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Uma análise da relação entre aluísio azevedo, um escritor e jornalista brasileiro, e o campo literário, com ênfase na intersecção entre sua escrita literária e suas caricaturas. O texto também explora a contextualização histórica e biográfica de aluísio azevedo e coelho neto, além de examinar a ideia de um grupo de salvadores da pátria no campo intelectual. O documento também discute a importância da relação entre o campo literário e o público leitor, e a luta por autonomia do campo literário.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de estudo
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS ÁREA: ESTUDOS DE LITERATURA LINHA DE PESQUISA: LITERATURA, SOCIEDADE E HISTÓRIA DA LITERATURA
ALEXANDRE KUCIAK ORIENTADORA: PROF.ª DR.ª REGINA ZILBERMAN Tese de Doutorado em Estudos de Literatura, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós- Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. PORTO ALEGRE 2020
Alexandre Kuciak DA AQUARELA À CARICATURA: UMA LÁGRIMA DE MULHER E O MULATO, DE ALUÍSIO AZEVEDO Tese de Doutorado em Estudos de Literatura, apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Doutor pelo Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 04 de setembro de 2020 Resultado: Aprovação unânime com o conceito A. BANCA EXAMINADORA: Profª Drª Claudia Luiza Caimi Instituto de Letras Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Profª Drª Raquel Bello Vázquez UniRitter/ Laureate International Universities Profª Drª Lúcia Granja Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP)
Para a minha mãe.
Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo "como ele de fato foi". Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso. O perigo ameaça tanto a existência da tradição como os que a recebem. Para ambos, o perigo é o mesmo: entregar-se às classes dominantes, como seu instrumento. Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela. Walter Benjamin, “Teses sobre o conceito de história”, 1940
Esta tese busca investigar a representação literária de Aluísio Azevedo a partir de sua relação com a pintura e com a caricatura em seus dois primeiros romances, Uma lágrima de mulher e O mulato. Em sua primeira obra, as técnicas da pintura definem narrativa e estilo, enquanto em O mulato o protagonismo é dado à caricatura, seja em suas descrições ou em suas contundentes críticas sociais, derivadas de sua passagem pelo campo jornalístico. Do ponto de vista metodológico, dialogamos inicialmente com o conceito de “sistema midiático” que nos permitiu estudar Aluísio Azevedo enquanto “escritor-jornalista”. Esta perspectiva evidencia o autor enquanto parte atuante de um movimento transformador da literatura a partir da imprensa e sugere uma nova poética, oriunda do suporte periódico. Para desenvolver estas questões dentro de uma contextualização mais ampla, também utilizamos o aparato conceitual de Pierre Bourdieu, em especial o conceito de “campo”. Investigar a produção literária brasileira do século XIX a partir de relações de autonomias sempre relativas, resulta em um mapeamento de tensões sociais possíveis de serem absorvidas pelas obras literárias. Questões incontornáveis como o papel do leitor, os suportes disponíveis, as disputas teóricas em torno da representação do real, a vinculação política do escritor, acabam sendo privilegiadas dentro de um enfoque que constelaciona a relação entre obra e autor. Buscando também a investigação das obras artísticas e literárias de Aluísio dentro de uma situação de mudança perceptiva internacional, integramos em nosso estudo a perspectiva de Walter Benjamin. Sua visão da obra enquanto documento de barbárie, seu olhar para a reprodutibilidade técnica e sua análise da transformação da percepção operada no século XIX contribuiu para o desenvolvimento da perspectiva histórica de nosso estudo que buscávamos. Em um primeiro momento verificamos o campo literário no Brasil a partir da obra A conquista , de Coelho Neto, buscando compreender o campo literário e jornalístico, também, a partir da visão que o campo possuiria de si mesmo. Em seguida, estudamos a vinculação de Aluísio com as técnicas da pintura e da caricatura, buscando identificar a presença destes recursos em suas produções: primeiramente, na produção caricatural de Aluísio nos jornais em que trabalhou entre 1876 e 1878 e, em seguida, em seus dois primeiros romances. Em Uma lágrima de mulher a predominância das cores evidencia uma tecitura narrativa apoiada em fundamentos da pintura, enquanto em O mulato predominam os elementos que compõem o processo caricatural, em especial a sátira generalizada da parcela racista população maranhense de seu tempo. Palavras-chave: Aluísio Azevedo; campo literário; escritor-jornalista; mimese
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código 001. This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Finance Code 001.
