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Identidades Nacionais no Futebol: Athletic Bilbao, FC Barcelona e Palmeiras, Notas de aula de Cultura

Este trabalho explora como o futebol de clubes pode servir de veículo para a afirmação de identidades nacionais, além de funcionar como instrumento para manifestações xenofóbicas e racistas. O documento analisa o caso de athletic club de bilbao, football club barcelona e sociedade esportiva palmeiras, que compartilham uma forte ligação com movimentos nacionalistas.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO DA UFBA
CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
HABILITAÇÃO: JORNALISMO
DÉBORA DE FREITAS BORJA PASSOS
FUTEBOL E IDENTIDADE NACIONAL
UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE FUTEBOL
DE CLUBES E NACIONALISMO
Salvador
2016
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

FACULDADE DE COMUNICAÇÃO DA UFBA

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO: JORNALISMO

DÉBORA DE FREITAS BORJA PASSOS

FUTEBOL E IDENTIDADE NACIONAL

UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE FUTEBOL

DE CLUBES E NACIONALISMO

Salvador 2016 DÉBORA DE FREITAS BORJA PASSOS

FUTEBOL E IDENTIDADE NACIONAL

UMA ANÁLISE DAS RELAÇÕES ENTRE FUTEBOL

DE CLUBES E NACIONALISMO

Monografia apresentada ao curso de graduação em Comunicação Social - Jornalismo, Faculdade de Comunicação, Universidade Federal da Bahia, como requisito para a obtenção do grau de Bacharel em Jornalismo. Orientadora: Profa. Maria Lucineide Andrade Fontes

Salvador 2016

ABSTRACT

This survey has as its main goal the analysis of the connections between club football and nationalist manifestations. Through the analysis of the history of the following clubs: Athletic Club de Bilbao, Football Club Barcelona and Sociedade Esportiva Palmeiras, which share an historical bond with nationalist efforts, this paper intends to understand how football can work as a tool for the consolidation of national identities, as it can work as a vehicle for the manifestation of racist and xenophobic behaviours.

Keywords: football; sports; nationalism; separatism, racism, xenophobia, immigration, national identity

SUMÁRIO

3. 1 “CON CANTERA Y AFICIÓN, NO HACE FALTA IMPORTACIÓN”

1. INTRODUÇÃO

A relação entre o esporte de massa e o sentimento de nacionalismo existe há mais de cem anos^1 e a popularização mundial do futebol no início do século 20 fez do esporte um importante instrumento de construção e afirmação de identidades culturais, nacionais e regionais. Apesar de as seleções nacionais e os campeonatos internacionais entre seleções como a Copa do Mundo FIFA serem a conexão mais reconhecida entre o futebol e o sentimento de nacionalismo, os clubes de futebol também podem servir de ferramenta eficiente para a afirmação de identidades. A influência dos clubes no posicionamento político dos torcedores pode ser percebida, principalmente, em países habitados por pessoas de diversos grupos étnicos e culturais, geralmente compostos de falantes de diferentes idiomas e dialetos. O alcance dos clubes de futebol geralmente é mais restrito, atingindo públicos mais específicos. As equipes normalmente têm a maioria dos torcedores concentrados em regiões delimitadas, o que facilita o desenvolvimento e a preservação de sentimentos ligados a culturas mais fechadas e locais e da criação de um vínculo entre os membros das comunidades. Entretanto, com a globalização e o crescente interesse do público por futebol internacional, há uma tendência de que as torcidas, especialmente de clubes bilionários europeus, como os espanhóis Real Madrid Club de Fútbol e Fútbol Club Barcelona, se expandam por todo o globo. Segundo Pedro Almeida, a popularização mundial dos clubes não reduz sua importância local:

Num certo sentido, pode-se afirmar que todos os clubes transnacionais permanecem regionais, já que continuam a manter ligações à `comunidade local, quer através dos nomes das equipas e dos estádios, quer através da sua base local de apoio. Ao manterem jogadores emblemáticos que personificam a identidade das equipas e dos adeptos, os clubes procuram não perder a sua raiz identitária. (ALMEIDA, 2014, p.9)

