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Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, Notas de estudo de História

Rio de Janeiro

Tipologia: Notas de estudo

2012

Compartilhado em 24/03/2012

marcio-nobrega-pessoa-6
marcio-nobrega-pessoa-6 🇧🇷

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do
Joaquim Manuel
de Macedo
Rio de Janeiro
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Centro do Rio de Janeiro. Arcos de Santa Teresa. Lapa. A Glória ao fundo.

Mesa Diretora Biênio 2003/

Senador José Sarney Presidente

Senador Paulo Paim 1º Vice-Presidente

Senador Eduardo Siqueira Campos 2 º Vice-Presidente

Senador Romeu Tuma 1º Secretário Senador Alberto Silva 2º Secretário Senador Heráclito Fortes 3º Secretário

Senador Sérgio Zambiasi 4º Secretário

Suplentes de Secretário

Senador João Alberto Souza Senadora Serys Slhessarenko Senador Geraldo Mesquita Júnior Senador Marcelo Crivella

Conselho Editorial Senador José Sarney Presidente

Joaquim Campelo Marques Vice-Presidente

Conselheiros Carlos Henrique Cardim Carlyle Coutinho Madruga João Almino Raimundo Pontes Cunha Neto

.........................

Edições do Senado Federal – Vol. 42

U M PASSEIO PELA CIDADE

DO R IO DE J ANEIRO

Edição revista e anotada por Gastão Penalva e prefaciada por Astrojildo Pereira

Joaquim Manuel de Macedo

Brasília – 2005

.........................

Sumário

Joaquim Manuel de Macedo, prefácio de Astrojildo Pereira pág. 11

Aos meus leitores pág. 23

INTRODUÇÃO pág. 27

O Palácio Imperial pág. 31

O Passeio Público pág. 81

Convento de Santa Teresa pág. 135

Convento de Santo Antônio pág. 159

A Igreja de S. Pedro pág. 227

SEGUNDO VOLUME

O Imperial Colégio de Pedro II pág. 287

A Capela e o Recolhimento de N. S. do Parto

pág. 371

A Sé do Rio de Janeiro pág. 429

Passeio suplementar I pág. 505

Passeio suplementar II pág. 517

ÍNDICE ONOMÁSTICO pág. 533

.........................

Joaquim Manuel de Macedo

ASTROJILDO PEREIRA

NASCIDO a 24 de junho de 1820, na Vila de Itabo-

raí, perto da Corte, aqui se estabeleceu Joaquim Manuel de Macedo, des- de jovem, aqui estudando, aqui se formando, aqui vivendo permanente- mente e aqui falecendo, a 11 de abril de 1882. Médico, professor, jorna- lista, político militante, copiosa e variada é a sua obra de romancista, co- mediógrafo, o poeta, folhetinista, historiador, alcançando a sua bibliogra- fia mais de quarenta volumes publicados, além de numerável colaboração esparsa em jornais e revistas. Alguns dos seus romances, como se sabe, desfrutaram e ainda desfrutam de larga popularidade. Nem todos – por exemplo: O Rio do Quarto – tem como cenário o Rio de Janeiro; e um deles, Mulheres de Mantilha, pertence ao gênero histórico, desen- volvendo-se a sua ação no Rio colonial do século XVIII. Outros – é o caso das Memórias do Sobrinho do meu Tio – são mais panfletos políticos... intencionais e combativos, e Macedo não possuía força bastan- te para poder convertê-los em verdadeiros romances. O que ele deixou de melhor, ou de menos mau, em matéria de romance, é assim mesmo vazado em geral nos moldes do mais delambido romantismo, e a sua leitura nos parece hoje quase sempre demasiado melosa e enjoativa. Todavia, devemos reconhecer em alguns deles, aqui e ali, uma tal ou qual vivacidade na

maneira espontânea e corrente de conduzir a narrativa; vivacidade, aliás, mais de folhetinista do que de romancista. Sejam, porém, quais forem as restrições que possamos fazer ao romancista, não podemos negar a sua importância como atilado cronista dos costumes cariocas – fluminenses, como se dizia então – durante boa parte do Segundo Reinado.


