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Teoria da Dependência e Teoria do Sistema Mundo: Fernand Braudel, Sombart e Outros, Notas de estudo de Economia

A relação entre a teoria da dependência e a teoria do sistema mundo, destacando as contribuições de fernand braudel, sombart e outros teóricos. Ele discute a importância de construir um modelo teórico para analisar a realidade econômica, social e política, onde o fenômeno da economia mundial esteja presente. Além disso, ele aborda a necessidade de uma sociologia econômica que realiza 'uma teoria das instituições econômicas dentro da teoria econômica'. O documento também discute as diferentes direções das ciências sociais em relação a uma teoria do sistema econômico mundial e o desafio que essas teorias enfrentaram com a experiência histórica, social, econômica e política dos países que foram objeto da expansão do sistema capitalista mundial.

O que você vai aprender

  • Como as diferentes direções das ciências sociais se relacionam com a Teoria do Sistema Econômico Mundial?
  • Como as teorias neoclássicas foram desafiadas pelas teorias de dependência?
  • Qual é a contribuição de Fernand Braudel para a Teoria do Sistema Mundo?
  • Qual é a importância de uma sociologia econômica dentro da teoria econômica?
  • Quais são as ideias de Sombart sobre a economia mundial?

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Romar_88
Romar_88 🇧🇷

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A T E O R I A D A D E P E N D E N C I A E

A D E S C O B E R T A D O S I S T E M A

M U N D O.

Theotonio Dos Santos

Para situar corretamente a relação entre a teoria da dependencia e a teoria do sistema mundo devemos destacar em primeira lugar a obra de Fernand Braudel que vai se projetar nas décadas de 60 e 70 como um dos principais teóricos do sistema econômico mundial, com o seu livro Civilização Material - Economia e Capitalismo. Essa tradição pode ser colocada como independente do marxismo, às vezes até crítica dele, mas construída em grande parte no debate com ele, na relação com ele e com suas distintas formas: a crítica ao sectarismo em geral, envolvendo os críticos do stalinismo, crítica feita por trotskistas, luxemburguistas, etc., e as críticas ao marxismo no seu conjunto. Este quadro reafirma a idéia de que é preciso construir um modelo de análise teórica da realidade econômica, social e política, em que o fenômeno da economia mundial esteja presente e seja mesmo um antecedente dialético da idéia de economias nacionais. No mundo anglo-saxão, encontramos também uma corrente de pensamento chamada institucionalista, ou seja, economistas que davam especial importância ao papel das instituições na formação e no funcionamento dos fenômenos econômicos. Nesta corrente, há realmente uma tradição teórica que devemos considerar como antecedente importante de uma visão alternativa ao esquema restrito da economia neoclássica a que fizemos referência em vários trabalhos anteriores (1). Hobson, por exemplo, se dedicou ao estudo do imperialismo como uma manifestação política e econômica do desenvolvimento do capitalismo no fim do século XIX. Seus estudos sobre monopólio são também de extremo interesse para a compreensão dos sistemas econômicos contemporâneos, particularmente o sistema capitalista. Thorton Veblen desenvolveu a problemática do monopólio e buscou compreender a evolução oligárquica da burguesia no seu estudo sobre as classes ociosas. Faz-se necessário também um destaque especial à obra de Schumpeter. Ele se formou intelectualmente no contexto teórico do império austro-húngaro, onde o marxismo como ciência e como movimento político seguiu um caminho muito especial que deu origem ao austro- marxismo. O austro-marxismo incluiria autores como Hilferding, que vai seguir um caminho de análise própria depois de sua grande obra, Capital Financeiro, para chegar à teoria do capitalismo orgânico, capaz de superar as crises. A influência da obra de Kautski também vai conduzir a uma visão do imperialismo. Ele imaginava uma economia mundial única em torno de um sistema empresarial unificado onde as contradições interburguesas desapareceriam (ou pelo menos seriam amortizadas) podendo-se, portanto, pensar a formação, ainda dentro do capitalismo, de um sistema planetário. Esta tese foi extremamente combatida por Lenin e por Bukarin, e perdeu sua força quando as duas grandes guerras mundiais deste século mostraram que as lutas intercapitalistas ainda eram um elemento fundamental no funcionamento da economia mundial.

problema. Todos os outros materiais e métodos, estatísticos ou teóricos, são somente subservientes a elas e mais do que inúteis sem elas" (1939, p. 13, apud 1991, p. 56).

