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tral tem sido a de Andrew Linklater, esse debate é cada vez mais in- fluente na produção de muitos acadêmicos. A Teoria Crítica da Escola de Frankfurt.
Tipologia: Notas de aula
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teóricas em Relações Internacionais, sobretudo nas últimas déca- das 1. A bem da justiça, não se afirma que a academia houvesse rele- gado o campo teórico das Relações Internacionais a uma posição de reduzida relevância, contudo, é razoável supor que as diversas tradi- ções teóricas careciam de um debate real.
A eterna caracterização das relações internacionais como um diálo- go meliano perpétuo, isto é, um conflito entre poder e moralidade, entre força e justiça, não condiz à respeitável e diversificada produ- ção teórica^2. As tradições realista e liberalista beneficiaram-se imen- samente desse state of affairs , souberam tirar proveito para se fortale- cerem na qualidade de perspectivas predominantes (a realista mais
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CONTEXTO INTERNACIONAL Rio de Janeiro, vol. 27, no^ 2, julho/dezembro 2005, pp. 249-282.
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do que a liberalista), mesmo que disfarçando seu domínio, sugerindo que houvesse um debate com a corrente rival. Quero dizer que, em- bora seja aceito que majoritariamente os acadêmicos se identificas- sem com um ou outro protagonista do chamado primeiro debate, tal quadro não pode ser retratado às expensas das demais abordagens que surgiram ao longo do século XX, ainda mais nas décadas finais. Do contrário, trata-se de um desserviço ao estudo da evolução teórica das Relações Internacionais.
Grosso modo, a chegada de novas correntes teóricas submete-se a uma lógica. Trata-se de inovações que atingem outros campos de es- tudo ditos das ciências sociais antes de alcançarem os domínios das Relações Internacionais. Essa observação se baseia na histórica ten- dência de os acadêmicos manterem a disciplina hermeticamente fe- chada e rejeitarem questionamentos acerca dos postulados epistemo- lógicos e ontológicos fundamentais das Relações Internacionais. Identificamos nitidamente essa tendência no caso do pós-modernis- mo e do pós-estruturalismo, assim como na teoria crítica, abordagem ora em voga.
Não pretendo aqui me aprofundar na apresentação do advento de correntes novas antes do início dos anos 1980. Esse momento sinali- za o início de um processo de redescoberta das questões metateóri- cas. Lembramos que, por metateoria, fazemos alusão aos aspectos ontológicos e epistemológicos na produção de conhecimento. Esse alerta se deu, em grande parte, pela chegada da teoria crítica às Rela- ções Internacionais. Nisso, não há como menosprezar a influência de Robert Cox.
Neste artigo, opto por iniciar examinando os pressupostos históricos da teoria crítica, notadamente o pensamento político e social da cha- mada Escola de Frankfurt, particularmente o trabalho de Max Hork- heimer (1990). Desejo explicitar a estreita relação entre os frankfur- tianos em sua busca pela emancipação, e a noção de limite sobre as
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Seguramente, podemos afirmar que a preocupação central da teoria crítica é a emancipação. Esses teóricos despertaram para o fato de que as expectativas geradas em torno da expansão da experiência so- cialista russa, sobretudo para o ocidente, não se concretizavam. Os temores do mundo ocidental eram de que a revolução ocorrida em outubro de 1917 se alastrasse para outros cantos, o que acabou não ocorrendo. Pelo contrário, no ocidente não havia sinais de que os par- tidos comunistas e socialistas estivessem próximos de chegar ao po- der, pelas vias democráticas ou não.
Concentrando a atenção no trabalho de Max Horkheimer (1990), po- de-se dizer que, afora ser talvez a figura mais influente da Escola de Frankfurt, terá grande influência sobre as proposições epistemológi- cas de Cox.
Para os propósitos deste trabalho, examinaremos uma das idéias principais de sua obra: a dialética do esclarecimento. Horkheimer chamava atenção para o papel da racionalidade restritiva no desen- volvimento da civilização ocidental, no desencantamento do mundo. Findada a era das explicações metafísicas, a racionalidade tomava seu lugar como critério único e absoluto para a validação do conheci- mento humano. Acreditava-se no caráter emancipatório desse novo modo de conhecer. A racionalidade instrumental da ciência moderna distanciou-se da busca pela emancipação, passando a prezar a subju- gação da natureza pelo homem: conhecer para prever, prever para controlar. Essa contradição precisava ser esclarecida. A busca pelas regularidades do mundo real pouco serviu aos propósitos libertários que a racionalidade moderna advogava. Pelo contrário, o domínio da ciência serviu, por meio do desenvolvimento da técnica, para o domí- nio do meio ambiente. Qual seria a implicação para o mundo social?
