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Guias e Dicas
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Importância da Educação Intercultural para Ambiente Inclusivo e Respeitoso, Manuais, Projetos, Pesquisas de Religião

Este texto discute a importância da educação intercultural na construção de um ambiente inclusivo e respeitoso em escolas. Ele aborda a necessidade de educadores e estudantes se enfrentarem com as diferenças culturais e sexuais, promovendo a análise de linguagens e produtos culturais e favorecendo experiências de produção cultural. Além disso, ele contrapõe a perspectiva de uma educação intercultural aos processos radicalizados de afirmação de identidades culturais específicas e as perspectivas assimilacionistas que não valorizam as diferenças culturais.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Samba_Forever 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS
CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO
IGUALDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE: GÊNERO, RAÇA-ETNIA E
RELIGIÃO EM SALA DE AULA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
SIMONE RIBEIRO TEMPESTA CROCIARI
SÃO CARLOS SP
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

IGUALDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE: GÊNERO, RAÇA-ETNIA E

RELIGIÃO EM SALA DE AULA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL

SIMONE RIBEIRO TEMPESTA CROCIARI

SÃO CARLOS – SP

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO CARLOS

CENTRO DE EDUCAÇÃO E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

IGUALDADE, DIFERENÇA E DESIGUALDADE: GÊNERO, RAÇA-ETNIA E

RELIGIÃO EM SALA DE AULA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO

FUNDAMENTAL

SIMONE RIBEIRO TEMPESTA CROCIARI

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de São Carlos, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profa. Dra. Emília Freitas de Lima Linha de Pesquisa: Educação Escolar: Educação Escolar, Teorias e Práticas

São Carlos - SP 2017

Se a educação não pode tudo, alguma coisa de fundamental ela pode. Paulo Freire

Agradecimentos

Sempre gostei de ler os agradecimentos de dissertações e teses. Sinto-me próxima do(a) autor(a) daquele estudo, de sua subjetividade e tenho oportunidade de conhecer, mesmo que minimamente, as pessoas que lhe são importantes. É comum agradecerem aos amigos e familiares que estiveram presentes no decorrer da pesquisa, auxiliando direta ou indiretamente e hoje tenho clareza da legitimidade deste ato, visto que precisamos abdicar de alguns prazeres, como a companhia de pessoas queridas, para a realização de um estudo como este. Inicio agradecendo pela minha vida e saúde, bem maiores e imprescindíveis concedidos por Deus. A Ele ainda, agradeço pela força e confiança concedidas na hora e medida certa. Obrigada! À Emília, minha doce e tão querida professora e orientadora, que acreditou em mim quando nem eu acreditava. Agradeço por ser acessível, por quebrar meus estereótipos quanto ao que é ser uma professora universitária e oportunizar este enriquecimento grandioso que o mestrado me proporcionou. Acredito que você, Emília, não tem dimensão do quanto sua sutileza, seu carinho, acolhimento e paciência com minhas - tantas! - angústias foram significativas para mim. Obrigada! Aos meus pais, agradeço a educação que me deram e a compreensão pelo meu afastamento neste período intenso de trabalho e estudos. Agradeço o modo como me amam e demonstram nos detalhes, na nítida alegria em me ver, nos mimos que me presenteiam, no orgulho que transparecem ao falar de mim (das filhas) aos outros, no respeito às minhas escolhas e no exemplo de seres humanos honestos, humildes e altruístas que são. Obrigada! Agradeço às minhas irmãs que, no decorrer de nossas vidas, me enriqueceram de possibilidades de ser, sentir e estar no mundo, validando a relevância que a diversidade tem na constituição de nossa individualidade. Sendo tão elas, pude descobrir como ser tão eu. Obrigada! Agradeço aos meus dois sobrinhos, quatro sobrinhas e minha afilhada por trazerem um colorido à minha vida, me apresentarem uma outra forma de amar e tornarem ainda mais lícita a luta por uma educação de maior qualidade a fim de que construamos uma sociedade mais democrática e boa de se viver. Obrigada!

TEMPESTA CROCIARI, Simone Ribeiro. Igualdade, diferença e desigualdade: gênero, raça-etnia e religião em sala de aula nos anos iniciais do Ensino Fundamental. São Carlos, estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Carlos: UFSCar, 2017. 122 p.

