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Guias e Dicas
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O papel ativo do espectador no cinema: Macbeth e A Tempestade de Shakespeare, Notas de estudo de Teatro

Este documento reflete sobre o papel ativo do espectador no cinema, comparando a construção de sentido em textos literários e imagens cinematográficas, através de análises de quatro adaptações de macbeth e a tempestade de william shakespeare: macbeth de orson wells, roman polanski, tempest de paul mazursky e prospero’s books de peter greenaway.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Maracana85
Maracana85 🇧🇷

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
CENTRO DE ESTUDOS GERAIS
INSTITUTO DE LETRAS
COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS
DOUTORADO EM LITERATURA COMPARADA
GLÓRIA ELENA PEREIRA NUNES
LEITURAS DE SHAKESPEARE: DA PALAVRA À IMAGEM
ORIENTADORA
Prof.a Dr.a MARIA ELIZABETH CHAVES DE MELLO
TESE DE DOUTORADO
NITERÓI – 2006.
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Baixe O papel ativo do espectador no cinema: Macbeth e A Tempestade de Shakespeare e outras Notas de estudo em PDF para Teatro, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

CENTRO DE ESTUDOS GERAIS

INSTITUTO DE LETRAS

COORDENAÇÃO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

DOUTORADO EM LITERATURA COMPARADA

GLÓRIA ELENA PEREIRA NUNES

LEITURAS DE SHAKESPEARE: DA PALAVRA À IMAGEM

ORIENTADORA

Prof.a^ Dr.a^ MARIA ELIZABETH CHAVES DE MELLO

TESE DE DOUTORADO

NITERÓI – 2006.

LEITURAS DE SHAKESPEARE: DA PALAVRA À IMAGEM

POR

GLÓRIA ELENA PEREIRA NUNES

Tese de doutorado em Literatura Comparada, na Linha de Pesquisa Perspectivas Teóricas nos Es tudos Literários, como requisito parcial para obtenção do Grau de Doutor, apresentada à Coordenação de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal Fluminense, sob a orientação da Prof.a^ Dr.a^ Maria Elizabeth Chaves de Mello. .

NITERÓI – 2006.

Ao meu pai, Ayrton José, quem primeiro me

apresentou o mundo das palavras e das imagens.

AGRADECIMENTOS

à professora Maria Elizabeth Chaves de Mello, pela orientação segura, paciente, pelo incentivo desde a concepção do projeto, e pela confiança neste empreendimento,

à CAPES, pela bolsa que me possibilitou a aquisição de material fundamental para o desenvolvimento da pesquisa,

a três amigos em especial, a Marco Antonio de Assis Beja pelo apoio e crença no meu trabalho; a Marcus Tadeu Daniel Ribeiro, pela ajuda na formatação e digitalização das imagens e pela interlocução de contribuição inestimável; a Leonardo Lima, por ser um amigo em que se pode contar, sempre,

a Teresa Dias Cerneiro, amiga de longa data, pelas traduções de todas as citações e do resumo da tese e, principalmente, pelo carinho e estímulo,

a minha amiga e ex-professora Lenira Seixas, pelas sugestões enriquecedoras,

ao professor João Luiz Viera, pelas ind icações bibliográficas preciosas a que tive acesso durante o curso de Cinema e Literatura, na pós-graduação da UFF,

e a meus pais, por terem feito da educação o seu maior investimento.

SUMÁRIO

  • Introdução .....................................................................................................................
  • Capítulo 1 – Shakespeare e o cinema: dois olhares para o real ....................................
  • Capítulo 2: Do texto à imagem: a questão da adaptação literária para o cinema .........
  • Polanski, Paul Mazusrky e Peter Greenaway....................................................................... 2.1 Palavra escrita e imagem filmada: a adaptação segundo Orson Welles, Roman
    • Figura 2 – O apartamento de Phillip .............................................................................
    • Capítulo 3: Leituras de Shakespeare no cinema ...........................................................
      • 3.1. O Macbeth de Shakespeare ................................................................................
      • 3.1.2 O Macbeth de Orson Welles ............................................................................
        • Figura 7 – “Paz. O feitiço está desfeito.”..............................................................
        • 3.1.3 O pesadelo sangrento no Macbeth de Polanski............................................
        1. 2 A Tempestade de Shakespeare.........................................................................
        • 3.2.1 A América em crise na Tempestade de Paul Mazursky ............................
        • 3.2.2 O livro pós- moderno na Tempestade de Peter Greenaway........................
    • Conclusão....................................................................................................................
    • Referências Bibliográficas ..........................................................................................

