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Guias e Dicas
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Zigurates: Sítios Arqueológicos e Casas dos Deuses na Mesopotâmia, Notas de estudo de Construção

Este texto apresenta informações sobre zigurates, sítios arqueológicos localizados ao longo do tigre e do eufrates, onde se realizavam hinos e orações aos deuses. Desde o iv milênio a.c., foram erguidos incontáveis templos sobre altos terraços artificiais, que serviram como residências divinas e garantiram a felicidade às cidades e aos seus habitantes. O texto discute os diferentes tipos de zigurates, suas características arquitetônicas e suas funções religiosas.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Agua_de_coco 🇧🇷

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Por entre os escombros das antigas cidades edificadas
ao longo do Tigre e do Eufrates localizam-se sítios ar-
queológicos onde se realizavam hinos e orações aos
deuses.
Na nossa memória colectiva ficou gravada para
sempre um dos símbolos da religiosidade dos povos
que habitavam esses longínquos lugares – a torre-tem-
plo mesopotâmica.
Àprocura das origens
A zigurate é um dos monumentos mais característi-
cos e mais espectaculares da arquitectura religiosa
mesopotâmica. O seu nome deriva do verbo zaqâru que
significa construir em altura. Os mesopotâmios desig-
navam desta maneira as torres por andares em cujos
topos se construíam os santuários. A sua origem é con-
troversa. Segundo André Parrot, a zigurate procedia dos
templos de terraço. Desde o IV milénio, numerosos tem-
plos foram erguidos sobre altos terraços artificiais 1, os
quais teriam sido concebidos para que as habitações dos
deuses ficassem ao abrigo das inundações. A raridade
deste tipo de arquitectura obriga a dar primazia a uma
explicação de carácter místico ou religioso. Parrot cons-
O local por excelência,
onde tem lugar o contacto
entre homens e deuses
é o templo.
Ou seja, a Casa,
em acádico bîtum;
a propriedade do deus,
o Seu lar,
o lugar onde a divindade
está fisicamente presente
e assegura a felicidade
à cidade
e aos seus habitantes.
A diferença essencial
entre um templo
e uma casa vulgar,
encontra-se no estatuto
do seu proprietário,
um deus ou um mortal.
No templo,
o deus estava vivo
e era senhor de tudo.
António Ramos
dos Santos
Instituto Oriental
da Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa
ESTUDOS
Um lugar de encontro
entre o homem e os deuses
REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIA DAS RELIGIÕES – Ano II, 2003, n.º 3/4 – 189-196
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1 Em Uruk, Eridu, Obeid perto de Ur, Khafaje, Tell Brak, no
Norte da Mesopotâmia, e Uqair a cerca de sessenta quilómetros de
Bagdade.
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Por entre os escombros das antigas cidades edificadas

ao longo do Tigre e do Eufrates localizam-se sítios ar- queológicos onde se realizavam hinos e orações aos deuses. Na nossa memória colectiva ficou gravada para sempre um dos símbolos da religiosidade dos povos que habitavam esses longínquos lugares – a torre-tem- plo mesopotâmica.

À procura das origens

A zigurate é um dos monumentos mais característi- cos e mais espectaculares da arquitectura religiosa mesopotâmica. O seu nome deriva do verbo zaqâru que significa construir em altura. Os mesopotâmios desig- navam desta maneira as torres por andares em cujos topos se construíam os santuários. A sua origem é con- troversa. Segundo André Parrot, a zigurate procedia dos templos de terraço. Desde o IV milénio, numerosos tem- plos foram erguidos sobre altos terraços artificiais 1 , os quais teriam sido concebidos para que as habitações dos deuses ficassem ao abrigo das inundações. A raridade deste tipo de arquitectura obriga a dar primazia a uma explicação de carácter místico ou religioso. Parrot cons-

O local por excelência, onde tem lugar o contacto entre homens e deuses é o templo. Ou seja, a Casa , em acádico bîtum ; a propriedade do deus, o Seu lar, o lugar onde a divindade está fisicamente presente e assegura a felicidade à cidade e aos seus habitantes. A diferença essencial entre um templo e uma casa vulgar, encontra-se no estatuto do seu proprietário, um deus ou um mortal. No templo, o deus estava vivo e era senhor de tudo.

António Ramos dos Santos Instituto Oriental da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa

E S T U D O S

Um lugar de encontro

entre o homem e os deuses

REVISTA PORTUGUESA DE CIÊNCIA DAS RELIGIÕES – Ano II, 2003, n.º 3/4 – 189-196 189

(^1) Em Uruk, Eridu, Obeid perto de Ur, Khafaje, Tell Brak, no Norte da Mesopotâmia, e Uqair a cerca de sessenta quilómetros de Bagdade.

