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Uma análise crítica da doutrina do direito natural, particularmente da confusão entre direito natural e direito moral. O texto discute a visão monística da relação entre realidade e valor, a necessidade de uma análise objetiva da realidade para sustentar a doutrina do direito natural e a confusão entre um direito natural e um direito moral.
Tipologia: Trabalhos
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Canoas, V. 5, N. 2, 2017
Recebido: 26.06. Aprovado: 03.07.
Uma Teoria “Dinâmica” do Direito Natural Jaiza Sammara de Araujo Alves Géssika Priscilla Castro Rodrigues ORIGINAL KELSEN, Hans. O Que é Justiça. São Paulo: Martins Fontes, 2001.
A situação intelectual de nosso tempo, resultante das agi- tadas experiências das duas guerras mundiais, é caracterizada, no campo da filosofia social pelo renascimento da doutrina do direito natural, direcionada contra o positivismo relativista que prevaleceu durante a segunda parte do século dezenove (XIX) e a primeira década do século vinte (XX). O elemento essencial da doutrina,^1 que busca deduzir princípios de justiça da natureza em geral e da natureza do homem em particular, é sua visão monís- tica da relação entre realidade e valor (fatos e normas, o “ser” e o “dever”). Ele sustenta que realidade e valor não são – como o positivismo dualístico afirma – duas esferas separadas, mas que valor é imanente na realidade e que, consequentemente, não é – como o positivismo afirma – uma falácia lógica, mas uma opera- ção legítima para inferir o que é do que deve ser. Visto que o valor é imanente na realidade, juízos de valor, isto é, juízos referentes a esses valores imanentes, são objetivos, ou seja, verificáveis pela ex- periência, como juízos sobre a realidade, e não – como o positivis- mo afirma – subjetivo e, consequentemente, unicamente relativo, porque não é uma descrição de fatos, mas é, em última análise, a expressão de desejos e medos. A doutrina do direito natural apoia-se na suposição que o valor é imanente na realidade. Se não for possível provar que uma análise objetiva da realidade, isto é, uma análise que não pressu- põe um valor ou norma definitiva, necessariamente conduz à afir- mação deste valor ou norma, a doutrina do direito natural não tem fundamento. Assegurar este fundamento e, desse modo, defender a doutrina do direito natural contra o positivismo relativista é o principal propósito de um estudo recentemente publicado por (^1) Cf. Kelsen, The Natural-Law Doctrine Before the Tribunal of Science, 2 Western Por. Q. 482 (1949).
Resenha
DOI http://dx.doi.org/10.18316/REDES.v5i2.
(^252) Jaiza Sammara de Araujo Alves, Géssika Priscilla Castro Rodrigues
Jonh Wild, Plato’s Modern Enemies and the Theory of Natural Law^22. Por “direito natural” Wild entende, em conformidade com a doutrina tradicional, “um padrão universal de ação, aplicável a todos os homens de todos os lugares, requerido pela natureza humana para sua própria conclusão” (p.64). A teoria do direito natural é, conforme Wild, “uma tradição realista da filosofia, radicalmente empírica em sua metodologia”. Esta afirma “derivar todos os seus conceitos básicos da observação de fatos experimentados” (p. 73). Esses fatos são “tendências” inerentes na realidade ou, como Wild coloca, na “existência”. “Existência finita é sem- pre inacabada”. Como tal, ela é essencialmente caracterizada pelas tendências que vão em direção ao seu cumprimento e conclusão (p. 67). A existência “requer” algo para sua “conclusão”. Tem um caráter tenden- cial. Segundo a doutrina do direito natural, conforme apresentada por Wild, “o mundo da natureza está em fluxo em direção ao que ainda não está totalmente acabado”. Essa doutrina sustenta “que entidades naturais são um estado de não conclusão ou potência, e que elas estão sempre tendendo a alcançar algo que ainda está faltando”. Isto é, baseado na “visão dinâmica da existência”, a qual Wild chama “atomismo lógico”, que lembra existência “como feita exclusivamente de unidades que são totalmente precisas e reais” (p. 65).