Enquanto a relação entre seleções nacionais e nacionalismo vem sendo discutida há décadas, a conexão entre os clubes de futebol, campeonatos nacionais e

(^1) HOBSBAWM, Eric.RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. 308

manifestações de nacionalismo regional data do início do século 20^2 , mas apenas tornou-se um tópico amplamente discutido internacionalmente a partir do aumento da popularidade do FC Barcelona, especialmente após a temporada 2005-2006, na qual o clube, sob o comando do holandês Frank Rijkaard, ganhou o Campeonato Espanhol e Liga dos Campeões da UEFA. Em 2006, Joan Laporta, o então presidente da equipe, descreveu o Barça^3 como “um clube com alma” em um discurso na sede das Nações Unidas em Nova Iorque, durante a apresentação de um acordo entre o FC Barcelona e a UNICEF. Na ocasião, ele também descreveu a Catalunha como uma “nação para a maioria dos Catalães” com uma forte identidade e idioma próprio, explicitando a relação do clube com nacionalismo catalão^4. Joan Laporta apoia abertamente a independência da Catalunha.^5 A discussão sobre o tópico foi ainda mais intensificada na mídia internacional durante a excelente campanha do time basco Athletic Club de Bilbao na UEFA Europa League na temporada de 2012-2013. A boa campanha do Athletic supreendeu a tantos devido à política restrita de contratação de jogadores do clube, que só permite jogadores bascos em seu plantel. Tal decisão limita muito as opções da equipe no mercado de transferências, já que o País Basco tem uma população de apenas 2.164.325 habitantes, de acordo com pesquisa feita Instituto Nacional de Estadística da Espanha (INE) em

  1. Os resultados obtidos pelo clube naquela temporada apesar das restrições de mercado chamaram a atenção de jornalistas e torcedores de todo o mundo, que iniciaram debates sobre a política nacionalista e a “cultura de cantera^7 do Athletic. Os clubes espanhóis da Catalunha e do País Basco são considerados representativos de uma identidade distinta da cultura dominante centro-espanhola, e têm histórico de relações estreitas com movimentos nacionalistas e separatistas. Em nações como Espanha, que sofreu por muitos anos com regimes totalitários e até hoje apresentaconflitos internos, a relação dos clubes com a pátria ou a região tem importante influência política. A Espanha, por conta da fragmentação territorial, é um exemplo de país em que clubes futebol têm grande influência na inclinação política da

(^2) HOBSBAWM, Eric.RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984, p. (^3133) 4 Apelido do FC Barcelona GARCÍA, César. Nationalism, Identity, and Fan Relationship Building in Barcelona Football Club. International Journal of Sport Communication , Central Washington University, USA, 2012, 5 pg. 1) 6 Disponível em http://futbol.as.com/futbol/2009/11/13/mas_futbol/1258066859_850215.html 7 Disponivel em http://www.ine.es/jaxiT3/Datos.htm?t=9681 Cantera é o termo em espanhol para as categorias de base de um clube.

2. O FUTEBOL E O NACIONALISMO

Para entender as relações entre futebol e nacionalismo, escolhi analisar três clubes de futebol que serviram para a formação ou a consolidação de uma identidade cultural. Os times analisados são o Athletic Club de Bilbao, da cidade de Bilbao, País Basco, Espanha; o FC Barcelona, da cidade de Barcelona, Catalunha, Espanha e o Esporte Clube Palmeiras, da cidade de São Paulo, São Paulo, Brasil. Os clubes abordam a questão do nacionalismo de forma diferente, mas todos eles têm uma história em que a identidade nacional cumpriu um papel importante em sua formação ideológica. Selecionei o Athletic Club de Bilbao por sua relação institucional com o movimento separatista basco; relação esta que fica explícita na política do clube, que, como já citado anteriormente, desde 1911 só aceita jogadores bascos, com ascendência basca ou formados em categorias de base de times bascos em seu plantel. O Athletic tem um histórico de luta pela preservação da cultura do País Basco e uma ligação estreita com o Partido Nacionalista. A política de contratações do clube é a mais restrita no futebol europeu e apesar da flexibilização que permitiu que jogadores de outras etnias fossem contratados, o Athletic não cede à tendência de mercado que tem nas transferências de jogadores entre as equipes uma das principais fontes de lucro do esporte. O FC Barcelona foi escolhido por ser um clube que, assim como o Athletic, tem uma história ligada à resistência contra o regime franquista, que reprimiu diversas manifestações da cultura da Catalunha, inclusive proibindo o uso da língua catalã em locais públicos, além de ter uma torcida que até hoje apoia a independência da região. Outro motivo pelo qual escolhi o FC Barcelona foi a exposição que o time catalão tem na mídia internacional e a influência que ele tem na percepção dos espectadores sobre a relação do clube com a causa catalã. A Sociedade Esportiva Palmeiras, antigo Palestra Italia, foi escolhida por ter sido fundada por jovens italianos para servir como uma ferramenta de integração entre as centenas de milhares imigrantes que chegaram a São Paulo no início do século XX. No caso do Palmeiras, a influência política do clube foi se dissipando gradualmente até deixar de existir, mas o clube foi fundamental para a criação de uma identidade italiana entre os imigrantes que chegavam ao Brasil de uma Itália recém-unificada.