Desta forma Schumpeter dá continuidade a uma tradição teórica que resgata com grande seriedade a visão do capitalismo como fenômeno internacional, o seu caráter cíclico e a sua relação com o novo sistema emergente, o socialismo, ademais de integrar também alguns elementos essenciais para a compreensão do capitalismo como um sistema que se desenolve no contexto de um sistema colonial e neocolonial.

Se somarmos todas estas contribuições poderíamos afirmar que, na década de 60, várias direções das ciências sociais apontavam para uma teoria do sistema econômico mundial nos países centrais. Mas o nosso balanço não estaria completo se não assinalássemos que a teoria econômica desenvolvida nos países centrais começava a receber o desafio de uma teoria econômica que absorvia a experiência histórica, social, econômica e política dos países que tinham sido objeto da expansão do sistema capitalismo mundial. Podemos dizer que vai se formar, paralelamente a essas tradições já assinaladas, uma outra que conduziu ao conceito de centro e periferia, do intercâmbio desigual e à teoria de dependência. Estes enfoques trouxeram uma forte energia renovadora para o pensamento econômico e provocaram uma questionamento muito mais profundo do que o de uma simples ampliação temática.

São muitos os testemunhos neste sentido. Referindo-se à teoria da dependência, cujas raízes ele situa na teoria do desenvolvimento elaborada pela CEPAL e no neomarxismo, Björn Hettne (1982), que se tornou um dos mais autorizados historiadores da teoria do desenvolvimento, afirma que a teoria da dependência pode ser vista como um novo paradigma. "Desde que esta perspectiva geral seja aceita, muitos dos enfoques nas ciências sociais, tais como os modelos de crescimento, variáveis padrão e modernização política perdem drasticamente relevância." Em comparação com o endogenismo do paradigma da modernização, o enfoque global no contexto mundial da dependência aparecem mesmo como antíteses. "Ela pode ser vista, pois, como um novo ponto de partida mas do que uma nova teoria." Depois de identificar a Fernado Henrique Cardoso como mais próximo do marxismo clássico, Hettne afirma: "Por outro lado, Frank, Dos Santos e Marini fazem uma séria tentativa de construir uma tradição teórica mais independente." Enquanto Sunkel, Paz e Pinto são apresentados como seguidores da tradição da CEPAL.

Feito isto, Hettne afirma muito taxativamente:

"Estas idéias, que emergiram tão claramente da realidade empírica latino- americana, constituem o mais formidável desafio que os conceitos Eurocêntricos e as teorias do desenvolvimento jamais enfrentaram, e foram recebidas com entusiasmo pelos círculos intelectuais do Terceiro Mundo. Elas tiveram também um forte impacto em acadêmicos ocidentais que trabalham neste campo (notadamente André Gunder Frank) e, logo após serem reformuladas, começaram a conquistar a comunidade acadêmica ocidental dos 60s para diante."

