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Terras Indígenas e interfaces com conservação, utilização e gestão da biodiversidade, Notas de estudo de Cultura

Considera os fatores de produção e viabilidades favoráveis ao uso sustentável de recursos da biodiversidade em Terra Indígena, considerando principalmente as condições primárias de gestão associadas aos conceitos e direitos da sociobiodiversidade do local.

Tipologia: Notas de estudo

2016

Compartilhado em 24/01/2016

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ricardoluiz-da-silva-costa-12 🇧🇷

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TERRAS INDÍGENAS E SUAS INTERFACES COM CONSERVAÇÃO,
UTILIZAÇÃO E GESTÃO DE RECURSOS DA BIODIVERSIDADE.
Ricardo Luiz da Silva Costa (luzdacosta@bol.com.br)
RESUMO
As Terras Indígenas, entre outras tipologias de Áreas Protegidas no Brasil, que
permitem o uso direto (parcial e sustentável) dos recursos naturais pelas populações
nelas habitantes, estão claramente contempladas em diversos diplomas legais vigentes
no País que tratam dos temas conservação, utilização e gestão de recursos da
biodiversidade e da sociobiodiversidade. Entre os quais se destacam aqui, por ordem
cronológica: o Decreto 2519/1998 que promulga a Convenção sobre Diversidade
Biológica; o Decreto 4339/2002 que define princípios e diretrizes para implementação
da Política Nacional da Biodiversidade; o Decreto 4703/2003 que dispõe sobre o
Programa Nacional de Biodiversidade (Pronabio) e a Comissão Nacional de
Biodiversidade (Conabio); o Decreto 5758/2006 que institui o Plano Estratégico Nacional
de Áreas Protegidas (Pnap) no contexto da Convenção sobre Diversidade Biológica; o
Decreto 7747/2012 que estabelece a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental
de Terras Indígenas; e a recente Lei 13123/2015 que dispõe sobre acesso ao patrimônio
genético, a proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado, e a repartição de
benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Portanto, segurança
jurídica e políticas incentivadoras existem. Este artigo provoca reflexões, a partir de
estudos sobre os fundamentos de gestão na Terra Indígena Rio Urubu, em Itacoatiara
(AM), visando entender as dificuldades e os desafios de gestão que impedem ou
inviabilizam o acesso legal de cadeias produtivas de bens e serviços vinculados a
biodiversidade provenientes de Terras Indígenas, que acabam impedindo também,
desenvolvimento auto sustentável aos Povos Indígenas, assim como, crescimento
econômico ao País, exatamente pela falta de gestão adequada e apropriada dessas
áreas especiais.
Palavras-chave: Biodiversidade, Sociobiodiversidade, Áreas Protegidas, Terras
Indígenas, Gestão Territorial e Ambiental.
ABSTRACT
Indigenous Lands, among other Protected Areas types in Brazil, which allow the
direct use (partial and sustainable) of natural resources by populations living there
people are clearly covered in several existing legislation in the country that deal with
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TERRAS INDÍGENAS E SUAS INTERFACES COM CONSERVAÇÃO,

UTILIZAÇÃO E GESTÃO DE RECURSOS DA BIODIVERSIDADE.

Ricardo Luiz da Silva Costa (luzdacosta@bol.com.br)