ANTÓNIO RAMOS DOS SANTOS

tatou que desde o fim do IV milénio e o início do milénio seguinte, se acentuou a ele- vação, vendo-se uma nova etapa na torre por andares no templo de Uqair onde o san- tuário é erguido sobre um segundo terraço em detrimento da plataforma principal 2. Unger definiu três grandes tipos de zigurates que contudo possuiam algumas ex- cepções: tipo sumério, rectângular na base com o acesso assegurado através de escadas, que encontramos no sul da Mesopotâmia 3 ; tipo assírio de base quadrada e rampas de acesso que evoluem em torno do monumento 4 , situados no norte da Mesopotâmia; e o tipo misto ou combinado, de base quadrada, mas cujo acesso se faz através de es- cadas nos andares inferiores e por rampas nos andares superiores, sendo o mais notável dos monumentos deste tipo a grande zigurate de Babilónia 5. Parece que a zigu- rate era coroada por uma pequena capela onde habitaria a divindade, o que transparece nos nomes dados a algumas delas 6. Pensava-se que o deus que habitava este pequeno templo poderia descer ao nível dos homens, na base da zigurate onde geralmente era construído o templo principal do deus a quem o temenos era consagrado. A questão das relações entre o santuário do topo e templo inferior não pode deixar de se colocar, se bem que de acordo com as numerosas representações que possuímos de zigurates não existe menção a este tipo de monumento 7. Isto significaria que apenas alguns deuses tinham direito a um santuário erguido? Tal torna-se viável porque nesse santuário tinha lugar a hierogamia, união mística do deus e a deusa feminina que era sua dupla e sua esposa, rito que não era próprio senão para algumas divindades que possuíam caracteres celestes e terrestres marcados e po- diam tornar-se símbolos da união da terra e do céu. Cada cidade possuía várias zigurates^8. Dezasseis zigurates foram descobertas até aos nossos dias mas os textos mencionam outras na cidade de Agade, por exemplo, que não foram até ao momento reencontradas 9. Ainda não foi encontrada uma zigurate/ ziqqurat , ou torre-templo, completa mas os vestígios trazidos à luz do dia e as raras des- crições da Antiguidade permitiram contudo reconstituir o seu aspecto geral. As tor- res-templo eram constituídas por uma sobreposição de terraços de tamanho decres-

(^2) Alguns autores, como O.E. Ravn, colocam em causa esta evolução, e M. Lambert e o padre Tournay sustentavam o desenvolvimento paralelo das duas concepções, o templo sobre um terraço foi construído após a aparição da zigurate. De acordo com H. Lenzen estas duas concepções opunham-se entre si. (^3) Em Ur, Nippur e Uruk. (^4) As de Kalakh, Assur e Khorsabad. Este tipo encontra-se ainda no sul, em Eridu, Adab e Hamman. (^5) A estes três tipos Parrot juntou o do santuário sobre um alto terraço que, na realidade, não é uma zigurate. Foram propostas várias interpretações da zigurate: túmulo de um rei ou de um deus, hipótese não sustentada por qualquer prova arqueológica, mas fundamentada pela relação estabelecida nos textos cuneiformes entre a zigurate e o gigunu , termo obscuro que, segundo alguns autores, designaria não só um túmulo, mas também um santuário construído sobre o topo, monumento simbólico e cosmológico. (^6) Casa erguida de Zababa e de Inninna cuja cabeça é alta como o céu em Kish, Casa do rei conselheiro da equidade em Ur, Casa dos sete caminhos do céu e da terra em Borsippa. A função intermediária entre o céu e a terra é também notada em alguns dos seus nomes: Casa da ligação do Céu e da Terra , em Larsa, Casa do fundamento do Céu e da Terra , em Babilónia; Casa da Montanha do Universo em Assur. (^7) Cilindros- selos, kudurrus e relevos mesopotâmicos que enumeram zigurates. (^8) A. Parrot catalogou 33 zigurates em 27 cidades, mas incluíu o santuário de El-Obeid e os de Khafajé e Uqair. Devendo-se juntar as duas zigurates iranianas de Choga-Zanbil e de Susa, esta última conhecida através de documentos epigráficos e de representações figurativas. Aqui os autores divergem porquanto Corinne Castel considera o sítio de Choga Zanbil como estando na região de Susa, em contrapartida Guy Rachet considera a existência de duas, uma em Susa e outra em Choga Zanbil. Cf. Guy Rachet, «Ziggu- rat», em Dictionnaire de L’Archéologie , Paris, Robert Laffont, 1983, pp. 1034-1036. (^9) Cf. Corinne Castel, «Ziggurat» em Francis Joannès (ed.), Dictionnaire de la Civilisation Mésopotamienne , Paris, Robert Laffont, 2001, pp. 918- 919.