No caso do Barcelona e do Athletic Bilbao, grande parte dos torcedores locais está envolvida em manifestações pela afirmação de uma identidade cultural, muitas delas ligadas a movimentos separatistas (o independentismo Catalão e o separatismo no País Basco). Além disso, a relação de clubes de futebol e comportamentos racistas, frequentemente praticados pelos segmentos ultra^8 das torcidas, mas também presente entre fãs casuais e em campo entre os próprios jogadores, é comumente abordada por teóricos do esporte. A maior dificuldade encontrada é o aprofundamento destas questões e como as noções de xenofobia, racismo e nacionalismo podem se confundir. Os movimentos nacionalistas e regionalistas no futebol são frequentemente mencionados com admiração tanto pelos jornalistas quanto pelo público geral. O FC Barcelona afirma com orgulho que é “mais que um clube”, deixando clara a posição política na luta pela causa independentista catalã e convocando seus torcedores a participar desta luta. O Athletic Club de Bilbao limita seu plantel a jogadores bascos e define explicitamente que “espanhóis” não são permitidos entre os jogadores do clube. Tais posturas são consideradas nobres e corajosas pela mídia quase unanimemente. Minha questão é: será que as posturas nacionalistas podem se converter em posturas de ódio? Será que, no caso do Athletic, excluir jogadores de outras nacionalidades não caracterizaria uma postura xenófoba? O que diferencia a afirmação de uma identidade da exclusão de outra? Como isso funciona no futebol?

2.1 NAÇÃO E NACIONALISMO

Há diversas definições de nacionalismo elaboradas por variados estudiosos ao longo dos últimos séculos. Inicialmente, as duas correntes mais populares eram o Primordialismo e o Modernismo. O Primordialismo afirmava que o nacionalismo era uma reflexão da antiga tendência evolucionária dos humanos de se organizarem em grupos distintos baseados em um afinidade de circunstâncias de nascimento. O Primordialismo tem na etnia e na territorialidade seus principais argumentos, destacando que “groups and nationalities exist because there are traditions of belief and action towards primordial objects such as biological factors and especially territorial

(^8) Termo usado para definir grupos organizados geralmente compostos de torcedores que apresentam comportamentos fanáticos e violentos. Geralmente os ultras são afiliados a partidos políticos.

microscopes on the specificities that were once said to define the boundaries of actually existing communities. (JAMES, 2006, p. 26)^10

Apesar da noção de nacionalismo partir da definição de Nação, é possível afirmar que o nacionalismo muitas vezes pode extrapolar as barreiras do Estado. Enquanto os termos Nação e Estado são frequentemente confundidos, é importante destacar que, enquanto o conceito de Nação engloba características como linguagem, tradições, costumes e hábitos comuns, a existência de uma Nação, ao contrário do Estado, não pressupõe alguma forma de soberania. James destaca que

A nation is at once an objectively abstract society of strangers, usually connected by a state, and a subjectively embodied community whose members experience themselves as an integrated group of compatriots

  • hence my use of the oxymoron, ‘abstract community’. Even in these late-modern or postmodern times, the continuing phenomenal experience of the embodied community as made up of kindred souls is brought home, so to speak, at times of crisis. (JAMES, 2006, p. 26, 27)^11.

