto e camisa com decote V, ele usa tênis e chapéu pequeno de couro. O último traje tem um detalhe no cós do short, tiras de tecido, que fazem menção ao matulão utilizado originalmente no folguedo.
Imagem 04 – Mateus e Catirina no espetáculo Flor de Macambira.
Fonte. Mateus e Catirina. 1 fotografia. Arquivo digital.
Considerações Finais
As imagens demonstram como o traje de cena pode ser inspirado nos trajes de folguedo de maneiras diferentes. A partir da mesma referência, os três grupos apresentaram diferentes versões inspiradas na figura do Mateus. Se
olharmos para trás, veremos o Mateus refletido nas roupas folgadas dos Zanni da Commedia dell’Arte , e utilizando retalhos coloridos como o tradicional traje do Arlecchino. Durante o percurso histórico muitas modificações aconteceram, mas o arquétipo do homem simples, trabalhador e brincalhão permaneceu.
O teatro popular do nordeste brasileiro tem utilizado muito as referências da cultura local como inspiração para os espetáculos. Esse movimento se intensificou na segunda metade do século XX e permanece até hoje. Todavia, existe uma visão que menospreza o teatro popular, estabelecendo-o como um movimento artístico menor devido a simplicidade estética que é inerente, sem compreender a dimensão da experiência teatral sob a perspectiva do povo. É um grito de resistência. O homem do campo vive, mesmo quando os olhares estão voltados para burguesia e seus caprichos. O traje simples, muitas vezes remendado pela falta de condições para comprar um novo, é característico e carregado de significado, não necessita de muita coisa, apenas que proteja o corpo e ajude no trabalho.
Referências
BERTHOLD, Margot. História mundial do teatro. São Paulo: Perspectiva,
BOAL, Augusto. Técnicas latino-americanas de teatro popular : Uma revolução copernicana ao contrário. São Paulo: Hucitec, 1979.
BRITO, Rubens José Souza. Popular (teatro) In : GUINSBURG, J.; FARIA, João Roberto; LIMA, Mariangela Alves de. Dicionário do teatro brasileiro : temas, formas e conceitos. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 274 - 275.
CASCUDO, Luís da Câmara. Dicionário do folclore brasileiro. Rio de Janeiro: MEC, Instituto Nacional do Livro, 1954.
GUÉNOUN, Denis. O teatro é necessário?. São Paulo: Perspectiva, 2012.
KÜHNER, Maria Helena. Teatro popular : uma experiência. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1975.
REIS, Luís. TPN – Teatro Popular do Nordeste : o palco e o mundo de Hermilo Borba Filho. Recife: CEPE, 2018.