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Teoria Geral do Direito Internacional Público, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito

ordem normativa internacional. Este livro é, igualmente, fruto de um longo processo de formação, que só se tornou possível graças a generosidade, ...

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Agua_de_coco
Agua_de_coco 🇧🇷

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Curso de Direito Internacional
Volume I
Teoria Geral do Direito
Internacional Público
Leonardo Nemer Caldeira Brant
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Curso de Direito Internacional

Volume I

Teoria Geral do Direito

Internacional Público

Leonardo Nemer Caldeira Brant

Agradecimento

Gostaria de agradecer de forma calorosa e afetiva a todos, que de maneira direta ou indireta, contribuíram para a realização deste trabalho e em especial a Bruno de O. Biazatti, Bernardo Mageste e Carol Monteiro. Agradeço igualmente aos colegas do Cedin, que no passado ou no presente, atuaram com energia, inteligência e dedicação para o desenvolvimento do direito internacional em nosso país. Este trabalho representa uma exitosa colaboração com a Fundação Konrad Adenauer a quem manifesto meu agradecimento pelo relevante apoio e por ter permanentemente contribuído com o avanço dos princípios e valores que compõem a ordem normativa internacional. Este livro é, igualmente, fruto de um longo processo de formação, que só se tornou possível graças a generosidade, a humildade e ao gênio de grandes juristas e amigos. Gostaria, portanto, de expressar meu especial reconhecimento e gratidão ao Professor Arthur Diniz, ao Professor Alain Pellet e ao Ministro Francisco Rezek. Por fim, esta obra é fruto de um entusiasmo, cuja chama se mantem viva pelo amor das pessoas que nos cercam, pelo estímulo que sentimos diante da vida, dos seus mistérios e daquilo que nos fascina e amamos. Agradeço, portanto, aos meus filhos João Gabriel e Raphael, aos meus familiares, a Mônica Demas, a Guilherme Cabral e a Joice M. Costa. Leonardo Nemer Caldeira Brant Belo Horizonte 8 de dezembro de 2019

SUMÁRIO

Capítulo I - O direito internacional é um sistema normativo Seção I - O direito internacional é um sistema normativo cujo elemento distintivo é a soberania A – A rejeição à natureza normativa do direito internacional a – A natureza arcaica e primitiva do direito internacional como falso argumento de negação da sua autoridade normativa b – As particularidades do modelo de sanção na esfera internacional como argumento de negação do direito internacional 1 – A sanção coercitiva é um atributo que se vincula a eficácia da norma e não a sua existência 2 – Certas normas não admitem recurso coercitivo, visto que não necessitam de ação para que sejam executadas B – A soberania como elemento distintivo da ordem normativa internacional a – A concepção jurídica da noção de soberania e sua aplicação na esfera internacional 1 – A natureza positiva do conceito de soberania 2 – A natureza negativa do conceito de soberania b – A dinâmica da evolução do conceito de soberania e sua repercussão na esfera normativa internacional 1 – A noção de soberania nas sociedades clássicas e sua repercussão na concepção do direito internacional 2 – O conceito de soberania popular acolhido pelas democracias contemporâneas e seu impacto na esfera internacional 3 – A necessária harmonia entre a noção clássica de soberania e o conceito de ser humano como destinatário final das normas internacionais Seção II – A gênese da constituição de uma ordem normativa internacional A – O jus naturalismo na formação do direito internacional a – Francisco de Vitória b – Francisco Suárez c – Alberico Gentili B – Os conciliadores: a transição entre o direito natural e o direito voluntário e positivo a – Hugo Grotius b – Richard Zouch c – Samuel Pufendorf d – Christian Wolff