A visão de que realidade ou existência estão em fluxo não pode ser rejeitada, e na verdade, não é ab- solutamente rejeitada pela filosofia positivista. Contudo, do ponto de vista da ciência objetiva da natureza, a afirmação de que a realidade está em fluxo pode não significar outra coisa além de que a realidade é um estado de mudança permanente. Interpretar a mudança de uma entidade de um estado para outro como a realização de uma “tendência” é altamente problemático, pois “tendência” é um termo ambíguo. Ele pode significar algo como “intenção” ou “propósito”, isto é, pode implicar uma visão teleológica ou normativa, inteiramente incompatível com a ciência a qual sua função é a descrição objetiva e a explicação de fatos. Dentro de tal ciência, “tendência” pode significar unicamente a causa provável de mudança futura em fenô- menos observados. Wild diz: “A partir da observação de um tipo de ação e seu efeito mensurável, o físico pode inferir algo sobre a estrutura da entidade, e a partir do seu conhecimento de estrutura ele pode prever uma tendência” (p. 217). Se um físico, baseado numa observação objetiva dos fatos, afirma a regra que o calor tem o efeito de expandir corpos metálicos, ele pode, num caso concreto, prever, com um certo grau de probabilidade, que um corpo metálico aquecido irá expandir. O que ele é capaz de prever é uma prová- vel mudança. A expansão de um corpo metálico aquecido é o normal, isto é, a mudança regular que pode ser esperada. A situação é exatamente a mesma no caso de um desenvolvimento regular das flores de uma determinada árvore para um fruto comestível, ou de um embrião no ventre de uma mulher para um ser humano. Se a provável expansão de um corpo metálico aquecido ou o desenvolvimento de uma flor para uma fruta, ou de um embrião para um ser humano, são chamadas “tendências” de um corpo metálico ex- pandir, de uma flor desenvolver-se numa fruta, de um embrião desenvolver-se num ser humano, “tendên- cia” significa nada mais que um efeito ou uma mudança provável, e então a realidade pode ser descrita sem o uso do termo ambíguo “tendência”. No entanto, a teoria dinâmica do direito natural não pode dispensar o termo “tendência” que é o seu pilar, e como tal, significa muito mais que uma mudança previsível, normal e consequente. As “tendências” das quais a suposta observação que esta doutrina do direito natural deriva seus conceitos básicos, “requerem” algo. “Nenhuma tendência pode ser claramente entendida sem alguma 22 The University of Chicago press, Chicago, 1953. Pp xi, 259. $ 5. 50 Já que Wild acredita que Plato é o fundador da doutrina do direito natural (p.73), sua defesa é, principalmente, uma defesa desta doutrina.
(^254) Jaiza Sammara de Araujo Alves, Géssika Priscilla Castro Rodrigues
II
A diferenciação entre bom e mau, impossível dentro de uma descrição e explanação da realidade, é essencial para a doutrina do direito natural, a qual visa normas que regulam o comportamento humano. Se ela tenta encontrar estas normas nos fatos, e – como faz a doutrina dinâmica do direito natural – nas “tendências” imanentes na realidade, ela deve diferenciar essas tendências entre boas e más ou qualificar a realização de algumas tendências como boa e sua não realização como ruim ou má. Ela deve projetar o valor o qual pressupõe dentro da realidade. Isto é justamente o que a teoria dinâmica do direito natural está fazendo. “A tese mais básica envolvida nesta teoria é de que valor e existência estão intimamente entrelaça- dos um com o outro” (p. 64). “Há normas naturais incorporadas na estrutura de toda existência material” (p. 68). Assim, a pressuposição fundamental da doutrina tradicional do direito natural é aceita. De acordo com Wild, “aqueles que têm defendido responsavelmente essa teoria nunca afirmaram que valor e existên- cia são a mesma coisa. O que tem sido afirmado é que eles são distintos, mas inseparáveis”, pois “é óbvio e evidente que, de maneira nenhuma, valor é totalmente separado do fato” (p. 99). Se a existência ou o fato não podem ser separados do valor, como o valor está conectado com a existência ou o fato? Wild diz: “Se valor não existe de alguma forma, a reflexão ética é muito barulho por nada” (p. 99). Por essa razão, o valor “existe” de alguma forma; e se não há nenhuma outra “existência” senão a de fatos – de tal maneira, alguma coisa “existir” significa, de acordo com a teoria dinâmica do direito natural, o mesmo que um “fato” – o valor deve existir do mesmo modo que os fatos. Wild diz, “está claro que valores e desvalores são fatos de alguma maneira.” Se juízos de valor “são verdadeiros, eles devem se referir a algum tipo de fato existente” (p. 66). Que tipo de existência ou fato? Não há resposta para essa pergunta. Mesmo que haja dois tipos de “existência” ou fatos existentes, o valor é um deles e, consequentemente, o valor é – afinal de contas – um fato, e até um “fato existente”. Daí a objeção de que a doutrina do direito natural confunde valor e verdade não é tão injustificada como Wild alega. A visão de que valores são fatos existentes ou algum tipo de fato existente, certamente, não é mais óbvio e evidente que o ponto de vista oposto.