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – A janela de Philip: estética da moodura in TAYLOR, Geoffrey. Paul Mazursky”s Tempest. New York Zoetrope, 1982, p. 47.

Figura 2 – O apartamento de Philip in TAYLOR, Geoffrey. Paul Mazursky”s Tempest. New York Zoetrope, 1982, p. 39.

Figura 3 – São Jerônimo, de Georges de la Tour in GREENAWAY, Peter. Prospero’s Books: a film of Shakespeare’s The Tempest. New York: Four Walls Eight Windows, 1991, p.

Figura 4 – O livro na tela in GREENAWAY, Peter. Prospero’s Books: a film of Shakespeare’s The Tempest. New York: Four Walls Eight Windows, 1991, p. 16.

Figura 5 – Lady Macbeth e Macbeth in McBRIDE, Joseph. Orson Welles. (rev. e amp.) New York: Da Capo Press, 1996.

Figura 6 - Lady Macbeth e Macbeth: revelações do olhar in DAVIES, Anthony. Orson Welles’s Macbeth in Filming Shakespeare’s plays: the adaptations of Laurence Olivier, Orson Welles, Peter Brook , Akira Kurosawa. Cambridge University Press, 1994.

Figura 7 – “Paz. O feitiço está desfeito”. in McBRIDE, Joseph. Orson Welles. (rev. e amp.) New York: Da Capo Press, 1996.

Figura 8 – Macbeth – seqüência de abertura in ROTHWELL, Kenneth. Shakespeare on Screen: a century of Film and Television. Cambridge University Press, 2000, p. 159.

Figura 9 – “Saber o que fiz! Melhor seria não saber quem sou”. in ROMAN POLANSKI’S FILM OF MACBETH.. Columbia Pictures DVD/ Video, 2002 (encarte do DVD).

RESUMO

O papel que o leitor exerce na construção de sentido do texto literário é semelhante ao do espectador na apreensão da imagem cinematográfica. As adaptações literárias para o cinema são, efetivamente, releituras críticas do texto- fonte, e, no caso de Shakespeare, recriações da quebra do ficcional construída pelo dramaturgo. Ao proporem uma narrativa que conscientiza o espectador da artificialidade do fazer cinematográfico, os diretores ora analisados desconstroem a idéia de um cinema cópia do real, ao mesmo tempo em que, como Shakespeare, convocam o espectador a realizar uma outra significação para a obra.

PALAVRAS-CHAVE: Shakespeare, cinema, adaptações literárias, leitor e espectador.

ABSTRACT

The role which the reader plays in the construction of sense in the literary text is similar to the one played by the viewer while apprehending a cinematographic image. Literary adaptations to movies are in fact critical rereadings of a source text and, speaking of Shakespeare, recreations of the break of the fictional instance built by the playwright. While proposing a narrative that makes the viewer more aware of the artificiality of cinema making, the directors reviewed here deconstruct the viewpoint of a copy-of-reality movie, and, at the same time, as does Shakespeare, call the viewer to resignify the work produced.

KEY WORDS: Shakespeare, cinema, reader and viewer.

INTRODUÇÃO

Supri minha insuficiência com vossos pensamentos (...) porque são vossas imaginações que devem, hoje, vestir os reis (...). Shakespeare, Henrique V, prólogo

O objetivo desta tese é o de refletir sobre as aproximações entre o papel ativo do leitor na construção de sentido do texto literário e o do espectador na apreensão das imagens cinematográficas, a partir de quatro adaptações para o cinema de Macbeth e A Tempestade , de William Shakespeare: o Macbeth , de Orson Wells (1948) e o de Roman Polanski (1971), Tempest (Tempestade), de Paul Mazursky (1982) e Prospero’s Books (A Última Tempestade), de Peter Greenaway (1991).