C – A consolidação de um modelo clássico de formação do direito internacional a – Immanuel Kant b – Emmerich de Vattel Seção III – A fundamentação da autoridade normativa do direito internacional A – O positivismo jurídico a – O voluntarismo jurídico b – A crítica ao dogmatismo voluntarista clássico 1 – A ausência de segurança jurídica 2 – A existência de uma ordem pública internacional manifestada no acolhimento de certa hierarquia normativa 3 – A existência de atos jurídicos não normativos 4 – A possibilidade de formação do direito internacional por via espontânea independe do consentimento manifesto 5 – A mudança na jurisprudência internacional após o caso Lotus 6 – O existência de novos atores e sujeitos do direito internacional B – O normativismo jurídico e a Teoria Pura do Direito a – O direito internacional como sistema normativo decorrente de uma norma fundamental hipotética b – A abordagem crítica à teoria pura do direito 1 – A crítica neovoluntarista 2 – A crítica sociológica 3 – A crítica pragmática C – O objetivismo sociológico e a teoria do interesse social a – O objetivismo jurídico como fundamento da autoridade normativa do direito internacional b – As incertezas decorrentes do objetivismo sociológico D – A humanização do direito internacional a – O indivíduo é dotado de titularidade internacional 1 – O caráter universal dos direitos humanos 2 – O locus standi da pessoa humana perante órgãos internacionais I – O locus standi da pessoa humana junto aos comitês de direitos humanos II – O locus standi da pessoa humana junto aos sistemas jurisdicionais de proteção regional dos direitos humanos 3 – A responsabilidade passiva do indivíduo no âmbito do direito internacional penal I – As jurisdições penais provisórias ou de natureza ad hoc i – Os tribunais penais ad hoc criados por resolução do Conselho de Segurança

2 – As consequências decorrentes da primazia do direito internacional em sua esfera de atuação I – A impossibilidade do Estado de invocar as disposições de seu direito interno ou suas deficiências e lacunas como mecanismo de justificativa da não execução de uma norma internacional II – A exceção relativa a violação manifesta de uma norma de direito interno de importância fundamental III – A jurisdição internacional não deve interpretar ou apreciar uma norma de direito interno IV – Nada impede que dois Estados encaminhem a uma jurisdição internacional uma determinada questão relativa ao direito interno V – O direito interno como fato gerador da responsabilidade internacional b – A relação entre o direito interno e o direito internacional na perspectiva do direito interno 1 – O fundamento teórico da aplicação do direito internacional na ordem normativa interna I – A teoria dualista i – As normas internacionais de origem consuetudinária, convencional ou derivada serão recepcionadas de forma distinta pelo direito interno dos Estados § - O modelo dualista de recepção do direito consuetudinário §§ - O modelo dualista de recepção do direito convencional §§§ - O modelo dualista de recepção do direito derivado ii – A inexistência de primazia de uma esfera jurídica sobre a outra II – A teoria monista i – O monismo e a hierarquia das normas internacionais e internas § - O monismo com primazia do direito interno §§ - O monismo com primazia do direito internacional ii – A aplicação direta do direito internacional na esfera doméstica Seção II – A relação entre o direito internacional e o direito interno na perspectiva do direito brasileiro A – A recepção do direito internacional pelo direito brasileiro a – O acolhimento das normas internacionais convencionais pelo direito brasileiro 1 – O procedimento de acolhimento dos tratados no Brasil I – A competência relativa à formulação da norma convencional no Brasil II – O relacionamento entre os Poderes Executivo e Legislativo na produção da norma convencional i – O relacionamento entre a atuação executiva e legislativa na celebração da norma convencional

ii – Qual o alcance e abrangência do termo “que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional” III – O procedimento de aprovação de um tratado no Brasil 2 – O regime legal dos tratados no direito brasileiro I – As regras gerais de incorporação dos tratados no direito brasileiro II – Tratados sobre direitos humanos 3 – A competência da jurisdição interna brasileira para decidir em matéria convencional internacional I – Da competência da Justiça Federal em matéria de direito internacional II – Da competência das Cortes Superiores em matéria de direito internacional i - Competência jurisdicional do Supremo Tribunal Federal em matéria convencional ii - Competência jurisdicional do Superior Tribunal de Justiça em matéria convencional iii - Competência jurisdicional do Tribunal Superior do Trabalho em matéria convencional b – O acolhimento das normas internacionais não convencionais pelo direito brasileiro 1 – A internalização das decisões de jurisdições internacionais I – A internalização das decisões da Corte Internacional de Justiça II – A internalização das decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos III – A internalização das decisões do Tribunal Penal Internacional 2 – A internalização das resoluções vinculativas do Conselho de Segurança das Nações Unidas B – A constitucionalização do direito internacional no direito brasileiro a – Princípio da Independência Nacional b – Princípio da Prevalência dos Direitos Humanos c – Princípio da Autodeterminação dos Povos 1 – A autodeterminação interna 2 – A autodeterminação externa d – Princípio da Não Intervenção 1 – A natureza do Princípio da Não Intervenção I – A Doutrina Monroe II – A não intervenção como resultado da proibição do uso da força nas relações internacionais 2 – A tensão existente entre o Princípio da Não Intervenção e a Doutrina da Intervenção Humanitária e – Princípio da Igualdade entre os Estados