Os principais argumentos que Wild estabelece para sua tese de que valores são fatos são primeira- mente: que nós nos esforçamos para sua “realização” (p. 67). Valores podem ser realizados. “De que valem os valores mais sublimes se eles permanecem não realizados? Isso mostra que os valores, realmente nos movendo, não são separados da existência” (p. 67). A teoria dualística não nega absolutamente que valores podem ser “realizados”. Mas a afirmação de que um valor é “realizado” significa unicamente que um fato ocorreu o qual, na opinião do observador, está em conformidade com um valor ou uma norma pressuposta como válida por ele. Isto não significa que o fato é o valor ou a norma, ou que o valor ou a norma é um fato de qualquer tipo. O outro argumento é a afirmação citada acima, que se valor não “existe” de alguma forma, a reflexão ética é muito barulho por nada, ou, como é formulado em outra conexão: o dualismo relativista da existência e valor faz a “ética” e a “justificação moral” impossível (p. 71). Isto leva ao “niilismo moral” (p. 81), que significa: se valores não são fatos, não há valores em geral nem valores morais em par- ticular e, portanto, nenhuma ordem moral é possível. Esse argumento, também, não é aceitável mesmo se fosse verdade que não pode haver valores morais ou uma ordem moral se valores não são fatos. A partir da verdade dessa afirmação não se poderia seguir assegurando que os valores são fatos. A falta de uma ordem
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moral pode ser muito indesejável, mas a partir do fato de que um determinado estado de coisas é indesejá- vel não se infere que as condições do estado de coisas desejável existam. Contudo, a teoria do positivismo relativista e dualista não afirma que não há valores, ou que não há ordem moral, mas unicamente que os valores nos quais os homens realmente acreditam não são absolutos, mas são valores relativos, e que não há uma, mas muitas ordens morais diferentes sob cuja validade eficaz os homens efetivamente vivem e sempre viveram; mas, exatamente porque há muitas e bem diferentes ordens morais, sua validade – mesmo que muito eficaz – pode ser considerada relativa. É inadmissível identificar valor com valor absoluto; e unicamente por meio de tal identificação a teoria positivista de valor pode ser acusada de niilismo moral.
Há uma conexão essencial entre o conceito de “valor” e o de “norma”. A norma constitui um valor. Visto que, de acordo com a teoria dinâmica do direito natural, valores são imanentes na realidade e a rea- lidade não é um feito humano: “As normas, que não são um feito humano, devem efetivamente existir em algum sentido. Elas devem ser incorporadas na estrutura ontológica das coisas” (p. 105). A teoria dualís- tica não nega que normas “existem”, assim como não afirma que valores existem, mas ela não partilha do pensamento de que uma norma “exista” de modo que ela se apresente como um fato e consequentemente deva ser incorporada na realidade. A afirmação significa, unicamente, que uma norma é válida, que ela foi criada por um ato humano, o que constitui que uma norma é a definição explícita de um ato humano. Esse ato existe como um fato e pode ser descrito por um “é” – afirmação; mas a acepção de que alguma coisa deve ser ou deve ser feita, não é um fato; pode ser descrito apenas por um “deve” – afirmação. A visão de que normas são incorporadas como fatos na realidade, resta por confundir um ato com seu significado. Essa confusão é a base da suposição de que normas não são feitas pelo homem. Se elas não são feitas pelos seres humanos, elas devem ter sido feitas por outro ser dotado de razão e vontade. Somente tal ser pode emitir normas com o efeito de que os homens devam se comportar de uma determinada maneira. Se não é um ser humano, deve ser um super-humano, o mesmo que fez a realidade: Deus. A visão de que os valores são imanentes na realidade ou que normas não feitas por homens são incorporadas na existência é baseada, consciente ou inconscientemente, na interpretação teológica do mundo.
Depois de ter estabelecido como um dogma que valor e existência estão intimamente entrelaçados um com o outro, e que isto significa que valor é imanente na realidade, Wild é forçado a admitir que não apenas um valor positivo, mas também um valor negativo deve ser considerado como tendo algum tipo de existência, que não apenas o bem, mas também o mal “existe” de alguma maneira como um fato. “A evidên- cia empírica indubitável mostra-nos que o mal existe de alguma maneira, bem como o que é bom” (p. 65). Então, o problema surge: como distinguir bem e mal como fatos existentes. A fim de resolver este problema Wild introduz o conceito de “conclusão”. Existência requer conclusão ou cumprimento; em outros termos, há uma tendência direcionada para a conclusão ou cumprimento imanente na existência. Se essa tendência é realizada, se a existência “se cumpre”, se a existência alcança o que ela requer, se ela “alcança a conclusão existencial”, isto é bom; se a tendência direcionada à conclusão ou ao cumprimento não é realizada, se a
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são seus traços essenciais? Wild não responde essa questão com a sua afirmação que “natureza humana é um conjunto ordenado de características possuídas em comum por cada ser humano individual e essencial para a sua existência”, e que a razão humana é capaz de apreender “essa estrutura essencial comum e as tendências perfectivas características da espécie humana” (p. 66). Até agora a teoria dinâmica do direito natural não tem produzido nada a não ser a afirmação de que há na natureza humana, assim como em todas as entidades finitas, tendências direcionadas à conclusão, cumprimento ou perfeição, i.e., a tese fun- damental de sua visão dinâmica do mundo, que projeta as normas pressupostas por ela na realidade. Essa projeção torna-se evidente pelo fato de que Wild, baseado na afirmação infundada que há na natureza hu- mana “tendências perfectivas”, chega à conclusão: “Quando assim entendidas e expressas em proposições universais, essas tendências são normas ou leis morais” (p. 66).