Horkheimer, apropriadamente, identificou um equívoco fundamen- tal aqui. As chamadas ciências sociais não poderiam seguir os mes- mos pressupostos epistemológicos das ciências naturais, as que sem-
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pre serviram de modelo para as demais, por uma razão muito sim- ples: o mundo social distingue-se do mundo natural em diversos as- pectos. Cientistas sociais não poderiam ser como seus colegas natu- rais, no sentido de se considerarem desinteressados e independentes da sua matéria de estudo porque fazem parte da sociedade que estu- dam. Repetir os mesmos postulados epistemológicos das ciências naturais impunha pesados custos sobre as ciências sociais.
A conclusão decorrente disso é a constatação da influência que inte- resses impõem sobre a produção de conhecimento. Afinal, a aplica- ção indiscriminada de metodologias das ciências naturais, com suas posições epistemológicas subjacentes, tendia à reprodução da ordem existente. Isso é problemático, porque, ao invés de avançar a emanci- pação, no mundo moderno, constava-se a subjugação da natureza e a dominação do homem pelo próprio homem. É nesse contexto que Horkheimer propõe uma ruptura epistemológica.
É aí que surge a diferenciação entre a teoria tradicional e a teoria “crí- tica”: a primeira enxerga o mundo como um conjunto de fatos que aguardam ser descobertos pelo uso da ciência – positivismo. Hork- heimer defendia que teóricos tradicionais estavam equivocados ao propor que o “fato” a ser descoberto pudesse ser percebido indepen- dentemente da estrutura social em que a percepção ocorria. Mas a si- tuação era mais grave, já que a teoria tradicional estimulava o aumen- to da manipulação de vidas humanas. Ela via o mundo social como uma área para controle e dominação, como a natureza, e, portanto, indiferente às possibilidades da emancipação humana.
Horkheimer propunha a adoção da teoria crítica. Esta não enxerga fa- tos da mesma forma que a teoria tradicional. Para teóricos críticos, fatos são produtos de estruturas sociais e históricas específicas. A percepção de que teorias estão fixadas nessas estruturas permite que os teóricos críticos reflitam sobre os interesses atendidos por uma te- oria particular. O objetivo explícito da teoria crítica é promover a
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racionalidade. Elas pressupõem um certo grau de subjetividade ex- plicitado pelos postulados metateóricos do teórico/analista.
Desafios Epistemológicos da Teoria Crítica em Relações Internacionais
O pensamento frankfurtiano imprimiu um impacto profundo sobre a produção científica nas ciências sociais já nas primeiras décadas do século XX. Contudo, as discussões epistemológicas que vieram à tona há muito se mantiveram além das fronteiras das Relações Inter- nacionais. Desde sua gênese^5 , as controvérsias que nutriam o desen- volvimento desse campo de estudo eram assaz estreitas, se vistas a partir das questões a serem levantadas pela teoria crítica. O primeiro debate (realismo político versus idealismo) foi protagonizado por correntes que talvez tivessem muito mais semelhanças do que dife- renças no que se refere aos fundamentos epistemológicos. O chama- do segundo debate (tradicionalistas versus comportamentalistas/ci- entificistas), embora também conhecido como um debate metodoló- gico, só fez sentido por apartar metodologias que também traziam si- militudes epistemológicas. Por fim, o terceiro debate é ele próprio motivo de debate: para uns, divide neo-realistas e neoliberais; para outros, neo-realistas e globalistas; para outros ainda, epistemologias positivistas e pós-positivistas. Portanto, não seria exagero afirmar que um verdadeiro debate metateórico se inicia com a teoria crítica.
Preliminarmente, convém examinar o ponto de partida de Robert Cox (1995a). Não há teoria propriamente dita dissociada de um con- texto histórico concreto. A teoria é a maneira como a mente funciona para compreender a realidade confrontada. É a autoconsciência da mente, a consciência de como a experiência dos fatos é percebida e organizada para ser compreendida. Além disso, a teoria também pre- cede a construção da realidade no sentido de que ela orienta a mente
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daqueles que, por meio de suas ações, reproduzem ou transformam a realidade.