C – A tensão entre o interesse coletivo e os princípios decorrentes da soberania: o caso das Nações Unidas a – A universalização das Nações Unidas e a consolidação de um modelo “quasi- constitucional” b – O alcance das decisões do Conselho de Segurança vis-à-vis de terceiros Estados 1 – O alcance das decisões do Conselho de Segurança a terceiros Estados não membros das Nações Unidas 2 – A ação excepcional do Conselho de Segurança como agente quasi- legislativo c – O interesse coletivo como mecanismo de redefinação do alcance do consentimento como elemento de autoridade da sentença da Corte Internacional de Justiça 1 – Se a autoridade da sentença da CIJ é estabelecida pela natureza jurisdicional da Corte e pelo consentimento das Partes, seu fundamento reside no interesse coletivo 2 – A autoridade da sentença da CIJ a terceiros Estados cujos interesses podem ser atingidos ou afetados pela decisão 3 – As decisões da Corte Internacional de Justiça podem apresentar uma autoridade de facto sobre os terceiros Estados na medida em que estas venham a interpretar dispositivos contidos em convenções multilaterais Seção II – A ordem pública internacional como elemento gerador de um sistema axiológico A – O jus cogens no Direito Internacional a – A comprovação da existência e do alcance das regras de jus cogens 1 – A comprovação da existência e do alcance das regras de jus cogens no direito positivo 2 – A comprovação da existência e do alcance das regras de jus cogens na jurisprudência internacional 3 – A comprovação da existência e do alcance das regras de jus cogens no direito consuetudinário b – Os elementos necessários na composição de uma regra de jus cogens 1 – A universalidade das regras de jus cogens 2 – As regras de jus cogens não possuem forma precisa ou predeterminada 3 – A identificação de uma regra de jus cogens se vincula à matéria tratada c – A extensão e o alcance normativo de uma obrigação imperativa de jus cogens 1 – Qual o efeito jurídico das normas imperativas em face de um tratado dispondo de forma contrária? 2 – As regras de jus cogens e o alcance do conceito de interesse de agir B – Certos tratados podem igualmente instituir certa hierarquia normativa

a – O significado do conceito de hierarquia normativa previsto no artigo 103 da Carta das Nações Unidas b – A abrangência e extensão do alcance do artigo 103 da Carta das Nações Unidas Seção III – A composição da sociedade internacional A – O Estado enquanto sujeito precípuo da ordem normativa internacional a – A formação e do reconhecimento dos Estados pelo direito internacional 1 – A caracterização do status de Estado no direito internacional I – A população como elemento de composição do Estado II – O território como elemento de composição do Estado III – A autoridade de governo como elemento de composição do Estado IV – A soberania como capacidade de entrar em relações com os demais Estados 2 – Os efeitos legais do reconhecimento do Estado como sujeito de direito internacional b – A precária determinação de existência de direitos e deveres inerentes à condição de Estado no sistema internacional 1 – A dicotomia entre a percepção da igualdade formal e soberana e a igualdade material e de facto 2 – A não ingerência em assuntos internos como expressão da releitura contemporânea princípio da autodeterminação B – As organizações internacionais como sujeitos do direito internacional a – Evolução histórica e elementos constitutivos das organizações internacionais b – A natureza jurídica das organizações internacionais 1 – Personalidade jurídica 2 – Competências c – A estrutura orgânica das organizações internacionais 1 – Órgãos deliberativos 2 – Órgãos administrativos 3 – Órgãos jurisdicionais C – O indivíduo como sujeito parcial do direito internacional Conclusão Referências