RESUMO

O presente trabalho tem como objetivo analisar como professoras dos anos iniciais do ensino fundamental se manifestam sobre o tratamento dos temas gênero, raça-etnia e religião em sala de aula, com vistas à discussão dos conceitos de igualdade, diferença e desigualdade. Concebemos que os universos da cultura e da educação são interligados sendo necessário que as escolas e seus/suas profissionais tenham sensibilidade para as culturas (no plural) presentes neste espaço tendo em vista a construção de pontes, o estímulo ao diálogo igualitário e a visão de que as diferenças culturais são constitutivas da democracia, e não um problema a ser superado em busca da homogeneidade. Diante deste propósito, nossa questão de pesquisa é “Como se manifestam professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental sobre diferenças culturais de gênero, raça-etnia e religião em sala de aula?” Utilizamos a abordagem metodológica qualitativa, realizamos entrevistas semi- estruturadas como instrumento para coleta de dados e adotamos a interculturalidade como perspectiva teórica. Para realizarmos nossa pesquisa, selecionamos dez professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, de uma escola pública municipal, em uma cidade localizada no interior do estado de São Paulo. Com base nas análises dos dados, notamos que as discriminações no espaço escolar são pouco percebidas pelas professoras entrevistadas e, mesmo quando visíveis, as docentes tendem a omitir-se e/ou oferecer o discurso da igualdade como princípio democrático. Sob essa ótica, notamos que é comum considerarem as crianças inocentes e desprovidas de preconceito, tornando dispensável promover debates com a problemática da diversidade. Tais análises evidenciam a necessidade de que a formação inicial e continuada aborde questões relativas à diversidade cultural a fim de afinar o olhar desses (as) profissionais, o que muitas vezes pressupõe assumir os próprios preconceitos para poder lidar com eles. Defendemos que este será um meio possível para que o tratamento aos conflitos escolares advindos da diversidade seja realizado, de modo a colaborar para a constituição de uma sociedade justa e democrática.

Palavras-chave: igualdade, diferença, desigualdade, gênero, raça-etnia, religião, interculturalidade.

TEMPESTA CROCIARI, Simone Ribeiro. Equality, difference and inequality: gender, race-ethnicity and religion in the classroom in the first years of Elementary School. São Carlos, estado de São Paulo. Dissertação de Mestrado. São Carlos: UFSCar,

  1. 122 p.

ABSTRACT

The present work aims to analyze how female teachers from the first years of elementary school approach on gender, race-ethnicity and religion in the classroom, with a view to discussing the concepts of equality, difference and inequality. It is conceived that the universes of culture and education are connected, being it necessary that the school and its professionals are sensitive to cultures (in plural) present in this space, observing the building of bridges, the stimulus to equal dialogue and the view that the cultural differences are part of democracy, and not a problem to be overcome in the search of homogeneity. For this purpose, the question posed is: “How do teachers from the first years of elementary school approach cultural differences of gender, race-ethnicity and religion in the classroom?” The qualitative methodological approach was used, and semi-structured interviews were performed, as a means of collecting data. Additionally, interculturality was chosen as the theoretical perspective. In this study, ten elementary school teachers from a municipal school in the state of São Paulo were selected. From the analysis of data, it was possible to observe that discriminations in the school space are hardly noticed by the interviewees, and, even when they are, those teachers tend to omit themselves and/or to offer the equality discourse as a democratic principle. From this perspective, it is understood that it is common for the children to be deemed innocent and devoid of prejudice, which makes it unnecessary to promote debates on diversity issues. Such analyses show the necessity that initial and continuing education address cultural diversity issues, in order to raise awareness in those professionals, which often includes admitting one’s own prejudice in order to learn how to handle it. The present work intends to defend that this will be a possible way to face the undeniable conflicts in school, with a view to supporting the constitution of a fairer, more democratic society.

Key words: equality, difference, inequality, gender, race-ethnicity, religion and interculturality.