Esta análise de Hettne é confirmada por testemunhos em várias regiões do mundo. Gostaria de citar somente a percepção de um coreano do sul (So, 1990), como exemplo situado num contexto totalmente diferente:

"Assim como pode-se dizer que a escola da modernização examina o desenvolvimento do ponto de vista dos Estados Unidos e outros países ocidentais, pode-se dizer que a escola da depndência vê o desenolvimento de uma perspectiva do Terceiro Mundo (...) A escola da dependência recebeu uma recepção calorosa nos Estados Unidos no fim dos anos 60 porque ela ressoou nos sentimentos de uma nova geração de jovens pesquisadores radicais que cresceram durante as revoltas dos campi, os protestos contra a guerra, as atividades de libertação feminina e as rebeliões nos guetos deste período."(2)

Por fim, gostaria de evocar o autorizado testemunho de Celso Furtado (1991) sobre sua percepção desta realidade no Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade de Princeton, um dos esteios da visão conservadora nos campi americanos. Ele caracteriza assim esta confrontação radical:

"Mas a verdade é que ninguém se atrevia a afastar-se do paradigma dominante, temendo uma invitável desqualificação acadêmica. Até então não me apercebera do verdadeiro terrorismo que exerce na economia a escola do pensamento dominante. Trabalhar fora do paradigma do equilíbrio geral era autodesqualificar-se. Aqueles que tentavam recuperar o conceito clássico de excedente deviam aceitar a etiqueta de marxista, com as implicações que isto trazia, porquanto o marxismo não era tido como uma forma de conhecimento científico. (...) Quando eu dizia que a

importação dessas tecnologias, para a qual se estabeleciam fortes bloqueios dentro do comércio mundial.

A obra de Prebisch, no princípio, estava orientada para a busca de mecanismos de desenvolvimento econômico que reduzissem ou destruíssem esses obstáculos para que se pudesse absorver os frutos do progresso técnico nos países subdesenvolvidos. Porém, a evolução da América Latina na década de 50 e 60 vai mostrar a Prebisch a necessidade de uma atuação mais ampla, da criação de instrumentos de defesa dos preços dos produtos primários dos quais dependiam os países exportadores. Esta constatação o conduz à formulação da proposta da UNCTAD, fundada em 1964, onde ele ocupará a posição de secretário-geral.

Contudo, a experiência da UNCTAD não se mostra suficiente para alterar a relação entre os países dependentes ou periféricos e os países centrais, mesmo quando o mecanismo de cartel foi aplicado com certo êxito ao caso do petróleo na década de 70. Há uma perda dos grandes excedentes financeiros gerados pelo aumento do preço do petróleo, através da reciclagem dos petrodólares, manejada pelos grandes bancos internacionais. A pletora de recursos financeiros disponíveis levou ao endividamento dos países não petroleiros e muitas vezes também aos países petroleiros convencidos a meterem-se em mirabolantes planos de investimento para aproveitar o dinheiro fácil. O resultado já se podia ver no fim da década de

  1. Em certas regiões como a América Latina uma industrialização concentradora e excluente acentuou as dificuldades da região, levando à dramática crise do endividamento externo na década de 80. Prebisch já antevia toda esta evolução.

Esta realidade havia levado ao surgimento da teoria da dependência e à crítica ao esquema original da Cepal. Ela tinha em conta o horizonte político da Revolução Cubana que conseguira resolver uma série de problemas sociais da região, que outros países com grande avanços industriais não conseguiam fazer. Tudo isso afeta ao já idoso Prebisch e o conduz a uma reflexão muito profunda sobre toda essa realidade, que se manifesta através de seus artigos na revista da Cepal. O produto dessa reflexão será o seu livro Capitalismo Periférico - Crise e Transformação, publicado pela editora mexicana Fundo de Cultura Econômica em 1981, no qual vai assumir uma posição crítica do sistema capitalista periférico. Ele inicia este livro com a seguinte afirmação:

"Depois de uma longa observação dos fatos e muita reflexão, convenci-me de que as grandes falhas do desenvolvimento latino-americano carecem de solução dentro do sistema prevalecente. É necessário transformá-lo."

E continua:

"Muito sérias são as contradições que nele se apresentam. Prosperidade e às vezes opulência num extremo, persistente pobreza no outro. É um sistema excluente."