Reli agora A Moreninha. Não me lembra senão muito va- gamente a impressão que me deixou a sua primeira leitura, isto há mais de trinta anos; desta vez, porém, a coisa foi bem difícil. Tentei reler tam- bém O Moço Loiro, duas vezes e meia mais longo que A Moreni- nha: não pude ir além da metade do primeiro volume. Tudo aquilo é oleo- gravura de qualidade bastante ruim; e então os diálogos, e principalmente os diálogos de amor, emitidos em falsete, soam falso demais. Certamente, não podemos esquecer que se trata das primeiras tentativas não só do autor, como também do próprio romance brasileiro, e que tanto A Moreninha quanto o O Moço Loiro representam já um pequeno progresso em relação a tentativas anteriores – e até posteriores – de ou- tros romancistas da fase romântica. Mas não podemos tampouco esquecer que Joaquim Manuel de Macedo pouco progrediu em relação a si mesmo. Os seus últimos romances e novelas foram escritos passados cinco lustros depois de publicada A Moreninha – e os seus méritos de romancista não ficaram muito acrescidos com eles. Por exemplo, duas dessas novelas

  • Os Quatro Pontos Cardeais e A Misteriosa – que eu não co- nhecia e li agora, começam menos mal, com certa desenvoltura e com o falsete dos diálogos apreciavelmente reduzido; mas do meio para o fim a coisa desanda que não tem mais medida: situações forçadas, arranjos de carpintaria, mistificações, etc., etc. Ora, estas duas novelas foram escritas depois de 1870, muito depois das Memórias de um Sargento de Milícias e de alguns dos principais romances de Alencar, e quando Ma- chado de Assis já aparecia e se firmava como grande prosador, quer no folhetim, quer no conto. A propósito, recordo a opinião de Sílvio Rome- ro, ao meu ver errônea, segundo a qual não seria difícil encontrar algum reflexo do Macedo de a A Moreninha e de O Moço Loiro no Machado

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A rica D. Maria do Sargento de Milícias andava de “ca- deirinha”; já os personagens de O Moço Loiro andam de “ônibus”, democraticamente; e logo no início d’A Misteriosa vemos a Sílfide sal- tar de um “bonde” na rua Gonçalves Dias, ainda mais democraticamen- te. No tempo de A Moreninha, os sinos davam ainda o sinal de reco- lher às 10 horas da noite, coisa incompreensível no tempo de A Misteriosa, com a cidade iluminada a gás. Comparem-se as modas femininas; Macedo é sempre muito minucioso neste particular. Uma das moças que apare- cem na A Moreninha quase nem podia sentar-se, tão atrapalhada se achava com a “coleção de saias, saiotes, vestidos de baixo, e enorme vari- edade de enchimentos”, que lhe cobriam o corpo. A jovem Honorina, de O Moço Loiro, comparece a um baile, e os seus requintes de elegância deslumbram o romancista, que a observa dos pés à cabeça: “dois largos bandós de lindos cabelos negros desciam até dois dedos abaixo das ore- lhas e para trás se voltavam, indo suas extremidades perder-se por entre longas tranças de perfeitíssimo trabalho, que se enroscavam terminando em cesta; uma grinalda de flores brancas salteadas de pequeninos botões de rosa se entretecia nesse belo tecido de madeixas; duas rosetas de bri- lhantes pendiam de suas orelhas; nenhum enfeite, nenhum adorno ousara cair sobre seu colo que, nu, alvejava, arredondado, virginal e puro; um vestido de finíssimo blonde, que deixava transparecer o branco cetim que cobria o corpinho todo talhado em estreitas pregas, que desenhavam ele- gantes formas, era debruado por uma longa fila de flores semelhantes às dos cabelos, as quais ainda se deixavam de novo ver formando uma cer- cadura em que acabavam as mangas curtas, justas, e singelas; esse vesti- do cruelmente comprido para esconder dois pequenos pés calçando sapati- nhos de cetim, se terminava por uma simples barra bordada de branco; no braço esquerdo da moça fulgia um bracelete de riquíssimos brilhantes; e enfim suas mãos calçavam luvas de pelica branca, guarnecidas de armi- nho e com borlas de seda frouxa.” Legítima descrição de crônica... Ago- ra, a desconhecida de A Misteriosa, em passeio pela cidade: “A Sílfide trazia à cabeça, pela frente, a quarta parte de um chapelinho azul claro do qual vinham quase beijar-lhe a fronte meia dúzia de margaridas, tão pendentes que pareciam estar dizendo ‘colhe-nos ou caímos!’ – e por de-