vincular a aplicação da ordem normativa internacional à esfera e aos atores internacionais dotados de personalidade jurídica. Assim, com ligeiras alterações, o direito internacional tem sido comumente conceituado, segundo a fórmula prevista por A. Pellet e P. Daillier “como o direito aplicável à sociedade internacional”^5. Ademais, J. Cunha e M. Pereira consideram, de modo semelhante, o direito internacional como o “conjunto de normas jurídicas que regem as relações entre todos os componentes da sociedade internacional”^6. Neste sentido, A. R. Brotóns, o trata “como o conjunto de normas jurídicas que, em um dado momento, regula as relações (direitos e obrigações) dos membros da sociedade internacional, ou seja, daqueles a quem se reconhece características de sujeito na respectiva ordem”^7. Dentro desta mesma concepção, P. M. Dupuy apresenta o direito internacional como “o conjunto de normas e instituições destinadas a reger a sociedade internacional”. E acrescenta que “em princípio o Direito Internacional se aplica apenas a Estados, e por extensão, às organizações internacionais intergovernamentais”^8. Este conceito do direito internacional assentado na ideia do vínculo entre a existência de uma ordem normativa internacional aplicada a um determinado grupo social internacional, por mais simples que possa parecer, esconde mais que revela. De fato, aceitar que o direito internacional regula as relações jurídicas no âmbito da sociedade internacional não significa de forma alguma conceituá-lo^9. Tem-se aqui apenas a determinação de que o direito internacional é um conjunto normativo e que este conjunto normativo é sistematizado e aplicado a um determinado grupo social. Entretanto, ao se buscar detalhar o que tais elementos significam na realidade, observa-se que os desacordos de base já se tornam aparentes. Afinal, o que seria uma sociedade internacional? Qual sua real abrangência? E como distingui-la, de fato, da noção de comunidade internacional que obviamente tem um forte apelo próximo a uma lógica de vizinhança, de interesses comuns e de fraternidade entre os membros do grupo social internacional? A mudança de nomenclatura indicaria, de fato, uma maior integração de seus membros, bem como a superação de seu aspecto puramente interestatal^10? O direito internacional seria algo de fato distinto tal como definido por C. Rousseau como o “conjunto de regras aplicadas à comunidade internacional”^11? O mesmo (^5) A. Pellet, P. Daillier, Droit International Public, 7ª ed., Paris, T.G.D.J, 2002, p.35. (^6) J. Cunha; M. Pereira, Manual de Direito Internacional Público, Coimbra, Almedina, 2000, p. 15. (^7) A. R. Brotóns, Derecho Internacional, Madri, Tirant lo Blanch, 2007, p.45. (^8) P. M. Dupuy, Droit International Public, 3ª ed., Paris, Dalloz, 1995, p.1. (^9) J. A. Carillo Salcedo, Droit International et Souveraineté des Etats, R.C.A.D.I., 1996, p.35-222. (^10) R. J. Dupuy, Communauté Internationale et Disparités de Développement, R.C.A.D.I., 1979, p.9-231. (^11) C. Rousseau, Droit International Public, Tome I, n. 1, Paris, 1983, p. 13.