Depois de constatar que, apesar das elevadas taxas de crescimento, apesar de romper o limite da exportação dos produtos agrícolas e mineiros e iniciar inclusive a exportação de produtos industriais, apesar de um certo grau de avanço tecnológico, especialmente na agricultura tradicional, mas inclusive em tecnologias mais sofisticadas, apesar de tudo isso, ele conclui:

"Mas o desenvolvimento se extraviou do ponto de vista social, e grande parte dessas energias vitais do sistema se malogram para o bem-estar coletivo. Tratam-se de falhas do capitalismo imitativo e se está desvanecendo o mito de que poderíamos desenvolver-nos à imagem e semelhança dos centros, e também o mito da expansão econômica do capitalismo na órbita planetária. O capitalismo desenvolvido é essencialmente centrípedo, absorvente e dominante, expande-se para aproveitar-se da periferia, mas não para desenvolvê-la. Muito séria contradição do sistema mundial."

Assim, Prebisch chega a uma postura extremamente crítica a respeito do sistema econômico mundial e das expectativas da sua evolução passando para a perspectiva de uma proposta alternativa e crítica, que se expressa mais claramente na sua crítica às teorias neoclássicas das quais partiu, nas quais se formou e com as quais tentou enfrentar os problemas do desenvolvimento econômico.Ele afirma, depois:

"Essas contradições mal poderiam ser explicadas acudindo às teorias neoclássicas. Ignora-se as teorias da estrutura social e a diversidade de elementos que se conjugam no desenvolvimento, ademais dos econômicos. Persuadi-me da impossibilidade de explicar o desenvolvimento e, portanto, a distribuição da renda no marco de uma mera teoria econômica."

E continua ele:

sistema econômico mundial, basicamente dentro da imagem das relações entre centro e periferia.

Porém, as fontes mais diretas para a conceepção desse sistema mundial estão no esforço realizado pela teoria da dependência, na segunda metade da década de 60, que segue um caminho de crítica às concepções do desenvolvimento econômico como um processo de transformação de economias pré-capitalistas em economias capitalistas, com sistemas de democracia parlamentar ou democracia representativa e relações sociais de tipo racional adequadas ao comportamento econômico capitalista. Tal era o paradigma da teoria da modernização que influenciava fortemente o pensamento sobre o desenvolvimento.

Esta visão era o resultado normal de um enfoque que via a formação histórica do capitalismo como um sistema econômico e social superior, que dava origem a uma civilização superior. Era difícil ocultar esta filosofia da história que tem sua origem no iluminismo servindo de marco de referência a conceitos que se apresentavam como a-históricos e a-valorativos. O desenvolvimento era o mecanismo pelo qual se incorporava a esse processo civilizatório o conjunto da humanidade. Nisto se resumia o modelo difusionista que partia de um modelo ideal da modernidade para estudar em seguida sua difusão a nível mundial. Esta visão era comum a autores como Max Weber, Durkheim e, de certa forma, ao próprio Marx. Entre este modelos se salientava o econômico em todas as escolas de pensamento. Todos estes pensadores viam no comportamento liberal a forma mais racional de lograr o equilíbrio, a eficácia e o funcionamento adequado dos fatores econômicos, capaz de realizar a assignação racional dos recursos naturais e humanos a nível nacional e mundial através do papel regulador das vantagens comparativas.

Esta visão orientou em grande parte o debate sobre a teoria do desenvolvimento no pós- guerra, quando se entendia por desenvolvimento o processo de transformação de economias pré- capitalistas em economias capitalistas. O pensamento de Prebisch e dos demais pensadores da CEPAL estava inscrito neste marco, na sua fase inicial entre os anos 50 e 60, quando o objetivo central era romper os obstáculos nacionais e internacionais que inviabilizavam o desenvolvimento econômico, inviabilizando, portanto, a passagem para uma economia capitalista, "para a captação dos frutos do progresso tecnológico", como ele e outros autores nesse período colocavam.