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trás, uma enchente de anéis de ouro, uma cauda de fios de ouro encaraco- lados, que lhe descia pelas espáduas brancas a fazer lembrar pó de ar- roz.” O vestido da misteriosa dama era muito complicado, afirma o ro- mancista, e acrescenta: “tenho-o impresso na imaginação a perseguir-me como fantasma sinistro; mas não me é possível explicar de modo claro aquele labirinto ornamentoso, em que me perdi; sei que havia vestido de caxemira duplo, e cada qual de sua cor, e túnica ainda de outra cor, pri- meira saia com folhos e franzidos de canudos, segunda saia de apanha- dos com cordões e borlas, e além disso, vieses aqui, franjas ali, cabeças de passamanes acolá, o azul, o encarnado, o preto, a misturarem-se... e um maldito corpinho afogado e as mangas compridas a me esconderem o que eu desejava ver...” Remate do vestido: “cinto de fita grossa com fivela grande, de aço.” E é precisamente sobre a moda feminina reinante em 1871 que o novelista borda umas considerações moralizantes, em que aponta a “escola filosófica do sensualismo” como responsável pelos vesti- dos de saia arregaçada mostrando o pé, e prevê coisas muito piores, pois a exibição dos pés até o tornozelo é ainda uma incompleta vitória da filoso- fia sensualista, “que firmará o seu triunfo absoluto, quando as senhoras, obedecendo ao império de nova moda, se mostrarem com o rosto sem véu, e as pernas à mostra ao menos até à altura dos joelhos”. Vemos hoje que a negra revisão do romancista se realizou de maneira cabal, com o mais absoluto triunfo daquela escola filosófica. Os primeiros personagens de O Moço Loiro que o autor nos apresenta, rapazes da melhor sociedade fluminense, acham-se no restau- rante de famoso hotel da Rua Direita, e participam da exaltada discussão que ali se travava – ali e em toda a cidade – entre delmastristas e can- dianistas, isto é, entre os partidários da Delmastro e os da Candiani, duas cantarinas do teatro lírico italiano, cujos espetáculos pode-se dizer que empolgavam e apaixonavam a opinião pública. Conforme já tem sido observado, a predileção do público fluminense pelo teatro se tornou uma das características da vida social de todo o Segundo Reinado. Temos prova disso nas freqüentes referências ao teatro e à gente de teatro – desde os grandes nomes da ópera e do drama até às alegres francesas do Alca- zar – que encontramos nas obras de ficção dos melhores escritores desse

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chá, D. Inácia cantou uma modinha, D. Rita um romance, e Brás-mi- moso – um lundu”. O lundu e a modinha andavam no próprio ar que as moças casadouras e sentimentais respiravam. O lundu está esquecido e é hoje apenas objeto de pesquisas por parte de eruditos e especialistas; e a modinha, na sua feição própria, tradicional, vai pelo mesmo caminho, reformada ou deformada, na sua expressão mais íntima. Coisa, afinal de contas, muito natural: estamos na era prodigiosa da eletricidade, e ninguém pode pretender conservar imutavelmente o sentido e o sentimento de ritmos antigos sob a forma industrial do disco e do rádio. E ainda bem atrevo-me eu a acrescentar. O que não encontrei, neste Macedo que andei agora relendo ou lendo, foi a menor descrição de festas ou cerimônias religiosas, nem de fes- tas populares de outra natureza. O senso do folclórico não era certamente o seu forte, pois a não ser as referências e até a transcrição literal de mo- dinhas e lundus, nada mais nos mostra o romancista neste sentido. A pitada de rapé – eis um hábito bem antigo, também hoje completamente desaparecido. Não era vício só de homens idosos, mas também dos moços, e a sua aplicação podia mesmo ser feita com elegância de gestos e até com malícia de intenção. O estudante Fabrício, de A Mo- reninha, conta-nos para que servia o rapé, em certas circunstâncias por exemplo, para chamar a atenção de alguma esquiva beldade: – “tos- si, tomei tabaco, assoei-me, espirrei, e a pequena.., nem caso.” O espirro provocado por uma pitada de rapé estava sujeito a interpretações impre- visíveis. Uma das amigas d’A Moreninha conversava numa roda de moças acerca dos ciúmes do seu namorado, dizendo que este último lhe proibia uma porção de coisas, inclusive que saudasse com um “Dominus tecum!” a qualquer moço que espirrasse perto dela. Mas o rapé ao que parece não era encarado simplesmente como um vício mais ou menos ele- gante, pois havia quem lhe atribuísse virtudes terapêuticas de tônico cere- bral. Tal era a convicção do estudante Augusto, namorado d’A More- ninha, o qual, em momento de certa perturbação e entorpecimento, “en- tendeu que, para melhor decidir naquela conjuntura, devia avivar o cére- bro com uma boa pitada de rapé”. Outra miudeza, que anotei em mais de uma página e que além de curiosa me parece bem expressiva da sisudez dos hábitos patriar- cais de então: o modo arquicerimonioso por que os personagens, mesmo

