Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Tipos de Notação Matemática, Manuais, Projetos, Pesquisas de Matemática

O texto apresenta uma análise sobre diferentes tipos de notação matemática, desde a escrita egípcia antiga até a notação moderna. O autor destaca a importância de uma boa notação para a manipulação simbólica e a economia de espaço. O texto combina filosofia e história da matemática e é de interesse para a área de educação matemática.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

À venda por 06/10/2022

tamires-silva-b2w
tamires-silva-b2w 🇧🇷

12 documentos

1 / 124

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
2
Tipos de notação
De Ahmes, o escriba egípcio que copiou em hierático o texto
matemático mais antigo de que se tem conhecimento, aos tratados
modernos de álgebra, a notação matemática esteve presente de um modo
ou de outro. No papiro de Ahmes (ou de Rhind), por exemplo, algumas
notações diagramáticas para triângulos (Eves, pp. 69-70&74, 2008). O
demótico e o hieróglifo são outras escritas egípcias antigas e, nesta última,
a base numérica é a de 10. Nela, os numerais 1, 101,..., 104,105, 106 são
representados por desenhos, respectivamente, um bastão vertical, uma
ferradura, um rolo de pergaminho, uma flor de lótus, um dedo encurvado,
um girino e um homem espantado (Idem, p. 31), ou seja,
Não seria inteligente escrever um tratado moderno de teoria dos
números com esses belos caracteres por alguns motivos óbvios, dentre
eles:
i. a matemática moderna é uma teoria de estruturas e não de objetos
particulares como números, sejam eles representados por flores de lótus,
anfíbios ou algarismos hindu-arábicos;
ii. heurística: uma boa notação permite a manipulação simbólica sem
entraves, o que não seria o caso com belos desenhos de girinos, flores e
homens espantados;
iii. economia de espaço.
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a
pf3b
pf3c
pf3d
pf3e
pf3f
pf40
pf41
pf42
pf43
pf44
pf45
pf46
pf47
pf48
pf49
pf4a
pf4b
pf4c
pf4d
pf4e
pf4f
pf50
pf51
pf52
pf53
pf54
pf55
pf56
pf57
pf58
pf59
pf5a
pf5b
pf5c
pf5d
pf5e
pf5f
pf60
pf61
pf62
pf63
pf64

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Tipos de Notação Matemática e outras Manuais, Projetos, Pesquisas em PDF para Matemática, somente na Docsity!

Tipos de notação

De Ahmes, o escriba egípcio que copiou em hierático o texto matemático mais antigo de que se tem conhecimento, aos tratados modernos de álgebra, a notação matemática esteve presente de um modo ou de outro. No papiro de Ahmes (ou de Rhind), por exemplo, há algumas notações diagramáticas para triângulos (Eves, pp. 69-70&74, 2008). O demótico e o hieróglifo são outras escritas egípcias antigas e, nesta última, a base numérica é a de 10. Nela, os numerais 1, 101 ,..., 104 , 105 , 106 são representados por desenhos, respectivamente, um bastão vertical, uma ferradura, um rolo de pergaminho, uma flor de lótus, um dedo encurvado, um girino e um homem espantado (Idem, p. 31), ou seja, Não seria inteligente escrever um tratado moderno de teoria dos números com esses belos caracteres por alguns motivos óbvios, dentre eles: i. a matemática moderna é uma teoria de estruturas e não de objetos particulares como números, sejam eles representados por flores de lótus, anfíbios ou algarismos hindu-arábicos; ii. heurística: uma boa notação permite a manipulação simbólica sem entraves, o que não seria o caso com belos desenhos de girinos, flores e homens espantados; iii. economia de espaço.

