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Aspectos de uma relação estrutural entre títulos e textos: análise de textos de jornalismo, Notas de aula de Linguística

Uma análise sobre a relação entre títulos e textos em jornalismo, com ênfase na comparação entre notícias e crônicas. O texto discute as camadas de estrutura de um texto jornalístico, incluindo a infraestrutura geral, mecanismos de conexão e interação entre o produtor e os destinatários. Além disso, o documento discute a importância dos títulos na compreensão do texto e como eles configuram o espaço interpretativo para o leitor.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

usuário desconhecido
usuário desconhecido 🇧🇷

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Título e texto: aspectos de uma relação estrutural
Belo Horizonte - n. 26 - 2015 Título e texto:
aspectos de uma
relação estrutural
Eduardo Assis Martins
“Os títulos referem-se aos textos”. Aparentemente, essa é uma
constatação evidente, mas qual é, especificamente, a natureza
dessa ligação, relação ou referência? Qual a qualidade dessa
atração, por assim dizer, gravitacional que existe entre uma
manchete jornalística e o texto noticioso que a segue? Relação
gravitacional serve apenas como imagem emprestada da física;
não satisfaz uma explicação linguística.
Sendo assim, pretendo avaliar a qualidade da relação existente
entre os títulos e os textos jornalísticos. Minha intenção
também é estender a análise aos textos e títulos de algumas
crônicas e textos assinados, realizando um contraste entre esses
dois gêneros textuais encontrados diariamente em jornais de
grande circulação. Creio que tal contraste se faz necessário
para esclarecer a natureza da relação título-texto que, além
de critérios estritamente linguísticos, baseia-se em critérios
sociointeracionais referentes a práticas sociais específicas.
Dessa forma, um título que encabeça uma crônica da página
ste artigo pretende analisar a relação entre títulos
e textos, realizando uma comparação entre dois
gêneros textuais diferentes, notícia e crônica (ou
artigo assinado). A partir de uma perspectiva
sociointeracionista, verificou-se que as variações
de produção entre jornais dependem das práticas
da comunidade de produtores e que os títulos são
configurados diversamente de um jornal para o outro.
Constatou-se também que apresentam variação de
um gênero para outro e que, apesar disso, noções
como estrutura e hierarquia são ainda importantes
para a compreensão dessa relação.
Palavras-chave: Relação título-texto. Notícia.
Crônica. Sociointeracionismo.
EResumo
Pontifícia Universidade Católica
de Minas Gerais - PUC Minas
Virtual.
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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 Título e texto: aspectos de uma relação estrutural

Eduardo Assis Martins

“Os títulos referem-se aos textos”. Aparentemente, essa é uma constatação evidente, mas qual é, especificamente, a natureza dessa ligação, relação ou referência? Qual a qualidade dessa atração, por assim dizer, gravitacional que existe entre uma manchete jornalística e o texto noticioso que a segue? Relação gravitacional serve apenas como imagem emprestada da física; não satisfaz uma explicação linguística. Sendo assim, pretendo avaliar a qualidade da relação existente entre os títulos e os textos jornalísticos. Minha intenção também é estender a análise aos textos e títulos de algumas crônicas e textos assinados, realizando um contraste entre esses dois gêneros textuais encontrados diariamente em jornais de grande circulação. Creio que tal contraste se faz necessário para esclarecer a natureza da relação título-texto que, além de critérios estritamente linguísticos, baseia-se em critérios sociointeracionais referentes a práticas sociais específicas. Dessa forma, um título que encabeça uma crônica da página ste artigo pretende analisar a relação entre títulos e textos, realizando uma comparação entre dois gêneros textuais diferentes, notícia e crônica (ou artigo assinado). A partir de uma perspectiva sociointeracionista, verificou-se que as variações de produção entre jornais dependem das práticas da comunidade de produtores e que os títulos são configurados diversamente de um jornal para o outro. Constatou-se também que apresentam variação de um gênero para outro e que, apesar disso, noções como estrutura e hierarquia são ainda importantes para a compreensão dessa relação. Palavras-chave: Relação título-texto. Notícia. Crônica. Sociointeracionismo.

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Resumo Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas Virtual.