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amigos e íntimos, mesmo os namorados, se tratavam entre si. Os rapazes só se dirigiam às moças com um solene “senhora dona”; e as moças aos rapazes com um “vossa senhoria” ainda mais solene. Os filhos só cha- mavam aos pais de “vossas mercês”. N’A Moreninha dá-nos o roman- cista o modelo de um bilhetinho de amor escrito por mão de moça e que assim começa: “Senhor, uma jovem que vos ama, e que de vós escuta pa- lavras de ternura, tem um segredo a confiar-vos.. .” Há nisto, evidente- mente, muito pieguismo ao gosto da pior maneira romântica; mas há também, creio que não menos evidentemente, uma pequena ressonância de toda aquela sisudez patriarcal... Os escravos passam pelas quatro obras de Macedo que aqui nos interessam como seres passivos, sem qualquer participação ativa e autônoma nos acontecimentos. Tudo com a maior naturalidade, sem ne- nhuma intenção oculta do autor; mas, por isso mesmo talvez, com uma significação mais pungente e mais terrível... Macedo possuía a mentalida- de da época e para a mentalidade da época o escravo não era propria- mente um ser humano, mas um ser intermediário entre o homem e o ani- mal doméstico, para uns mais próximo do homem e para outros mais próximo do animal doméstico. Todavia, a mentalidade de 1870 já tinha avançado alguma coisa em relação à mentalidade de 1840. Fiel cronista dos costumes e dos sentimentos do seu tempo, Macedo havia por força de espelhar, nos seus romances escritos em períodos diferentes, as diferencia- ções que se iam produzindo na mentalidade coletiva acerca da situação dos escravos. No A Moreninha e no O Moço Loiro, obras publica- das entre 1840 e 1850, os escravos aparecem principalmente na quali- dade de servidores domésticos, de moleques escudeiros (o Rafael do A Moreninha), de mães-pretas (a Lúcia de O Moço Loiro), de mole- ques de estimação, como o Tobias, – “cria de D. Joaninha, o alfenim da casa, o São Benedito da família”, do qual encontramos minuciosa e romântica descrição no A Moreninha, em carta de Fábrício para Au- gusto: “Pinta na tua imaginação, Augusto, um crioulinho de 19 anos, todo vestido de branco, com uma cara mais negra e mais lustrosa do que um botim envernizado, tendo dois olhos belos, grandes, vivíssimos, e cuja esclerótica era branca como o papel em que te escrevo, com lábios grossos e de nacar, ocultando duas ordens de finos e claros dentes que fariam inveja a uma baiana; dá-lhe a ligeireza, a inquietação e a rapidez de um movi-

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feia, surda e coxa, mas possuidora de alguns haveres. Muito religiosa, vi- via satisfeita com a sua condição de tia. Conformada humildemente com a sorte: o celibato, dizia ela, era um modo “de ser agradável ao Senhor”. Pois bem: o velhaco do Lucindo, explorando, com diabólica habilidade, o seu fanatismo religioso, em poucos dias conseguiu seduzi-la e fugir com ela para casar. O casamento objetivo já morto e enterrado dentro dela renasceu de repente com a força prodigiosa que só o sentido pro- fundo da libertação pode dar. E aí temos a explicação de tudo: o casa- mento era a libertação, a única forma admitida de libertação para sair de um estado social e moral que ameaçava as donzelas com o estigma hu- milhante do celibato. Aí temos também como e por que podemos encon- trar, nos romances de Joaquim Manuel de Macedo, uma interpretação fi- dedigna dos sentimentos da época no concernente à situação da mulher; e como podemos perceber, no fundo dessa interpretação, o eco sentimental de conceitos e preconceitos estratificados durante centenas de anos sob o signo da formação patriarcal da sociedade brasileira.