RESUMO As Terras Indígenas, entre outras tipologias de Áreas Protegidas no Brasil, que permitem o uso direto (parcial e sustentável) dos recursos naturais pelas populações nelas habitantes, estão claramente contempladas em diversos diplomas legais vigentes no País que tratam dos temas conservação, utilização e gestão de recursos da biodiversidade e da sociobiodiversidade. Entre os quais se destacam aqui, por ordem cronológica: o Decreto 2519/1998 que promulga a Convenção sobre Diversidade Biológica; o Decreto 4339/2002 que define princípios e diretrizes para implementação da Política Nacional da Biodiversidade; o Decreto 4703/2003 que dispõe sobre o Programa Nacional de Biodiversidade (Pronabio) e a Comissão Nacional de Biodiversidade (Conabio); o Decreto 5758/2006 que institui o Plano Estratégico Nacional de Áreas Protegidas (Pnap) no contexto da Convenção sobre Diversidade Biológica; o Decreto 7747/2012 que estabelece a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas; e a recente Lei 13123/2015 que dispõe sobre acesso ao patrimônio genético, a proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado, e a repartição de benefícios para conservação e uso sustentável da biodiversidade. Portanto, segurança jurídica e políticas incentivadoras existem. Este artigo provoca reflexões, a partir de estudos sobre os fundamentos de gestão na Terra Indígena Rio Urubu, em Itacoatiara (AM), visando entender as dificuldades e os desafios de gestão que impedem ou inviabilizam o acesso legal de cadeias produtivas de bens e serviços vinculados a biodiversidade provenientes de Terras Indígenas, que acabam impedindo também, desenvolvimento auto sustentável aos Povos Indígenas, assim como, crescimento econômico ao País, exatamente pela falta de gestão adequada e apropriada dessas áreas especiais.

Palavras-chave: Biodiversidade, Sociobiodiversidade, Áreas Protegidas, Terras Indígenas, Gestão Territorial e Ambiental.

ABSTRACT Indigenous Lands, among other Protected Areas types in Brazil, which allow the direct use (partial and sustainable) of natural resources by populations living there people are clearly covered in several existing legislation in the country that deal with

conservation issues, use and management of biodiversity resources and socio- biodiversity. Among which stand out here in chronological order: Decree 2519/ which adopts the Convention on Biological Diversity; Decree 4339/2002 which lays down principles and guidelines for implementation of the National Biodiversity Policy; Decree 4703/2003 which provides for the National Biodiversity Program (Pronabio) and the National Biodiversity Commission (CONABIO); Decree 5758/2006 establishing the National Strategic Plan for Protected Areas (PNAP) in the context of the Convention on Biological Diversity; Decree 7747/2012 establishing the National Policy on Land Management and Environmental Indigenous Lands; and the recent Law 13123/ which rules on access to genetic resources, protection and access to associated traditional knowledge and benefit sharing for conservation and sustainable use of biodiversity. Therefore, legal certainty and political boosters exist. This article causes reflections, from studies on the fundamentals of management River Indigenous Land Vulture in Itacoatiara (AM), in order to understand the difficulties and management challenges that prevent or unreliable legal access to supply chains of linked goods and services biodiversity from indigenous land, which end up hindering also self-sustainable development for Indigenous Peoples, as well as economic growth the country, just the lack of adequate and appropriate management of these special areas.

Keywords: Biodiversity, Socio-biodiversity, protected areas, Indigenous Lands, Land Management and Environmental.

1. INTRODUÇÃO Nas décadas de 70 e 80, do século passado, o mote principal dos movimentos indígena e indigenista era “Terra e Índio não dá para separar”. Quer dizer, naquela época a bandeira de luta era garantir aos povos indígenas do Brasil o direito constitucional de reconhecimento ao direito originário sobre as terras ocupadas tradicionalmente, “competindo a União demarca-las, proteger, e fazer respeitar todos os seus bens” (Constituição Federal, 1988). Hoje, passados 27 anos tendo como parâmetro a Constituição Federal, se observa que os desafios são outros, e vão além da conquista da terra demarcada para os povos indígenas ( PIs ). De um lado houve avanço expressivo no sentido da ampliação quantitativa de terras indígenas demarcadas^1 , de outro,

(^1) Até Fev./2013 haviam cadastradas na FUNAI 689 TIs em todo o País, em diferentes fases de situação fundiária, só na Amazônia havia 448 dessas terras. Do total de 689 TIs, 61% já se encontram demarcadas, e o restante em vias de regularização fundiária.