Sumário

Prefácio 11 Osvaldo Pessoa Jr. 1 13 Introdução 1.1 O fascínio pelos números ................................................................................................................. 13 1.2 Objetivos, linguagem e reflexão filosófica ................................................................................ 16 2 22 Tipos de notação 3 29 Funções básicas da notação matemática 3.1 Preâmbulo filosófico .......................................................................................................................... 29 3.2 Aspectos fundamentais da notação ............................................................................................ 31 4 67 O símbolo e a realidade - análise filosófica 4.1 Realidade fenomênica ....................................................................................................................... 67 4.2 O Estruturalismo e o realismo de Born ....................................................................................... 73 5 77 Conclusões 6 79 Apêndice: raciocínio diagramático em mecânica quântica 6.1 Introdução histórica ........................................................................................................................... 79 6.2 O que é um diagrama de Feynman?............................................................................................ 82 6.2.1 Raciocínios diagramáticos ....................................................................................................... 82 6.2.2 Diagramas de Feynman ............................................................................................................ 85

Prefácio

Osvaldo Pessoa Jr. Há uma tradição de obras de divulgação de matemática, como as de Malba Tahan, Martin Gardner e Ian Stewart, que passeiam por diferentes temas do mar da matemática, mergulhando em cada um deles, explorando-os e retornando à superfície, para prosseguir cruzeiro. Esta rica obra dos dois Ricardos faz esse tipo de exploração, guiados pelo tema dos signos matemáticos, suas regras de uso, seus sentidos e como podem mediar a representação da realidade. O livro trata da filosofia da matemática e do papel da notação matemática. Qual é a relevância da notação matemática? Será que ela é dispensável, sendo a matemática uma atividade essencialmente mental que usa a notação apenas como um auxílio mnemônico? Ou, pelo contrário, será que na notação está contida toda a matemática? Os autores adotam uma posição intermediária, de que a notação não desempenha um mero papel auxiliar, mas que de certa forma “fabrica nossa vida psíquica”. Vários exemplos são dados de como uma escolha de notação ou formalismo pode sugerir novas questões, como a ideia de uma derivada de ordem fracionária, que segue naturalmente da notação continental do cálculo, ou as escolhas diagramáticas feitas por Richard Feynman em sua eletrodinâmica quântica, exploradas didaticamente em um apêndice. Os autores também exploram a extensão ou aumento de um domínio matemático, como ocorre com a definição dos números complexos ou do cálculo tensorial. Apresentam uma concepção da matemática como explicitação de estruturas, e discutem como, às vezes, a ciência vislumbra

12 | O símbolo e a realidade estruturas matemáticas na realidade observável ou mesmo projeta semelhantes estruturas “por detrás” das aparências. Além do apêndice sobre os diagramas de Feynman, há um segundo apêndice que discute criticamente a concepção do filósofo francês Gilles- Gaston Granger sobre a matemática, criticando especialmente sua noção de “conteúdo formal”. Por fim, um terceiro apêndice explora heuristicamente problemas matemáticos da Antiguidade com o auxílio de um software de matemática dinâmica. Em suma, o texto faz uma interessante jornada por diferentes formas de notação matemática salientando o papel ativo que tais simbologias têm para o sucesso do empreendimento matemático. Ele combina de maneira elegante a filosofia da matemática com a história da matemática, e é de interesse também para a área de educação matemática. Universidade de São Paulo