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 de esportes não pode servir indiscriminadamente para abrir um texto noticioso sobre o mesmo tema. Existem certas orientações de construção que não o permitem. Ao iniciar a leitura de um texto, normalmente já possuímos alguma ideia a respeito do que ele trata. Devido a sua forma de construção e à maneira hierarquizada com base na qual estão distribuídas as informações, os textos mantêm com seus títulos uma relação de dependência estrutural que orienta a leitura e a interpretação. Essa hierarquia conforma uma espécie de arquitetura que muitos teóricos chamam de orientada, estratégica, programada ou planificada. Bronckart (1999) afirma que todo texto é constituído como um folhado, uma espécie de cebola com camadas superficiais e outras mais profundas. Van Dijk (2000), a respeito da organização do texto jornalístico, fala em estruturas temáticas e esquemáticas subdivididas em níveis. Maingueneau (2002), por sua vez, refere três cenas enunciativas em três diferentes níveis a partir dos quais o texto pode ser interpretado. Em todos esses autores, a despeito da especificidade de suas concepções teóricas, o texto pode ser percebido como organizado em partes inter- relacionadas hierarquicamente a partir de um posicionamento global socialmente orientado. Para Bronckart (1999) “a lógica de sobreposição [de níveis] que propomos se baseia [...] na constatação do caráter hierárquico (ou pelo menos parcialmente hierárquico) de qualquer organização textual” (BRONCKART, 1999, p.119. Grifo do autor). Tal lógica concebe o texto como um folhado (ou massa folhada) organizado em três camadas superpostas. A primeira é a infraestrutura geral, nível mais profundo constituído pelo plano mais geral do texto (a partir do qual se faz um resumo); pelos tipos de discurso (que abrangem, na concepção do autor, entre outros, os discursos teóricos, interativos, narrativos etc.); pelas articulações entre tais discursos, que explicitam a dependência existente entre as partes do texto; e, por fim, essa camada mais interna é constituída ainda por sequências narrativas, explicativas, argumentativas etc. A seguir, temos os mecanismos de textualização que “contribuem para marcar ou ‘tornar mais visível’ a estruturação do conteúdo temático [plano geral]” (BRONCKART, 1999, p. 119, Grifo do autor). Esse é um nível intermediário que pressupõe a infraestrutura e está fundamentalmente relacionado com a progressão linear do texto. Para realizar adequadamente essa progressão (e também as retomadas de partes importantes 1 Um segmento de discurso teórico comporta sequências narrativas e/ou explicativas, por exemplo. Um segmento de discurso narrativo, por sua vez, não impõe somente sequências narrativas e pode admitir uma combinação de sequências.

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 de hierarquia pode ainda ser derivada da análise do discurso noticioso proposta por Van Dijk. Esse autor distingue “entre sentidos globais ou tópicos, tratados em termos de macroestruturas semânticas, de um lado, e esquemas formais, considerados em termos de superestruturas, de outro” (VAN DIJK, 2000, p. 153). Dizendo tratar-se de estruturas de nível superior e passando ao largo do estudo de palavras, frases ou sequências, Van Dijk mostra como temas e esquemas se relacionam no discurso da notícia, realizando-se normalmente de forma descontínua; quer dizer, são estruturas convencionais cuja realização não está pré-estabelecida. Para ele, os temas ou assuntos organizam-se segundo certos princípios de compreensão estratégica. Os esquemas seriam, pois, orientações formais visando a uma consecução satisfatória dessa estratégia, segundo os objetivos da comunidade de produtores e destinatários. Grosseiramente falando, teríamos ideias que se organizam em formas que, por sua vez, seriam estruturadas pelas práticas e costumes da comunidade de jornalistas e leitores. Assim, baseando-me nesses três autores e também em Koch (2004), em quem fui colher a devida situação histórica da atual perspectiva interacionista, proponho analisar essa ligação hierárquica entre título e texto, e se há diferença nessa ligação, conforme se trata de uma crônica ou de uma notícia. Considero crônica também algumas colunas assinadas de cunho jornalístico, pois não me ative apenas ao caráter literário desse gênero de texto, levando mais em conta a postura menos canônica de sua construção. Título e hierarquia Inicialmente, o que chama a atenção nos títulos considerados aqui é a sua separação fisicamente bem marcada do restante do texto. Além do espaço maior entre as linhas, a fonte utilizada é de um tipo maior e geralmente vem em negrito ou, muitas vezes, em tons de cinza. Esse aspecto marca uma função esquemática para o título: ele sempre encabeça (destaca-se em) qualquer texto jornalístico. Aparentemente essa é uma constatação evidente, mas devemos levar em conta que os esquemas não são evidentes por si só e que eles só existem por serem fruto de uma convenção e de um conhecimento prévio partilhado entre os indivíduos. Entretanto, o conhecimento das formas não se dá isoladamente do conhecimento dos conteúdos que elas veiculam. Van