O elemento radicalmente novo que a teoria da dependência vai trazer é o de mostrar que esta idéia de refazer o caminho do desenvolvimento econômico que havia sido realizado pelas nações européias, pelos EUA e pelo Japão era impossível de ser repetidoporque a

conformação do subdesenvolvimento nas economias latino-americanas e, da mesma forma, na Ásia e na África, não era simplesmente um resultado de conservação de economias pré- capitalistas, mas sim um resultado da forma como essas economias foram integradas na economia mundial.

Claro que todos sabíamos que ninguém poderia explicar a história da África moderna sem a escravidão e sem o impacto da escravidão sobre sua estruturas econômico-sociais. Claro que todos sabemos que não poderíamos explicar a história da América Latina sem o impacto dos chamados descobrimentos marítimos, sem a introdução de economias exportadoras nestas novas regiões, objeto de uma conquista avassaladora, sem a criação de um sistema de exploração mineira, extrativa e agrícola cujo principal objetivo era a exportação para a Europa. Não devemos nos esquecer também que a superioridade tecnológica na navegação e nas técnicas do comércio longínquo permitiu a Portugal (e depois à Inglaterra) controlar o comércio de ouro e outros produtos entre a China e o Japão e outros comércios locais. Claro que não é possível compreender a evolução recente da Ásia sem pensar no fenômeno colonial inglês que se impôs sobre a Índia, destruindo toda a sua estrutura manufatureira tradicional. Claro que não podemos compreender a história da China moderna sem considerar as tentativas de dominação econômica da China, seja pelo Ocidente, seja pelo Japão, quando ela emerge do seu faustoso passado pré-capitalista através das reformas democráticas e da instalção da república.

Enfim, este conjunto imenso de países que formam o que se chamou de Terceiro Mundo, numa alusão significativa ao Terceiro Estado da França pré-revolucionária, não podia ser compreendido simplesmente como economias pré-capitalistas a se integrarem no mundo desenvolvido. De fato, a sua conformação atual, começou a desenhar-se a partir do século XVI, quando as mais diversificadas economias locais se enfrentaram com a expansão do capitalismo na economia mundial, e criaram-se, numa boa parte desses países, economias exportadoras voltadas para atender o consumo da economia européia. Estas novas economias tinham seu comportamento determinado por esta nova demanda internacional. Em conseqüência elas tendiam de um lado a destruir, e de outro a preservar as antigas economias de auto-suficiência, tribais, familiares ou comunitárias que antes predominavam em todo o mundo. Se é verdade que o capitalismo não logrou substituir imediatamente essas economias locais ou regionais ele rompeu desde então sua virgindade e fê-las ingressar na lógica do mercado mundial.

Era preciso tirar as conseqüências teóricas desses conhecimentos históricos que estavam pessimamente tratados pela forte influência da visão modernizadora, da idéia simplesmente da ação do processo civilizatório gerado no ocidente europeu e norte-americano sobre esses países. A obra de Andre Gunder Frank vai representar um papel extremamente positivo na crítica a esta

capitalistas coloniais. Ele as via, já nesta época, como parte desse sistema capitalista mundial que ele descreverá posteriormente como se formando no século XVI. Posteriormente, ele levará muito mais atrás as origens do sistema mudial, como veremos. O resíduo que ficou disso tudo é a afirmação de que não houve um regime feudal na região e de que era preciso analisá-la de acordo com as especificidades históricas que colocavam o regime colonial dentro da expansão do capitalismo comercial, visto sobretudo como um regime exportador de excedentes.

Uma terceira contribuição de Frank foi a afirmação da necessidade de repensar a história econômica mundial como a história da expansão do capitalismo mundial na qual se inserta a formação das economias dependentes. Este tipo de enfoque fazia já parte da tradição dos historiadores da América Latina. Ela se mostrava sobretudo nos estudos que associavam a formação colonial latino-americana à expansão do capitalismo mercantil europeu e à formação de uma economia capitalista mercantil a nível mundial.