Mais tarde, Wild faz a tentativa de justificar a visão de que valores ou normas são imanentes na rea- lidade referindo-se ao fato de que “entidades existentes são certamente julgadas, às vezes, verdadeiramente julgadas, para estar numa condição sadia ou não sadia” (p. 66). Ele diz: “Pois uma entidade qualquer, para realizar suas tendências e capacidades essenciais para a ação, ela está num estado sadio ou saudável” (p. 73). Isso provavelmente significa: o fato de que as tendências essenciais de uma entidade são realizadas mostra que ele está num estado sadio, ou: o fato de que nós julgamos o estado de uma entidade existente como sadio, mostra que uma tendência existencial é realizada. Aplicando a distinção entre os estados sadio e o não sadio para a natureza humana, Wild diz: “Muita coisa acontece ao homem, ou a partir de influências externas ou a partir de suas próprias escolhas, que não estão de acordo com sua natureza e suas tendências naturais. Se isso não fosse verdade, não poderíamos distinguir entre o estado sadio ou saudável e o não sadio e doentio” (pp. 76-77). Pode-se afirmar que as tendências “essenciais” são as tendências “naturais”. Se uma entidade e, especialmente, um ser humano, for julgado estar num estado sadio ou saudável, ten- dências essenciais ou naturais são realizadas. A realização dessas tendências (essenciais) é sempre boa. Sua frustração é sempre ruim. Assim, o abismo entre fato e valor é rompido... O mundo é dinâmico e se move para a conclusão. “Há normas naturais incorporadas na estrutura de toda existência material” (pp. 67-68).
De acordo com a teoria dinâmica do direito natural, o julgamento de que uma entidade está num estado sadio ou doentio, é uma afirmação sobre um fato observável experimentado e ao mesmo tempo um juízo de valor. “No caso de seres vivos subumanos, nos referimos às tendências elementares usando termos de valor como requisito ou necessidade e, ao cumprimento delas, com outros termos como normal, sadio ou saudável. Quando nós analisamos a estrutura dessa maneira, nós estamos reconhecendo a categoria essencial do que é bom - a realização de tendências imperfeitas. Além disso, às vezes nós argumentamos a partir da realização ao que ela requer da tendência elementar e falamos de uma planta doente ou defor- mada nos termos de como ela deveria crescer, ou de um animal mutilado em termos do que ele deveria ter feito para evitar a lesão. Não há implicação de nenhuma teleologia consciente nisto. Nós estamos me- ramente reconhecendo tendências existenciais requerendo ações para sua realização apropriada de acordo com a natureza” (p. 218).
O julgamento de que uma entidade vivente está em um estado sadio ou saudável pode, na verdade, se referir a um mero fato, o fato de que as funções vitais desta entidade não estão obstruídas. Se este julga-
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mento implica a ideia de que o estado sadio ou saudável é bom, ele afirma o caráter de um juízo de valor, e tal juízo de valor só é possível se o assunto julgado pressupõe uma norma requerendo que este estado sadio deveria ser. O estado sadio de uma cobra venenosa é bom para a cobra, se nós admitimos que a cobra queira viver; mas é ruim para os homens que destroem a vida desta a fim de salvar sua própria vida. Os homens pressupõem a norma que a vida humana deve ser preservada, mas não – como uma regra – que a vida de uma cobra venenosa deve ser preservada. O bom ou o ruim de um estado não é (quão saudável ou doentio ele está) um fato observável experimentado; isto está em conformidade ou em não conformidade com uma norma pressuposta pelo observador. Wild admite que o julgamento no sentido de que uma plan- ta está deformada, que ela está em um estado doentio, implica a ideia de que ela deveria ou deve crescer de outra forma. Mas essa ideia não se refere ao fato que pode ser observado; ela se refere à norma pressuposta pelo observador. Vemos que uma planta está deformada, mas não podemos ver, podemos apenas requerer que ela não deve estar deformada. Uma identificação do sadio com o bom é especialmente impossível se bom significa um valor moral, e é um valor moral que uma doutrina do direito natural tem como objetivo. Valores morais aplicam-se apenas ao comportamento humano; e os termos “sadio” e “doentio” referem-se
A fim de manter a visão de que, a distinção entre um estado sadio e um doentio prova que os valores do bem e do mal, são imanentes na realidade, a distinção entre “essencial” e “não essencial” ou tendências acidentais é introduzida. Ela não é consistente; pois em uma de suas versões, a teoria dinâmica do direito natural, conhece apenas um tipo de tendência: tendências direcionadas à conclusão. Ela afirma “que o ser tem um caráter ativo ou tendencial. Tais atos ou tendências são de início, imperfeitos ou incompletos. Eles podem ser ou frustrados com um resultado ruim ou concluídos com um resultado bom” (p. 65). “O que existe sempre contém tendências germinais direcionadas ao certo, mas essas tendências podem se tornar retorcidas ou distorcidas por acaso, pela manipulação tirânica, e pela deliberação equivocada” (p. 70). Por- tanto: “Muitas tendências existem num estado privativo ou não concluído” (p. 217), “o que irá completar ou
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a lei moral deveria aplicar-se não somente aos seres humanos, mas também aos animais, plantas e coisas inanimadas, o que, claro, seria absurdo. De fato, mais tarde, Wild caracteriza tendências “essenciais”, isto é, “naturais” de uma forma diferente, de modo que elas podem ser consideradas inerentes apenas aos se- res humanos. Ele diz que há duas características distintas pelas quais uma tendência essencial ou natural é marcada: “primeiro, ela é compartilhada em comum por todos os membros das espécies; segundo, sua realização, pelo menos até certo ponto, é necessária para a vida humana. Assim, a necessidade de comida é uma tendência natural; o desejo de torturar outro homem não é. A primeira é comum às espécies, e certo grau de realização é necessário para a vida humana. Portanto, ela é essencial. A segunda não possui esta marca.... Ela é não essencial ou acidental, e também obstrutiva ou ruim. O padrão da ação que é univer- salmente necessário para a vida humana é essencial. Esse é o padrão do direito natural” (p. 77). Em outra conexão, ele afirma: “A existência humana é constituída por diversas tendências, algumas compartilhadas por todo homem individual e indispensáveis para a vida humana, outras, peculiares a certos indivíduos ou grupos, e dispensáveis” (p. 218). Apenas a primeira “deve ser realizada até certo ponto se a vida huma- na é para ser absolutamente vivida – por exemplo, a necessidade de comida e a necessidade de educação. Quando claramente focadas por uma visão racional, elas são chamadas direitos. Elas têm o direito de serem realizadas...Porque elas são requeridas pela própria natureza humana e pelas causas cósmicas da natureza humana” (p. 218).