Da sua obra propriamente de cronista ou folhetinista, dei- xou-nos Joaquim Manuel de Macedo dois livros publicados: Um Passeio pela Cidade do Rio de Janeiro (1862-1863) e Memórias da Rua do Ouvidor (1878). São dois livros de leitura agradável, creio mesmo que bem mais agradável e até mais proveitosa, ainda hoje, do que a dos seus romances. Aí, no folhetim de meneio fluente e espirituoso de cada semana, estava Macedo, o bom dr. Macedinho, no seu elemento natural. A pequena história da cidade, com os episódios pitorescos, curiosos, senti- mentais e às vezes picarescos da sua vida no passado, com as novidades e as sensações das coisas contemporâneas, e tudo isso, passado e presente, a desenrolar-se sem maiores complicações no mesmo cenário de perene des- lumbramento – eis a mina fácil, à flor da terra, onde o cronista encontrava o material mais adequado ao seu gênio, ao seu gosto – e as suas possibili- dades. Poder-se-ia talvez dizer que os seus romances são apenas a transpo- sição romanesca e piegas desse material de puro folhetim. Não por outra razão, quero supor, admitimos e suportamos melhor certas páginas de toque mais tipicamente folhetinesco que deparamos na sua obra de ficção.

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De um modo ou de outro, no romance ou no folhetim, como também no teatro, em que foi igualmente fértil, o que permanece em Ma- cedo, ao par da ingenuidade romântica tão do gosto de certas camadas de leitores, é a sua qualidade de cronista da vida fluminense. Ele não é um grande romancista, nem um grande escritor, nem mesmo um grande cro- nista, mas é com certeza um cronista amável, honesto e útil. Em Um Passeio pela Cidade do Rio de Janeiro, o fo- lhetinista nos pega pela mão e nos leva a ver o Paço Imperial, o Passeio Público, o morro do Castelo, que já naquele tempo se falava em demolir, o Colégio Pedro II, os conventos de Santa Teresa e de Santo Antônio, a igreja de S. Pedro, a igreja e o recolhimento do Parto, a igreja da Sé, etc., contando-nos a história e a tradição de cada um desses edifícios, ins- tituições e sítios. De cada um e a propósito de cada um, fornece-nos, com diligente e amena erudição, muitas e curiosas informações de natureza histórica, artística ou literária, entremeadas a cada passo por epigramas e alusões a certos costumes políticos da época, por oportunas reminiscências pessoais, por anedotas divertidas e maliciosas, e sobretudo por velhos casos romanescos, que o cronista recolheu da tradição popular ou desfiou por conta e risco da própria fantasia. Tais digressões nos distraem fre- qüentemente por atalhos imprevistos; mas também aqui por estes atalhos vamos encontrar mais de um motivo de interesse e satisfação. Logo no início do passeio, o amável guia nos advertiu com sim- plicidade e honradez: “Procurei amenizar a História, escrevendo-a com esse tom brincalhão e às vezes epigramático que, segundo dizem, não lhe assenta bem, mas de que o povo gosta; juntei à história verdadeira [...] li- geiros romances, tradições inaceitáveis e lendas inventadas para falar à imaginação e excitar a curiosidade do povo que lê”... Devemos convir, em plena consciência, que não poderíamos exigir mais, nem maior rigor, no plano de um simples passeio pelas ruas da cidade, e devemos ainda confes- sar, ao cabo da jornada, que na realidade gostamos muito de tudo. Joaquim Manuel de Macedo amava com infinita ternura esta boa cidade do Rio de Janeiro. Era com desvelos de enamorado que ele es- tudava e esquadrinhava a sua história – a história da sua formação e do seu desenvolvimento, a história das suas ruas e das suas casas, a história da sua gente e dos seus costumes. Em Um Passeio pela Cidade, tra- çado e realizado em plena maturidade, e mais tarde nas Memórias da

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