a questão ora em discussão. Se, por um lado, nos anos 80 a população indígena nacional girava em torno de 220 mil pessoas, e desse total ±90% estavam aldeados. Hoje (2015) a realidade é outra e inversa, ou seja, segundo o último censo do IBGE (Censo Demográfico Indígena 2010), em termos absolutos, ±87% da população declarada indígena encontrava-se “Fora de Terras Indígenas”. Um contingente estimado em aproximadamente 380 mil pessoas. Eis os desafios a serem enfrentados por quem de direito e de fato: Primeiro: Como controlar o êxodo da população indígena de TIs para ambientes urbanos, sem que esse fluxo migratório signifique, concomitantemente, esvaziamento ou menoscabo ao conceito de TI; e, situação de risco e vulnerabilidade social a pessoa indígena? Segundo: Com a escassez e em certos casos o esgotamento de matérias primas ou insumos naturais extraídos de terras particulares e devolutas, as TIs entre outras modalidades de APs passaram a ser visadas como último reduto dessas riquezas em estado bruto, e assim, sofrer todo tipo de pressão sobre seus recursos naturais e culturais por parte de especuladores e exploradores de todo tipo. Desse modo, sem o necessário preparo do povo indígena para lidar com a falácia mercantil do “homem branco”, diante dos negócios estranhos que surgiam, somado a ausência de proteção (gestão) estatal, nos últimos 30 anos as TIs serviram de cenário rotineiro de degradação socioambiental; notadamente, em casos sucedidos na região da chamada Amazônia Legal, p. ex., nas TIs Kayapó e Alto Rio Guamá (PA), Araribóia (MA), Sete de Setembro e Roosevelt (RO), Raposa Serra do Sol (RR), Kampa (AC), Kaxarari (AM), entre outras, geralmente envolvendo a exploração de ouro, diamante, mogno e outras espécies de madeira, jaborandi, cumaru, etc. Terceiro: Diante desse cenário real, torna-se crucial reconhecer as dificuldades e necessidades de implementação de mecanismos de gestão sobre esses espaços protegidos em regime especial de administração reconhecendo- se, ao mesmo tempo, a autonomia e protagonismo dos povos indígenas conjugados ao caráter de domínio público da União sobre essas terras que, a luz constitucional, devem ser administradas com fins específicos de abrigo e proteção, produção e reprodução física e cultural dos povos indígenas do Brasil, na condição de Terras Indígenas.

Nesse desiderato, incumbe ao Estado brasileiro, com salvaguarda ao protagonismo dos povos indígenas, somado ao apoio da sociedade nacional, desenvolver ações planejadas de gestão sobre os recursos naturais e culturais disponíveis nesses territórios especiais, cujo complexo sinérgico dá origem ao que a etnociência nomina de sociobiodiversidade^3. Em caso contrário, corre-se o risco iminente de perdas irreparáveis desse patrimônio inestimável, sem ao menos que tenha sido conhecido e avaliado seus benefícios, para o conjunto da sociedade nacional.

1.1. Aspectos Gerais da Terra Indígena Rio Urubu  Localização: Município de Itacoatiara, Região do Médio Amazonas, no estado do Amazonas;  Superfície: 27.500,00 ha;  População: 384 indígenas remanescentes das etnias Mura (a maioria); Saterê Mawé, e Munduruku (Censo 2010, IBGE);  Etnia: Oficialmente essa TI é reconhecida em nome da etnia Mura. Todavia, convém mencionar, se encontram habitando nessa TI, também indígenas das etnias Saterê Mawé e Munduruku.  Língua predominante: portuguesa;  Situação jurídica: homologada, conforme o Decreto s/n° de 27 de outubro de 2004. Porém, ainda em vias de regularização fundiária. Há indenização pendente para trinta e três ocupantes não índios, que possuem benfeitorias dentro da TI, cujos processos se encontram sob análise da condição da boa-fé, no setor competente da FUNAI em Brasília. Embora juridicamente homologada em nome da etnia Mura, antes do processo de identificação e delimitação, habitava também algumas poucas famílias formadas pelo enlace interétnico de homens Saterê Mawé com mulheres Mura. Assim, depois que essa área foi demarcada e indenizada às benfeitorias que ficaram dentro da TI, emergiram as disputas e desavenças por

(^3) Sociobiodiversidade: Conceito associado a diversidade dos saberes e fazeres tradicionais de grupos sociais autóctones como um dos fatores contribuintes para a riqueza de biodiversidade local. Segundo Diegues (2000), isto vem sendo tratado pela ciência acadêmica no âmbito da Etnoconservação.