1 Introdução

Esta seção introdutória está organizada da seguinte maneira: inicia-se com uma descrição das razões pelas quais o tema desta pesquisa foi escolhido, com base em dados de minha trajetória pessoal e profissional. Em seguida, apresenta a questão de pesquisa e o objetivo geral, além de uma breve explanação sobre a perspectiva teórica e a abordagem metodológica da dissertação. Finaliza-se com a explicação de como este relatório de pesquisa está estruturado. Descrever as situações que me fizeram sensível ao tema das desigualdades é uma tarefa que se revelou difícil ao longo da escrita deste trabalho, visto que o processo estimulou que viessem à tona histórias já esquecidas. Buscarei indicar pontos que acredito serem pertinentes para o que me constituiu como pedagoga, educadora de educação infantil (nomeada de “agente educacional”), professora, diretora de escola e estudante de mestrado, interessada em sanar angústias relacionadas ao trato com a diversidade cultural da escola. Uma das recordações que trago como estudante dos primeiros anos do ensino fundamental é a importância da figura docente, do peso que as palavras ditas por elas (foram todas professoras mulheres) tinham, desde uma bronca até o mais trivial elogio. Quando eram convidadas para uma festa – privilégio de alguns(mas) colegas – eram aguardadas como a presença ilustre e, curiosamente, morríamos de vergonha de estarmos próximas delas fora do ambiente escolar. A professora era uma celebridade, a nossa celebridade, tendo ela assentido ou não para tal prestígio. Também não me passavam despercebidas as predileções que tinham por determinados alunos. Embora meu aborrecimento fosse muitas vezes motivado por ciúmes, posso assegurar que também me perguntava o porquê dos “privilégios” de colegas por serem as crianças que faziam favores à professora, sempre recebendo elogios, e se fosse necessário receber uma inevitável bronca, esta era amena, e outras situações que, a meu ver, os(as) tornavam “os queridinhos” ou “as queridinhas”. Com relação à religião, cresci sob os preceitos católicos e por vezes eu não entendia porque minha religião era considerada a certa. Mas isso não me impedia de discriminar, com piadas banhadas em superioridade, as religiões alheias

à minha. Preconceito este findado (assim acredito) quando adulta, por meio da racionalidade e atenção a estas indesejáveis atitudes. Em casa, minha mãe, graduada e independente, sempre trabalhou e mantinha uma relação não inferiorizada com meu pai. Somos três irmãs e não tivemos convivência com familiares, pois residem em outro estado; fato que considero ter limitado nossas referências da variedade e diversidade na constituição de família. Talvez por tais razões, deparar-me com diferenciações na educação de meninos e meninas causava-me tanta estranheza: por que minha amiga precisava limpar a casa enquanto seu irmão podia brincar? Por que ele pôde treinar vôlei e ela, mesmo sinalizando que também gostava deste esporte, precisou fazer balé? E assim por diante. Mais tarde, deparar-me com a inferioridade feminina, o descrédito de minhas opiniões e o assédio frequente e naturalizado, também me perturbou muito, principalmente por não saber lidar com tais situações, não estar empoderada e fortalecida de minhas capacidades. Considero-me, desde pequena, sensível às coisas que considero injustas: um animal preterido por ter na casa outro mais querido, o julgamento das atitudes alheias baseando-se no que é certo ou errado para si mesmo, piadas que humilham (principalmente quando a vítima não tem consciência daquilo a que está sendo submetida), a superioridade nas relações pessoais, a bajulação interesseira e os privilégios. Certamente não sou ilesa ou desprovida de preconceitos. Na realidade, estou mais sensível às minhas discriminações, veladas, invisíveis ou cobertas de solidariedade e boas intenções, após entrar em contato com algumas leituras realizadas neste programa de mestrado. Em relação ao ensino superior, cursei Pedagogia na UNESP de Araraquara no período noturno, pois trabalhava oito horas por dia como educadora de Centro de Educação e Recreação (educação infantil). Terminei a graduação no final de 2007 e em 2008 fui trabalhar como professora substituta de uma escola municipal de ensino fundamental em uma cidade próxima, tendo sido admitida por meio de processo seletivo, contrato de um ano. No terceiro dia de trabalho, substituí uma professora e deparei-me com um problema: eu não sabia o que fazer na sala de aula! Desde a organização da lousa, a dinâmica da aula (passar uma atividade e corrigir? Passar tudo e corrigir depois? Corrigir na lousa? Não corrigir de caneta vermelha?), até a administração