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 Dijk, apesar de expor separadamente a estrutura temática e esquemática do texto jornalístico, reconhece que de modo muito semelhante às estruturas sintáticas de sentenças, os esquemas de textos podem ter também situações semânticas específicas. Isto é, não podemos simplesmente inserir qualquer (macro-)proposição em qualquer categoria. É esse também o caso da Manchete e do Lead [...]. Ambos expressam proposições de nível mais alto do discurso noticioso. (2000, p. 146). Ou seja, os temas veiculados por meio de (macro)proposições não se adaptam indistintamente a qualquer forma (categoria esquemática), de modo que um conteúdo irrelevante e periférico de uma notícia dificilmente possa assumir uma posição de relevo, tornando-se assunto de um título, por exemplo. Há uma necessidade convencionalmente estabelecida entre a posição destacada do título e o tipo de tema que é veiculado por ele. Normalmente, trata-se da informação mais importante, veiculada também no primeiro parágrafo. Alguns exemplos Em matéria de capa de seu caderno interno (Gerais), o jornal Estado de Minas veicula a seguinte manchete: “Dinheiro na Suíça”.^3 O primeiro parágrafo ( lead ) é um desdobramento dessa manchete e confirma uma forma de organização do discurso jornalístico segundo um princípio de recência, representado pela ação de procuradores pedindo o bloqueio de contas de um grupo suspeito de contrabando. Essa informação é também veiculada em um sobretítulo^4 da matéria. Muitas manchetes constituem-se de sintagmas nominais que necessitam de um sobre(ou sub)título que as complete. Nesse caso, as manchetes, isoladamente, parecem ter a mesma função de outras marcações como o nome do caderno ou o nome da seção (Polícia, Horóscopo, Editorial etc.) e apenas organizam a consulta ao jornal, mantendo uma aproximação superficial com o conteúdo, deixado a cargo do sobretítulo e de uma vinheta. É interessante observar a relação dos textos com os títulos, e destes com as seções e páginas em que ocorrem. No jornal Estado de Minas , um título de primeira página de caderno tem muito mais destaque do que alguns títulos das páginas internas e parece também manter uma relação gráfica com o nome do caderno, de forma que “Gerais”, “Diamantes ilegais” 3 Estado de Minas , 18 fev. 2006. Caderno Gerais, p. 19. 4 O sobretítulo é uma “palavra ou frase que, colocada antes do título principal da matéria, serve para introduzi-lo ou complementá-lo” (HOUAISS, 2009).