não poderia ser dito diante da definição proposta por P. Reuter, para quem o direito internacional é “constituído por um conjunto de regras que presidem a existência e o desenvolvimento de uma comunidade internacional”^12? O que se observa na esfera internacional, todavia, é que a qualidade do vínculo entre os membros que compõem este grupo social é profundamente variável dependendo da área temática. Em outras palavras, pode-se perfeitamente verificar um estreito reconhecimento de valores de vizinhança no campo dos direitos humanos, o que caracterizaria certamente uma noção próxima à ideia de existência de uma comunidade internacional nesta esfera. Em outros domínios, não obstante, o grupo social internacional pode se relacionar de forma ainda descentralizada e anárquica, qualidades que são próprias ao conceito de sociedade. Deste modo, aparentemente, o direito internacional transitaria entre a tensão resultante, por um lado, da aspiração de constituição de uma comunidade desejosa de cooperação e de reconhecimento de certos valores que lhes são intrínsecos e, por outro, de uma sociedade fragmentada por interesses particulares. Contudo, mesmo se considerarmos que a expressão “sociedade” ou “comunidade” internacional ainda é cabível para descrever o modo de relacionamento dos atores internacionais no cenário internacional, outro problema se coloca. Afinal, qual seria, de fato, a sua composição? Seria ela prioritariamente ou unicamente composta por Estados soberanos? Se admitirmos que este é o caso, pareceria evidentemente apropriada a definição dada por H. Bonfils, para quem o direito internacional deveria ser conceituado como “o conjunto de regras que determinam os direitos e deveres respectivos dos Estados em suas relações mútuas”^13. Em sentido similar, M. P. Brichambaut afirma que “o direito internacional público é o direito aplicável à sociedade internacional, onde os Estados são os principais atores”^14. O mesmo pode ser dito do conceito dado por D. Carreau, que entende que o direito internacional deve ser concebido como “o conjunto de regras que presidem as relações interestatais’^15. F. Castberg segue na mesma direção e sustenta finalmente que “o direito internacional público é uma ordem legal criada a partir do relacionamento entre os Estados e legalmente obrigatória para eles”^16. M. Bedjaoui propõe entendimento equivalente, considerando o direito internacional como o “corpo de (^12) P. Reuter, Droit International Public, Paris, PUF, 1976, p. 13. (^13) H. Bonfils, Manual de Droit International Public, Paris, 1894, p. 1. (^14) M. P Briichambaut; J. Dobelle; M. d’Haussy, Leçons de droit international public, Paris, Presses de Sciences Po; Dalloz, 2002, p. 21. (^15) D. Carreau, Droit International, 9ª ed., Paris, Pedone, 2007, p.34. (^16) F. Casteberg, International Law in Our Time, RCADI, 1973, p.5.

parece ser dada a um direito em transição. Neste sentido, T. Buergenthal e J. O’Brien apresentam definições bem mais complexas. Assim, para o primeiro, o direito internacional “tem um alcance amplo e pode ser definido mais adequadamente como o direito que lida com a conduta dos Estados e das organizações internacionais e com suas relações inter se , bem como nas relações com pessoas, sejam naturais ou jurídicas”^22. Para o segundo, “no começo do século XX, poder-se-ia afirmar com segurança que o direito internacional público lidava somente com as relações entre os Estados; porém, hoje é aceito que o tema se estende aos direitos e deveres de organizações internacionais, empresas e indivíduos”^23. No mesmo sentido, E. Decaux salienta que “por muito tempo, o direito internacional ficou limitado às relações entre os Estados, depois se estendeu às organizações internacionais criadas por estes Estados e, após, igualmente às pessoas naturais e jurídicas”^24. O direito internacional é aqui definido pela determinação de seus sujeitos e destinatários, como se em um processo histórico a tendência fosse de maior inclusão de novos atores. Mas será que com isto podemos afirmar com segurança que o direito internacional caminha em direção a uma fase evolutiva? A este respeito há igualmente inúmeras controvérsias. Visando solucioná-las, B. Conforti muda um pouco o foco da definição e se interessa menos pelos sujeitos, autores e destinatários da norma e mais pela matéria tratada. Assim, segundo o professor italiano, “a característica mais relevante do direito internacional atual é dada justamente pela circunstância de que este não regula somente as matérias atinentes às relações interestatais, sendo que, além de dirigir-se fundamentalmente aos Estados, o direito internacional tende a disciplinar matéria atinente às relações individuais, ou seja, às relações internas das comunidades estatais”^25. Mas qual seria este conteúdo material atinente às relações interestatais ou internas das comunidades estatais ao qual Conforti faz referência? A resposta gera nova polêmica, mas a definição dada ilumina outro ponto. Afinal, o direito internacional pode não só ser definido pelos seus autores e destinatários, mas também pelo seu conteúdo material e seu objeto. Sob essa ótica, D. Ruzié se presta ainda a conceituar o direito internacional considerando precipuamente a sua função, de sorte que o define como “ordem normativa (atuando como) um fator de organização social que (^22) T. Buergenthal, S.D. Murphy, Public International Law in a Nutshell, St. Paul, Westgroup, 2003, p. 2. (^23) J. O’Brien, International Law, London, Cavendish, 2002, p.1. (^24) E. Decaux, Droit International Public, 5ª ed., Paris, Dalloz, 2006, p.16. (^25) B. Conforti, Derecho Internacional, Buenos Aires, Zavalia, 1995, p.13.