1.2. Levantamento de Campo O método adotado por este trabalho se baseou em técnicas de Diagnóstico Rápido Participativo Indígena-DRPI^4 , reforçado pela aplicação de enquetes, a partir do “ status quo” da TI Rio Urubu, no município de Itacoatiara– AM, naquilo referente às condicionantes de gestão, seus efeitos e desafios nesse tipo de AP, visando conhecer o estado atual da gestão na referida TI, a fim de que se identifique os elementos construtivos e necessários à composição, em curto a médio prazo, dos principais instrumentos de gestão dessa TI, enquanto AP, o seu plano de gestão e conselho gestor. Para o alcance dos objetivos propostos se realizou quatro oficinas de diagnóstico participativo na TI, e aplicação de questionários junto a 50 amostras (indivíduos indígenas), nas Aldeias Nova União, Unidos do Cana, Maquira e Taboca 2, além do diagnóstico de interação institucional, através de questionários, com relação à questão indígena local, junto a 12 representantes de instituições do poder público e do setor privado que atuam na séde do município de Itacoatiara e distrito de Novo Remanso, de um total de 25 amostras previstas. As instituições que se dispuseram a colaborar neste trabalho foram as seguintes: Prefeitura de Itacoatiara através das Secretarias de Educação, de Agricultura e Produção, de Meio Ambiente; Câmara de Vereadores; Defensoria Pública; Banco da Amazônia; Sindicato de Trabalhadores Rurais; Sindicato dos Trabalhadores na Industria Madeireira; Campus da Universidade Estadual do Amazonas; Escritório Local da CEPLAC; Escritório Local do IDAM; e Agência Local do INSS. Na TI, se empregou técnicas de diagnóstico participativo e questionários nas quatro oficinas realizadas na TI. Em Itacoatiara e Novo Remanso, para o levantamento diagnóstico de interação institucional se aplicou questionários junto às autoridades, acerca da questão indígena local enfocando os seguintes temas: promoção social, gestão ambiental, proteção social e política indigenista local.

(^4) Uma adaptação de metodologias reconhecidas no meio rural tais como, o Diagnóstico Rápido Rural (DRR) e Diagnóstico Rural Participativo (DRP) aplicado em comunidades indígenas pela extinta Coordenação Geral de Desenvolvimento Comunitário, atual Coordenação de Etnodesenvolvimento, da Funai, Brasília, DF, 2006/2007.

Por meio de questionários aplicados na TI foram levantados dados qualitativos e quantitativos, a forma de abordagem foi por grupo temático de foco especifico, ou transversal, à gestão ambiental da TI, considerando os seguintes temas: vida e dignidade; esporte e lazer; infraestrutura básica; organização comunitária e política; território e meio ambiente; atividades produtivas, proteção social; promoção social; e política indigenista local. No tocante a técnica de diagnóstico se utilizou as seguintes ferramentas participativas: calendário sazonal; árvore dos sonhos; muro de lamentações; análise fofa; diagrama de Venn; e questionários. Com esse ferramental se buscou caracterizar a situação atual de gestão da TI Rio Urubu, sob os aspectos da organização sócio-política, gestão ambiental, e do etnodesenvolvimento, com vistas em uma etapa subsequente (em curto a médio prazo) servir de alicerce à construção do processo de gestão contínua dessa terra indígena representado através do seu plano de gestão e conselho de governança.