A contribuição de Frank foi extremamente debatida e causou um frenesi. Ela foi também um dos antecedentes de um esforço teórico que se desenvolveu paralelamente, muitas vezes em contato com ele. Este é o caso do esforço teórico de Fernando Henrique Cardoso, que ensaiava a elaboração de uma tipologia da dependência na sua gestão no ILPES (órgão de estudos econômico-sociais dependente da CEPAL), no grupo de leitura de O Capital, que ele animava junto comigo e outros em Santiago do Chile. Também no CESO criei a equipe de pesquisa sobre dependência cujos trabalhos consolidaram uma tendência que com Rui Mauro Marini e Vania Bambirra vai ser caracterizado como a ala mais radical da chamada escola da teoria da dependência.

Buscávamos compreender a evolução do capitalismo dependente no contexto de uma economia mundial, mostrando que as mudanças que ocorriam na formação de uma nova dependência na América Latina estavam ligadas às mudanças que ocorriam no centro do sistema, particularmente nos Estados Unidos. Chamávamos a atenção, em primeiro lugar, para a formação de uma economia capitalista integrada a nível mundial. Esta tese tinha antecedentes importantes que vinham desde os debates dos anos 20 na Alemanha com a obra do grupo da política operária que produziu, depois da Segunda Guerra Mundial, esta interpretação de uma integração do sistema capitalista mundial. Esta visão reaparece agora na América Latina em torno dos trabalhos de Silvio Frondizi sobre a formação de um sistema capitalista integrado a nível mundial no fim da década de 50, e em torno do nosso grupo que recuperava a obra de Bukarin, além das obras de Lenin, Hilferding e Rosa de Luxemburgo. Procurávamos repensar essa economia mundial de pós-guerra como uma economia integrada, em parte, diante do aparecimento de um campo socialista, que reforçava a tendência a integração dentro do campo

capitalista. Mas víamos a economia mundial como uma economia capitalista, sob a hegemonia norte-americana e entendíamos a limitação intrínseca do "socialismo numa só região" que exigia compreender o campo socialista como parte dessa economia mundial capitalista, que determinava suas características essenciais.

Foi sob esta orientação que realizei os meus estudos sobre a nova dependência e o processo de industrialização baseado no capital estrangeiro, que gerava uma nova fase da dependência econômica na qual o investimento externo se voltava, na América Latina, para o setor industrial dirigido inicialmente para o mercado interno. Mas chamávamos a atenção para a tendência deste mercado a manter-se reduzido como conseqüência da ausência de reformas essenciais à criação dos mercados modernos como a reforma agrária. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento industrial se fazia na fase do monopólio capitalista mundial integrado, sob a forma das empresas multinacionais. Esta economia industrial surgia, assim, em mercados altamente monopolizados, concentrados e centralizados com implicações dramáticas sobre a distribuição da renda. Tudo isto levava a estabelecer sérios limites à expansão destes mercados. Daí se derivava a necessidade desse sistema mundial, cujas células eram as corporações multinacionais, a buscar de maneira inevitável uma saída pela via da exportação de produtos industriais para os seus próprios mercados centrais. Esta política encontrava-se com duas tendências nos paises centrais: a busca de um espaço social e de meio ambiente de mais alta qualidade de vida, no qual a produção industrial aparece como o vestígio de um passado já superado pela nova civilização do conhecimento e da informação; de outro lado, o interesse dos capitalistas em utilizar a mão-de-obra barata disponível em escala mundial para elevar sua taxa média de lucro muito comprometida pelo aumento salarial e do nível de vida das populações assalariadas dos países desenvolvidos centrais.