A escolha dessas peças se deu pelo fato de ambas explicitarem a natureza ficcional da própria obra, do fazer teatral, de seu aparato e de seu caráter anti-realista. Shakespeare, portanto, utiliza um recurso que será usado no cinema, por Sergei Einsenstein, dentre outros, qual seja, a quebra do apagamento da enunciação cinematográfica e a opção por um tipo de montagem que desafie o espectador, que o leve a refletir sobre o que está sendo representado na tela. Dessa forma, ao escolhermos as quatro adaptações cinematográficas de Macbeth e A Tempestade , procuramos privilegiar aquelas que problematizam a questão imitação do real, como Prospero’s Books (A Última Tempestade), de Peter Greenaway e Tempest (Tempestade), de Paul Mazusrky, e cineastas que têm uma filmografia que se afasta da visão de cinema como mera apreensão do real, como Orson Welles e Roman Polanski.

O teatro de Shakespeare sempre procurou estabelecer com o espectador uma relação de construção de sentido daquilo que era representado, como mostra a passagem de Henrique V citada na epígrafe. Um dos aspectos mais inovadores e modernos de suas peças é o seu caráter anti-realista e participativo, só possível no palco elizabetano, em que não havia cenários, móveis, luz artificial, e a ação podia ser percebida de vários pontos de vista , pelo fato de não haver a intenção de fazer do palco algo que se parecesse com um lugar real. Nesse tipo de teatro, o público supria com a sua imaginação o contexto necessário para determinada locação. Dessa maneira, Shakespeare antecipa, já no século XVII, conceitos que as Estéticas da Recepção e do Efeito iriam desenvolver no século XX.

Tanto no cinema como na literatura, a discussão sobre o caráter realista da representação sempre foi uma questão central. Seria a arte um “espelho da natureza”, como afirma Hamlet, ou justamente o oposto disso, uma recriação, uma subversão do real? Em Shakespeare, pressupor que a peça apresenta falhas, “insuficiências”, é assumir o caráter incompleto e lacunar de uma obra que precisa do outro para se completar.

Por outro lado, no cinema, desde sua criação, houve uma dicotomia entre a forma de ver a sétima arte como reprodutora do real ou recriadora dele. O caráter realista que lhe é dado é fruto, dentre outros fatores, de as primeiras exibições feitas pelos irmãos Lumière em 1895 mostrarem cenas do quotidiano, com as quais os espectadores podiam se identificar. No entanto, a mesma França que assistia a essas exibições veria também, poucos anos mais tarde, filmes bastante anti-realistas como os de George Méliès, que, com seus truques, inversões e cortes obteve efeitos e conseguiu mostrar algo tão irreal como uma viagem à Lua.

Nos Estados Unidos o mesmo não aconteceu. Tanto Edgar Porter quanto Griffith, considerado “o pai” da gramática cinematográfica”, moldaram um cinema que se caracterizou por ser uma “arte de contar histórias”. Esse tipo de cinema, ao ser aperfeiçoado pela indústria que irá se formar nas décadas seguintes, será conhecido como “a narrativa clássica hollywoodiana”.

Esse termo serve para designar um tipo de narrativa fílmica que privilegia a estética do “apagamento” das marcas da própria narrativa, de sua enunciação – os posicionamentos de câmara, os cortes, a montagem, a iluminação, etc – o chamado aparato cinematográfico. É como se a história se narrasse por si mesma, não havendo obstáculo algum entre o espectador e a imagem, captada por uma lente objetiva que reproduziria, sem a intervenção do olho humano, o objeto na tela.

No caso das adaptações literárias, especificamente as das peças de um dramaturgo como Shakespeare, qual será o papel do diretor ao adaptá-las? Em princípio, acreditava-se em um jogo de equivalências, exigindo do diretor uma fidelidade ao texto adaptado. Eram comuns críticas que execravam determinado filme por ele ser muito inferior à obra literária na qual se baseava, pelo fato de o diretor ter traído os leitores do romance ao não respeitar determinada característica da obra.

