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Testemunhos de Violência e Abuso na Guerra em Angola: Casos de UNITA, Provas de Direito

Este documento contém testemunhos de pessoas deslocadas internamente na guerra civil angolana sobre os abusos e violências cometidos pelos rebeldes da unita contra a população civil. Os testemunhos descrevem assassinatos, mutilações, violações, trabalhos forçados, tortura e pilhagem. Além disso, descrevem como as forças armadas angolanas também cometeram abusos contra os deslocados internos.

O que você vai aprender

  • Quais abusos foram cometidos pelas forças armadas angolanas contra os deslocados internos?
  • Como os rebeldes da UNITA tratavam as mulheres e crianças capturadas?

Tipologia: Provas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Adriana_10 🇧🇷

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Anexo: Testemunhos de Deslocados, 2000 e 2001
Os Abusos da UNITA
Durante os últimos anos da guerra, os rebeldes da UNITA exerceram um controlo
rigoroso sobre a população civil, recorrendo a actos de violência e de terror, incluindo
assassínios, mutilações, violações, uso de minas antipessoais, rapto de civis para fins de
combate e trabalhos forçados, tortura e pilhagem.
Em Outubro de 1999, as FAA [as Forças Armadas Angolanas, exército do
governo] passaram pela nossa aldeia a caminho do Bailundo, no Bié. Como
a UNITA não queria que as pessoas passassem para o lado do governo,
levaram-nos para a mata, onde vivemos com eles durante oito meses, até
Maio de 2000. As populações de muitas aldeias foram também levadas para
a mata para aí viverem com os soldados da UNITA. As pessoas foram
divididas em grupos de dez ou quinze e construíram cabanas de cana a cerca
de cinco quilómetros da nossa aldeia. Não podíamos ter aí lavras nossas e
éramos obrigados a voltar aos nossos campos para buscar comida...
Vivíamos todos juntos com os soldados da UNITA, dando-lhes comida e
trabalhando para eles nas suas lavras e transportando coisas1.
Não havia lugar para ficar na mata. Estávamos sempre em movimento. Às
vezes, parávamos um dia. Outras vezes, dois dias. Por vezes, caminhávamos
o dia inteiro… Enquanto estávamos na mata, o meu filho, de dois meses,
teve problemas respiratórios durante vários dias e acabou por morrer2.
Cheguei a Cangandala em 5 de Novembro [de 2000]…. Somos de uma
aldeia chamada Zonga e tivemos que deixar a nossa terra porque a UNITA
apareceu duas vezes nos últimos meses... Durante estas incursões, os mais
jovens fugiram para a mata, enquanto os mais idosos e as crianças ficaram
na aldeia. Na sua última visita à aldeia, a UNITA espancou e matou várias
pessoas dizendo: "Vocês apoiaram-os [tropas do governo], mas agora estão
aqui sozinhos e vão pagar pelo que fizeram3."
Só agora conseguimos vir para aqui [para Malanje] porque a UNITA não
deixava ninguém sair daquela área. Instalaram postos de controlo e minas. A
minha irmã foi morta há algum tempo por uma mina4.
1 Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte);
deslocado interno com quatro filhos de Cuanza Sul, Novembro de 2000.
2 Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte); mulher
deslocada de trinta e oito anos de Cuanza Sul, Janeiro de 2001.
3 Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte); homem
deslocado em Malanje, Novembro de 2000.
4 Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte),
Novembro de 2000.
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Anexo: Testemunhos de Deslocados, 2000 e 2001

Os Abusos da UNITA

Durante os últimos anos da guerra, os rebeldes da UNITA exerceram um controlo rigoroso sobre a população civil, recorrendo a actos de violência e de terror, incluindo assassínios, mutilações, violações, uso de minas antipessoais, rapto de civis para fins de combate e trabalhos forçados, tortura e pilhagem.

Em Outubro de 1999, as FAA [as Forças Armadas Angolanas, exército do governo] passaram pela nossa aldeia a caminho do Bailundo, no Bié. Como a UNITA não queria que as pessoas passassem para o lado do governo, levaram- nos para a mata, onde vivemos com eles durante oito meses, até Maio de 2000. As populações de muitas aldeias foram também levadas para a mata para aí viverem com os soldados da UNITA. As pessoas foram divididas em grupos de dez ou quinze e construíram cabanas de cana a cerca de cinco quilómetros da nossa aldeia. Não podíamos ter aí lavras nossas e éramos obrigados a voltar aos nossos campos para buscar comida... Vivíamos todos juntos com os soldados da UNITA, dando- lhes comida e trabalhando para eles nas suas lavras e transportando coisas^1.