1.3. As Áreas Protegidas (APs) no Brasil Para MEDEIROS (2006), as APs são definidas como: “Espaços territorialmente demarcados cuja principal função é a conservação e/ou preservação de recursos naturais, e culturais, a elas associados.” Nesse sentido, pode-se afirmar que essas áreas, também designadas como Á reas L egalmente P rotegidas ( ALPs ), se referem a espaços geográficos, públicos ou privados, legalmente constituídos, com objetivos definidos visando à conservação e ou preservação dos recursos naturais e culturais; bem como, a utilização ecologicamente prudente, economicamente viável e socialmente justa da diversidade biológica e demais recursos naturais, reconhecendo as culturas humanas locais como partes integrantes desse processo, cujo escopo final é a promoção de um desenvolvimento sustentado, em âmbito local e regional, com reflexos positivos em escala nacional e global. Em rigor, no Brasil, diferente de outros países, a concepção de AP se confunde com o conceito de U nidades de C onservação- UC (Medeiros 2006), muito embora existam outras tipologias de APs, além das UCs. Atualmente as UCs encontram-se sistematizadas por meio do já conhecido SNUC, e do pouco

políticas e ações previstas ao fomento e fortalecimento das UCs, muito embora elas compartilhem às mesmas aspirações conservacionista e preservacionista das UCs. Porém, com o advento do PNAP (Dec. n° 5758/2006), é provável que parte dessa situação anômala possa ser corrigida, pelo viés da Convenção sobre Diversidade Biológica, que “prevê o desenvolvimento de estratégias para estabelecer sistema abrangente de áreas protegidas, ecologicamente representativo e efetivamente manejado, integrado a paisagens terrestres e marinhas mais amplas até 2015”; de modo a integrar todas as formas de APs existentes no País, além das UCs, tendo em vista fortalecer, aprimorar, ampliar, avaliar e promover a efetividade, eficácia e eficiência do SNUC. Desse modo, deve ser considerada pertinente, e capaz de ainda vir acontecer, a observação visionária de Medeiros (2006), quando se posiciona ante ao atual modelo do SNUC e pondera sobre: “A necessidade de discussão de um novo sistema mais amplo e orientado ao ordenamento das áreas protegidas no Brasil – o Sistema Nacional de Áreas Protegidas (SNAP) – cuja instituição poderia em definitivo contribuir para a integração das distintas tipologias, ações e estratégias hoje em curso no País.” (Medeiros, 2006). Segundo sugere esse autor, eis a questão de fundo: Ao invés de SNUC, não seria mais lógico e vantajoso ao ordenamento e gestão do conjunto das APs do País, o SNAP?

1.4. As Terras Indígenas no contexto conceitual de Áreas Protegidas As TIs na forma configurada pelo Decreto nº5758/2006 que instituiu o P lano Estratégico N acional de Á reas P rotegidas ( PNAP ), estão abarcadas na condição de APs sendo consideradas como prioritárias para as finalidades e diretrizes complementares de conservação e preservação dos ecossistemas florestais e biomas nacionais. Entretanto, convém ressalvar alguns aspectos interessantes saber. De todo modo, seja como área de Ocupação Tradicional ou Reserva Indígena, as TIs depois de oficialmente reconhecidas são consideradas bens da União, destinadas a posse permanente e ao usufruto exclusivo dos povos indígenas do Brasil, conforme seus usos, costumes e tradições. Inclusive também os novos usos e costumes adquiridos em consequência da interação com a sociedade nacional. É assim, e buscando atingir e garantir essa condição

especial enquanto AP, que essas terras devem ser administradas, através de uma atuação colaborativa, sinérgica e responsável envolvendo a participação dos povos indígenas, de entidades parceiras da administração pública federal, estadual e municipal, entre outras parcerias relevantes, porém, respeitando os princípios da identidade e autonomia cultural desses povos usufrutuários. O quadro abaixo demonstra a situação fundiária atual as Terras Indígenas no País. Quadro-1: Situação Jurídica Atual das TIs no Brasil Situação (Fase) Terra Indígena Superfície (ha) Em Estudo 138 (20%) 0 Delimitada 28 (4%) 2.775. Declarada 47 (7%) 1.849. Homologada 18 (3%) 1.025. Regularizada 422 (61%) 104.117. **Encaminhada como RI *** 36 (5%) 44. TOTAL 689 109.813. Fonte: FUNAI, 2013.

  • = Se refere às áreas categorizadas como Reserva Indígena, na forma da Lei 6001/73, Art. 26.

Em termos espaciais, e especiais do ponto de vista indigenista e conservacionista, as TIs ocupam o correspondente a: ≅ 13 % do território nacional; ≅ 26 % da Amazônia Brasileira.