Independentemente do processo de escrita, a primeira linha é sempre a mais complicada. Vencida esta etapa, o meu texto não tarda para se encontrar. Dita o ritmo da escrita, solicita esclarecimentos, requer detalhes, pede um encaminhamento, antes de ser revisto, modificado, reescrito. A elaboração, a redação e a finalização de um texto são processos demorados, diferentes para cada autor. Apenas quem o produziu sabe os caminhos, os atalhos, a velocidade da caminhada. A primeira linha desta nossa caminhada ao lado de Aluísio Azevedo também foi difícil. À exemplo de minha dissertação, pretendia estudar o processo composicional de uma obra literária. Quanto ao autor escolhido, Aluísio intrigava-me. Até chegar na forma de O cortiço , o escritor maranhense explorou as formas literárias como pôde durante dez anos. As escolhas estilísticas de seu romance de estreia, Uma lágrima de mulher , obra romântica pouco ousada formal e tematicamente, não mais se repetiram. Em seu lugar, O mulato erigiu-se, mantendo poucos traços da obra anterior, em uma técnica atenta ao político-social. Na obra seguinte, contudo, Aluísio publica um folhetim típico de sua época, com estrutura, recursos e situações conhecidas. E assim manteve as suas ficções – as obras alternando-se em estilos múltiplos: Casa de pensão seguiria a crítica de O mulato , mas ironizando os traços românticos da obra anterior, O coruja abordaria assunto diverso em estilo ainda mais distinto, O livro de uma sogra (publicado logo após O cortiço ) destoaria de tudo o que a precedera. Em meio a estas obras, folhetins, peças teatrais em colaboração com outros escritores, artigos, poemas, caricaturas. Como estudar o estilo deste autor tão diverso? Algumas temáticas e técnicas se repetiam. Memórias de um condenado apresentava um suposto jornalista da Gazetinha publicando a correspondência de um hipotético detento, Casa de pensão retomava um polêmico assassinato discutido por meses nos jornais fluminenses, Filomena Borges tivera a sua personagem principal elaborada primeiro em anúncios de jornal, para, em seguida, no folhetim, apresentar questões da época através de diversas vozes, semelhante ao processo jornalístico. Diante destas características, optamos por contrastar a atuação de Aluísio na imprensa com as suas obras. Como os procedimentos do jornal diário e da revista semanal reverberaram em sua escrita? A presença da imprensa é nítida não apenas nos textos ficcionais de Aluísio, mas nos escritores da segunda metade dos oitocentos em geral. Não apenas o conteúdo das reportagens e das crônicas dos jornais são referidos e organizados nos romances, mas também as formas da notícia, da crônica, do folhetim e do romance são referidas, repetidas e parodiadas de cada
lado. Se os romancistas encontravam, com a imprensa, um novo ritmo de escrita, também os jornalistas utilizavam a narrativa e os recursos linguísticos literários. Ao beber da literatura, a imprensa modificara a sua fonte. Renovada, a fonte literária não demoraria a se referir ao seu agente transformador de maneira ora mais ora menos evidente, como ocorreu, principalmente, nas três últimas décadas do século XIX. No caso de Aluísio, chamava-nos a atenção a transformação completa ocorrida entre as suas duas primeiras obras, precisamente durante o período em que passara a atuar na imprensa fluminense. Sua atuação, porém, dera-se não enquanto cronista ou repórter, mas enquanto caricaturista de revistas ilustradas. Talvez Machado de Assis tenha encontrado a sua primeira linha com a crônica, talvez Aluísio tenha encontrado a sua com a caricatura. Deste lado, havíamos encontrado a nossa: por trás do jornalista havia um desenhista. O humor, as metáforas, as alegorias que havíamos pontuado durante as leituras iluminavam-se. O escritor encontrara-se com a caricatura, ausente na primeira obra. Contudo, nas margens, destacadas pelo marca-texto, as anotações de leitura apontavam para cores, linhas, retratos. Faltava o pintor destes quadros, ausentes no preto e branco das charges jornalísticas. E ele sempre esteve lá. Aluísio, pintor em sua adolescência, buscava desenvolver-se nas