Depois desta inquietude inicial, familiarizei-me com o ambiente escolar, suas rotinas e protocolos. Estive nesta mesma escola por cinco anos e, concomitantemente, lecionava no período oposto em outras unidades escolares como professora substituta, professora de reforço e por quatro meses, em 2011, como professora da Educação Infantil. Após um distanciamento da Universidade (entre 2008 e 2012), senti necessidade de retomar os estudos, agora focada no aspecto que me afligia: a heterogeneidade na sala de aula. Como enxergá-la para lidar com ela? Como atingir todos os alunos em seus variados “níveis” e ritmos? Comecei a ler sobre linhas de pesquisa da área da educação tanto da Unesp como da UFSCar. Olhava os currículos Lattes de alguns professores e encontrei a professora Emília, hoje minha orientadora, que tinha alguns trabalhos publicados sobre as dificuldades e angústias de professores iniciantes. Era isso! Fiz, então, a inscrição para ser aluna especial de uma disciplina ministrada por ela e cursei “Educação Escolar: teorias e práticas” no primeiro semestre de 2013. Inicialmente tive muita dificuldade com os textos e pensei em parar, mas fui incentivada pela professora a insistir mais um pouco dada a riqueza das discussões em sala, o fato de que os textos fluiriam melhor com a familiaridade com a linguagem. Permaneci e esses seis meses foram cruciais para a escolha do meu projeto com o tema da diversidade cultural (que submeti ao processo seletivo somente em 2014). Estar imersa no universo acadêmico, estudando o que me interessava, trouxe-me a sensação de encontro. Mas também fiquei “uma chata”! Crítica e insatisfeita com tudo, principalmente na escola em que trabalhava (a mesma desde que havia me formado). Diante disso, resolvi prestar o concurso para professora do ensino fundamental de outra cidade e, em 2014 assumi um 5º ano de uma escola localizada na periferia, conhecida pelas polêmicas envolvendo atos de violência dos alunos. Embora eu tenha tomado minha decisão de modo consciente, essa mudança foi chocante, pois eu não costumava presenciar tantos conflitos e agressões físicas das crianças como lá. Tais agruras foram motivadoras para que eu me dedicasse ao preparo para o concurso de diretora de escola, função com a qual a cada dia me identifico mais.

Após alguns meses na mencionada escola, aprendi a lidar com as crianças deste 5º ano, que melhoraram muito no comportamento e na aprendizagem. Criamos muita afinidade e foi para mim um enorme ensinamento estar lá, mesmo que apenas por seis meses. No final deste mesmo ano, 2014, passei a ser professora da educação integral. Tal modalidade atende crianças no contraturno do ensino fundamental, do 1º ao 9º ano. Trabalha-se com variadas oficinas: artes cênicas, leitura, música, jogos, meio ambiente, informática e artes visuais. Uma proposta que me trouxe muitas lições, como a quebra de preconceitos ao lidar com adolescentes, até então enigmáticos para mim, o estímulo a buscar formação para aprimorar meus conhecimentos em diferentes áreas e a riqueza de trabalhar com profissionais de variadas formações acadêmicas. Em 2015 ingressei no Programa de Mestrado na UFSCar. Senti-me, acho que pela primeira vez, uma estudante. Comia no restaurante universitário (o que eu nunca fiz na graduação), andava de ônibus no campus e estava completamente envolta nos estudos. No final do primeiro semestre já não era mais a mesma; ler dez livros de Paulo Freire, por exemplo, mudou minha concepção de mundo e de mim mesma. Em abril de 2016, assumi a direção de uma escola de educação infantil recém-inaugurada, com todo o quadro de funcionários novos. Mais um desafio cheio de aprendizados e recompensas: a receptividade e gratidão da comunidade, a alegria das crianças na escola nova, o avanço delas nesse período, o envolvimento de todos para enriquecer o dia a dia, entre outras pequenas alegrias que me pegavam de surpresa e enriqueceram minha experiência na educação. Por algum tempo, após o término da graduação, me arrependi da falta de tempo e disposição para me aprofundar nos estudos na Universidade, por trabalhar. Mas agradeço a rica experiência dos quatro anos vividos, pois aprendi a lidar com o cansaço e as responsabilidades; vivenciei o polêmico conflito entre “teoria e prática”; e tive que otimizar o tempo para me dedicar aos estudos. Na direção de uma escola de educação infantil que exerci em 2016, sentia-me relativamente confortável no trato de algumas questões que acredito terem sido ensinadas por este período fatigante da graduação, em que mesmo as experiências ruins ajudaram-me a trilhar um caminho profissional.