14 | O símbolo e a realidade em futilidades e superstições, das quais surgiu um tipo popular de Cabala (Leibniz, p. 221, 1989). No contexto da filosofia grega, os pitagóricos não viam nos números apenas um caminho para o conhecimento do mundo, mas a sua própria estrutura, daí a célebre citação “tudo é número”. Platão, por sua vez, atribuía aos números uma existência independente da realidade física e, claro, das mentes e cérebros dos seres humanos. O platonismo e as suas vertentes realistas sempre exerceram uma enorme atração em grande parte das pessoas desde a sua criação pelo sábio grego, e a sua influência não se restringe a matemáticos, físicos e cientistas profissionais, mas se estende a toda sociedade. Não é pequena a lista de grandes pensadores que eram realistas em um sentido ou outro, dentre os quais, destacamos Frege, Gödel^2 e Penrose - tendo este último uma orientação exageradamente platonista. Leibniz, entretanto, não era um seguidor de Platão, mas um racionalista convicto e grande admirador de Aristóteles. Em suas Meditações sobre conhecimento, verdade e ideias , ele faz as seguintes observações sobre o conhecimento simbólico: No entanto, especialmente em uma análise mais ampla, nós não intuímos a natureza inteira das coisas de uma só vez, mas usamos signos em vez de coisas, embora, nós usualmente omitimos a explicação destes signos em nosso pensamento presente por uma questão de economia, sabendo ou acreditando que a possuímos. Assim, quando penso em um quiliógono, um polígono de mil lados iguais, eu não considero sempre a natureza de um lado, ou da igualdade ou do milhar (ou o cubo de dez), mas uso estas palavras cujos significados parecem de modo obscuro e imperfeito à mente no lugar das ideias que tenho (^2) Gödel expõe de maneira clara o seu platonismo em um artigo sobre a hipótese do contínuo de Cantor (Gödel, 2006). Para uma análise do platonismo de Gödel e da disputa Nominalismo X Platonismo , recomendamos o capítulo quinto do livro de Chihara (2004), A structural account of mathematics ; sobre Penrose, o matemático inglês exporá as suas convicções platonistas no primeiro capítulo The road do reality (Penrose, pp. 9-22, 2004). Finalmente, concernente à defesa do realismo, o melhor trabalho que conhecemos é Logical forms de Chateautbriand (2001 & 2005).

Ricardo Mendes Grande; Ricardo Scucuglia Rodrigues da Silva | 15 delas, porque me lembro de que conheço o significado das palavras, mesmo que a sua interpretação não seja necessária para o presente juízo. Costumo chamar tal tipo de pensamento de cego ou simbólico; nós o usamos na álgebra, aritmética e em quase toda parte. Quando um conceito é muito complexo, nós certamente não podemos pensá-lo simultaneamente através de todos os conceitos que o compõem (Leibniz, p. 292, 1989). Vemos aqui que Leibniz tinha uma ideia clara da necessidade da utilização de símbolos para representar conceitos mais complexos através de outros conceitos mais simples. Leibniz foi, além de um matemático e filósofo brilhante, criador de notações e um grande entusiasta da matemática e da lógica a ponto de imaginar uma Characteristica Universalis , uma linguagem conceitual universal, ou nas palavras de Bertrand Russell (p. 169, 1949), uma Matemática Universal , i.e., em essência, uma linguagem universal dotada de um sistema de cálculo, um Calculus ratiocinator^3. Ora, a constituição de uma linguagem matemática requer, necessariamente, a utilização de signos e, apesar de sua escolha ser arbitrária, ela pode contribuir para o seu desenvolvimento ou para a sua estagnação, um fato que ficará claro na seção referente às notações de Leibniz e de Newton. Retornando a Russell, ele nos diz o seguinte sobre Leibniz: “Ele parece ter pensado que o método simbólico, no qual as regras formais evitam a necessidade do pensamento, poderiam produzir o mesmo (^3) Leibniz não chegou a desenvolver uma lógica algébrica como o fez Boole, i.e., “(...) a única álgebra que Leibniz desenvolveu pode ser chamada de tentativas de um ‘cálculo lógico’ lidando com as relações de igualdade e inclusão, e o ‘cálculo geométrico’ lidando com o estudo direto de figuras e relações espaciais (Jourdain, p. 518, 1916)”. Além disso, o filósofo alemão estava preso à operação de multiplicação lógica , sendo que seria necessário acrescentar outras operações como a de negação e a de soma lógica , algo que encontraremos em Boole e nos tratados modernos de lógica algébrica. Curiosamente, o título de um texto clássico de Boole de 1854 envolve o termo “Leis do pensamento”, ou melhor, Uma Investigação das leis do pensamento nas quais são definidas as teorias matemáticas da lógica e probabilidade. Porém, foi em sua Análise matemática da lógica ( The mathematical analysis of logic ) escrita em 1847, que Boole estabeleceu a base para o tratamento algébrico da lógica. A respeito da lógica algébrica, recomendamos (Halmos, 1956). Observe que a primeira apresentação axiomática da lógica se deveu a Frege em seu clássico Begriffsschrift. Entretanto, além de Frege, quem mais se aproximou de algo similar a uma Lingua Characteristica foi Russell em seu monumental Principia Mathematica escrito com Whitehead.