Não havia lugar para ficar na mata. Estávamos sempre em movimento. Às vezes, parávamos um dia. Outras vezes, dois dias. Por vezes, caminhávamos o dia inteiro… Enquanto estávamos na mata, o meu filho, de dois meses, teve problemas respiratórios durante vários dias e acabou por morrer^2.

Cheguei a Cangandala em 5 de Novembro [de 2000]…. Somos de uma aldeia chamada Zonga e tivemos que deixar a nossa terra porque a UNITA apareceu duas vezes nos últimos meses... Durante estas incursões, os mais jovens fugiram para a mata, enquanto os mais idosos e as crianças ficaram na aldeia. Na sua última visita à aldeia, a UNITA espancou e matou várias pessoas dizendo: "Vocês apoiaram-os [tropas do governo], mas agora estão aqui sozinhos e vão pagar pelo que fizeram^3 ."

Só agora conseguimos vir para aqui [para Malanje] porque a UNITA não deixava ninguém sair daquela área. Instalaram postos de controlo e minas. A minha irmã foi morta há algum tempo por uma mina^4.

(^1) Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte); deslocado interno com quatro filhos de Cuanza Sul, Novembro de 2000. (^2) Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte); mulher

deslocada de trinta e oito anos de Cuanza Sul, Janeiro de 2001. 3 Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte); homem deslocado em Malanje, Novembro de 2000. (^4) Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte), Novembro de 2000.

Quando perderam Andulo, avisaram- nos de que, se o governo tomasse Belo Horizonte, ninguém poderia ir para a cidade e aqueles que optassem por ficar do lado do governo não poderiam voltar para os seus campos. Porém, até isto me acontecer a mim, ninguém acreditava realmente que eles fossem tão longe... Amarraram- me os pés, os joelhos e também os pulsos. Depois, fizeram- me ajoelhar e colocaram- me as mãos no tronco de uma árvore que estava no solo. Soltaram- me as mãos e um soldado atingiu- me cinco vezes com uma catana no braço direito, que caiu no chão ... Então, ordenaram que me levantasse e o mesmo soldado cortou- me a orelha direita e atirou-a para o chão... Depois, disseram que me fosse embora e mostrasse o que me tinha acontecido aos outros que estavam em Belo Horizonte^5.

Quando estávamos na prisão [no município de Catabola, depois de ter sido tomada pela UNITA], as mulheres estavam autorizadas a levar- nos comida uma vez por dia. Mais tarde, contaram- nos que tinham sido violadas pelos soldados da UNITA enquanto estávamos na prisão^6.

Em Dumba Quicala [onde vivia com a minha família depois de ter fugido da nossa aldeia], os homens da UNITA reuniam as mulheres, levavam- nas para uma casa e forçavam- nas a desempenharem o papel de "namoradas". Aquelas que recusavam eram mortas... Era indiferente que já fossem casadas ou mesmos idosas. Fizeram isso comigo uma vez. É verdade, violaram- me^7.

A UNITA chegava e levava os rapazes e as raparigas… As raparigas serviam para tomar conta dos bebés da UNITA, ir buscar água e cozinhar para eles. Os rapazes serviam para apanhar lenha e transportar os mantimentos e as armas da UNITA e eram treinados para se tornarem soldados da UNITA^8.

As FAA ocuparam Cambundi Catembo em Nove mbro de 1999. Nessa altura, a UNITA atacou e incendiou doze bairros... A UNITA disse que tinha incendiado a aldeia porque as pessoas tinham informado as FAA das suas posições. Eles [a UNITA] têm uma base em Maxito e costumavam apoderar- se de alimentos e pessoas para servir os seus fins. Assassinaram o soba Kakunga e raptaram crianças^9.

(^5) Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte);

deslocado interno do município de Cunhinga, Província do Bié, Maio de 2000. (^6) Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte);

deslocado interno da comuna de Chipaeta, Catabola, Bié, Maio de 2000. (^7) Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte); mulher

deslocada com dois filhos de Malanje, Novembro de 2000. (^8) Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte);

pequeno grupo de recém-chegados a Malanje, Novemb ro de 2000. (^9) Entrevista da Human Rights Watch a deslocados internos em Cambondo, Malanje, Angola, Maio de 2001.

apenas agricultores que viviam do lado da UNITA porque não tinham escolha. Estes homens nada sabiam sobre a UNITA, mas, mesmo assim, as FAA mataram-os a todos. Algumas pessoas desta aldeia queriam ir com os homens das FAA, mas, quando eles chegaram, estas pessoas fugiram para a mata com medo de serem também mortas^15.