Partindo do pressuposto de que uma nação é composta por pessoas que têm costumes, línguas e tradições em comum, mas não necessariamente reconhecem a soberania de um Estado, é possível reconhecer os casos da Catalunha e do País Basco. Os catalães e os bascos fazem parte de comunidades abstratas com idiomas e tradições diferentes daquelas que são comuns à maioria da população da Espanha, Estado-Nação à qual pertencem. Enquanto bascos e catalães compartilham entre seus povos costumes e idiomas muito distintos aos da Espanha Central, a Catalunha e o País Basco, apesar de se reconhecerem como Nações, não são reconhecidos como Estados independentes. A luta pelo independentismo catalão e o separatismo basco pressupõe que uma Nação deve ser autônoma para que o seu povo seja livre e seus costumes sejam preservados.

(^10) “Parte do problema em definir termos como nação e conceitos relacionados como etnia raça, deriva da nossa crescente autoconsciência de que as barreiras desses termos de relacionamento estão cada vez mais turvas quando nós focamos nossos microscópios analíticos nas especificidades que uma vez foram consideradas definidoras de barreiras de comunidades que são realmente co 11 ncretas.” Tradução nossa. “Uma nação é uma sociedade objetivamente abstrata formada por estranhos geralmente conectados por um estado e uma comunidade subjetiva formada de membros que se sentem parte de um grupo integrado de compatriotas – por isso meu uso do oximoro ‘comunidade abstrata’. Mesmo no final dos tempos modernos e nos tempos pós-modernos, o fenômeno do sentimento de comunidade é frequentemente mais pronunciado em épocas de crise.” Tradução nossa

É importante destacar que o nacionalismo exacerbado pode gerar xenofobia. Ainda que o conceito de nacionalismo seja ligado a questões de inclusão, a exacerbação do sentimento nacionalista pode ter o efeito oposto e causar comportamentos de exclusão e racistas. Muitas vezes a xenofobia é causada pelo medo da perda da identidade. Segundo a definição divulgada no documento das Nações Unidas no ano de 2001 na Declaração sobre Racismo, Discriminação, Xenofobia e Intolerâncias Relacionadas contra Migrantes e Vítimas de Tráfico Humano:

Xenophobia describes attitudes, prejudices and behavior that reject, exclude and often vilify persons, based on the perception that they are outsiders or foreigners to the community, society or national identity. In many cases, it is difficult to distinguish between racism and xenophobia as motivations for behaviour, since differences in physical characteristics are often assumed to distinguish the ‘other’ from the common identity. However, manifestations of xenophobia occur against people of identical physical characteristics, even of shared ancestry, when such people arrive, return or migrate to States or areas where occupant consider them outsiders. (International Migration, Racism, Discrimination and Xenophobia. Documento distribuido pelas Nações Unidas na World Conference em Teerã, 2001)^12

Em suma, é possível perceber que apesar dos conceitos de nacionalismo, identidade nacional e xenofobia terem origens semelhantes e serem interligados, há distinções claras entre as definições. Enquanto nacionalismo e identidade nacional visam a inclusão e a sensação de pertencimento em uma comunidade de pessoas de semelhantes tradições, línguas e culturas, a xenofobia é uma exacerbação desse sentimento que discrimina e exclui a todos que não têm origem nessas comunidades.

(^12) Xenofobia descreve atitutes, preconceitos e comportamentos que reheitam, excluem e vilanizam pessoas, baseando-se apenas na percepção de que eles são estrangeiros na comunidade, sociedade ou identidade nacional. Em muitos casos, é difícil distinguir entre racism e xenophobia como motivações para comportamentos, já que características físicas são geralmente o que supoõe-se que distinguem o ‘outro’da identidade comum. Entretanto, manifestações de xenophobia ocorrem contra pessoas de características físicas idênticas e até de ancestralidade comum, quando essas pessoas chegam, retornam ou migram para os Estados Unidos ou áres onde o ocupante os consideram intrusos.