Criavam-se, assim, as condições para uma nova divisão internacional do trabalho, que se articulava com as tendências da evolução do desenvolvimento científico e tecnológico em escala mundial. No final da década de 60 anunciávamos esta evolução no sentido de especificar nos meus estudos sobre o novo caráter da dependência (1967, 1969, 1971) a emergência das novas economia industriais dependentes; nos trabalhos de Marini sobre o surgimento do capital financeiro nestas potências médias, do subimperialismo e da sobre-exploração (1967), na formulação da tipologia dos países latino-americanos, em função dos modelos de industrialização e de reprodução dependente realizada por Vania Bambirra (1970); nos estudos sobre o papel hegemônico do movimento de capitais para a explicação das relações de dependência, em Caputo e Pizarro (1970); na acentuação do papel hegemônico das agro- indústrias na reorganização da economia agrícola das economias dependentes, nos trabalhos de Arroyo e Lajo.

bloqueava definitivamente as ambições tanto do capitalismo nacional como das forças proletárias emergentes com o desenvolvimento do setor industrial, que passavam a liderar uma proposta de crescimento econômico e desenvolvimento econômico cada vez mais incompatível com essa forma de integração dependente dessas economias na economia mundial.

Era neste contexto que anunciávamos o dilema entre fascismo e socialismo como um marco histórico na evolução política da América Latina, tese que se confirmou pelos golpes de Estado na Bolívia, no Uruguai, no Chile e na Argentina, todos eles de conteúdo fascista, o que vai se definindo a cada novo golpe. Ao mesmo tempo, em 1968, radicalizava-se o golpe de Estado brasileiro que assumiu também um conteúdo fascista bem marcado até 1973. Mas, como mostrávamos, esse fascismo tinha uma limitação intrínseca: o conteúdo anti-nacional do modelo econômica que ele era chamado a viabilizar entrava em contradição com as forças pequeno-burguesas que o sustentavam políticamente ao lado da estrutura tecnocrática e burocrática tanto militar como civil, que era a mediadora principal desse processo de instauração de um regime de força e de terror sobre as populações e os setores político nacional- democráticos e socializantes.

Formava-se, então, a tríade entre o setor do capital internacional e seus representantes nacionais, o capital estatal e seus representantes na burocracia e na tecnocracia, e as forças populares que postulavam um tipo de crescimento diferente, num processo contínuo de relação com essas duas outras grandes forças, mas propondo alianças. Porém, estas forças populares viam-se cada vez mais órfãs de qualquer apoio de outros setores sociais e, portanto, cada vez mais, obrigadas a formular um projeto próprio, um projeto dessas forças populares e essencialmente, portanto, um projeto socialista.

Essa análise, que influenciou muitos autores, foi confirmada pela evolução histórica da região e mostrava, mais uma vez, que a compreensão dessas realidades nacionais passava pela compreensão da evolução do sistema econômico mundial. Isso foi o que nos levou à análise desse sistema econômico mundial, do papel das empresas multinacionais nesse sistema e do caráter de integração econômica mundial que ele assumia, além das contradições inter- imperialistas crescentes que se desenvolviam no interior desse processo de integração. Retomávamos a teoria das ondas longas para explicar esta tendencia à integração nas fases de crescimento e desintegração nas fases dedecrescimento dos ciclos longos. Isto indicava, portanto, que as confrontações interimperialistas deveriam crescer nas décadas de 70 e 80.

Esses elementos foram a base do meu livro La Crisis Norte Americana y América Latina, que juntamente com Imperialismo y Corporaciones Multinacionales e Dependência e