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 texto, conforme a sugestão do chuchu com pimenta dada pelo título. Veremos como essa antecipação de tema geral contrasta com a antecipação de tema específico, no âmbito dos textos assinados e das notícias, respectivamente. Esse contraste parece ser devido à função concedida a cada gênero de texto pelas práticas da comunidade linguística a que se referem. Na tentativa de mapear essas práticas e as construções que daí emergiam, parte das teorias linguísticas se concentrava na elaboração de uma gramática do texto. A descrição de esquemas canônicos de produção de textos jornalísticos insere-se nessa linha. Contudo, tal elaboração é complicada e insatisfatória, dado que os usuários de uma língua tendem a tomar tais esquemas apenas como referência e não produzem todos os textos segundo regras estritas e indexadas, pois “as regras formais não são mais algorítmicas, mas tornam-se variáveis (como são muitas regras sociolingüísticas)” (VAN DIJK, 2000, p. 150). De modo que há um conflito entre o sistema de regras formais e os usos concretos e variáveis desse sistema, o que não invalida absolutamente as descrições teóricas estruturais. Ainda segundo o mesmo autor, esse problema não é real – não é tanto um conflito quanto um modo de se relacionarem sistema e uso efetivo das regras –, e deveria ser mais bem avaliado, já que “tanto regras como estratégias têm natureza cognitiva e os usuários da língua podem usar tanto regras fixas tal como são partilhadas em uma comunidade, como regras mais variáveis e estratégias dependentes de contexto, orientadas, na produção e compreensão do discurso” (VAN DIJK, 2000, p. 150). De qualquer modo, os esquemas parecem refletir os gêneros textuais a que estão ligados. Uma notícia de jornal segue o padrão do geral para o específico e do sumário para o detalhe em seu desenvolvimento. Entretanto, uma crônica ou um artigo assinado não seguem o mesmo parâmetro. Uma crônica, na realidade, não tem obrigação de informar ou analisar, apesar de poderem ser feitas todas essas coisas também. Se, por um lado, a relação entre sistema e uso concreto das regras é complicada para qualquer texto, pois os usuários sempre impõem um estilo próprio mesmo em um texto cuja forma é fortemente canonizada, por outro lado, a especificidade de elaboração de um texto real e sua filiação a um gênero específico é igualmente complexa, já que as regras que os definem existem, sem que haja possibilidade de esgotar o seu conhecimento. Os sujeitos linguísticos (ou agentes) não podem dispor de

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 um conhecimento exaustivo sobre os gêneros, sua indexação funcional e suas características lingüísticas. Em função da circunstância de seu desenvolvimento pessoal, cada um foi exposto a um número mais ou menos importante de gêneros, aprendeu a reconhecer algumas de suas características estruturais e experimentou praticamente (em uma aprendizagem social por ensaios e erros) sua adequação a determinadas situações de ação (BRONCKART, 1999, p. 101). Cada gênero possui, assim, suas regras de criação. Nesse sentido, uma descrição esquemática tem seu valor, desde que se leve em conta que os textos organizados em gêneros formam uma espécie de “nebulosa, constituída por conjuntos de textos muito claramente delimitados e rotulados pelas avaliações sociais e por conjuntos mais vagos, compostos de espécies de textos para os quais os critérios de rotulação e de classificação ainda são móveis e/ou divergentes” (BRONCKART, 1999, p. 100). Tendo em vista essa possibilidade de classificação não exaustiva, é mais confortável aplicar a descrição estrutural que Van Dijk propõe para o texto jornalístico em seu artigo “Estruturas da Notícia na Imprensa”. Sirvo-me dela na forma de um guia auxiliar na compreensão do papel que os títulos possivelmente exercem nos textos, extrapolando essas noções para o âmbito da crônica ou artigo assinado, sem esquecer que esse gênero não está pautado por regras profissionais tão específicas quanto o texto noticioso. Quando falamos do título, falamos do texto inteiro e, apesar da relação estrutural mais local entre título e lead , a relação entre a manchete e a notícia é global. O título é derivado do texto inteiro, da mesma forma que o lead é um parágrafo inicial de um conjunto de outros parágrafos. Juntamente com Van Dijk, entendo que não é de um “sentido (local) de palavras ou sentenças isoladas” que tratamos, “mas do sentido de fragmentos mais amplos de texto, ou de textos inteiros” (VAN DIJK, 2000, p. 130). O título fornece o tema ou tópico de um texto e pertence à estrutura global do discurso; realiza uma grande abstração a partir da informação contida no texto. É uma forma de resumo ou sumário e, dado o seu nível de abstração, a sua atribuição não é unívoca, já que vários tópicos podem ser levantados a partir da leitura de um texto. O que é relevante nessas constatações é que os títulos parecem configurar o espaço interpretativo a partir do qual o restante

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 • Expectativa na sucessão de arcebispo 8