Ricardo Mendes Grande; Ricardo Scucuglia Rodrigues da Silva | 17 numerais e as suas relações conhecidas. Não temos dúvidas ao afirmar que Cajori (1993) elaborou o trabalho mais detalhado e completo a respeito desse tema fascinante. No volume primeiro de seu livro A history of mathematical notations , os setenta e três primeiros parágrafos são dedicados à análise dos símbolos que inúmeras culturas e povos utilizaram para os numerais, dentre eles, os egípcios, sumérios, babilônios, chineses, peruanos, hebreus, gregos, romanos, maias, astecas, etc. Apesar da enorme importância do tema, qualquer discussão detalhada a seu respeito estaria completamente fora dos nossos propósitos. Entretanto, é importante ter em mente que, das notações simbólicas rudimentares para as relações aritméticas básicas ao surgimento da álgebra moderna, houve uma evolução espantosa rumo à abstração cada vez maior (Idem, §100- 198). Ora, do grande matemático Diofanto, cuja notação simbólica era sincopada e destituída de qualquer dinâmica (Idem, §101- 103 ), passando pelas inúmeras fontes árabes e hindus (Idem, § 74 - 98) e pelos avanços notacionais de Iordanus Nemorarius e Leonardo de Pisa (Idem, §122), chegamos à famosa escola italiana de algebristas (Rafael Bombelli, Girolamo Cardano, etc.) e aos grandes matemáticos franceses François Viète e Descartes. Sem dúvida, um longo período^6 histórico em que consideráveis avanços foram obtidos no sistema matemático de notações, além de um notável enriquecimento da linguagem matemática, a qual nem sempre foi muito bem vista por lógicos e matemáticos como Brouwer, (...) que não tinha simpatia pela linguagem e também a via como uma vestimenta para o pensamento – uma vestimenta feia e de caimento ruim (Chateaubriand, p. 15, 2007). (^6) Citemos, também, os importantes trabalhos de Luca Pacioli, Summa de arithmetica, geometria, proportioni et proportionalita de 1494, uma obra de grande influência e que serviu como referência para a posteridade (Cajori, §134-138, 1993) e William Oughtred que introduziu mais de cem signos notacionais, em geral, apropriados de outros autores que contribuíram para o enriquecimento da linguagem da matemática (Idem, §180).

18 | O símbolo e a realidade Quanto a Brouwer^7 , é mais do que evidente que não flertamos com as suas posições filosóficas, apesar do intuicionismo em sua forma moderna, algo que Brouwer rejeitaria, nos brindar com uma linguagem lógica e matemática relevante e dotada de uma roupagem interessante. Para o matemático e filósofo holandês, não havia uma única verdade que a lógica produzisse num contexto simbólico-linguístico que não pudesse ser alcançada de outra maneira (e.g., de modo intuitivo). Então, se transferirmos este pensamento para o nosso caso das notações matemáticas, poder-se-ia pensar que elas são dispensáveis? Conforme já foi dito, sustentaremos a indispensabilidade da notação simbólica para a prática matemática, o que não deve ser confundido com afirmações do tipo: não existe uma descoberta feita através de um raciocínio simbólico que não possa ser feita de algum outro modo. Por outro modo , entendemos um insight ou intuição, analogia, processo computacional, etc. À primeira vista, pode parecer que a importância dada à sintaxe soe como um desprezo por qualquer outro aspecto filosófico da lógica e da matemática, porém, tal interpretação seria completamente enganosa, como ficará claro a seguir. O modo que a descoberta matemática é feita, como as provas são articuladas e validadas e, mais fortemente, como a matemática e a realidade empírica se relacionam são temas que envolvem aspectos intrinsecamente epistemológicos e ontológicos para os quais acreditamos não haver substitutos linguísticos ou sintáticos. Considere o caso de uma demonstração^8 matemática. Sundholm (p. 54, 1993), por exemplo, elenca (^7) No âmbito da filosofia da matemática, a nossa orientação é estruturalista. Entretanto, dado que não discutiremos em profundidade o tema, deixaremos as seguintes referências ligadas a algumas correntes estruturalistas que nos influenciaram: (da Silva, 2017), (Chihara, 2004) e (Shapiro, 1997). Recomendamos também a análise de Hellman (2001) em Three Varieties of Mathematical Structuralism. (^8) Recomendamos também o apêndice final deste trabalho para uma análise da resolução de problemas através de procedimentos computacionais.