Para apresentar os desafios da teoria crítica, explorei seus quatro ali- cerces básicos, a saber: a relação entre o sujeito cognitivo e o seu ob- jeto de estudo; a influência de interesses e valores sobre a teoria; a mutabilidade da realidade social; e os modos de teoria que surgem. Em seguida, examinarei com maior detalhamento esses alicerces.
A relação tradicional do cientista político com seu objeto de estudo é de distanciamento para possibilitar a “descoberta” de leis universais. Esse é um postulado da ciência moderna, aplicável aos demais cam- pos de estudo. Imagina-se uma postura análoga à do cientista natural que analisa seu objeto de estudo por meio de um microscópio. Nada exemplifica melhor o distanciamento. O cientista não acredita que faz parte de seu objeto, muito menos que pode nele interferir de algu- ma maneira. Sua função se resume a encontrar regularidades que le- vem à possibilidade de previsão.
Contudo, essa postura é inadequada para as chamadas ciências sociais, por um motivo basilar: o cientista é ele próprio parte de seu objeto de estudo. Lembremos que essa característica já fora identificada pela Escola de Frankfurt. Em vez de reproduzir também suas conseqüên- cias epistemológicas, nesse particular, chamo atenção para a impor- tância que Cox ( idem ) atribui às ontologias.
A ontologia precede a investigação. Antes de iniciar a tarefa de tentar tornar o mundo que nos cerca mais inteligível, as ontologias já estão presentes, já se fazem evidentes na maneira como enxergamos o que está em nossa volta. Para definir um problema, e esse é o ponto de partida da investigação científica, da pesquisa, urge conhecer e reco- nhecer as entidades envolvidas, bem como as relações entre elas. Te- orias são construídas sobre tais premissas. Os termos que usamos para identificar as entidades e as relações têm significados ontológi- cos. Estes significados não são resultado de descobertas ou revela-
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ceito que usamos para designar uma determinada idéia, passando pe- los diversos entendimentos que um conceito pode expressar, até che- garmos à questão mais abrangente que entenderá que nossa(s) onto- logia(s) é (são) também a representação de nossa visão de mundo. Cox (1995a) afortunadamente aponta a importância que a historici- dade exerce sobre essa(s).
Outra característica definidora do campo de estudo das Relações Internacionais, para Devetak (1995), tem sido a omissão de conside- rações acerca da relação entre conhecimento e valores. Esta relação somente atraiu atenção por advertir contra os perigos que se apresen- tam quando valores influenciam a pesquisa. O estado do conheci- mento, a justificação de reivindicações da verdade – truth claims –, a metodologia aplicada, o escopo e o alcance da pesquisa eram ques- tões fundamentais que as Relações Internacionais ignoravam, em seu próprio detrimento ( idem ).
A teoria é obrigatoriamente condicionada pela influência social, cul- tural e ideológica, e cabe à teoria crítica a tarefa de revelar os efeitos desse condicionamento. Busca, também, trazer à consciência pers- pectivas latentes, interesses ou valores que dão origem a, ou orientam qualquer teoria. O conhecimento que a teoria crítica persegue não é neutro; é política e eticamente carregado por um interesse na trans- formação social e política. Hoffman ( apud Devetak, 1995) entende que não é meramente uma expressão das realidades concretas da si- tuação histórica, mas também uma força transformadora dessas con- dições (Devetak, 1995:151).
É claro que a teoria crítica incorporará nitidamente a dimensão da in- fluência dos interesses na produção teórica. Contudo, o mesmo tal- vez não proceda na discussão da ação dos valores. A bem da verdade, teóricos críticos têm sido freqüentemente acusados por teóricos nor- mativos de se absterem das discussões normativas substantivas. A acusação fundamenta-se no fato de a teoria crítica defender uma “or-
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dem alternativa”, presumivelmente “melhor”; concomitantemente, não indica com clareza o que constitui uma ordem “boa”, em se tra- tando da dimensão ética. Em que medida a ordem que se busca supe- ra a ordem atual? Para a teoria normativa, somente o aprofundamen- to das discussões sobre a ética e a moral nas relações internacionais poderia oferecer algum tipo de resposta a tais indagações. Nisso, os teóricos normativos aparentam ter razões ao assinalar o curioso si- lêncio da teoria crítica a esse respeito.