No entanto, devemos ampliar o conceito de adaptação – adaptar não um amoldamento a uma obra pré- existente e sim uma releitura muito particular feita por um diretor, que tem no texto adaptado sua fonte, uma partitura a partir da qual ele produzirá um novo texto e a ele dará forma. Nesse sentido, usamos o conceito de Wolfgang Iser sobre os atos de apreensão da leitura e o caráter lacunar do texto literário, que exige de seu receptor um esforço de apreensão e de construção de sentido.

Desse modo, surge outra questão importante: a apreensão da imagem seria diferente da apreensão das palavras? Não estaria o espectador em uma posição mais passiva e menos criativa do que a do leitor do romance? Autores como Iser afirmem haver na imagem um maior grau de determinação do que na palavra e ser a representação na tela empobrecedora, se comparada ao romance, em virtude de seu caráter mais determinado.

Ora, se adaptar é reler uma obra, seu primeiro leitor é o diretor que a adapta. Em sua leitura, ele irá decidir, dentre outros itens, o posicionamento da câmera, dos atores; irá conversar com o diretor de fotografia em relação ao tipo de luz que deverá ser utilizada, etc. As imagens do filme serão filtradas, portanto, sem a menor participação do espectador. No entanto, é para ele que elas são dirigidas. Ele é o terceiro vértice do conjunto obra literária adaptada / diretor / espectador, e, assim como o texto só é compreendido quando o leitor constitui o seu sentido segundo Iser, a imagem só se completa como significação após ser percebida e decodificada pelo seu receptor de forma ativa. Fazendo remissão aos diretores por nós analisados, Welles, por exemplo, acreditava que a câmera era personagem do filme e que o público deveria decifrar o que ele chamava de “labirinto das cenas”. Assim como a poesia, dizia o diretor, o cinema deve evocar mais do que fazer ver.

A questão da adaptação nos leva também à discussão do conceito de autoria, uma vez que ele acaba se diluindo nessas releituras, se considerarmos que o produto final do filme é resultado de vários outros textos e intertextos que permeiam o texto fonte. O texto de Shakespeare também é fruto de releituras de outros textos: a História da Inglaterra, em Macbeth e episódios reais referentes ao naufrágio do Sea Venture em 1610, em A Tempestade.

Cineastas como Paul Mazursky e Peter Greenaway fazem dessa questão – aliada à discussão sobre o olhar – um dos temas centrais de suas adaptações.

Portanto, dadas as escolhas feitas por Welles, Polanski, Mazursky e Greenaway em relação à montagem, ao enquadramento e posicionamento de câmera, além do uso da fotografia e do som, dentre outros recursos, poderemos constatar como os quatro diretores fizeram, dos espectadores, co-autores. A recusa da narrativa tradicional, da trilha sonora que “comenta a cena” ou a torna mais realista, todos as opções, confo rme veremos nas seqüências analisadas, atualizam em imagens, nas releituras propostas, o que era evocado pelas palavras no original, ao mesmo tempo em que deixam para o espectador a tarefa de, com sua imaginação, “vestir os reis”, como em Henrique V.

ao trono os Tudors, em 1485, e, com sua chegada, marca-se a passagem do feudalismo à monarquia no país e o advento de um novo tipo de visão de mundo.

A chamada Era Tudor representará exatamente a experiência de trevas e luz definida por Paris. Se, por um lado, as grandes viagens, as descobertas científicas proporcionaram uma nova tentativa de explicação de mundo aos homens da época, por outro as lutas religiosas entre católicos e protestantes provocaram um abalo na firme crença medieval, gerando “ceticismo e descrença” (MENDES: 1998, 46) e deram origem a um indivíduo dividido. Para Gerd Bornheim, há, nessa época, “o abandono do universal concreto”, contexto do qual irá emergir o “contraditório bicho humano”, misto de Calibã e Ariel, dilacerado por viver em um momento de transição em que o velho mundo ficava para trás e um novo se anunciava.