one national flag. Improved solidarity eases policy implementation. In some cases, regions striving for nationhood recognition, such as Palestine, have in the past used FIFA membership as part of these types of effort. Representation in international sporting organizations not only facilitates access to international funds but also encourages international economic activities.^14 (HOFFMANN et al., 2002, p.256)

A possibilidade de ver o próprio país representado por um time de compatriotas em um evento que mobiliza todo o mundo invoca o sentimento de pertencimento. Os torcedores se sentem representados e vêm nos jogadores a imagem de seu país, torcendo para que ali a pátria demonstre valor diante de todo o mundo. Para Tuñon e Brey, “Nowadays, identification with national teams certainly constitutes a substitute for traditional identity references, and it plays a decisive role in identity, consolidating an individual’s cohesion in modern societies.”^15 Apesar do futebol ter se originado nas elites inglesas, hoje o esporte é praticado e apreciado por pessoas de todos os tipos e classes sociais. O futebol tem o poder de unir pessoas de diferentes etnias, ideologias costumes, assim como afirmar identidades culturais, podendo ser considerado o esporte mais democrático do mundo. Tuñon e Brey também afirmam que:

The ideological and political use of sports is something implicit to sports. In fact, teams represent nation states and compete under their country’s flag and national anthems. Thus, sports represent a very precise form of politics: “union strengthens power”, which rejects heterogeneities and discrepancies. Therefore, when the citizenry follows its national team or individual sports heroes, it temporally forgets about societal conflicts and becomes united under a common flag.^16 (TUÑON; BREY, 2012, p.9)

(^14) No processo da construção de uma nação, particularmente entre países em desenvolvimento, a performance de um time nacional de esportes em competições internacionais tem a capacidade de unir tribos e raças diferentes sob uma única bandeira. Uma melhor solidariedade facilitaria a implementação de políticas. Em alguns casos, nações lutando por reconhecimento, como a Palestina, no passado usaram o status de membro da FIFA como parte desse tipo de luta. Representação em organizações esportivas não apenas facilita acesso a fundos internacionais, como também encoraja atividades econômicas internacionais. (tradução nossa) 15 Nos dias de hoje, a identificação com seleções nacionais certamente serve como substituta para referências tradicionais de identidade, e isso cumpre um papel decisivo na questão identitária, consolidando a unidade de um indivíduo nas sociedades modernas. (tradução nossa) 16 "O uso político e ideológico dos esportes é algo implícito. Na realidade, times representam estados- nação e competem sob suas bandeiras e hinos nacionais. Consequentemente, esportes representam uma forma de política muito específica: “união fortalece o poder”, o que rejeita heterogeneidades e discrepâncias.” Portanto, quando os cidadãos torcem por suas seleções ou esportistas que são heróis nacionais, eles temporariamente esquecem os conflitos sociais e tornam-se unidos sob uma bandeira comum. (tradução nossa)

O fato do esporte ter uma adesão tão grande e mobilizar pessoas de todas as nacionalidades, gêneros e etnias, faz com que ele seja uma ferramenta política que não deve ser ignorada. O futebol pode agir como um canal entre o entretenimento popular e a discussão política. O estádio pode se tornar um ambiente de expressão ideológica para pessoas que em outras ocasiões provavelmente não se envolveriam em discussões políticas. In short, in modern societies, sport has come to be important in the identification of individuals with the collectivities to which they belong; that is, in the formation and expression of their ‘we-feelings’ and ‘we–I’ balances. Through their identification with a sports team, people can express their identification with the city that it represents or perhaps with a particular subgroup within it such as a class or ethnic group. There is even reason to believe that, in the context of a complex, fluid and relatively impersonal modern industrial society, membership of or identification with a sports team can provide people with an important identity-prop, a source of ‘we-feelings’ and a sense of belonging in what would otherwise be an isolated existence. (DUNNING, 1999, p. 6)^17

2.3 IDENTIDADE NACIONAL E FUTEBOL DE CLUBE

Assim como em campeonatos entre seleções nacionais, como a Copa do Mundo FIFA, a Copa América e a Eurocopa, os campeonatos internacionais interclubes, como a Copa Libertadores da América e a UEFA Champions League, muitas vezes invocam a rivalidade entre torcedores de diferentes identidades nacionais. É comum que fãs casuais escolham torcer para o time que representa o próprio país, ainda que o clube não seja aquele por qual eles torcem regularmente durante os campeonatos nacionais. No entanto, não é um costume unânime, já que há muitos que ainda valorizam muito mais os clubes em detrimento das seleções e levam mais a sério a rivalidade entre as equipes que a suposta rivalidade entre países. Esse tipo de comportamento é mais comum entre os torcedores assíduos de futebol, que assistem a partidas regularmente e acompanham o itinerário do clube por qual torcem.