O enfoque da teoria crítica, além de ser seu interesse manifesto, é a transformação da ordem internacional, no que se refere à realidade política, econômica e social. Mais do que isso, para a teoria crítica qualquer perspectiva que parta da premissa de que existam aspectos de tal realidade que sejam permanentes ou imutáveis é falaciosa. Para sustentar essa censura, Cox (1995a) aponta para um equívoco basilar da tradição realista: a suposição de que o Estado é sempre um Estado. Dito de outra maneira, realistas tendem a não problematizar o objeto básico do estudo tradicional das Relações Internacionais. Ao contrário, sugerem que as cidades-Estados helênicas da Antigüi- dade Clássica (Tucídides, 2002) têm muito em comum com as cida- des-Estados da península itálica na Idade Média (Maquiavel, 1982), que, por sua vez, não apresentam maiores disparidades se compara- das aos Estados-nação do início da era moderna (Tratados de Paz de Westfália, 1648), os quais não teriam sofrido mudanças fundamen- tais até os dias de hoje. Será mesmo que não haveria dessemelhanças entre essas formas de comunidades políticas distanciadas por milha- res de anos? Ontologicamente, o conceito de Estado não significa a mesma coisa para os contextos citados.
O pensamento realista procura regularidades no sistema internacio- nal, que lhe permitam prever como as entidades políticas se compor- tarão. Para isso, interpreta realidades distintas, buscando apontar ca- racterísticas que sugerem continuidades. Mas será mesmo que a composição e interação das idéias, a organização material e as insti-
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A perspectiva seria a localização espaço-temporal. Em sintonia com a crença de que o contexto social do sujeito influi em suas definições ontológicas, na maneira que elege para interpretar a realidade social, a perspectiva reflete precisamente a extensão dessa função. Por exemplo, o realismo político é intensamente associado a teóricos es- tadunidenses (Morgenthau, Deutsch etc.) e britânicos (Carr etc.)^6. A localização espaço-temporal aponta para uma coincidência: trata-se de teóricos de nacionalidade de um Estado-nação hegemônico em decadência (Grã-Bretanha, ao menos no momento em que Carr es- creve) e de um Estado-hegemônico em ascensão (Estados Unidos, principalmente no pós-Segunda Guerra Mundial). O fato de que o re- alismo político principia seu domínio no período auge de domínio estadunidense não pode ser relegado ao acaso. A corrente de pensa- mento realista parece ter uma ligação clara com uma forma de inter- pretar as relações internacionais que reflete e atende aos interesses do Estado hegemônico. De forma semelhante, a aplicação do mesmo raciocínio sobre os teóricos dependentistas revela uma característica semelhante: estamos diante, nesse caso, de uma série de pensadores oriundos de Estados periféricos ou semiperiféricos^7.
“O mundo é visto de uma posição definida em termos de nação ou classe social; de dominação ou subordinação; de ascensão ou declí- nio de poder; de um sentido de imobilidade ou de crise atual; de expe- riências passadas e de esperanças e expectativas para o futuro. Uma teoria jamais é a expressão pura e simples de sua perspectiva. Por ou- tro lado, quanto maior a sua sofisticação, mais ela reflete sobre si e transcende sua perspectiva. Por conseguinte, não existe teoria por si só, divorciada de sua posição no tempo e no espaço. Quando uma te- oria se apresenta como tal, faz-se necessário examiná-la como uma ideologia, e tentar revelar sua perspectiva” (Cox, 1995a: 87)^8.
A crítica coxiana não leva a supor que a busca por um conhecimento neutro ou imparcial deva inspirar o teórico. Ao contrário, afirma que todo conhecimento refletirá particularidades de quem o produz, e das
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quais o teórico não pode se julgar imune. A perspectiva deve ser compreendida como o contexto histórico a partir do qual a produção teórica ocorre. Isso significa examinar de onde emerge o teórico; é o seu ponto de partida fundamental. Sua teoria poderá transcender esse ponto de gênese e adquirir uma percepção histórica, ou poderá se li- mitar a ele.
Cada teoria também abrange uma problemática, ou mais. A proble- mática refere-se às premissas da vida social que cada teoria deseja abranger. Cada teoria também elege dentre os múltiplos aspectos da realidade que compõem seu objeto de estudo, quais serão foco de sua preocupação. Sendo assim, não é tarefa árdua identificar a problemá- tica do realismo político: a questão da segurança internacional. A te- oria da dependência também apresenta uma problemática claramen- te distinguível. Trata-se de uma abordagem que busca compreender o motivo que impedia países não-desenvolvidos de evoluírem em di- reção ao desenvolvimento.