1.5. Ocupação humana, conservação e uso da biodiversidade Para Diegues^7 (2000), os povos indígenas e demais povos tradicionais, têm demonstrado ao longo da história formas de conhecimento baseados em constatações empíricas vivenciadas, que vão além do simples “saber”, mas suplementado, no “saber-fazer” (tentativa-erro-aprendizado) a respeito do mundo natural e sobrenatural gerados no ambiente sociocultural; na comunicação oral transmitida de geração em geração, e na interpretação inserida no contexto da cultura em que esse conhecimento é gerado. Nessa perspectiva, a chamada diversidade biológica é uma resultante da diversidade cultural desses povos em interação com os ecossistemas naturais dos locais em que habitam durante sucessivas gerações, segundo seus usos, costumes e

(^7) Diegues, A. C. - Etnoconservação Novos Rumos para a Conservação da Natureza, Coleção Ecologia e Cultura, 2ª edição, São Paulo, NUPAUB-USP, 2000.

1.6. A Política Nacional de Gestão Ambiental em Terras Indígenas (PNGATI) Trata-se de uma política instituída pelo governo federal, conforme o Decreto n° 7747 de 05 de junho de 2012, tendo como objetivo: “ Garantir e promover a proteção, a recuperação, a conservação e o uso sustentável dos recursos naturais das terras e territórios indígenas, assegurando a integridade do patrimônio indígena, a melhoria da qualidade de vida e as condições plenas de reprodução física e cultural das atuais e futuras gerações dos povos indígenas, respeitando sua autonomia sociocultural, nos termos da legislação vigente. ”. Ainda se encontra em fase de implementação, e, por conseguinte de internalização de seus propósitos e benefícios aos PIs, e TIs. Nessa perspectiva, se espera que esta seja a portadora fiel dessa nova mensagem de gestão para as TI, alicerçada no enfoque renovador do COMO e ONDE PODE ser feito, dentro da lei, da técnica, e da cultura indígena, o usufruto exclusivo dos PIs sobre os bens naturais existentes nos territórios que ocupam. Isto é, que permita o aproveitamento (usufruto) econômico dos recursos naturais, em regime sustentável, ao mesmo tempo, com desenvolvimento social aos índios e sem destruição ao meio ambiente necessário à vida e ao bem estar das gerações presentes e futuras desses povos, com reflexos positivos ao conjunto da sociedade nacional. Todavia, convém destacar o fato dessa política desconsiderar em seu texto, e no contexto, o P lano de G estão ( PG ) e C onselho G estor ( CG ) como principais instrumentos de gestão que toda AP requer. Entretanto, considera como suas ferramentas de gestão, o etnomapeamento e o etnozoneamento. Art.2º- São ferramentas para a gestão territorial e ambiental de terras indígenas o etnomapeamento e o etnozoneamento. Parágrafo único. Para fins deste Decreto, consideram-se: I - Etnomapeamento: mapeamento participativo das áreas de relevância ambiental, sociocultural e produtiva para os povos indígenas, com base nos conhecimentos e saberes indígenas; e II - Etnozoneamento: instrumento de planejamento participativo que visa à categorização de áreas de relevância ambiental, sociocultural e produtiva para os povos indígenas, desenvolvido a partir do etnomapeamento. Entretanto, do ponto de vista técnico da gestão isso é insuficiente para manter um processo contínuo de gestão eficiente e eficaz, em qualquer tipo de AP. Dessa forma isolada e solta, tais ferramentas não têm a mesma função de um PG, que tecnicamente incorpora e conecta ambas como auxiliares e fundamentais à participação indígena na construção coletiva do PG almejado