ANTÓNIO RAMOS DOS SANTOS

Era na Mesopotâmia, e particularmente em Sumer, que se encontravam os mais antigos templos. Em Eridu e Uruk eles remontam às épocas de Obeid e de Uruk, ou seja, aos V e IV milénios a.C. As mais antigas zigurates conhecidas devem-se ao primei- ro rei da III dinastia de Ur 11 , denominado Ur-Nammu (2112-2095 a.C.). Os seus sucesso- res não pararam de construir novas torres, uma por cada cidade importante devotada ao Senhor do País, o deus tutelar da cidade. Esta tradição testemunha uma política de grandes trabalhos por parte dos soberanos mesopotâmicos 12 , e é bem atestada até à queda de Babilónia em 539 a.C.^13 A fundação de uma cidade por qualquer um dos povos históricos primitivos era sempre precedida e acompanhada por cerimónias re- ligiosas devido a que a cidade era uma criação divina feita para os humanos 14. No período de Obeid, encontramos já templos importantes como o de Tell Brak. Este era um santuário rectangular, situado na grande colina de Brak, no Vale de Khabur na Síria Oriental, no final da rota caravaneira que se dirigia para Jabal Sinjar. Mallowan aí encontrou uma série de quatro templos pertencentes à época de Djemdet Nasr. Denominou-os de “Templo do Olho”, pois num deles encontrou gravados olhos abertos numa grande quantidade de figurinhas de alabastro branco e negro. O Templo do Olho estava dividido em duas salas com paredes de tijolo cru bran- queadas, flanqueando um santuário de 19 metros de largura por 7 metros de longo; com duas entradas a norte e um altar de argila contíguo à metade do muro sul, a frente decorada com um friso de ouro e, as paredes com rosetas de pedra e painéis de cobre 15. Foi erguido por cima de uma plataforma de tijolo cru, à qual se chegava através de uma rampa ou escadaria, podendo a habitação existente no lado oriental, ter sido a capela de uma divindade secundária 16. Por sua vez, em Eridu encontra-se o santuário de Ea, denominado originariamen- te de Enki, Senhor da Terra. Este estava enquadrado, numa sobreposição de sucessivos edifícios sagrados, os quais devem ter tido origem nas pequenas capelas quadradas situadas numa plataforma e construídos de tijolo cru, nos finais do período de Obeid. Nas mais antigas cidades mesopotâmicas anteriores à chegada dos Sumérios, Muallafat e Jarmo, que o carbono 14 permitiu datar de cerca de 5 000 a. C., os primeiros rudimentos de manifestações artísticas colocaram a sua inspiração numa crença reli-

(^11) A zigurate de Ur é uma das mais bem conservadas da Mesopotâmia e tinha originalmente três andares, a de Borsippa e a de Babilónia contavam com sete, número de valor simbólico para os babilónios. (^12) Com efeito, os primeiros edifícios cultuais claramente identificáveis foram construídos sobre terraços. Por volta de 5000 a.C. construíu-se em Eridu, em Sumer, templos sobre plataformas. Altos terraços são as- sociados a um grande número de templos sírios. É possivel uma filiação entre estes dois tipos de construção, altos terraços e zigurates mesmo se as torres de andares parecem uma fórmula mais propriamente suméria do que os terraços. (^13) Pode-se afirmar que as diferenças entre as civilizações antigas se devem, em grande parte, a condi- cionantes ambientais. Apesar de a Mesopotâmia ter um conjunto climático mais adverso do que o Vale do Nilo, aí se desenvolveram duas grandes civilizações: a suméria e a semita. Estas mais do que quaisquer outras são essencialmente complementares. Assimilação e mescla cultural são questões fulcrais a ter em consideração no estudo destas civilizações. Mesmo quando as relacionamos com regiões periféricas como a Anatólia e a Síria. (^14) Ver Antonio Garcia y Bellido, Urbanística de las Grandes Ciudades del Mundo Antiguo, Madrid, Insti- tuto Español de Arqueologia, C.S.C.I., 2.ª ed., 1985, p. XXVI. (^15) Cf. M. E. L. Mallowan, Mesopotâmia e Irão , Lisboa, Verbo, 1971, p.46. A estrutura assemelha-se à do chamado Templo Branco de Uruk, adaptando-se no geral à dos santuários contemporâneos da Mesopotâmia Meridional. (^16) Cf. E. O. James, El Templo ( de la caverna a la catedral), Madrid, Ed. Guadarrama, 1966, p. 123.