A segunda característica, parece inferir que apenas seres humanos são levados em consideração, o que é bastante compreensível do ponto de vista de uma doutrina do direito natural a qual tenta encontrar as normas do direito nas tendências imanentes na natureza humana. Daí a suposição problemática de que tendências em outros seres que não sejam os seres humanos, parecer completamente supérflua. Tendências existentes em seres humanos são desejos que dificilmente podem ser afirmados que existem em coisas ina- nimadas, ou em plantas, ou mesmo em alguns animais primitivos. Como de fato, de acordo com a teoria dinâmica do direito natural, as tendências existentes na natureza humana manifestam-se em desejos, em “desejos naturais” que esta teoria distingue de “apetites incidentais” (p. 68). A necessidade de comida é uma tendência essencial ou natural porque ela é um desejo natural em contradição ao desejo de torturar outro homem, que não é um desejo natural porque – conforme a teoria dinâmica do direito natural – ele não é compartilhado em comum por todos os membros da espécie humana. É verdade que Wild, em outra cone- xão, (p. 218) caracteriza as tendências “compartilhadas por todo ser humano individual e indispensáveis” como “necessidades”, em contradição às tendências “peculiares a certos indivíduos ou grupos” as quais ele chama “desejos, interesses ou compulsões”. Isto, contudo, é incompatível com a distinção apresentada na primeira parte do seu livro, na qual ele diz: “A teoria do direito natural sustenta que há uma distinção nítida entre apetites crus (em seu estado natural) e desejos deliberados induzidos pela cooperação da razão prá- tica” (p. 69). Essa distinção é, evidentemente, idêntica à distinção de desejos naturais e apetites incidentais. Quando ele proclama o princípio das normas naturais fundamentadas em tendências factuais, Wild refere- se aos “fortes desejos ou impulsos fortemente sentidos do desejo natural” (p.68). O “impulso” de um desejo natural no qual uma tendência natural se manifesta é, certamente, uma compulsão. Não haveria “necessi- dade” de comida se não houvesse “desejo” por ela. Apenas porque isto é um desejo, ele pode ser comparado
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com o “desejo” de torturar outro homem. A necessidade de comida é uma tendência natural, sua realização é – de acordo com a teoria dinâmica do direito natural – requerida pela natureza humana, porque o desejo por comida é compartilhado por todos os seres humanos. Apenas o “desejo” é um fato. Apenas como um fato psicológico ou fisiológico ele é compartilhado em comum por todos os homens. Claro que pode haver uma “necessidade” de alguma coisa, isto é, alguma coisa pode ser, de acordo com o nosso conhecimento, necessária para a preservação da vida humana, sem que o homem sinta um desejo para isso. Mas isso é algo diferente de um forte desejo ou impulso compartilhado por todos os seres humanos.