  • Cocaína no pára-choque^9
  • Queimados em usina^10
  • Detentos transferidos^11
  • Glória Arroyo ainda na mira^12
  • Em busca de mais dinheiro^13 Algumas delas necessitam do auxílio de um subtítulo, sobretítulo, nome de seção ou uma indicação do assunto para orientar da leitura. Por exemplo, referindo-se aos títulos relacionados acima, temos, respectivamente:
  • 1 Mariana,
  • 2 Tráfico,
  • 3 Várzea da Palma,
  • 4 Revolta,
  • 5 Filipinas: Estado de emergência restabelece a calma no país asiático, na festa dos 20 anos da queda do ditador Ferdinand Marcos, mas presidente agora está sob pressão para que renuncie,
  • 6 Orçamento: Bancada mineira garante R$ 277,5 milhões para obras em estradas, aeroportos e programas sociais. Mas a expectativa é conseguir mais R$ 48,9 milhões, além de recursos da Lei Kandir. O leitor, sustentado apenas pelo título, sabe apenas parcialmente do que trata o texto, assim, necessita apoiar-se nessas outras indicações textuais para configurar o seu espaço interpretativo. Digamos, então, a despeito dos exemplos anteriores, que as crônicas seguem um padrão personalista enquanto as matérias jornalísticas propõem um texto em que o enunciador trabalha para não se aproximar do coenunciador (ou leitor). Nesse sentido, a enunciação de um texto pode ser definida como embreada ou não embreada, seguindo, mais uma vez, a orientação de Maingueneau, que afirma que os embreantes “distinguem-se dos outros signos lingüísticos pela maneira como permitem ao coenunciador identificar os referentes de tais embreantes”(MAINGUENEAU, 2002, p.109-110), ou seja, seriam as marcas que permitem distinguir a situação de enunciação e que, portanto, variam a cada nova enunciação. 10 Estado de Minas , 18 fev. 2006. Caderno Gerais, p.22. 13 Estado de Minas , 26 fev. 2006. Caderno Política, p.5. 8 Folha de São Paulo , 21 fev.
  1. Caderno Opinião, p.A2. 9 Estado de Minas , 18 fev. 2006. Caderno Gerais, p.22. 11 Estado de Minas , 18 fev. 2006. Caderno Gerais, p.22. 12 Estado de Minas , 26 fev. 2006. Caderno Internacional, p.11.

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 São exemplos de embreantes os pronomes de primeira e segunda pessoas; os determinantes “meu”, “nosso”, “seu” etc.; os pronomes “o meu”, “o nosso”, “o seu” etc.; os dêiticos temporais e os dêiticos espaciais. No entanto, não seria apropriado afirmar que a crônica seria exemplo de plano embreado e a notícia de um texto não embreado. O que se pode dizer é que um é mais embreado em relação ao outro, tendo como base a marca enunciativa de pessoa, principalmente. Algumas modalizações, também, são mais apropriadas em um texto produzido na primeira pessoa, como as interjeições, por exemplo. São cabíveis na crônica, mas pouco apropriadas a uma notícia, já que os enunciados desta devem manter certa distância do ato enunciativo, apresentando- se como os planos não embreados, que “procuram construir universos autônomos [...] [e] apresentam-se como se estivessem desligados de sua situação de enunciação, sem relação com ela” (MAINGUENEAU, 2002, p. 114). Além de relacionar os títulos aos textos, poderíamos eventualmente relacioná-los ao nome do autor do texto, de forma que diante de um autor que tem o costume de escrever textos humorísticos o leitor já teria orientada sua expectativa de leitura. Por exemplo, uma crônica de Eduardo Almeida Reis (“Novo amor outonal”).^14 Uma orientação de leitura poética a partir daquele título não se sustentaria devido ao nome do autor, desde que se tenha já o hábito de ler sua coluna, geralmente humorística. Talvez, a partir disso, pudéssemos perguntar se além do conhecimento sobre certos gêneros de textos, o leitor não adquire outro tipo de costume, isto é, o costume com o nome de certos autores. Poderíamos, talvez, incluir na pesquisa sobre gêneros textuais, a influência que o nome do autor poderia exercer. Por outro lado, ainda no âmbito da crônica, apesar de seguir certa forma canônica de manchete jornalística, mas desde logo transgredindo-a, temos o seguinte: “Buemba! Mick Jagger parecia a Lacraia!”^15 – é de notar que a primeira palavra subverte aquele “Extra!” que poderíamos associar aos antigos vendedores de jornais, vistos em filmes apregoando as principais manchetes do dia no meio da rua e em voz alta. O nome do articulista (José Simão), acima do conteúdo da manchete, configuraria determinada orientação de leitura para aqueles que leem sua coluna com certa frequência, voltada para o comentário humorístico e crítico, diferentemente daquela orientação de leitura que se tem diante de um texto basicamente informativo. 14 Estado de Minas , 05 mar.