pelo povo indígena. Por outro lado, convém lembrar que, é o CG que organiza e orienta todo o processo de construção e aprovação do PG. No caso de TI esse detalhe técnico, não foi considerado no âmbito dessa política. Além do que, não trata com clareza e precisão, outras questões cruciais para a gestão de TI, tais como: Manejo de recursos florestais, madeireiros e não madeireiros; manejo de fauna silvestre; aproveitamento de recursos hídricos e minerais; pagamento por serviços ambientais ou ecossistêmicos; etc. Sem dúvidas temas controversos, muita vez de alta complexidade, mas que, se trabalhadas dentro de um processo organizado de gestão, certamente potencializaria formas alternativas e oportunidades viáveis ao equacionamento desses, e outros desafios que acontecem no cotidiano de uma TI. Outro ponto de inflexão, que se destaca, diz respeito a ideia de dubiedade ou redundância que ela transmite, conforme referido em Gestão territorial em terras indígenas no Brasil, Série Via dos Saberes nº 6, pág.51, pelos autores Cássio Noronha Inglez de Sousa e Fábio Vaz Ribeiro de Almeida (2013), que questionam sobre que tipo de gestão se pretende alcançar em TIs: ambiental e/ou territorial? Tal situação carrega em si uma carga de indecisão e subjetividade, com prováveis dificuldades de compreensão e operacionalização prática, no âmbito das aldeias indígenas. Não há dúvidas que, sob o enfoque de uma gestão integrada e participativa, o método melhor afinado com a ideia de PG , é de natureza ambiental. Primeiro pelo seu caráter multidisciplinar, depois pela sua visão sistêmica (holística) em que a base do sistema é o ambiente intrínseco ao território, e por fim, pelo seu formato integrativo, quer dizer, considera a sinergia de todas as partes envolvidas no sistema a ser administrado, neste caso, os componentes ambientais (biótico, econômico e social) contidos no território indígena. Ademais, a gestão territorial, via de regra, é um instrumento geopolítico usado para fins de ordenamento territorial em escala macro (país, região, estado) do tipo zoneamento ecológico-econômico, zoneamento agroecológico, etc. visando subsidiar tecnicamente aos governos no planejamento de desenvolvimento e defesa de soberania, em conformidade com as diversas aptidões e limitações de recursos naturais e sociais existentes dentro de um país,

sei , se constata que pelo mínimo para 49% dos entrevistados existem sim , problemas de invasão ameaçando a integridade da TI. É provável que, dentre os fatores geradores dessa situação, estejam atrelados a: (i) falta de conclusão do processo de regularização fundiária dessa TI, de vez que, ainda restam cerca de trinta ocupações de não indígenas dentro dessa TI que se encontram a espera de definição quanto ao pagamento de indenização; (ii) proximidade de áreas urbanas, a cidade de Itacoatiara e o distrito de Novo Remanso; (iii) facilidade de acesso fluvial e terrestre. Por outro lado, há indícios e comprovações de arrendamento de terra ou pastagem, e até mesmo venda, de lotes dentro da TI, para pessoas estranhas à comunidade indígena, com o beneplácito de lideranças importantes da TI. Portanto, para essa aparente maioria (entre 41 a 56%) expressa nos Gráficos 1 e 2, a presença de pessoas estranhas na TI não representa alguma ameaça, pelo fato de que, em havendo o consentimento do presidente da associação indígena, então não há invasão, ou então, existe algum tipo de comprometimento velado dessa maioria sob influência da liderança indígena. Gráfico 1: Ocupação e proteção da TI Rio urubu

Gráfico 2: Ocupação e proteção da TI Rio Urubu

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  1. Existem conflitos com não índios relacionados à invasão da TI?

Sim Sim muito Sim pouco Não Não sei freq. (^11 0 4 24 ) % 26 0 9 56 9

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  1. Existem conflitos com a participação de membros da comunidade em invasões na TI?

Os principais conflitos verificados nessa TI, em regra geral, se relacionam a: disputas internas por espaço e poder entre aldeias; prejuízos causados por bovinos nos campos de pastagens arrendados limítrofes às áreas de cultivo e domicílios indígenas; práticas ilícitas de exploração comercial de madeiras, de desmatamento e queimadas; arrendamento e venda de lotes para não indígenas dentro da TI; atuação ilegal de pescadores comerciais e turistas. 2º. Em relação às formas de uso da terra, a maioria (77%) dos entrevistados concorda que a TI enfrenta problemas com desmatamento, queimada e exploração predatória dos recursos naturais, notadamente os florestais e pesqueiros. Os entrevistados reconhecem também que, o uso dos recursos naturais disponíveis na TI é praticado indiscriminadamente por índios e não índios, de formas ambientalmente insustentáveis. Por isso, conforme o posicionamento da maioria torna-se urgente fortalecer a proteção ambiental e territorial na TI (Gráfico 3). Gráfico 3: Uso e proteção da TI Rio Urubu.