Falar de multiculturalismo implica considerar o conceito de cultura, para o que, neste trabalho, apropriamo-nos da definição de Paulo Freire (1980, p. 108- 109). Para ele, cultura é:

o acrescentamento que o homem faz ao mundo que não fez. A cultura como resultado de seu trabalho. Do seu esforço criador e recriador. [...] tanto é cultura o boneco de barro feito pelos artistas, seus irmãos do povo, como cultura também é a obra de um grande escultor, de um grande pintor, de um grande músico, ou de um pensador. Que cultura é a poesia dos poetas letrados de seu País, como também a poesia de seu cancioneiro popular. Que cultura é toda criação humana.

É também com esta visão de cultura como toda criação humana que vamos abordar o referencial teórico do multiculturalismo interativo ou interculturalidade defendida por Candau (2012a). Esta perspectiva questiona as desigualdades construídas ao longo da história e aponta para a construção de sociedades que valorizem e reconheçam as diferenças como constitutivas da democracia, empoderando aqueles que foram historicamente inferiorizados. Propõe o reconhecimento do outro, o diálogo igualitário entre os diferentes grupos sociais/culturais e a construção de um projeto comum. Assim, buscar uma educação inter/multicultural é ter em vista o desenvolvimento de uma postura étnica e racial positiva. Assim como Candau (2002, p. 147), concebemos que “reduzir o preconceito é outra das dimensões que caracterizam uma educação multicultural”, pois, ao se relacionar lúcida e criticamente com o outro, faz-se necessária a construção da própria identidade cultural, um autoconceito e autoestima positivos.

Um diálogo intercultural cosmopolita é aquele em que nos tratamos como cidadãos de um mundo compartilhado e, portanto, digno de respeito mútuo. Isso não significa que não podemos discordar. Por um lado, não podemos ser relativistas generalizadores e achar que tudo que acontece na humanidade é correto e bom. Por outro, não podemos achar que nós temos todas as respostas, seja lá quem seja esse “nós”. Temos que nos colocar em um diálogo no qual imaginemos que podemos aprender com o outro. (APPIAH apud MOREIRA e CANDAU, 2014, p. 33)

Algumas características especificam a perspectiva intercultural. Uma primeira é a promoção deliberada da inter-relação de diferentes grupos culturais, presentes em uma determinada sociedade (CANDAU, 2002). Neste sentido, essa

posição situa-se em confronto com todas as visões diferencialistas que favorecem processos radicais de afirmação de identidades culturais específicas, assim como com as perspectivas assimilacionistas que não valorizam a explicitação da riqueza das diferenças culturais (SAMPAIO e ANDRADE, 2009, p. 2). O trato com as questões relativas à diferença nas escolas iniciou-se na primeira metade do século XX, quando a área da psicologia passou a abordá-la. Porém, referia-se basicamente às características físicas e emocionais das pessoas. A sociologia da educação olhou para as variáveis socioeconômicas e sua incidência nos processos pedagógicos, notando, então, que as questões de acesso à escola e distribuição da educação não poderiam estar separadas da discussão da forma e do conteúdo do currículo. Ampliou-se o olhar para o cotidiano escolar, as dimensões sociais e econômicas que incidem nos processos pedagógicos e na própria concepção do sujeito da aprendizagem. Destacamos o currículo multicultural como caminho para informar conteúdos presentes em todas as áreas do conhecimento ilustrando conceitos e princípios de culturas diversas. Constitui-se como um diálogo norteador de uma prática multiculturalmente orientada que necessariamente precisa estar envolvido na formação docente, inclusive no plano afetivo, visto que entendemos o currículo como todo tipo de prática escolar e não um objeto estático. Conscientes da gama de categorias que a perspectiva intercultural dispõe-se analisar – tantas quantas forem as diferenças geradoras de desigualdades