(^17) Em suma, em sociedades modernas, o esporte se tornou importante na identificação de indivíduos e as coletividades das quais eles pertencem; ou seja; na formação e expressão dos sentimentos de “nós” e “eu” e como eles se equilibram. Através da identificação com um time esportivo, as pessoas podem expressar sua identificação com a cidade que ele representa ou talvez com um subgrupo particular dentro dele, como uma classe ou grupo étnico. Ainda há razão para acreditar que, no contexto de uma sociedade moderna industrial complexa, fluida e relativamente impessoal, pertencimento ou identificação com um time pode dar às pessoas um sentimento de identidade, um sentimento de “nós” e um senso de pertencimento ao invés de uma existência isolada.(tradução nossa)

torcedores, alguns clubes podem representar um sentimento de comunidade que extrapola os estádios. Portanto, em alguns casos, torcer para uma equipe pode significar sustentar uma posição ideológica. No caso do FC Barcelona e do Athletic Club de Bilbao, boa parte dos torcedores locais está envolvida em manifestações pela afirmação de uma identidade nacional oprimida pelo Estado, geralmente ligadas a movimentos nacionalistas e independentistas - especialmente relacionados à causa independentista catalã e ao movimento pela separação do País Basco.

Mas a relação de clubes de futebol e o nacionalismo nem sempre é pacífica. Há muitos casos de torcedores de equipes europeias que são flagrados praticando comportamentos racistas e xenofóbicos. Geralmente esse tipo de comportamento é típico dos segmentos ultra de torcidas organizadas, ainda que haja casos de racismo entre os próprios jogadores dos clubes. É o exemplo do clube SS Lazio, de Roma, Itália, que tem um dos segmentos ultra mais vocais da Europa, o Curva Nord. O Curva Nord é famoso por sua postura racista e fascista de extrema-direita, pela rejeição aos jogadores negros e pelas mensagens antissemitas. Em seu histórico, o clube já teve um jogador abertamente Fascista, Paolo DiCanio, que tinha como hábito fazer uma saudação racista em pleno estádio que era reconhecida e respondida pelos ultras. DiCanio era considerado um ídolo da torcida do clube capitolino.

Já no Brasil, nos dias de hoje, pode-se dizer que os clubes de futebol não exercem um papel político muito grande, especialmente se formos tratar de questões identitárias. Geralmente as torcidas organizadas são desvinculadas de ideologias nacionalistas e identitárias. Mas nem sempre foi assim. No início do século XIX, com a chegada dos imigrantes italianos em São Paulo, o Palmeiras, ainda denominado Palestra Itália, foi uma ferramenta importante na preservação da identidade nacional dos italianos que se estabeleceram no Brasil.

A diferença com a qual os clubes selecionados abordam a questão do nacionalismo é importante para que percebamos a complexidade do significado do futebol de clubes para a vida dos torcedores e sobre como um conceito pode variar de significado em diferentes contextos. Ainda assim, é possível concluir que torcer para um clube de futebol pode aproximar pessoas com ideologias similares, criando uma sensação de comunidade. Como afirmaram Tuñon e Brey: “Nowadays, identification

with national teams certainly constitutes a substitute for traditional identity references, and it plays a decisive role in identity, consolidating an individual’s cohesion in modern societies.”^19 (TUÑON; BREY, 2012, p.14)

(^19) Hoje em dia, a identificação com as seleções nacionais certamente pode substituir as referências tradicionais de identidade, e isso cumpre um importante papel na questão da identidade, consolidando os laços de um indivíduo em sociedades modernas. (tradução nossa)