cumpre uma função dupla: reduzir a anarquia das relações internacionais assegurando a coexistência entre os Estados e satisfazer interesses comuns”^26. Esta parece também ser a posição adotada por Antônio Celso A. Pereira, que sustenta que o direito internacional é realizado a partir de sua aspiração material e de seu conteúdo. Assim, o direito internacional representa um “conjunto de normas e instituições que tem como objeto reger a vida internacional e construir a paz, promover o desenvolvimento, em suma, buscar a realização e a dignidade do gênero humano”^27. Na mesma linha, o professor Arthur José de Almeida Diniz demonstra que “uma das tarefas urgentes do direito é a de restaurar a saúde ética da humanidade. Tornar efetivo o respeito à pessoa humana em virtude da descoberta de sua importância para quaisquer planos políticos”^28. Tal conceito segue a tradição do novo jus gentium proposto, em larga medida, pelo juiz brasileiro Antônio Augusto Cançado Trindade, para quem o direito internacional deve ser visto em uma dimensão mais ampla, tendo como destinatário a humanidade, ou seja, as gerações presentes e futuras^29. Esta definição parece profundamente apropriada e desejável. Mas será que reflete de fato a realidade do direito internacional existente ou espelha mais uma pretensão própria a um direito que aspiramos construir? Em uma perspectiva kelseniana tal proposta não estaria mais próxima do domínio do dever-ser do que do ser? Diante desta pluralidade de visões, o que se observa assim é que se por um lado o direito internacional tem, na superfície, uma feição aparentemente clara, por outro este não se revela inicialmente em toda a sua complexidade^30. Em outras palavras, embora reconheçamos o direito internacional quase que instintivamente e tenhamos uma primeira noção aparentemente abrangente e precisa, a verdade é que este não se desvenda facilmente e a compreensão de toda sua diversidade exige uma análise bem mais cautelosa, ampla e detalhada. Afinal, qual deve ser o conceito ideal do direito internacional e como formulá-lo? Como fazê-lo diante das dúvidas relativas à delimitação dos contornos do grupo social sobre o qual esta normativa recai? Qual é a natureza normativa deste sistema? Qual o (^26) D. Rudizé, Droit International public, Paris, Dalloz, 2008, p. 1. (^27) A. C. Alves Pereira, Soberania e Pós modernidade, 619-662. In L. N. C. Brant (coord.). O Brasil e os Novos Desafios do Direito Internacional, Rio de Janeiro, Ed. Forense, 2004, p. 621. (^28) A. J. A. Diniz, Novos Pradigmas em Direito Internacional Público, Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris Editor, 1995, p.79. (^29) A. A. C. Trindade, International Law for Mankind: Towards a New Jus Gentium, General Course on Public International Law, R.C.A.D.I, 2006, pp. 59-60. (^30) A. Dauzat, Nouveau Dictionnaire Étymologique et Historique, Paris, Larousse, 1971, p.56.

em primeiro lugar, uma ordem jurídica, normativa e vinculante, elaborada de forma coordenada. Mas o direito internacional tem igualmente características e especificidades que lhe são particulares, oriundas da sua plena autonomia como ciência em relação a qualquer outra ordem normativa. Isto significa que o substrato do direito internacional, na sua essência, na sua formação, na sua aplicação e nos instrumentos que o regulamentam, se distingue tanto do direito interno, quanto do próprio direito internacional privado, que essencialmente é parte integrante da ordem normativa de vocação constitucional. O direito internacional não é criado pelo direito doméstico nem é dele dependente, não se confundindo com um “direito externo” aos Estados, possuindo uma natureza própria. A autonomia é, assim, um segundo elemento essencial na construção do conceito. Por fim, deve-se considerar que qualquer sistema normativo é obrigatoriamente inserido em uma certa esfera social. Não há direito que não seja aplicado em uma sociedade determinada, assim como não há sociedade que não esteja sujeita a uma regulação jurídica. Isto significa que o direito internacional, ao regular as relações sociais na esfera internacional, espelha igualmente as especificidades deste modelo de organização social. Em outras palavras, a ordem normativa internacional se adequa e se acomoda às características de seu destinatário internacional, enquanto simultaneamente o impacta e o molda segundo o seu próprio império. A composição e as características desta ordem normativa estão, portanto, intimamente relacionadas às especificidades do grupo social sobre o qual ela recai. Visto desta maneira, a análise dos fundamentos do direito internacional se divide em 3 capítulos. No primeiro será tratada a questão relativa a natureza normativa e vinculante do direito internacional. Reserva-se ao Capítulo II os esclarecimentos relativos à sua autonomia, enquanto no Capítulo III pretende-se abordar a interação entre o direito internacional e o universo social sob o qual ele recai.