UM LUGAR DE ENCONTRO ENTRE O HOMEM E OS DEUSES

giosa mostrando desta feita a arte e a religião indissoluvelmente unidas desde as ori- gens, até ao final da longa aventura mesopotâmica. No extremo sul, Eridu, a cidade de Enki com os seus santuários sobrepostos, facto ímpar na arqueologia, permite-nos falar de uma arquitectura sagrada 17. Estes protótipos dos templos mais tardios tornam a aparecer em Tepe Gawra, perto de Nínive, no caminho caravaneiro para o Irão, e em Uruk, na margem oriental do antigo curso do Eufrates, onde se escavaram os restos de três templos sobrepostos sobre a colina da zigurate de Anu. O mais antigo, conhecido por Templo Branco , per- tencente ao final do período de Djemdet-Nasr, elevava-se sobre um alto terraço sob de uma colina de escombros. Assente numa fundação de calcário, estava um edifício ainda mais imponente, o Templo Vermelho , assim denominado devido às suas paredes pintadas de vermelho, à semelhança de Tepe Gawra. Anu, deus dos céus, cabeça do panteão sumério e depois babilónico, era adorado num templo que cobria uma área de 126 000 metros quadrados, situado numa colina artificial de 12 metros de altura, dominando a região circundante. Tal edifício repre- sentava o exemplo mais antigo de torre-templo ou zigurate , a qual se apresenta como o traço mais característico de muitos santuários mesopotâmicos. A gigantesca torre do templo de Marduk, em Babilónia, foi completamente des- truída, contudo a de Ur permanece, somente sem o oratório no seu topo 18. Debaixo do terraço da zigurate da primeira dinastia está uma estrutura mais antiga e menor, de carácter similar, como em Obeid, com um muro de contenção e numerosas câmaras do lado noroeste. O templo de Tell Uqair, no Eufrates a 80 km a sul de Bagdade, possui uma planta e dimensões idênticas, contudo está erguido numa colina que se eleva apenas seis me- tros sobre o nível da planície. Quando os Sumérios se estabeleceram nas planícies e margens aluviais do vale do Eufrates, viram-se obrigados a erguer as suas construções acima do nível da água, con- tra as inundações periódicas. À parte desta necessidade prática, sendo alegadamente originários das montanhas, os Sumérios estavam acostumados a adorar os seus deuses num santuário erguido sobre colinas. Continuaram essa tradição ao situarem os seus templos em elevações e plataformas, dando à zigurate uma considerável elevação, símbolo da montanha mítica do mundo 19. Pode-se considerar que, no princípio, uma sala alargada, com um nicho para a estátua do deus a quem estava dedicado e, com a incorporação de uma ou duas habitações para uso do sacerdote, eram suficientes para a prática do culto prescrito. Dado que o templo muitas vezes era considerado como tumba do deus a cuja honra foi erguido, não é provável, à falta de outras referências a um modelo primitivo esta- belecido na criação, que as tumbas fossem protótipos dos templos, como no Egipto, especialmente no caso de deuses que haviam sido venerados como heróis 20.

(^17) Ver Julien Ries , Le Sacré comme Approche de Dieu et comme Ressource de l’Homme , Louvain-La- -Neuve, Centre d’Histoire des Religions, 1983, p. 56. (^18) Acerca do conceito de Templo, ver Guy Rachet, o.c. , pp. 908-913 e Corinne Castel, o.c ., pp. 838-841. Sobre a casa de Deus ver Jean-Claude Margueron, Los mesopotámicos , Madrid, Cátedra, 1996, pp. 347-391. (^19) Ver Samuel N. Kramer, Os Sumérios , Amadora, Livraria Bertrand, 1977, p. 137-193. Ver Gwendolyn Leick, Mesopotamia.La Invención da la Ciudad , Barcelona, Paidós, 2002, p. 146. (^20) Ver Sabatino Moscati, L’Orient avant les Crecs , Paris, PUF, 1963, pp. 61-62.

canal, foi elevado o Bît Akîtu do deus Assur, santuário de pórtico com arcadas e pilares onde se celebravam as festas do Ano Novo.