Se as normas do direito natural são fundamentadas em desejos naturais, isto é, desejos comparti- lhados em comum por todos os seres humanos, é dificilmente possível estabelecer um sistema de normas naturais que regule a vida social dos homens, pois existem outros desejos naturais compartilhados em comum por todos os homens, além de comida. A necessidade de educação, certamente, não é baseada num desejo fortemente sentido por todos os homens e, seguramente, não é necessária para a preservação da vida do homem. Isto é, a propósito, significativo, que a teoria dinâmica do direito natural refere-se expressamente apenas a essas duas, das quais uma não cumpre as condições de uma tendência essencial ou natural, e a outra não é suficiente como base de uma ordem natural, mesmo se fosse possível inferir, a partir do fato de que todos os homens têm um desejo por comida, a norma que esse desejo deveria ser sa- tisfeito. Se o desejo por comida é uma “tendência”, então o desejo de torturar outro homem também é uma tendência, embora seja uma tendência que não é compartilhada em comum por todos os homens. Isso está em conflito aberto com a visão de que há apenas tendências direcionadas ao certo e que o ruim consiste no fato de que uma tendência – direcionada ao certo – está retorcida ou distorcida. O desejo de torturar outro homem não pode ser concebido como uma tendência retorcida ou distorcida direcionada ao certo. Além disso, as tendências constituintes da natureza humana, as quais os desejos são, evidentemente, diferentes das tendências imanentes na natureza de outras entidades que não são seres humanos. As tendências, um físico pode prever a partir do seu conhecimento da estrutura dessas entidades. Assim o termo “tendência” é usado em dois significados totalmente diferentes. Se este não for o caso, as tendências, as quais a teoria dinâmica do direito natural afirma existir nessa parte da natureza que não é o ser humano, também devem ser desejos ou algo similar a desejo; e assim sua implicação teleológica não pode ser negada.
O “padrão do direito natural” repousa, como Wild afirma, “na possibilidade de distinção entre o que é essencial para uma entidade do que é incidental” (p. 77), entre existência “natural” e mera existência (p. 76), entre “natureza” e “existência” (p. 76). Assim, essas tendências que constituem a existência humana podem ser consideradas como não essenciais e, portanto, como não naturais, ou como em não conformi- dade com a natureza humana. Contudo, tal distinção só é possível se por “natureza” entender-se existência, não como ela realmente é, mas como ela deve ser, em conformidade com a norma pressuposta.
Isto é, de fato, o significado da segunda característica pela qual uma tendência “essencial”, inerente na natureza humana, é marcada. Ela é uma tendência cuja realização é “necessária para a vida humana”.
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forma. A obrigação é a norma, em sua relação com o indivíduo, do qual o comportamento é prescrito. Essa afirmação que a norma ou obrigação é “imposta” sobre o individuo, significa que o individuo deve se comportar como a norma prescreve. Esta é a maior importância de distinguir, o mais claramente possível, entre obrigação neste sentido normativo do texto e o fato de que o individuo tem a ideia de uma norma ou obrigação, que essa ideia tem uma certa influência motivadora sobre ele, e finalmente conduz a um com- portamento em conformidade com a norma. A diferença torna-se evidente quando assumimos que um indivíduo está sob uma obrigação, mesmo se a ideia da norma não tiver efeito sobre seu comportamento, se ele realmente não se comportar em conformidade com a norma; mesmo se ele não tiver absoluta ideia da norma. A última hipótese é geralmente expressa pelo princípio de que a ignorância da lei não é escusa. Se um indivíduo não se comporta como ele deve se comportar em conformidade com a norma, dizemos que ele viola sua obrigação. Somente se assumirmos que ele está sob uma obrigação de se comportar de determinada maneira, mesmo se ele não se comportar dessa maneira, podemos dizer que ele viola sua obrigação.
A distinção entre obrigação, no sentido normativo deste termo, e o fato de que um indivíduo tem a ideia de uma obrigação, é frequentemente obscurecida por uma terminologia equivocada. É habitual caracterizar o caráter impositivo de uma obrigação, como também o efeito motivador que a ideia da nor- ma tem na mente do indivíduo, como uma “necessidade”. A afirmação que uma norma ou obrigação “ne- cessita” que o indivíduo se comporte de certa maneira pode significar que, se o indivíduo está sob uma obrigação, ele deve se comportar em conformidade com esta obrigação. Isso pode, no entanto, significar que a ideia da norma como motivo ou causa na mente do indivíduo tem, como efeito, um comportamen- to em conformidade com a obrigação. O termo “necessidade” é usado com dois significados totalmente diferentes. No primeiro caso, ele expressa uma relação normativa, no secundo caso, uma relação causal. A mesma ambiguidade é implicada no termo “imposição”. Dizer que uma obrigação é imposta sobre um individuo pode não apenas significar que ele deve se comportar em conformidade com a obrigação, mas também que a ideia da obrigação tem um efeito motivador sobre ele. Todas as tentativas de fundamentar a obrigação num fato, são baseadas na confusão da obrigação em seu sentido normativo com a ideia de que um indivíduo tem uma obrigação, e o efeito motivador dessa ideia.