20 | O símbolo e a realidade e Russell e o formalismo de Hilbert – ver (Wilder, Chap. IX–XI, 1965). Observamos acima que Brouwer não foi um grande entusiasta da linguagem; já em Frege e Russell, o valor dado a ela é inegável, como fica óbvio em suas obras, respectivamente, Begriffsschrift e Principia mathematica. Finalmente, com relação ao formalismo, existe a propagação de um enorme mal entendido a respeito do programa de Hilbert. Não é incomum encontrarmos afirmações do tipo “Hilbert via a matemática como um jogo cego de sinais”, o que não é apenas uma mera simplificação do programa de Hilbert, mas um erro grosseiro. Shapiro, inclusive, comete este equívoco ao dizer que: Esta filosofia sustenta que a matemática consiste de não mais do que a manipulação de caracteres de acordo com regras. Ou seja, as fórmulas da matemática são consideradas como cadeias de caracteres sem sentido, não símbolos genuínos (que simbolizem algo). Um teorema, digamos, da aritmética não representa um fato sobre os números naturais (...) tal teorema é o resultado de uma série de manipulações de acordo com as regras da aritmética (Shapiro, p. 528, 1983). Uma leitura correta de como Hilbert entendia a matemática é resumida por Chateaubriand (p. 14, 2001): Era um “jogo de fórmulas”, mas um jogo de fórmulas que expressava leis do pensamento refletidas na linguagem. O formalismo de Hilbert e a sua consolidação como uma filosofia da matemática foi uma influência importante no desenvolvimento inicial da concepção linguística da lógica. O programa de Hilbert tinha como meta principal a obtenção de uma prova de consistência da matemática, mais especificamente, da aritmética dos números naturais, primeiramente. Entretanto, o grande matemático não oferecia indicações muito precisas de quais métodos seriam aceitáveis

Ricardo Mendes Grande; Ricardo Scucuglia Rodrigues da Silva | 21 para a demonstração da consistência da aritmética (da Silva, p. 193, 2007). Podemos dizer, sem dúvida, que Hilbert se opunha ao idealismo de Brouwer e acreditava fielmente numa prova de consistência, mas não cabe a leitura de que a matemática era considerada como um mero jogo vazio de sinais. O papel das notações simbólicas e diagramáticas na matemática não será abordado em toda a sua profundidade filosófica, o que estaria totalmente fora dos propósitos do nosso livro. Quanto ao raciocínio diagramático, preparamos um apêndice sobre os diagramas de Feynman e a sua utilidade em mecânica quântica de campos. Segue, finalmente, de tudo que foi dito até agora, que não sustentamos que a realidade, ou algum de seus aspectos matemáticos, devam ser reduzidos à sintaxe, apesar de sua importância. De modo geral, acreditamos no mesmo que Husserl i.e., “(...) o uso de símbolos é mais do que um mero dispositivo auxiliar para o pensamento, que lançamos mão para, basicamente, auxiliar a nossa memória; de acordo com ele, eles fabricam a nossa vida psíquica, incluindo o próprio pensar (...)” (da Silva, p. 121 - 13ª nota, 2012). Nota: na proposição 3.326 de seu Tractatus , Wittgenstein (1968) nos diz que: “Para reconhecer o símbolo no signo, deve-se atentar para o seu uso significativo”. Parafraseando Wittgenstein e tecnicamente falando, os termos signo e símbolo são usados de modos distintos pelos linguistas e o correto seria utilizar signo em determinados contextos, como no da extensão de teorias matemáticas, ou de modo mais geral, no caso de um jogo simbólico guiado por regras sintáticas. Todavia, para os nossos propósitos práticos, utilizaremos tais termos como intercambiáveis, o que é um claro abuso da linguagem por nossa parte, entretanto, que julgamos perdoável. Uma última observação: todas as traduções das citações que - evidentemente, já não estavam em Português - foram feitas pelos autores.