A porta de ingresso

O local por excelência, onde tem lugar o contacto entre homens e deuses é o tem- plo. Ou seja, a Casa, em acádico bîtum ; a propriedade do deus, o Seu lar, o lugar onde a divindade está fisicamente presente e assegura a felicidade à cidade e aos seus habi- tantes 26. A diferença essencial entre um templo e uma casa vulgar, encontra-se no es- tatuto do seu proprietário, um deus ou um mortal 27. No templo, o deus estava vivo e era senhor de tudo. Aí se cultuava uma dada divindade, mais propriamente o Deus- -Senhorio^28. O templo era a abertura de acesso ao alto, assegurador da comunicação com o mundo divino; era o espaço que delimitava os dois territórios a sua fronteira, e ao mesmo tempo simbolizava o local onde o céu e a terra se encontram – a montanha sagrada. Esta era a porta de ingresso que pretendia marcar uma cisão e uma solução de continuidade entre os dois mundos – o divino e o profano 29.

UM LUGAR DE ENCONTRO ENTRE O HOMEM E OS DEUSES

(^26) Ver E. Sollberger, «The Temple in Babylonia», em Le Temple et le Culte , Leiden, Nederlands Historisch-Archeologisch Instituut Te Istambul, 1975, p. 31-32. (^27) A principal função é o serviço de deus, a manutenção dos seus servidores, das suas propriedades e, ainda a organização das actividades comerciais, industriais e agrícolas realizadas pelo templo. A activi- dade escolar. e a respectiva propagação das artes e das ciências, parece ter sido outra função prioritária. (^28) Por isso, existiam templos mais complexos e outros mais simples, uns dedicados a grandes divin- dades outros a deuses menos importantes, como de Nuzi e Mari, o que era comum na Mesopotâmia. Ver M.E.L. MALOWAN. o.c. , p. 44. (^29) Ver J. C. Margueron, «Prolégoménes a une Étude portant sur l’Organization de L’Espace sacré en Orient», em Temples et Sanctuaires , Lyon, Maison de l’Orient, 1984, pp. 23-36.

A Babilónia no tempo de Nabucodonosor II

A zigurate aparece, num contexto espacial, como essa montanha cósmica. Todas as cidades e os seus lugares santos são, pois, identificados aos topos das ditas montanhas. As próprias cidades mesopotâmicas se julgavam situadas no centro do mundo. Seria, pois, o lugar por onde os deuses desciam à terra. A construção do templo, enquanto construção de um espaço sagrado, obedece a regras e técnicas em função da orientação de destaque dado ao sagrado. Baseia-se numa revelação primordial que desvendou in illo tempore o arquétipo de espaço sagrado, o qual foi copiado e repetido indefinidamente pela erecção de todos os novos altares, de todos os novos templos ou santuários, baseados num modelo ou arquétipo 30. A zigurate simbolizava também uma montanha cósmica, no sentido da imagem simbólica do cosmos: os sete andares representavam os sete céus planetários; ao subi- -los, o sacerdote alcançava o topo do universo 31. Toda a zigurate era concebida com a intenção de obter um efeito visual quase dramático 32. Esta elevava-se sobre uma alta plataforma no ângulo ocidental do temenos^33 área sagrada onde eram construídos o templo e o altar. No topo, erguia-se uma capela contendo um leito, um trono e a ima- gem do deus 34. No Próximo Oriente o espaço possui uma simbologia própria e um significado par- ticular. Às paisagens relativamente fechadas da costa, das montanhas do Taurus e do Zagros, opõem-se o infinito das estepes, dos desertos, ou ainda o da planície de alu- vião do Tigre e do Eufrates. Num mundo onde o horizonte desaparece numa confusão entre o céu e a terra, numa imensidão sem fim, como poderia o homem sedentário de- sejar outra coisa senão o reconstruir do mundo à sua maneira? Nesses vastos horizontes está presente a osmose entre finito e infinito. Os espaços

  • Sagrado e Profano – estão aí interligados; e a definição do universo religioso nesta percepção do espaço remodelado é a questão fundamental da arquitectura e do ur- banismo da antiguidade.

ANTÓNIO RAMOS DOS SANTOS

(^30) Ver M. Eliade, Tratado de História das Religiões , Lisboa, Cosmos, 1977, pp.435-437 e Jacques Vidal, «Symboles et Symboliques» em Symbolisme dans le Culte des Grandes Religions , Louvain-La-Neuve, Centre d’Histoire des Religions, 1985, p. 26. (^31) Ver Mircea Eliade, o.c. , p. 54. (^32) Cf. Leonard Wooley, Mésopotamie et Asie Antérieure, Paris, Ed. Albin Michel, 1983, p. 93. (^33) Acerca do conceito de Temenos, ver GUY RACHET, o.c. , p. 907. (^34) Ver Sabatino Moscati , o.c. , p. 60.