Uma teoria sempre serve a alguém e a algum propósito. É imprescin- dível conhecer o contexto em que é gerada e usada; igualmente impe- rativo é conhecer se o objetivo do teórico e de quem se utiliza da teo- ria é manter a ordem social existente ou mudá-la. Esses dois propósi- tos levam a duas espécies de teoria. A teoria de resolução de proble- mas – problem-solving theory – aceita o mundo como um dado, e aponta para a correção de disfunções ou problemas específicos que emergem dentro da ordem existente. O objetivo geral da resolução de problemas é fazer com que as relações e instituições prevalecentes de dominação social e política funcionem bem por meio do enfoque das origens específicas dos problemas. Como o padrão geral das relações e instituições não é passível de crítica, problemas específicos são analisados em relação às áreas especializadas de atividades em que surgem. Portanto, a resolução de problemas representa uma modali- dade de teoria que tende a colaborar com a manutenção das relações e instituições sociais e políticas, ou seja, expressa um intento conser-
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Nesta seção, examinarei algumas das idéias centrais do pensamento gramsciano para, em seguida, observar a sua transposição para as re- lações internacionais. Observa-se, novamente, o fruto do esforço de Robert Cox (1995b), embora outros autores também nos sirvam de referência (Gill, 1993; 1998; Jardim, 2002).
Gramsci é considerado por muitos o maior teórico neomarxista. Sua preocupação fundamental resume-se em compreender as deficiênci- as nas previsões que Marx havia feito acerca da expansão das expe- riências revolucionárias socialistas, particularmente nas sociedades capitalistas mais avançadas. Nisso há um paralelo com a primeira ge- ração da Escola de Frankfurt. Enquanto os frankfurtianos identifica- ram a influência da cultura, a burocracia, a natureza do autoritarismo, a questão da razão e da racionalidade e discussões epistemológicas para explicar o fracasso no alastramento do socialismo, Gramsci bus- cou elucidar a influência da hegemonia nesse fenômeno. Todos tra- balharam uma temática claramente situada na superestrutura.
Há que se ter em mente que o conceito de hegemonia de Gramsci (2000) guarda pouca semelhança com o termo usado habitualmente nas Relações Internacionais e com o conceito derivado do realismo. Para realistas, trata-se do Estado dominante no sistema internacio- nal, ou do Estado mais forte em uma região específica. Gramsci ( idem ) buscou alargar esse entendimento em decorrência de seu con- ceito mais amplo de poder.
O desenvolvimento do conceito gramsciano de hegemonia apresen- ta-se como uma discussão produtiva. A noção de hegemonia como uma ordem política relativamente incontestada, e habitualmente acei- ta de maneira passiva, isto é, uma combinação da coerção e do con- sentimento, abre múltiplas possibilidades de reinterpretação da rea- lidade internacional^9. A hegemonia, exercida por forças sociais que detêm o controle do Estado, tem por finalidade a produção do con- sentimento nas demais. Gramsci ( idem ) entendeu que os valores mo-
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rais, políticos e culturais do grupo dominante são dissipados por meio das instituições da sociedade civil, obtendo o status de signifi- cados intersubjetivos compartilhados, daí a noção de consentimento. As ideologias dominantes proliferam-se de tal maneira que passam à qualidade de senso comum.
O sentido do termo “sociedade civil” aqui empregado diz respeito à rede de instituições e práticas da sociedade que gozam de relativa au- tonomia do Estado, por meio das quais grupos e indivíduos se organi- zam, representam-se e expressam-se.
Dessa forma, as possibilidades de mudança surgem da noção de blo- co histórico, ou seja, as relações entre a base material (in- fra-estrutura) e as práticas político-ideológicas que sustentam uma certa ordem. A transformação somente emergirá se a hegemonia for contestada. O lócus para tal seria a sociedade civil, uma vez que inici- ativas contra-hegemônicas devem desafiar a hegemonia a fim de que surja um bloco histórico alternativo.
Outra implicação dessas premissas impõe que, se a perpetuação da dominação da classe governante ocorre por meio da hegemonia, a transformação só poderá advir se a hegemonia for contestada. Isso compreende uma luta contra a ordem prevalecente no cerne da socie- dade civil, compreende uma contra-hegemonia, em busca de um blo- co histórico alternativo^10. A fim de transcender determinada ordem, há que se ter em mente que na contra-hegemonia, a legitimidade polí- tica e a mudança histórica representam estruturas historicamente li- mitadas.