artes plásticas ao embarcar para o Rio de Janeiro. Desta forma, a hipótese desta tese propõe que as técnicas utilizadas na pintura e na caricatura fundamentam os procedimentos composicionais e as escolhas temáticas de Aluísio Azevedo em seus primeiros passos enquanto romancista. Em um primeiro momento, com Uma lágrima de mulher , Aluísio dialoga constantemente com a pintura. Em seguida, após a sua passagem pela imprensa, a sua figuração da realidade ganha novos contornos com a análise caricatural atuando em conjunto com a pintura, mas se sobrepondo, seja para construir cenas ou personagens. Assim, buscamos analisar as representações da realidade em Aluísio Azevedo comparativamente, em seus dois primeiros romances. Quais continuidades e descontinuidades ocorreram entre estas obras a partir do intercâmbio das linguagens artístico- literárias? A tese que se verificará neste trabalho é que, conforme Aluísio foi assimilando os recursos da caricatura em suas narrativas, redobrou o interesse de seu narrador na exploração dos ambientes, alterando o seu modo de escrever. Faltava ainda, porém, retomar a questão metodológica. Para mostrar como a experiência do pintor-caricaturista fora fundamental para o escritor de ficção, era preciso uma metodologia que evidenciasse esta manifesta força transformadora da imprensa. Os periódicos, incorporando o ritmo de vida industrial, criaram e operaram, por
A última questão metodológica de nossa tese residia na avaliação das produções gráficas de Aluísio. Era preciso analisá-las também em suas singularidades, para não incorrer no risco de as lermos apenas como etapas da formação literária. Que tipo de peso pode a caricatura incidir sobre a escrita literária? Em um primeiro momento, as duas técnicas parecem distintas e distantes, porém, um olhar mais próximo revela a riqueza do estudo da relação entre estas duas técnicas. A técnica literária se aparenta, muitas vezes, com a técnica do desenho. Neste âmbito, dentro do amplo espectro dos processos artísticos, destacam-se os procedimentos provenientes da caricatura: “A caricatura aparece certamente entre todas as manifestações artísticas, como a mais vizinha da obra literária”^5. O modo como cada escritor se refere à realidade relaciona-se com o grau de veracidade e verossimilhança pretendido para a sua representação. Atenta-se para pessoas, objetos, lugares, a partir de um olhar prévio para o tecido social, disso resultando uma mimese voltada, gradativamente, para o particular ou para o geral. O domínio destes mecanismos representacionais assemelha-se ao do caricaturista. Uma maior atenção aos detalhes de um objeto pode dialogar com certa impotência do artista em conceber o conjunto no qual tal item se insere. Por outro lado, em que medida a síntese generalizada apreenderia o detalhe mais significativo dentro da multiplicidade de aspectos? Aqui encontramos o ponto de junção entre estas distintas técnicas, pois também se requer dos caricaturistas a habilidade de adivinhar, localizar e destacar os traços característicos de algo ou alguém. O desenho caricatural, resultado de um exame do tecido social, pode ser visto como uma espécie de curso de história social em que se evidenciam os malefícios, os equívocos e as tendências de uma coletividade. Finalmente, ao considerar a nova Poética literária oriunda do jornalismo e das novidades tecnológicas, se mostrava necessário analisar como ela também afetara as artes plásticas e gráficas. Para este intento, incluímos o diálogo com a extensa análise da mudança perceptiva moderna desenvolvida por Walter Benjamin, em especial os seus estudos relativos ao advento da reprodutibilidade técnica. Benjamin oferecer-nos-ia não apenas as suas interpretações, mas, como no todo de sua obra, caminhos para serem rastreados. Em termos estruturais, em um primeiro momento, apresentaremos Aluísio enquanto jornalista, pintor e caricaturista, a partir dos conceitos de Pierre Bourdieu. Buscaremos (^5) REFORT, La C. Lucien. Paris: Libr. Armand Colin, 1932. Citado por LIMA, Herman. História da caricatura no Brasil (volume 1). Rio de Janeiro: José Olimpio, 19 63 , p. 6.