Entre as mais frequentes reclamações mencionadas pelos índios, com relação a proteção da TI constam: (a) Ausência de ações de fiscalização mais frequentes e eficientes por parte da FUNAI; (b) A necessidade de formar um agrupamento voluntário de vigilância ambiental composto pelos próprios índios; (c) A falta de ações voltadas para a educação ambiental e práticas sustentáveis nas ações antrópicas desenvolvidas na TI; (d) A falta de informação ou esclarecimentos acerca dos conceitos básicos de Terra Indígena, para índios e não índios.

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  1. Você acha que falta melhorar (tornar forte) a proteção da TI e seus recursos naturais?

empreendimento representa em relação com a questão indígena, principalmente naquilo que se refere ao controle e monitoramento da sobrepesca e poluição das águas pelos turistas; (g) A presença e acesso livre de pessoas estranhas não indígenas dentro da TI, gerando uma condição de promiscuidade de interesses velados bastante difícil de gerir. É provável que essa condição derive da pendência sobre uma questão de regularização fundiária dessa TI, de vez que, ainda falta resolver o pagamento de indenização para cerca de trinta posseiros não indígenas com benfeitorias vinculadas a essa TI; (h) Loteamento, arrendamento e venda de lotes dentro da TI. 3º. – No tocante a questão da utilização e conservação da biodiversidade se destaca que, na visão dos índios, apesar da situação ambientalmente conturbada, a TI ainda guarda imenso potencial em termos de riquezas naturais e biodiversidade. Com efeito, segundo eles, até o presente jamais passaram por necessidades em função das disponibilidades ofertadas pelos recursos ambientais (águas, solos, flora, fauna, etc.) existentes na TI (Gráfico 5). Entretanto, somente inventários específicos e aprofundados poderão dimensionar em qualidade e quantidade tais recursos. Por enquanto, vale mencionar, segundo estudo avaliativo “Áreas Prioritárias para a Conservação, Uso Sustentável e Repartição de Benefícios da Biodiversidade Brasileira” realizado sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, em 2007, essa TI se situava em região de Importância Biológica para a Biodiversidade considerada na posição Extremamente Alta; e quanto a Urgência das Ações, na posição de prioridade Muito Alta, tendo como principal ação recomendada o uso sustentável dos recursos naturais. Gráfico 5: Conservação da biodiversidade

Sim Sim muito Sim pouco Não Não sei freq. 29 7 1 4 1 % 69 17 2 10 2

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  1. Esta TI é rica (tem fartura) no que se refere à existência de recursos naturais (floresta, flora, fauna, solos, águas, animais, minerais, etc.)

Do ponto de vista técnico, também se constata que essa TI, independente dos problemas socioambientais existentes, ainda demonstra sua exuberância espetacular quer seja como local de abrigo, nidificação ou de reprodução e de subsistência para diversas espécies de animais e plantas, além de muitos corpos d’água, sistematizando em seu espaço fisiográfico, de aproximadamente 28 mil hectares, os três ambientes mais representativos do Bioma Amazônico: a Várzea, o Igapó e a Terra Firme. (Fotos 1 e 2). Fato que confere a essa TI a condição de Alto Valor de Conservação, em termos de riquezas naturais e biodiversidade. Foto 1: Área de Várzea inundada pela enchente do rio Urubu – TI Rio Urubu.

Crédito: Ricardo L S Costa

Foto 2: Aspectos da vida silvestre – TI Rio Urubu.

Crédito: Ricardo L S Costa

Cabe destacar também, que os índios chamam a atenção para a necessidade contínua de ações eficientes e eficazes de fiscalização ambiental