Nesse ponto, convém afirmar que uma transposição da teoria política de Gramsci acerca da política doméstica italiana nas décadas de 1920 e 1930 para a esfera internacional ou para a política mundial não é ta- refa das mais fáceis, nem pode ser feita de maneira direta. Em que pe- sem essas dificuldades, os autores dessa corrente têm obtido um êxi- to surpreendente, constatado a seguir.
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cados intersubjetivos tendem a ser largamente generalizados em dado contexto histórico, as imagens coletivas são significativamente mais numerosas e divergentes.
As instituições são fundamentais. Segundo Cox ( idem ), desempe- nham função vital na estabilização e perpetuação de uma ordem par- ticular. Originalmente, tendem a reforçar as relações de poder esta- belecidas, cultivando imagens coletivas compatíveis. Contudo, no decorrer do tempo, imagens coletivas rivais ou até instituições con- correntes podem ser criadas e lançadas. As instituições refletem, por conseguinte, uma combinação específica de idéias e poder material, entretanto, podem também transcender a ordem original e influenci- ar o desenvolvimento de novas idéias e capacidades materiais.
Essa posição se clarifica quando se aplicam as estruturas históricas a três níveis: formas de Estado, forças sociais e ordens mundiais. Exa- minemos as implicações conseqüentes. A interação dos três níveis proíbe qualquer hierarquia determinada a priori das relações. Além do mais, cada nível é o resultado da luta entre estruturas rivais.
O nível inicial abrange os complexos Estado/sociedade. Chama-se atenção para as formas e estruturas de Estado que sociedades especí- ficas desenvolvem. A historicidade da forma de qualquer Estado é uma derivação da configuração particular das capacidades materiais, idéias e instituições, que é específica de um complexo Estado/socie- dade.
A organização da produção, em especial das forças sociais partici- pantes, constitui o segundo nível. À medida que evolui a produção, observamos transformações expressas na gênese, no fortalecimento ou no declínio de forças sociais específicas. Com a forma ainda do- minante de um capitalismo hiperliberal, em uma escala global, as forças sociais associadas à economia real em contraposição aos mer- cados financeiros (como sindicatos) têm sido enfraquecidas, em fa- vor do fortalecimento de investidores privados, por exemplo.
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Por fim, o terceiro nível é representado pelas ordens mundiais. Estas seriam a constituição precisa de forças que, em seqüência, determi- nam a maneira como os Estados interagem. Cada contexto histórico produzirá uma configuração específica das forças sociais, dos Esta- dos, e da inter-relação entre eles que repercutirá como uma ordem mundial particular. A título de exemplo, tem havido bastante discus- são acerca de uma nova ordem mundial inaugurada pela resposta de George W. Bush aos ataques de 11 de setembro de 2001, em referên- cia clara ao princípio da ação preventiva (Política Externa, 2002). O impacto gerado pela propagação desse conceito desencadeou a pers- pectiva de uma mudança fundamental nos padrões atualmente acei- táveis de conduta entre Estados.
Entre os três níveis, no entanto, não encontramos uma relação unili- near. Forças sociais transnacionais têm influenciado Estados por meio da estrutura mundial, conforme evidenciado pelos reflexos do capitalismo expansivo do século XIX sobre o desenvolvimento de estruturas de Estado no centro e na periferia. A conformação conjun- tural das ordens mundiais é capaz de exercer influência sobre as for- mas que assumem os Estados. Em resposta à sensação de ameaça à existência de um Estado soviético, marcado por uma ordem mundial hostil, surgiu o stalinismo. Já o complexo industrial-militar dos paí- ses centrais justificou sua ingerência sobre os demais, apoiado sobre um quadro conflituoso da ordem mundial de então. Este quadro se configurou nos países periféricos com a existência de um militaris- mo repressivo, sustentado pelo apoio externo do imperialismo, assim como por uma peculiar conjunção de forças sociais internas nesses países. Formas de Estado também afetam o desenvolvimento de for- ças sociais pelos tipos de dominação que exercem, por exemplo, avançando os interesses de uma classe, às expensas dos interesses de outra.
Consideradas em separado, forças sociais, formas de Estado e ordens mundiais podem preliminarmente ser representadas como configu-
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