24 | O símbolo e a realidade *Figura retirada de: https://pt.wikipedia.org/wiki/Principia_Mathematica Para o leitor desconhecedor da notação do Principia , não acreditamos ser óbvio que a proposição *54.43 pareça ter uma relação imediata com a demonstração de 1 + 1 = 2. Claro que, após o estudo do aparato notacional do Principia e de algumas outras proposições básicas, o leitor se sentirá à vontade com a proposição acima. Como veremos, é mister elaborar sistemas notacionais que expressem os conceitos de maneira clara, precisa e sucinta. A notação de Russell foi empregada durante algum tempo, mesmo que de maneira modificada, por alguns lógicos e filósofos como Carnap no seu livro de lógica simbólica de 1954. Nele, o pensador utilizou parênteses em vez de pontos, dentre outras modificações (Carnap, pp. 1 - 9, 1958). O filósofo alemão Immanuel Kant foi outro eminente pensador que tinha apreço pelo pensamento simbólico, o que fica claro na seguinte citação: “Assim como a geometria o consegue por intermédio de construção ostensiva ou geométrica (dos próprios objetos), através de uma construção simbólica a matemática atinge paisagens jamais acessíveis ao conhecimento discursivo mediante simples conceitos” (Kant, pp. 432–433, 1999). Para Kant, havia dois tipos de construções matemáticas, as geométrica s (também chamadas de ostensivas ) e as algébricas , às quais ele se referia pelo termo simbólicas. De modo genérico, dividiremos os tipos de notações matemáticas em duas classes, sendo elas, a classe das notações

Ricardo Mendes Grande; Ricardo Scucuglia Rodrigues da Silva | 25 simbólicas e a classe das notações diagramáticas^2. É óbvio que elementos de ambas as classes podem ocorrer em um mesmo problema, o que nos permitiria dizer que há uma terceira classe, a das notações mistas. Seria plausível dizer que notações são sempre simbólicas e que diagramas ou desenhos não devem ser entendidos como um tipo especial de notação, todavia, optamos por colocá-los em uma classe específica, dado o seu papel na resolução de problemas. Para cada problema matemático, é amplamente arbitrária a escolha da notação e, curiosamente, Frege (pp. 229 - 230, 1984) nos diz que: “Quando escrevo 1 + 2 = 3 , estou colocando uma proposição sobre os números 1 , 2 e 3, mas não é desses símbolos que estou falando. Eu poderia substituí-los por A, B ou Γ; eu poderia escrever 𝑝 em vez de + e ė em vez de =. Escrevendo ApBė Γ, então, eu expressaria o mesmo pensamento anterior – mas através de símbolos diferentes”. Apesar da escolha do tipo de notação^3 ser arbitrária, o que importa é a sua indispensabilidade. Frege está certo quanto à expressão 1 + 2 = 3 poder ser representada por ApBė Γ, assim como os romanos não estavam errados em representar os números de modo obtuso, o que só serviu de entrave ao desenvolvimento de sua matemática. A título de exemplificação, tome o algoritmo da multiplicação de números inteiros escritos na notação decimal, o qual permite a geração indefinida de números e o vislumbre com o infinito potencial. Agora, imagine o que seria a multiplicação de números grandes na notação romana ou de acordo com uma simbologia obtusa do tipo ApBė Γ. (^2) Sobre diagramas lógicos e os aspectos gerais do raciocínio diagramático, recomendamos (Legg, pp. 1-18, 2010). (^3) Em um sentido mais amplo, poderíamos inserir a notação e o tipo de símbolos usados por cada cientista no contexto de uma filosofia do estilo , algo que estaria fora dos nossos propósitos. Entretanto, recomendamos o ensaio de Granger (1988*) sobre o tema. Durante o nosso texto, citaremos outro livro de Granger também de 1988, daí o sinal de asterisco para não haver ambiguidade a respeito do texto que estamos citando.