Quando o exército chega, os idosos, as raparigas e as crianças são levados para o município, [os rapazes ficam] porque é difícil controlar as áreas circundantes e eles precisam de informadores. Há dois anos, em Cuimba, na província do Zaire, os deslocados internos foram levados à força para o centro depois de terem sido espancados e de as mulheres terem sido violadas, nomeadamente a esposa de um catequista^16.

Na semana passada [Maio de 2001], um grupo de homens armados, com uniformes das FAA, apareceram no nosso bair ro e obrigaram- nos a retirar o tecto de zinco das nossas casas e a transportá- lo, juntamente com as camas e outros objectos da casa, para Malanje. Se não lhes obedecêssemos, batiam- nos. Demorámos quatro dias a chegar a Malanje. Então, disseram- nos para deixar as coisas perto do mercado^17.

Em Setembro de 2000, três soldados e um sargento, fardados e armados, chegaram ao campo e exigiram-nos [ao vice-coordenador do campo e a um professor] alimentos e outros objectos. Amarraram- nos as mãos e bateram- nos repetidas vezes. Não lhes demos o que queriam e, mais tarde, apresentámos queixa ao seu comandante. Por fim, estes militares foram transferidos para outra área e nunca mais voltaram aqui^18.

Estas histórias repetem-se em muitos outros relatos. Em Fevereiro de 2001, entre as comunas do Lago Dilolo e Luacano, um grupo de vários soldados e um sargento mandou parar um deslocado acompanhado da filha com a intenção de a violar. O homem tentou impedi- los, mas foi alvejado na perna. Depois de ter sido transportado para o hospital de Luena, acabou por morrer em Maio de 2001^19. A sua filha foi várias vezes violada. Os recém-chegados de Mussende relataram também casos de violações em Novembro de 2000 na área de Cangandala 20. Em Maio de 2001, um soldado entrou no campo de Cavango durante a noite, espancou e quase violou uma mulher e roubou-lhe a comida. Este não foi um caso isolado. Os soldados passeavam-se frequentemente pelos campos durante o dia

(^15) Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte);

deslocado interno do município de Kuvango, Província de Huila, Fevereiro de 2001. (^16) Entrevista da Human Rights Watch a um trabalhador de uma organização religiosa da Província do Zaire, Moxico, Angola, Maio de 2001. (^17) Testemunho de uma organização humanitária internacional (nome não divulgado a pedido da fonte);

pequeno grupo de recém-chegados a Malanje, Janeiro de 2001. 18 Entrevista da Human Rights Watch a deslocados internos, campo Sangondo II, Moxico, Angola, Maio de

(^19) Entrevista da Human Rights Watch a deslocados internos no campo Sangondo II, Angola, Maio de 2001. (^20) Entrevista da Human Rights Watch a deslocados internos em Catepa, Malanje, Angola, Maio de 2001.

com o objectivo de localizar mulheres solteiras e voltavam durante a noite para as violar^21. São frequentes os relatos de perseguições, ameaças, saques e pilhagens. Em 15 de Janeiro de 2001, onze catequistas católicos que se dirigiam para o Luena província do Moxico, vindos de Sautar, em Malanje, foram detidos num posto de controlo do exército, situado a cerca de oito quilómetros da cidade, e foi- lhes ordenado que entregassem todos os seus pertences porque, segundo os soldados, tinham contribuído para a UNITA^22. Em Fevereiro de 2001, na área de Catepa, em Malanje, grupos de soldados atacaram casas onde se albergavam deslocados internos, aterrorizando as pessoas e roubando-lhes os seus haveres^23. Em Malanje, a polícia tentava extorquir dinheiro a adolescentes. Aqueles que não pagavam os subornos foram apunhalados por graduados da polícia. Muitos deles foram hospitalizados^24.

(^21) Entrevista da Human Rights Watch a deslocados internos, Cavango, Moxico, Angola, Maio de 2001. (^22) Entrevista da Human Rights Watch a um líder religioso, Angola, Maio de 2001. (^23) Entrevista da Human Rights Watch a deslocados internos em Catepa, Malange, Angola, Maio de 2001. (^24) Entrevista da Human Rights Watch a um trabalhador de uma organização religiosa, Malanje, Angola, Maio de 2001.