Capítulo I - O direito internacional é um sistema normativo

O direito é certamente um modo de controle social composto por um conjunto de obrigações, cuja pretensão é a de regulamentar um determinado comportamento. Esta definição abrangente, entretanto, contempla outras esferas de controle. As normas morais e éticas, por exemplo, gênero do qual o direito é apenas uma espécie, prescrevem igualmente atitudes desejáveis e podem também tratar de temas de natureza política,

profissional, familiar, religiosa, ou mesmo de cunho social. O que diferencia, portanto, uma norma jurídica de qualquer outro conjunto de obrigações? O que distingue o direito dos outros modos de controle social? Evidentemente o direito contém especificidades que lhe são particulares. Mas, como reconhecê-las? A resposta pode ser longa e exaustiva. Várias são as características próprias ao universo jurídico. Contudo, um elemento parece essencial. O direito não apenas molda, mas igualmente normatiza uma determinada relação social. Esta vocação normativa traz como consequência o fato de que o direito deve ser necessariamente sistematizado e coerente. Uma obrigação tem que estar atrelada a outra dentro de uma estrutura lógica. Isto significa que o direito não pode ser visto como uma obrigação isolada. Afinal, um conjunto de normas pode não ser uma ordem jurídica, assim como um conjunto de folhas e galhos pode não ser necessariamente uma árvore^31. Esta uniformidade sistêmica do direito impera igualmente na esfera internacional. O direito internacional, com as devidas qualidades que lhe são particulares, está atrelado a uma ordem jurídica que lhe confere um sentido e um alcance determinado. A norma internacional não é, portanto, uma obrigação de comprovada natureza vinculante, mas destacada do conjunto. Ao contrário, esta deve ser vista como parte de um agrupamento ordenado e uniforme. Ela é uma peça na formação de uma unidade lógica e coesa^32. E é esta uniformidade que garante a legitimidade obrigacional. Em outras palavras, o direito internacional não é apenas uma obrigação destacada, mas igualmente um sistema normativo ordenado, ou seja, um conjunto de regras agrupadas de forma sistemática, coerente e com certa identidade e integração^33. Tal característica remete necessariamente a uma afirmação complementar. Se o direito internacional decorre de uma ordem sistêmica organizada e coerente, e não apenas de uma justaposição lacunar de regras mal articuladas entre si^34 é natural que este seja forçosamente constituído por propriedades peculiares, que lhe serão próprias e que podem ser analisadas a partir de três ângulos distintos. Inicialmente, deve-se demonstrar como o conceito de soberania interage de forma particular na ordem internacional, moldando-a e adaptando-a aos seus imperativos (seção (^31) M. Virally, sur La Prétendue ‘Primitivité’ du Droit International, Recueil de Travaux, Mémoires Publiés par la Faculté de Droit de Genève, 1969, pp. 201-213. (^32) M. Virally, Notes sur la Validité du Droit et son Fondement (Norme Fondamentale Hypothétique et Droit International), Recueil d’études en hommages à Charles Eisenmann, Cujas, 1975, pp. 453-467. (^33) P.M. Dupuy, Droit International Public, Paris, Dalloz, 2006, p.12. (^34) J. Combacau, Le droit international, bric à brac ou système? Archives de philosophie du droit, 1986, pp. 85 - 105.