justificar com sua biografia e com partes de romances e de caricaturas (além de adentrar nos diversos campos) que essa passagem do autor pela imprensa é significativa, pois: a) elucida questões relativas a inúmeras escolhas em seus romances iniciais; b) segue a corrente teórica que compreende a literatura enquanto fenômeno social, evidenciando como forma literária e sociedade dialogam incessantemente. Como dito anteriormente, não se trata de analisar a escrita literária do Aluísio-jornalista (sendo a caricatura apenas uma extensão da atividade na imprensa), mas de considerar na equação também a escrita do desenhista Aluísio, o que torna o Aluísio-caricaturista uma extensão do Aluísio pintor. Nosso trabalho consiste, portanto, no estudo dessa complexa relação triangular entre pintura, caricatura e literatura. As questões distribuídas na primeira parte serão verificadas quando entraremos nas questões centrais da tese a partir da análise de Uma lágrima de mulher e de O mulato. A principal questão a ser respondida será: como os trabalhos de Aluísio Azevedo enquanto artista plástico-gráfico dialogam com as figurações de seus dois primeiros romances? Na sétima tese de Sobre o Conceito de História (1940), Walter Benjamin associa o documento à cultura: “não há documento de cultura que não seja também documento da barbárie^6 ”. Deste ponto de vista, a caricatura, o jornal, o romance seriam, necessariamente, documentos que fazem parte de uma rede de produção intrincada na barbárie das relações de poder. Estes documentos culturais conteriam, em si, a história de muitas pessoas oprimidas. Anteriormente no texto (na quarta tese), porém, Benjamin afirmara que a cultura – essas coisas “requintadas e espirituais” – também estaria “viva” na “luta” do “historiador formado em Marx”, atuando “retroativamente sobre os tempos mais distantes”^7. Essa aparente contradição indica uma relação constante do presente (produção de documentos culturais) com o passado (histórias apagadas para que a História dos vencedores predomine); como um chamado constante e, para usar um termo de Benjamin, melancólico, do passado ao presente. Gostaria de destacar este conceito no fechamento desta introdução para, acima de tudo, assumir o modo como esta tese analisará os seus documentos culturais, seja as caricaturas, os contos, os folhetins, as crônicas, ou os romances. Por serem documentos pertencentes ao nosso passado e, por isso, ecoarem de diferentes maneiras em nosso presente, abordaremos as vozes que os produziram e os combates em que participaram, sem perder de vista que a luta pela História está sempre em disputa. (^6) BENJAMIN, Walter. O anjo da história. Trad. João Barrento. Belo Horizonte: Autêntica, 2011, p. 13. (^7) BENJAMIN, Walter. Idem, pp. 1 0 - 11.
conquista , podemos entrever ainda, como indica Jean-Yves Mérian, José do Patrocínio, Paula Ney, Pardal Mallet e Olavo Bilac. A obra, percebida como um “romance-documento” por Alfredo Bosi^10 , desenvolve as ideias e as dificuldades da geração de escritores do final do século XIX^11 , sendo, portanto, um texto que pode auxiliar no processo de descoberta de costumes e práticas dos possíveis campos de atuação brasileiros. O caráter documental do romance também aparece no prefácio da obra, intitulado “Aos da caravana”, escrito em 18 97. Nele, Coelho Neto (“C. N.”, aqui) afirma ser o livro menos seu do que de seus amigos, “porque na sua composição entrou apenas a minha memória”. Também assevera que o seu romance reproduz a odisseia da mocidade carioca de seu tempo que, vinda de diferentes lugares, chegou e venceu, ao longo de “quinze anos de sonhos e de sofrimentos”^12. Por mais que a ficcionalidade de um texto seja determinada pela soma de traços de um gênero de discurso, como paratextos, efeitos de ficção ou estilo, é preciso considerar cada caso em sua especificidade. Coelho Neto, em seu prefácio para A conquista , busca aproximar a sua obra do gênero biográfico. Deseja que a sua comunidade de leitores mantenha em mente o que é representado ficcionalmente também enquanto representação factual. Ao assinar o prefácio com “C. N.”, Neto também dá a entender que se trata de um comentário do autor, distinguindo-se do narrador. Há aqui, no mínimo, uma releitura do gênero romance: o prefácio de uma obra, que comumente apresenta o conteúdo que virá, também pode estabelecer uma aproximação entre gêneros. A princípio, contudo, o prefácio é apenas mais um recurso possível de ser utilizado pelo autor. No entanto, ao utilizá-lo para aproximar ficção e documento histórico, Coelho Neto permite a verificação do caráter ficcional pela coerência narrativa ou por contraste histórico posterior. Ao descrever A conquista enquanto “romance-documento”, reconhecendo na representação juízos e dificuldades dos escritores da geração de Aluísio, Alfredo Bosi interpreta a posteriori o prefácio da obra, mais enquanto um elemento de fatualidade do que enquanto elemento de ficcionalidade. Franklin Oliveira, por sua vez, aproxima a obra da biografia: “Sendo o romance biográfico da geração de 1889, A conquista mostra como Coelho Neto soube tratar o memorialismo na obra de arte. Quando ele sobrepunha a memória, sua ficção corria rente à (^10) BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 1994, p. 202. (^11) A conquista é o segundo romance de uma trilogia que se inicia com A capital federal (1893) e termina com Fogo fátuo (1929). A temática de A conquista se repete nas três obras. Se em A conquista é Aluísio Azevedo quem se sobressai, em Fogo fátuo destaca-se Paula Nei, advogado e jornalista cearense (em A conquista , Paula Nei é representado pela personagem Paulo Neiva). (^12) NETO, Coelho. A conquista. Porto: Companhia Nacional Tipográfica, 1921, p. 85.