  1. Caderno Gerais, p.26. 15 Folha de São Paulo , 21 fev.
  2. Caderno Ilustrada, p.E7.

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 Van Dijk alerta para o fato de essas hipóteses serem baseadas em pesquisas empíricas sobre outros gêneros de texto, o que talvez nos franqueie a sua utilização apenas sob a forma de sugestão a respeito da função que os títulos exercem. Até aqui, fiz um panorama analítico, vinculando os títulos aos textos. Creio ser necessário aprofundar a análise e concentrá- la em mais alguns exemplos. Contudo, dado o caráter deste trabalho, que impõe certa limitação de extensão, tomarei como motivo de análise mais detida apenas dois textos representativos dos gêneros em questão. O primeiro é uma crônica de Affonso Romano de Sant’anna, intitulada “Mordendo o próprio rabo”.^16 O segundo (“EUA ameaçam retirar apoio a governo sectário”)^17 é um texto noticioso sem relação direta com os outros textos da página em que se situa – esse é um critério que levei em conta para não ser preciso relacionar o título dessa notícia a outros títulos sobre o mesmo tema. O título da crônica nomeia uma ação que serve de tema para o texto. Não descreve uma ação, mas marca um espaço de referência a partir do qual se começa a leitura. Há um excerto da crônica veiculado entre aspas e situado em posição mais elevada que o título, em fonte de cor cinza, o que favorece inicialmente a percepção do título e não desse pedaço do texto. O título não se explica com a leitura do primeiro parágrafo: “Acontece que estava lendo o livro Artistes sans art?(Artistas sem arte) [...]”, e poderia ser deixado de lado enquanto esse aparente novo tema (artistas sem arte) é desenvolvido pelo autor, que conta como um artista-plástico “pregou uma peça no Centro Dragão do Mar, em Fortaleza”. A partir desse acontecimento factual, o autor tece considerações a respeito do paradoxo vivido pela arte contemporânea, que muitas vezes prega a destruição dos antigos parâmetros artísticos e se propõe a fazer algo totalmente novo em cima do nada. Segundo Sant’anna “tempos estranhos [...] em que o simulacro da obra vale mais do que a obra”. O título só se explica depois da exposição dessa questão, sendo retomado exatamente no fim do último parágrafo, “enquanto a arte não conseguir desatar o nó dado por Duchamp, ela vai continuar mordendo o próprio rabo ” (grifo meu). A imagem de uma cobra mordendo o próprio rabo surge, então, como delimitadora do espaço temático da crônica, mas isso ocorre apenas depois de concluída a leitura do texto, pois até então ele vem se desenvolvendo ao poucos, a partir de um caso ocorrido 16 Estado de Minas , 29 jan. 2006, Caderno Em Cultura, p.8. 17s Folha de São Paulo , 21 fev. 2006, Caderno Internacional, p. A10.