  • este trabalho tem como foco olhar para questões de gênero, raça-etnia e religião, categorias essas observadas como sendo as mais frequentes na sala de aula, de acordo com minha experiência na área da educação pública. Concordamos com Ladson-Billings (GANDIN et al, 2002), professora e pesquisadora americana, uma das responsáveis pela introdução da teoria racial crítica na educação, que, mesmo focando em determinadas temáticas, nossa preocupação está na problemática das desigualdades, dos preconceitos, das injustiças sociais de toda e qualquer natureza. A referida autora responde a críticas sobre um “privilégio” dado por ela à temática racial dizendo:

não peço desculpas por usar a noção de raça como uma maneira de olhar para as desigualdades sociais, porque sei muito bem que há várias pessoas que continuam a estudar gênero, a estudar sexualidade. Se, através de uma análise racial, eu encontro uma boa

o olhar para situações discriminatórias em sala de aula e deem subsídios aos professores e professoras para tratarem com estas questões. Acreditamos que a educação pode contribuir para transformação das sociedades, para a valorização e reconhecimento das diferenças como constitutivas da democracia. Reconhecemos a importância do papel dos educadores e educadoras provindos de uma formação crítica para que compreendam a maneira como acontecem as relações de poder, preconceito e exploração, com o propósito de que sua prática seja guiada para superar a desigualdade e a exclusão social. Também consideramos indispensável que estes(as) profissionais tenham dignas condições de trabalho, com possibilidades de se aprimorar tendo acesso aos veículos, materiais e possibilidades formativas que viabilizem isso. Organizamos a dissertação em outras quatro seções. Na seção 1, apresentamos o referencial teórico deste estudo em que a globalização interconecta os indivíduos e promulga a formação de culturas (no plural). Essa diversidade adentra o espaço escolar sendo imprescindível um olhar sensível às diferenças visando a construção de pontes entre os universos culturais. A seção 2 indica a trajetória da pesquisa explicando os critérios para escolha das participantes, das categorias de gênero, raça-etnia, religião e religiosidade e os procedimentos de coletas de dados. Na seção 3, apresentamos os referenciais teóricos específicos das categorias por nós analisadas, expomos os dados coletados nas entrevistas e as posteriores análises embasadas nos referenciais específicos e nos gerais deste trabalho. Nas considerações finais, encerramos o trabalho retomando os principais aspectos teóricos da pesquisa e as conclusões a que as análises nos levaram.

2 Referencial teórico

Esta seção inicia abordando o sujeito da pós-modernidade, derivado da globalização e a consequente interconexão do mundo. Essa aproximação dos povos e culturas toca a vida interior das pessoas e repercute nas relações sociais, nas tradições familiares, nos padrões de vida e no cotidiano. Estando inserida na sociedade, a escola incorporou essa nova demanda, mas tem se mostrado alheia às referidas diferenças culturais, pautando- se pela homogeneidade e a padronização. A esta perspectiva monocultural, contrapomos a intercultural que intenciona trabalhar os conflitos inerentes às relações humanas, intencionando a construção de pontes entre as culturas em que o diálogo igualitário, respeitoso e não hierárquico esteja presente. Explanaremos também neste capítulo, o avanço que os conceitos da diversidade e diferença obtiveram - no tocante à escola - e o potencial que têm como propulsores do progresso humano. Optamos por apresentar os referenciais específicos das categorias gênero, raça-etnia e religião concomitante à apresentação dos dados, na terceira seção deste trabalho.

2.1 Multiculturalismo e interculturalidade na educação

O interesse pelo debate e estudo do tema do multiculturalismo se exacerbou nas últimas décadas do Século XX e neste início de Século XXI devido ao fenômeno da globalização que, embora não seja novo, vem tomando características muito particulares nesta época. Em sua versão mais recente, a globalização tem trazido muitos ganhos, como o avanço da medicina, dos meios de comunicação, do acesso às informações, bem como a possibilidade de o ser humano se tornar um cidadão cosmopolita, proporcionando diferentes leituras de mundo e enriquecendo suas vivências. Contudo, concordamos com Burbules (2004, p. 18) que “o impacto e o significado da ‘globalização’ não apenas são duvidosos como também podem operar de maneira diferente em várias partes do mundo e, em certos contextos, ter pouco impacto”.