Ricardo Mendes Grande; Ricardo Scucuglia Rodrigues da Silva | 27 conceitos eram claros e distintos à sua mente. Apenas para o caso das notações não diagramáticas é que sustentaremos a sua indispensabilidade à prática matemática. Um exemplo famoso do uso de notação diagramática nos remete à história de que Gauss, quando criança, teria descoberto a fórmula para a soma dos 𝑛-primeiros números naturais durante uma aula de matemática. Não importa se a história é real, mas suponha que queiramos somar 1 + 2 + 3 … + 𝑛 = 𝑆𝑛. Escrevamos: 1 2 … 𝑛 − 1 𝑛 𝑛 𝑛 − 1 2 1 Olhando para as colunas acima, é imediato que 𝑆𝑛 = 𝑛 2 (𝑛 + 1 ), visto 𝑛(𝑛 + 1 ) ser igual ao dobro de 𝑆𝑛 – não importando se 𝑛 é par ou ímpar. Tal expressão pode ser demonstrada trivialmente por indução finita, todavia, o diagrama acima ajuda bastante na sua compreensão e obtenção. Gauss, de sua parte, teria escrito o seguinte: 1 + 2 + ⋯ + 100 = 1002.^101 = 5050. Abordagens com o uso de diagramas parecem não ser tão rigorosas quanto às de natureza puramente algébrica por se apoiarem em objetos da intuição geométrica, porém, para René Thom, tudo o que é rigoroso é insignificante (Granger, p. 68, 1988). Note que o rigor é algo relativo a uma época e tende a se modificar com a formalização dos resultados e axiomatização das teorias. Ora, os Elementos de Euclides poderiam ser considerados satisfatórios para os padrões de rigor de 300 a.C. Observe, também, que a descoberta matemática é, muitas vezes, feita de modo intuitivo, através de analogias, diagramas e de manipulação simbólica. Tomando emprestadas as palavras do brilhante^6 físico-matemático Oliver Heaviside, Nós trabalhamos por instinto, não segundo regras rigorosas (^6) Indicamos também um belo texto de Poincaré sobre a descoberta matemática (pp. 294-304, 1963).

28 | O símbolo e a realidade (Granger, p. 114, 2002). Ainda com relação ao rigor, não podemos confundir o rigor exigido em uma demonstração ou exposição de um conteúdo com a maneira pela qual um cientista chega a uma descoberta. É bem plausível que Thom não esteja se referindo ao modo que os matemáticos justificam as suas teorias, mas como as criam. Finalmente, na mesma direção, porém, no contexto da inteligência artificial, Turing (p. 123, 1947) nos diz: “(...) se esperamos que uma máquina seja infalível, não poderá ser também inteligente. Existem vários teoremas que exprimem quase exatamente isso. Mas estes teoremas nada dizem sobre o grau de inteligência revelado se uma máquina não tiver pretensões de infalibilidade”. Bem, se os matemáticos trabalhassem como máquinas infalíveis, é certo que não passariam pelo crivo dos teoremas citados por Turing (como os da incompletude de Gödel).