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Michael pollan, jornalista e autor, critica a dieta ocidental industrializada e defende a importância da comida e da alimentação na obra 'em defesa da comida'. Neste livro, pollan explora os efeitos do conhecimento reducionista na cadeia alimentar e oferece recomendações para se alimentar de maneira saudável dentro do sistema atual.
Tipologia: Provas
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Os produtos alimentares têm se multiplicado nas prateleiras dos supermercados mais rapidamente do que nunca. Apesar do intenso fluxo de informação proveniente de cientistas e marqueteiros da alimentação, jornalistas e diretrizes alimentares do governo, as pessoas parecem cada vez menos capazes de responder à simples pergunta: “O que devo comer?”. Em meio à proliferação crescente de livros que procuram recomendar “A” dieta para se viver mais, para se ter mais beleza, para se ser sempre magro, e muitas outras promessas, destaca-se o lançamento do livro “ Em defesa da comida: um manifesto ” (Rio de Janeiro, Ed. Intrínseca, 2008, p. 272), do jornalista Michael Pollan. Este livro não foge da pergunta sobre o que devemos comer, mas, ao mesmo tempo, faz um diagnóstico preciso e bem documentado dos motivos que nos levaram a essa condição de desorientação. Assim, a contribuição de Pollan navega entre orientações práticas, jornalismo documental e também contribui com informações preciosas para áreas acadêmicas. A obra objetiva fazer uma crítica à dieta ocidental (alimentação industrializada), que minou a cultura alimentar americana, substituindo durante o século XX a “comida de verdade” por “produtos alimentares”. Isto inclui a sugestão de uma percepção mais abrangente da saúde e da sua relação com a alimentação e com o ambiente. Tal temática já havia sido trabalhada pelo autor no livro “ O Dilema do Onívoro ” (Rio de Janeiro, Ed. Intrínseca, 2007, p. 480), considerado um dos 10 melhores do ano de 2006 pelo jornal The New York Times. Neste trabalho, resultado de cinco anos de pesquisa, Pollan analisou três
204 Bianco e Cassiano cadeias alimentares: a industrial, a orgânica e aquela associada à caça e à coleta. O trabalho consistiu em esmiuçar como surgiram e como se dá o funcionamento de cada uma dessas cadeias. Enquanto “ O Dilema do Onívoro ” foca a questão da produção alimentar, “ Em Defesa da Comida ” explora os efeitos do conhecimento científico reducionista em toda a cadeia alimentar, porém com uma interface direcionada à prática de consumo. No livro “ Em Defesa da Comida ”, sua posição é evidente já no subtítulo do livro: um manifesto (no original: An eater’s manifesto ). Seu objetivo principal é defender a comida e a alimentação da ciência da nutrição, da indústria alimentícia e do jornalismo (intermediário entre os cientistas e o público), e a sua argumentação é conduzida neste sentido: nas duas primeiras partes do livro, ele nos apresenta um diagnóstico do sistema alimentar ocidental atual e, na terceira, dá suas recomendações de como podemos nos alimentar da melhor forma possível dentro deste sistema – ou fugindo o máximo que podemos dele. Esse sistema alimentar foi construído no século XX com base em uma ideologia do nutricionismo (p. 15), defendida pela indústria alimentar, que conseguiu ter poder e influência para gerar consenso em torno de três mitos: 1) o mais importante não é o alimento, mas sim o nutriente; 2) por ser este invisível e incompreensível, precisamos de especialistas para decidir o que comer; e 3) o objetivo da alimentação é promover a saúde física. A primeira parte do livro, intitulada “a era do nutricionismo”, visa entender como se chegou ao estado atual de confusão e ansiedade nutricional. Para isso, Pollan retoma o surgimento da ciência da nutrição. Desde o século XIX, a ciência procurou determinar os componentes fundamentais dos alimentos (macronutrientes: proteínas, gorduras e carboidratos) e, a partir do início do XX, passou a pesquisar os micronutrientes (vitaminas). Essas descobertas possibilitaram a cura quase imediata de doenças como escorbuto e beri- béri, legitimando a então incipiente ciência nutricional. A partir dos anos 1950, difundiu-se a “hipótese lipídica” – isto é, a gordura e o colesterol oriundos principalmente de carnes e laticínios são responsáveis pelo aumento de doenças do coração –, que passou a influenciar decisões políticas. Pollan demonstra isso exemplificando o que aconteceu na Comissão Superior do Senado dos EUA para Nutrição e Necessidades Humanas. A Comissão organizou um documento contendo recomendações alimentares que foram