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 recentemente e que extrapola para questões mais gerais, até se “resolver” naquela imagem do título. A crônica também acaba se fechando sobre si mesma, ao resgatar o seu início, dando uma compreensão metadiscursiva para o texto; talvez não com mesma tautologia impingida à arte contemporânea, de não ter o que dizer e de se desenvolver a partir de coisa nenhuma, mas aproveitando-se da imagem invertida do rabo (fim) do texto mordendo a própria cabeça (título). Diversamente de uma notícia, a voz do agente-produtor está bastante presente em trechos com marcas de primeira pessoa: “[ eu ] estava lendo [...]; devo dizer que li as declarações de Yuri [...]; creio que foi ele o autor [...]; há uma série de falácias em nossos dias [...]” (grifos meus). Além disso, no trecho seguinte: “Há que compreendê-la mais amplamente. Sim , vivemos um tempo de ‘artistas sem arte’” (grifo meu), o “sim” retórico exerce uma função metaenunciativa, que explicita o diálogo entre autor e leitor, o que raramente ocorre nas notícias jornalísticas. A respeito destas e da função que os títulos exercem, vejamos a matéria da Folha de São Paulo. O primeiro parágrafo praticamente repete o que a ação ou acontecimento que é mencionado na seguinte manchete: “EUA ameaçam retirar apoio a governo sectário”. Os EUA retirarão seu apoio ao governo iraquiano se o controle da polícia e do Exército for entregue a milícias políticas ou religiosas, ameaçou o embaixador americano no Iraque , Zalmay Khalilzad, sublinhando os riscos de formar um governo sectário. O alerta ocorreu no dia em que atentados mataram 24 pessoas no país. Encimando a manchete, está uma vinheta e um sobretítulo: “Iraque Atentados matam 24 no país”, de forma que o primeiro parágrafo inteiro consiste em uma repetição com algumas informações acrescentadas à manchete, vinheta e sobretítulo. Não há marcas de primeira pessoa e o recurso do discurso relatado é usado como de costume nas matérias jornalísticas, tanto direta como indiretamente. Os atentados são relatados propriamente a partir da inserção de um intertítulo (“Atentados”), quase ao fim do texto, em que se faz a contabilidade das vinte quatro mortes. A estruturação da manchete e do sobretítulo reflete a construção da matéria no que se refere à relevância do fato ocorrido (critério para a organização do discurso jornalístico, como mencionado

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 No que tange às crônicas e aos artigos assinados, como a sua canonicidade não é regida pelas mesmas regras institucionais que pautam a produção do discurso jornalístico, podendo ser produzidas de acordo com a prática desenvolvida pelo próprio autor, a relação a ser observada entre o título e o texto varia tanto de autor para autor quanto de jornal para jornal. De maneira que, ao estudar essas relações, as teorias utilizadas nos fornecem noções válidas e importantes como as de hierarquia e estrutura, para serem utilizadas como um horizonte de análise que varia historicamente e de indivíduo para indivíduo. Abstract This paper aims to analyze the relationship between titles and text, comparing two different genres: written news and chronicle (or signed article). Based on a sociointerationist perspective, it was found that variations in production among newspapers depend on the practices of the community of producers and that titles are configured differently from one newspaper to another. It was also found that they show variation from one genre to another, and that, despite this, notions such as structure and hierarchy are still important to understand this relationship. Keywords: Title-text relationship. News. Chronicle. Sociointerationism. REFERÊNCIAS BRONCKART, Jean-Paul. Atividade de linguagem, textos e discursos : por um interacionamento sócio-discursivo. São Paulo: Educ, 1999. 353p. DIJK, Teun Andrianus van. Estruturas da Notícia na Imprensa. In: DIJK, Teun Andrianus van; KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Cognição, discurso e interação. 3.ed. São Paulo: Contexto, 2000. p. 122-157. Estado de Minas , Belo Horizonte, 29 jan. 2006. Caderno Em Cultura, p. 8. Estado de Minas , Belo Horizonte, 18 fev. 2006. Caderno Gerais, p. 19; 22; 23.

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Belo Horizonte - n. 26 - 2015 Estado de Minas , Belo Horizonte, 26 fev. 2006. Caderno Internacional, p. 11. Estado de Minas , Belo Horizonte, 26 fev. 2006. Caderno Política, p. 5. Estado de Minas , Belo Horizonte, 05 mar. 2006. Caderno Gerais, p. 26. Folha de São Paulo , São Paulo, 21 fev. 2006. Caderno Ilustrada, p. E7. Folha de São Paulo , São Paulo, 21 fev. 2006. Caderno Internacional, p. A10. Folha de São Paulo , São Paulo, 21 fev. 2006. Caderno Opinião, p. A2-A3. HOUAISS, Antônio. Dicionário eletrônico Houaiss da língua portuguesa : versão 3.0. Rio de Janeiro: Objetiva, [2009]. 1 CD-ROM KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça. Introdução à lingüística textual : trajetória e grandes temas. São Paulo: Martins Fontes,

  1. 190p MAINGUENEAU, Dominique. Análise de textos de comunicação. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2002. 238p