Mudança Social na América Latina, servirão de base para a redação do livro Imperialismo y Dependencia, publicado em 1978, que traz uma visão de conjunto dessas mudanças ocorridas entre 1969 e 1970. Também Frank avança nessa direção através do seu estudo da acumulação primitiva européia entre o século XVI e século XVIII. Em 1969, na reunião de Dakar, no Senegal, todo esse esforço vai se encontrar com a elaboração teórica de Samir Amin, que estava produzindo seu livro sobre a acumulação em escala mundial. Enquanto isso, Frank partia também para o estudo das ondas longas e a tentativa de compreensão da crise capitalista contemporânea, que ele vai desenvolver em toda década de 70 e 80, tanto nos países dominantes como nos países do Terceiro Mundo e nos países socialistas. Já Immanuel Wallerstein partia da análise da realidade africana, junto com Giovanni Arrigi e outros especialistas na região. Começava também a colocar a necessidade de uma revisão crítica da formação do capitalismo contemporâneo, esforçando-se na criação de uma obra de caráter monumental, que vem se desenvolvendo desde a década de 70 até nossos dias, sobre a constituição do moderno sistema mundo. Neste trabalho ele procurou compreender a formação desse sistema mundo, inspirando- se na obra de Fernand Braudel.

Vemos que a constituição de uma teoria do sistema econômico mundial vem de várias direções e vai encontrar, inegavelmente, na obra de Immannuel Wallerstein o seu momento mais elaborado. São muitos os testemunhos neste sentido. Andre Gunder Frank (1993) situa este momento em 1973 no Chile quando terminou, no CESO, seu estudo sobre a acumulação em escala mundial e a América Latina (1974), quando Samir Amin terminava seu livro sobre a acumulação em escala mundial (1974) e quando terminava de ler o manuscrito de Inmanuel Wallerstein (1974). Frank faz uma reflexão posteriormente na qual também me inclui nesta mesma perspectiva quando afirma que:"Dos Santos também disse que nós (do Terceiro Mundo) também tínhamos que estudar por nós mesmos todo o sistema e continuar a escrever sobre o imperialismo americano contemporâneo". Ele se refere ao meu livro sobre a crise norte- americana e América Latina (1971) onde retomei a análise das ondas longas.

É preciso situar neste momento também os livros de Mandel (1974) sobre O Capitalismo Tardio, o de Christian Palloix (1974) sobre O Capitalismo Mundial e as Corporações Multinacionais, o de Albert Michalet (1976) sobre a economia mundial. Creio, enfim, que amadurece neste momento uma consciência generalizada sobre a necessidade de mudar de enfoque. Consciência que vem junto com uma afirmação política do Terceiro Mundo no momento em que a OPEP se constitue e vai realizar o aumento do preço do petróleo.Várias iniciativas vão se desenvolver nas Nações Unidas (como a Carta de Direito dos Povos ) e no Movimento dos Não-Alinhados, além de processos revolucionários vitoriosos de grande dimensão como o chileno, o ascenso dos regimes populares nos países do bloco andino, o

'centro-periferia' e a 'troca desigual' associados com a obra de Immanuel Wallerstein, Samir Amin e A. Emmanuel."

Podíamos dar muitos outros exemplos deste consenso na recente história das idéias sociais mas seria muito repetitivo. De fato, meu trabalho se inscreve mais e mais nessa linha de interpretação que desejo discutir mais em detalhe através de uma análise da visão de Immanuel Wallerstein do sistema econômico mundial.

Bibliografia

1 – Adolfo Gurrieri, La obra de Prebisch en la CEPAL, Tomo I y II , El Trimestre Económico, México, 1982.

2 – Theotonio Dos Santos, World Economic System: On the Genesis of a Concept, Journal of World-System Research, VI,2, SUMMER/FALL, 2000, 456-477. Special Issue: Frstchrift for Immanuel Wallerstein – Part. I – II.

3 – Francisco López Segrera, Los Retos de la Globalización – Ensayos en homenaje a Theotonio Dos Santos, Tomo I y II, UNESCO – Caracas, 1998.

4 – Samir Amin, Pensée sociale critique pour le XXIe^ siècle, Forum du Tiers-Monde, L’ Harmattan, France, 2003.

5 – Sing C. Chew and Robert A. Denemark, Essays in Honor of Andre Gunder Frank – The Underdevelopment of Development, Part. II, SAGE Publications, Inc., USA, 1996.