vida.”^13 Jean-Yves Mérian, em sua biografia de Aluísio Azevedo, é ainda mais enfático: “(...) Coelho Neto, em sua autobiografia romanceada, A conquista , atribui o pseudônimo de Ruy Vaz a Aluísio (...).”^14 Em outro momento, o autor substitui autobiografia por memórias, termo que reduz a certeza factual^15. Nos três, não há uma exclusão do caráter ficcional, porém, a balança pende para o factual. É por essa razão que, neste capítulo, apresentaremos, enquanto possível fato, uma imagem da jovem intelectualidade carioca lendo a si mesma através de A conquista. A palavra “possível”, aqui, busca manter as ressalvas ao se utilizar um romance enquanto fonte. Por se tratar de um gênero ficcional, a narrativa está aberta a inúmeros recursos textuais, como relações intratextuais relativas ao conjunto ficcional de seu autor, ou mesmo exageros e elipses, relativos à construção de determinados ambientes ou características que não precisam, necessariamente, ter quaisquer relações de fidelidade com a realidade. Todavia, tal representação é a imagem de uma geração proposta por um escritor em particular, com sua visão de mundo, seus interesses, estilos e registrando em determinado suporte e não em outro. Retomemos, por essa razão, a noção de “documento de cultura” de nossa “Introdução”. O prefácio de Coelho Neto, transforma em “odisseia” certa mocidade carioca que sofreu muito e “venceu”. Seu romance é o resultado, acima de tudo, de uma rede de produção cultural mediada por relações de poder que exige o sacrifício de muitos jovens (perdedores) para que alguns ocupem o lugar de outros (vencedores). Coelho Neto considera-se um vencedor que, com A conquista , homenageará o sacrifício de seus amigos, também vencedores. Desta maneira, trata-se mais de uma obra para os amigos do que para uma geração. O prefácio também revela um elemento importante que pode reverberar, adiante em nossa tese, em característica do campo intelectual ao qual Coelho Neto e Aluísio Azevedo faziam parte, ou, ainda, em escolhas ficcionais: certa ideia de um grupo de salvadores da pátria. Ainda em “Aos da caravana”, “C. N.” compara-se com um “artista imortalizador”, à semelhança de Homero, capaz de descrever a “memória da raça”, dos “guerreiros” em “defesa da pátria”. Neto evidencia um ufanismo que não aparenta tratar-se de ironia e que, no ano seguinte, seria visto com mais veemência em A terra fluminense: educação cívica , livro de (^13) OLIVEIRA, Franklin de. A Semana de Arte Moderna na contramão da história e outros ensaios. Rio de Janeiro: Topbooks, 1993, p. 68. Citado por: GONÇALVES, Márcia Rodrigues. “O Rio de Janeiro de Coelho Neto: do Império à República”. Tese (Doutorado em Literatura Portuguesa e Luso-Africana). Programa de Pós-Graduação em Letras. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, 2016, p. 56. (^14) MÉRIAN, Jean-Yves. Aluísio Azevedo: vida e obra (1857-1913). Rio de Janeiro: Garamond, 2013, p. 94. (^15) MÉRIAN, Jean-Yves, idem, p. 344.