orientadas por essa hipótese, mas ele teve que ser reformulado às pressas por conta de lobbies de indústrias de carne e laticínios que não gostaram do conteúdo. Substituiu-se a recomendação “reduza o consumo de carne” por “escolha carnes que reduzam o consumo de gorduras saturadas”. O efeito mais importante disso foi a mudança na linguagem: deixou-se de falar em alimentos e passou-se a falar em nutrientes. A “língua alimentar oficial” – falada em termos como poliinsaturado, colesterol, monoinsaturado, carboidrato, fibra, polifenóis, aminoácidos, flavonóis, etc. – logo passou a fazer parte “do espaço cultural previamente ocupado pelo material tangível, antes conhecido como comida” (p. 33). O reflexo do nutricionismo no mercado é a eliminação da distinção entre natural e processado: mesmo um alimento altamente processado pode ser considerado “mais saudável” se possuir as quantidades apropriadas de nutrientes. O princípio nutricionista operacional é a capacidade científica de determinar a equivalência nutricional entre quaisquer alimentos, assim tornando-os substituíveis. Enquanto os alimentos naturais sobem e descem de acordo
206 Bianco e Cassiano diferentes para uma boa saúde. No entanto, milho, soja, trigo e arroz processados compõem a maior parte da dieta ocidental. Além dessa pequena variedade, o refino moderno retira dos alimentos nutrientes e outros elementos importantes para a nutrição humana, o que faz crescer a incidência de doenças causadas por deficiências. Mesmo com a estratégia de adição de nutrientes por parte da indústria, os alimentos refinados não contêm o mesmo valor nutricional que os integrais. E, ao mesmo tempo em que perdemos elementos fundamentais para a dieta, aumentamos o consumo de calorias: podemos estar superalimentados, mas subnutridos – e, ainda assim, não necessariamente saciados. Outra perda grave para a saúde humana é a redução no consumo de folhas a favor do elevado consumo de grãos. Deixamos de consumir elementos essenciais (ou seja, que nosso corpo não pode produzir por si só), por exemplo, os ácidos graxos ômega-3. Além das consequências ambientais e biológicas, a mudança na cultura alimentar causou desorientação e ansiedade nas decisões de consumo alimentar, pois elas são baseadas em ciências cujo conhecimento é constantemente revisto e está sujeito a falhas. Frente ao quadro apresentado sobre o sistema alimentar moderno, Pollan faz sugestões para orientar as escolhas, a fim de priorizar a história, a cultura e a tradição. As doze propostas tratam de ações que envolvem a produção, a compra, o preparo e as circunstâncias de consumo. O autor sugere que a alimentação seja entendida como mais do que meramente “nutrir-se”, ligando-a às possíveis consequências de nossas decisões de consumo no que diz respeito a questões éticas, ambientais, culturais e à própria saúde individual. Por exemplo, deveríamos evitar produtos que nossos avôs não reconheceriam como comida ou que contenham mais de três ingredientes cujos nomes não conseguimos pronunciar. Ao mesmo tempo, ele procura esclarecer que não pretende um retorno a um contexto pré-moderno, que negue completamente a sociedade industrial. O trabalho de Pollan é interessante tanto para leituras acadêmicas como extra- acadêmicas, trazendo contribuições significativas para diversas áreas da Sociologia. Para a Sociologia do Conhecimento e da Ciência contribui com uma análise histórica e sociológica do nutricionismo, que demonstra como o conhecimento é construído, legitimado e questionado em uma determinada comunidade científica; como uma hipótese (como a lipídica) pode ser mantida por décadas, apesar de não possuir evidências suficientes. Para a Sociologia Ambiental, traz como contribuição a análise das transformações recentes nas cadeias produtivas e as suas implicações para o ambiente. Em “O Dilema do Onívoro”, ele acompanhou, por exemplo, o percurso do milho na cadeia industrial desde a produção até seu consumo final. A produção de alguns hectares de milho começa com a extração de petróleo, necessário para tornar utilizável o nitrogênio não reativo encontrado na natureza, que, por sua vez, será utilizado na fabricação de fertilizantes artificiais. Aliando-se isto à manipulação dos cruzamentos genéticos, é possível aumentar a produção de milho por hectare, cujo excedente torna-se tão barato que é usado de alimento para animais ruminantes, e assim por diante. Além disso, Pollan pode contribuir para os interessados em Sociologia Política, ao demonstrar como a produção alimentar e a produção dos conhecimentos científicos estão entrelaçadas com questões políticas.