A teoria da obrigação de Wild é um exemplo típico dessa confusão. Ele é bastante consciente do significado normativo específico do termo obrigação; ele reconhece que esse conceito expressa “dever”, que o “dever” não é idêntico ao “ser” e que um não pode ser inferido a partir do outro. Mesmo assim, ele caracteriza obrigação como um “sentimento humano” (p. 66) e afirma que “a obrigação... Vincula-nos ou move-nos a certos valores”. Este é, claramente, um desejo ou uma tendência factual, que, essencialmente, nos liga ou nos impulsiona em direção a certos valores” (p. 67). Ele diz: “Nós somos fisicamente movidos ou impulsionados pelo desejo da obrigação ou do dever” (p. 68). Ele define expressamente o “dever”, “o fato básico da natureza humana”, como “o real desejo inerente nessa natureza” (p. 97). Isso significa que ele re- duz o “dever” para o “ser”. É evidente que nós somos “fisicamente movidos ou impulsionados” unicamente pela ideia que temos em nossa mente de obrigação, o que pode ser um “desejo”, i.e., mais ou menos um motivo eficaz e como tal, um fato psicológico, um “sentimento” que pode nos mover para certa direção,
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especialmente para cumprir a obrigação da qual nós temos ideia e, assim, realizar um valor. Mas este, cer- tamente, não é o “dever” que fisicamente nos move ou nos impulsiona, pois este pode ser apenas o efeito de um fato existente, e dever, isto é, a afirmação que algo deve ser ou deve ser feito, não é uma afirmação sobre um fato existente. Wild diz ainda: “a obrigação parece ser algum tipo de necessidade que obriga e impulsio- na” (p. 214). Ele rejeita, corretamente, a teoria que interpreta obrigação como um tipo de “lei psicológica” e afirma: “a obrigação não necessita desse sentido, pois as pessoas frequentemente deixam de cumprir suas obrigações” (p. 214). Mesmo assim, sua própria teoria da obrigação não é senão uma vã tentativa de fundar a obrigação moral em tendências naturais imanentes na natureza (p. 217), ou seja, no fato psicológico de desejos naturais.
De acordo com essa teoria, a obrigação moral é o resultado da “transformação de apetites crus” (p. 218). Há dois passos para essa transformação. O primeiro passo é o “reconhecimento racional das necessidades naturais”, isto é, necessidades “requeridas pela própria natureza humana e pelas causas cósmicas da natureza humana”, e sua distinção de desejos efêmeros. “Estas necessidades são sentidas pelo indivíduo como tendências inacabadas, nele mesmo e nos outros” (p. 218). “Quanto mais cedo nós reco- nhecemos uma necessidade, também reconhecemos o valor universal que irá satisfazer a necessidade. A apreensão de tais valores universais, não relacionada a interesses particulares deste ou daquele indivíduo ou grupo, mas tendencialmente relacionada à natureza humana como tal, é o segundo passo na complexa experiência da obrigação moral. Nesta etapa, nós temos o forte desejo de tendências comuns existenciais e a percepção racional dentro dos valores inexistentes requeridos para completá-los” (p. 219).
Não está claro, se estes dois passos da transformação de apetites crus em obrigação moral, se realiza na teoria da obrigação ou na alma do indivíduo. Uma vez que Wild fala sobre os passos na “experiência” da obrigação moral, a última interpretação não é excluída. Contudo, não pode haver nenhuma dúvida de que o “reconhecimento racional das necessidades naturais e sua distinção de desejos efêmeros” é uma tarefa da teoria do direito natural, e que um homem pode estar sob uma obrigação moral sem ter a menor ideia desta distinção altamente problemática e sem reconhecer os valores universais que satisfazem as necessidades naturais. Mas levemos em consideração apenas as afirmações que se referem, expressamente, ao fenômeno psicológico na mente do individuo suposto a estar sob uma obrigação moral. A primeira etapa, é caracteri- zada pelo fato de que o indivíduo sente uma necessidade como uma tendência inacabada nele mesmo e nos outros. Isto é dificilmente possível. Um indivíduo pode “sentir” apenas o que está acontecendo nele mesmo. Ele pode sentir apenas sua própria necessidade, ele não pode sentir a necessidade sentida pelos outros. Ele pode saber que a necessidade que ele sente é sentida pelos outros também, que ela é uma necessidade compartilhada em comum por todos os seres humanos e que a sua realização é necessária para a preserva- ção e promoção da vida humana, que ela é – na terminologia da teoria dinâmica do direito natural – uma tendência natural ou essencial. Além disso, ele pode ter o forte desejo desta necessidade ou tendência e o discernimento racional dos valores requeridos para completar essa tendência. Se for assumido, como a teoria dinâmica parece assumir, que então, e só então, ele está sob uma obrigação moral, a obrigação é idêntica ao estado psicológico do indivíduo que consiste no sentimento do forte desejo de uma necessi- dade e algum conhecimento concernente à natureza desta necessidade. Agora, a questão surge quanto ao
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VII
Esta norma não pode ser encontrada na experiência ou em fatos observáveis. Não se pode provar que uma tendência – no sentido de mudança ou desejo previsíveis – relativamente à preservação e promo- ção da vida humana, em geral ou em particular, é imanente na natureza em geral ou na natureza humana em particular.
A vida em geral e a vida humana em particular, é um fenômeno do qual a existência é reduzida em uma parte infinitesimalmente pequena do universo conhecido por nós. É bastante provável que o desenvolvimento cósmico conduzirá uma total destruição da vida e, especialmente, da vida humana. Então, a hipótese de uma tendência cósmica direcionada à destruição da vida não pode ser excluída. No que diz respeito à natureza humana, há, realmente, um fato que poderia ser interpretado como uma tendência relativamente à preservação e promoção da vida humana. É o instinto de autopreservação. Entretanto, é uma tendência que diz respeito à preservação e promoção da própria vida humana; e a realização, con- clusão ou cumprimento desta tendência apenas é possível à custa da preservação e promoção da vida de outros seres. A necessidade de comida, reconhecida pela Teoria Dinâmica do Direito Natural é uma ten- dência essencial ou natural, decreta a destruição da vida de plantas e animais; mas, de fato, o instinto da autopreservação é satisfeito, muito frequentemente, à custa da preservação e promoção da vida de outros seres humanos, mesmo que tal comportamento não seja necessário para preservar e promover a própria vida. Ademais, há situações nas quais a vida do ser humano pode ser preservada apenas mediante o sacrifí- cio de outro ser humano. Se a questão surge como a maioria dos homens irão agir em tal situação – e ape- nas a partir de seu real comportamento uma “tendência” poderia ser inferida – pode haver uma pequena dúvida que a maioria esmagadora dos homens sacrificará a vida do outro a fim de salvar a sua própria vida. A realização da tendência manifestada em seu comportamento, certamente, não é requisito “para a vida humana”, mas – o que é um requisito bastante diferente – para a vida humana própria. Se uma doutrina do direito natural afirma que a preservação ou promoção da vida de outros seres humanos é contra a natureza do homem, isto não se refere à natureza humana como ela realmente é, mas à natureza humana como ela deve ser de acordo com uma norma pressuposta.
A tendência, que se manifesta no instinto de autopreservação, não é isenta de exceções, de modo que uma norma do direito natural, isto é, uma norma válida sempre e em todo lugar, poderia não ser en- contrada nele, como as estatísticas de suicídio – às vezes até um fenômeno massivo – mostram claramente. Isto, contudo, não é a objeção mais importante contra uma tentativa de encontrar as normas de uma ordem social no instinto de autopreservação, o qual é a única tendência observável relativamente à preservação e promoção da vida humana imanente na natureza humana. O ponto decisivo é que esta tendência é – como pontuado – direcionada à preservação e promoção da própria vida. Ela é a expressão do egoísmo do homem, enquanto todo moral, e isso significa ordem social, e especialmente, uma ordem moral a qual reclama ser direito natural e, consequentemente, ser válida sempre e em todo lugar, é direcionada contra o egoísmo do homem, sua tendência de satisfazer seus próprios interesses, até mesmo à custa dos interesses alheios. Eles tentam restringir esta tendência; eles estão baseados no princípio do altruísmo. A necessida-
Uma Teoria “Dinâmica” do Direito Natural 267
de ou desejo por alimento – o principal exemplo de uma tendência natural na qual a teoria dinâmica do direito natural finge encontrar as normas deste direito – é, como tal, moralmente indiferente. O que conta é apenas como essa necessidade ou desejo de um individuo é satisfeito em relação à mesma necessidade ou desejo dos outros indivíduos; e a este respeito, esta tendência “natural” não é possível base para normas naturais.
Se as normas naturais são “embasadas” na existência, como a teoria dinâmica do direito natural afirma (p. 68), estas normas devem ter encontrado expressão nas ordens morais positivas ou legais, isto é, ordens sociais, as quais, na verdade, existem ou têm existido no sentido de que estas normas são ou têm sido efetivas, ou seja, em geral, aplicadas e obedecidas pelos homens vivendo sob estas ordens. Mas a norma fundamental pressuposta pela teoria dinâmica do direito natural, que a vida de todo ser humano deveria ser preservada e promovida, nunca foi reconhecida por nenhum sistema moral positivo ou legal. As normas implicam a ideia de que a vida humana, a vida de todo ser humano, possui o mais alto valor. Esta, certamente, não é a ideia da moralidade cristã, a qual considera a vida, isto é, a vida do homem neste mundo, como um mal, e apenas uma existência transcendental em outro mundo como boa. Os sistemas moral ou legal, efetivamente estabeleceram entre muitas pessoas não considerarem a vida de todos os se- res humanos como igualmente valiosas. A instituição legal da escravidão, justificada por grandes filósofos como a instituição natural ou justa, é incompatível com a norma requisito da preservação e promoção da vida humana sem qualquer distinção. Os sistemas morais, que são a base das ordens legais positivas de nosso tempo, reconhecem a guerra como uma ação legítima e, consequentemente, não pressupõem que a vida dos seres humanos, pertencentes ao inimigo, deveriam ser preservadas e promovidas. Se todas estas ordens sociais são ou têm efetividade, como elas poderiam ser consideradas contra a natureza humana, se a natureza humana é tomada como ela realmente é e manifesta-se na vida social dos homens? E onde mais poderia a natureza humana manifestar-se senão no modo pelo qual a maioria esmagadora dos homens realmente se comporta em suas relações mútuas, e no modo como que eles moralmente avaliam o seu com- portamento. Uma filosofia “realística” e “empírica”, tal qual a teoria dinâmica do direito natural afirma ser, certamente não é uma posição para negar que a realidade social é uma manifestação da natureza humana; e a realidade social é o direito positivo, não um direito natural imaginário.