Em 1558, sobe ao trono inglês Henrique VIII, que promove profundas modificações no país, principalmente de caráter religioso, ao romper com a Igreja Católica e se proclamar chefe da recém-criada Igreja Anglicana. Seu único filho do sexo masculino, Eduardo VI, reinou durante cinco anos, após a morte de seu pai em 1547, assistido, por conta de sua minoridade, por regentes protestantes que perseguiram os católicos. Morto aos quinze anos, foi sucedido por Mary Tudor, filha de Catarina de Aragão, cujos progenitores eram católicos, o que a levou a perseguir os protestantes. Em 1558, sobe ao trono a filha de Ana Bolena, Elizabeth I, inaugurando um momento que ficaria conhecido como era elizabetana.

Esse breve histórico se faz necessário para mostrarmos como a Inglaterra em que Shakespeare viveu passava por transformações em todos os níveis: é um mundo em que os rígidos padrões foram quebrados, em que as igrejas que outrora representavam a identidade das cidades, fechadas. Shakespeare pertence à primeira geração que pôde descobrir um novo lugar para o indivíduo , que pôde reinventar sua identidade nacional, construir uma nova economia e escolher uma religião. As grandes descobertas abrem a possibilidade de contato com novas concepções de mundo e realidade, assim como na Filosofia, as obras de Montaigne e Bacon, por exemplo, apresentam, por um lado, um ceticismo, mas também uma valoração do pessoal e do individual no processo de aquisição do conhecimento. Esse tipo de pensamento é fruto de uma sociedade onde “a percepção é tudo e nada é certo”, em que “a nação dialoga consigo mesma”. Hamlet representaria, então, as angústias e incertezas de um mundo que “ainda estava testando suas asas”. (JONES: 2000, 41)

Vê-se que o período foi marcado por contradições e que no “equilíbrio instável” (HELIODORA:2001,6), alcançado no reino de Elizabeth I, conviveram uma explosão demográfica, pragas, má colheita, decadência da economia, fome, aumento da diferença entre

pobres e ricos, mas também um forte sentimento nacionalista impulsionado pela derrota da Armada Espanhola, no final de julho de 1558, ao lado da abertura do primeiro teatro londrino, por James Burbage, em 1576.

Sabe-se que os Tudors investiram muito na educação, como parte de uma reforma mais ampla, que se afastava aos poucos de postulados religiosos fechados, e também como “reformulação paulatina da posição do indivíduo e de sua participação na vida [do] Estado nacional, que o faz deixar de ser vassalo de um senhor para ser cidadão de um país” (HELIODORA: 1978,19).

A cidade natal de Shakespeare, Stratford- on- Avon, “teve sempre à frente de sua escola (...) professores com treinamento universitário, geralmente em Oxford” (HELIODORA, op. cit, p. 43). O currículo, herdado da Idade Média, manteve o trivium (gramática latina, lógica e retórica) e o quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música), leitura de autores latinos, como Ovídio e Sêneca e exercícios de retórica que exigiam do aluno, por exemplo, a produção de textos ora favoráveis, ora desfavoráveis a determinado ponto de vista. Isso fez com que Shakespeare entrasse em contato, desde cedo, com o que Jones chamou de “verdades duplas” (JONES: 2000, 35), próprias de um mundo em transformação:

Seja como for, o que parece é que na parte de ensino propriamente dito a educação elizabetana era bastante objetiva e se ocupava primordialmente do treinamento do aluno nos processos do raciocínio lógico e da correta expressão das idéias (...). A não ser por essa preocupação em imbuir de bons princípios e boas maneiras a mente do aluno, tudo o que era ensinado na escola parece ter sido de modo geral útil à ampliação do horizonte do aluno, instrumento hábil para colaborar num processo de desenvolvimento do indivíduo. (HELIODORA, idem, p. 45-46)

Quanto ao palco elizabetano, sua estrutura singular permitiu a Shakespeare desenvolver um teatro que não se encontrava preso às regras clássicas. Um dos aspectos que o torna anti-realista e mais participativo é o fato de, no palco elizabetano, não haver cenários móveis, luz artificial (as peças eram representadas à tarde), e de a ação poder ser percebida de vários pontos de vista , pois não havia a tentativa de fazer o palco parecer com um lugar real. Portanto, é o público que tem de suprir com a sua imaginação o contexto necessário para determinada locação: “o palco [elizabetano] era ao mesmo tempo todo lugar e nenhum lugar” (CLARK: 1998, 35), daí a razão de seu caráter antiilusionista: