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ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA, ADA PELLEGRINI GRINOVER CANDIDO RANGEL DINAMÁRCO TEORIA GERAL DO PROCESSO 22: EDIÇÃO ANTONIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA é Pro- fessor Titular de Direito Processual e Livre-Do- cente de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo — USP e Advogado em São Paulo. É Desembargador aposentado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nomeado pelo quinto constitucio- nal dos Advogados. Apa PELLEGRINI GRINOVER é Professora de Direito Processual Penal na Faculdade de Di- reito da USP. É Procuradora do Estado aposen- tada e Presidente do Instituto Brasileiro de Di- reito Processual. Efetuou diversas pesquisas em Universidades italianas, com as quais colabora também em nível de ensino. É membro de várias entidades internacionais. Participou de inúme- tos Congressos internacionais & nacionais que fregiientemente coordenou, sempre com traba- lhos apresentados. É autora de inúmeros ensaios publicados em revistas e livros italianos, por- tugueses, espanhóis, mexicanos, argentinos, uruguaios, costarriquenhos, norte-americanos e Japoneses, além de livros, dentre os quais se destacam: “Liberdades públicas e processo pe- nal: as interceptações telefônicas” (2º ed., 1978); notas de adaptação ao direito brasileiro da obra “Eficácia e autoridade da sentença”, de Enrico Tullio Liebman (1981 e 1984); “O pro- cesso em sua unidade” (1984); “Novas tendên- cias do direito processual” (1990); “O proces- so em evolução” (1996) e “Juizados Especiais Criminais — Comentários à Lei 9.099, de 26.9.95” (1995) e “Recursos no processo pe- nal” (1996), ambos em colaboração com Anto- nio Magalhães Gomes Filho, Antonio Scaran- ce Fernandes e, o primeiro deles, também com Luiz Flávio Gomes. Coordenou e apresentou MALHEIROS EDITORES ANTÔNIO CARLOS DE ARAÚJO CINTRA ADA PELLEGRINI GRINOVER CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO TEORIA GERAL DO PROCESSO Prefácio do Prof. Luís Eulálio de Bueno Vidigal 22º Edição, revista e atualizada, de acordo com a EC 45, de 8.12.2004 e com a Lei 11.232, de 22.12.2005 Hi MALHEIROS EEDITORES 4 TEORIA GERAL DO PROCESSO Quais são os interesses em antagonismo? O interesse do indicia- do em sua liberdade e do Estado em seu encarceramento? O interesse da vítima em obter reparação civil e moral e o do indiciado em não lha conceder? O do Estado em proteger a liberdade do cidadão e o do criminoso a querer purificar-se pela pena? Todas as variantes foram exaustivamente estudadas e debatidas, a lembrar a deliciosa fábula do lavrador, o filho e o burro. Os jovens autores deste livro pouco se detiveram — e fizeram muito bem — nessas indagações. O fato inegável é que há inúmeras matérias que são comuns ao processo civil e ão processo penal. Sem falar nas noções fundamentais, a que os áutores, em exce- lente introdução, deram especial atenção, e que muito bem se desti- nam a estudantes do segundo ano jurídico, cuidaram da natureza, fou- tes, eficácia no tempo e no espaço, interpretação da lei processual. Na segunda parte do livro, tratando da jurisdição, da competência, dos serviços auxiliares da justiça, do Ministério Público e do advogado, não se afastaram um instante de sua visão unitária do processo. O mes- mo se pode dizer da parte final, dedicada ao processo, às formas pro- cessuais, aos atos processuais € às provas. Ne capítulo referente às ações, os jovens mestres mantêm-se uni- taristas. Sustentam que a lide se caracteriza, no processo penal, pela pretensão punitiva do Estado em contraposição à pretensão do indicia- do à sua liberdade. Em todas as matérias versadas o novo compêndio mantém-se em alto nível cientifico. Os mestres que o elaboraram, que tão cedo se demonstram dignos dos mais altos postos da carreira universitária, te- tão, estou certo, na consagração de seus alunos e no respeito de seus colegas o justo prêmio pelo bem empregado esforço em pro! do ensi- no de sua disciplina. São Paulo, 1974 Prof. Luís Eulálio de Bueno Vidigal SUMÁRIO prefácio da [* edição... 3 a reforma constitucional do Poder Judiciário (apresentação da 21º edição) 15 apresentação da 22: edição ... 2 PRIMEIRA PARTE - INTRODUÇÃO Capítulo 1 - SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA |. sociedade e direito 25 2. conflitos e insatisfações 26 3. da autotutela à jurisdição 26 4. a função estatal pacificadora (jurisdição) 30 5. meios alternativos de pacificação social. 31 6. autotutela, autocomposição e arbitragem no direito mederno 35 7. controle jurisdicional indispensável (a regra zulla poena sine judicio) 37 8. acesso à justiça 39 Capítulo 2 - O PROCESSO E O DIREITO PROCESSUAL 9, as funções do Estado moderno a 10. legislação e jurisdição 44 11. direito material e direito processual 46 12. a instrumentalidade do processo... 47 13. linhas evolutivas . 48 Capítulo 3 — DENOMINAÇÃO, POSIÇÃO ENCICLOPÉDICA E DIVISÃO DO DIREITO PROCESSUAL 14. denominação 52 15. posição enciclopédica do direito processual . 53 16. divisão do direito processual... 54 6 TEORIA GERAL DO PROCESSO Capítulo 4 — PRINCÍPIOS GERAIS DO DIREITO PROCESSUAL 56 58 59 6 63 17. conceito... 18, princípio da imparcialidade do juiz 19. princípio da igualdade .. 20. princípios do contraditório e da ampla defesa 21. princípio da ação — processos inguisitivo e acusatório. 22. princípios da disponibilidade e da indisponibilidade . 23. princípio dispositivo e princípio da livre investigação das provas - verdade formal e verdade reat. . 28. princípio do impulso oficial 25. princípio da oralidade 26. princípio da persuasão racional do juiz 27. a exigência de motivação das decisões judiciais . 28. princípio da publicidade .. 29. princípio da lealdade processual. 30. princípios da economia e da instrumentalidade das formas 31. princípio do duplo grau de jurisdição... 80 Capítulo 5 — DIREITO PROCESSUAL CONSTITUCIONAL 32. processo c Constituição ... 84 33. direito processual constitucional as 34, tutela constitucional do processo 86 35. acesso à justiça (ou garantias da ação e da defesa). 87 36. as garantias do devido processo legal..... 88 36-A. as garantias processuais da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José de Costa Rica) ... MH fP=Capítulo 6 - NORMA PROCESSUAL: OBJETO E NATUREZA 37. norma material e norma instrumentai 38. objeto da norma processual 95 39. natureza da norma processual. 96 Capitulo 7 — FONTES DA NORMA PROCESSUAL 40. fontes de direito em geral... 98 41. fontes abstratas da norma processual 98 42. fontes concretas da norma processual 100 — Capitulo 8 - EFICÁCIA DA LEI PROCESSUAL NO ESPAÇO E NO TEMPO 43. dimensões da norma processual .... 103 44. eficácia da norma processual no espaço 103 45. eficácia da norma processual no tempo 104 SUMÁRIO 7 Capítulo 9 - INTERPRETAÇÃO DA LEI PROCESSUAL 46. interpretação da lei, seus métodos e resultados 107 47. interpretação e integração ... 108 48. interpretação e integração da lei processual 109 Capítulo 10 - EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO PROCESSUAL BRASILEIRO 49. continuidade da legislação lusa . wu 50. o Regulamento 737... us 51. instituição das normas .. n3 52. competência para legislar 114 53. reforma legislativa ... us 54. Código de Processo Civil uz 55. a reforma processual penal . no 56. leis modificativas dos Códigos vigentes - as “minirreformas” do Código de Processo Civil ..... " nz 57. leis modificativas dos Códigos vigentes (CPP) 125 ST-A. modificações no processo trabalhista .... 130 58. a Constituição de 1988 e o direito anterior - 130 59. evolução doutrinária do direito processual no Brasil — o papel de Liebman e a tendência instrumentalista moderna . 134 . linhas evolutivas do direito processual no Brasil - 137 direito processual coletivo ...... . 138 . o regime do cumprimento de sentença .. 149 SEGUNDA PARTE - JURISDIÇÃO Capitulo 1! - JURISDIÇÃO: CONCEITO E PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS 60. conceito de jurisdição . 145 61. caráter substitutivo. . 146 62. escopo jurídico de atuação do direito .. 147 63. outras características da jurisdição (lide, inércia, definitividade) .... 148 64. jurisdição, legislação, administração 150 65. princípios ineremes à jurisdição 151 66. dimensões da jurisdição 154 67. poderes inerentes à jurisdição .. 155 Capítulo 12 — ESPÉCIES DE JURISDIÇÃO 68. unidade da jurisdição 156 69. jurisdição penal ou civil. 156 70. relacionamento entre jurisdição penal e civil 157 71. jurisdição especial ou comum ...... 160 10 TEORIA GERAL DO PROCESSO 229 230 231 232 233 124, princípios . 125. garantias 126. impedimentos e mecanismos de controle 127. órgãos do Ministério Público da União 128. órgãos do Ministério Público estadual Capitulo 24 — O ADVOGADO 236 237 238 238 240 241 242 129. noções gerais 130. Defensoria Pública 131, a Advocacia-Geral da União . 132, natureza jurídica da advocaci 133. abrangência da atividade de advocacia e honorários 134, deveres e direitos do advogado. 135. Ordem dos Advogados do Brasil. 136. exame de ordem e estágio . 244 Capítulo 25 - COMPETÊNCIA: CONCEITO, ESPÉCIES, CRITÉRIOS DETERMINATIVOS 137. conceito 246 138. distribuição da competênci 247 139. órgãos judiciários diferenciados 248 140. elaboração dos grupos de causas . 249 141. dados referentes à causa. 250 142. dados referentes ao processo 252 143. atribuição das causas aos órgãos . 252 Capítulo 26 — COMPETÊNCIA ABSOLUTA E RELATIVA 144. prorrogação da competência .. 257 +45. causas de prorrogação da competência 259 146. prorrogação da competência e prevenção 261 146-A. deslocamento da competência... 261 TERCEIRA PARTE - AÇÃO E EXCEÇÃO Capítuio 27 - AÇÃO: NATUREZA JURÍDICA 147. conceit 265 148. teoria imanentista 265 149. a polêmica Windscheid-Muther 150. a ação como direito autônomo... 151. a ação como direito autônomo € concret 266 152: a ação como direito autônomo e abstrato 267 153. a ação como direito autônomo, em outras teorias 268 SUMÁRIO = 154, a doutrina de Liebman . 155. apreciação crítica das várias teorias 156. natureza jurídica da ação . 157. ação penal .. 158. condições da ação . 159. carência de ação . 160. identificação da ação. Capítulo 28 - CLASSIFICAÇÃO DAS AÇÕES 161. classificação das açõe: . 28] 162. classificações tradiciona . 282 163. classificação da ação peral: critério subjetivo ... . 282 164. classificação das ações trabalhistas: os dissídios coletivos . 284 Capítulo 29 - EXCEÇÃO: A DEFESA DO RÉU 165. bilateralidade da ação e do processo . 288 166. exceção . 288 167. natureza jurídica da exceção . 289 168. classificação das exceções . 291 QUARTA PARTE - PROCESSO Capitulo 30 - NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO (PROCESSO, RELAÇÃO JURÍDICA, PROCEDIMENTO) 169. processo € procedimento .. 170. teorias sobre a natureza jurídica do processo 171. o processo como contrato .. x 172. o processo como quase-contrato 173. o processo como relação jurídi 174. o processo como situação jurídica 175. natureza jurídica do processo ... 176. o processo como procedimento em contraditóri 177. legitimação pelo procedimento e pelo contraditório 178. relação jurídica processual e relação material ... 179. sujeitos da relação jurídica processual 180. objeto da relação processual .. 181. pressupostos da relação processual (pressupostos processuais) 182. características da relação processual 183. autonomia da relação processual .. 184. início e fim do processo... 12 TEORIA GERAL DO PROCESSO Capítulo 3! — SUJEITOS DO PROCESSO 185. generalidade: . 312 186. o juiz . 313 187. autor e réu . 313 188. litisconsórcio - 314 189. intervenção de tesceir: . N5 190. o advogads 35 191. Ministério Público . 317 Capítulo 32 - PROCESSOS DE CONHECIMENTO, DE EXECUÇÃO E CAUTELAR 192. classificação dos processos ... . 320 193. processo de conhecimento... . 322 194. sentença meramente declaratória . 323 195. sentença condenatória . 3 196. sentença constitutiva. . 325 196-A. sentença mandamentat e sentença executiva lato sensu . 325 197. início da eficácia da sentença . 326 198. coisa julgada .. . 326 199, límites objetivos da coisa julgada . 329 200. limites subjetivos da coisa julgada .. . 331 201. cumprimento de sentença e execução forçada (processo civil)........ 333 202. sobre a execução penal .. . 336 203. processo cautelar ..... . 338 203-A. antecipação de tutela jurisdicional .. . 34 Capítulo 33 - FORMAS PROCESSUAIS - PROCEDIMENTO 204. o sistema da legalidade das formas .. . 343 205. as exigências quanto à forma .... 344 206. o lugar dos atos do procedimento . 345 207. o tempo dos atos do procedimento .. . 345 208. o modo do procedimento c dos seus ato: 347 209. o modo do procedimento (linguagem): procedimento escrito, oral e misto .... 347 210. o modo do procedimento: atividade e impulso processual. . 350 21t. o modo do procedimento: o rito . 352 Capitulo 34 — ATOS PROCESSUAIS: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO 212. fatos e atos processuais .. . 355 213. classificação dos atos processuais . 356 214. atos processuais do juiz (atos judiciais) .. . 356 215. atos dos auxiliares da Justiça . 358 216. atos processuais das partes ... . 358 217. atos processuais simples e complexos . 360 218. documentação do ato processual .. 361 Capitulo 35 — VÍCIOS DO ATO PROCESSUAL 219. inobservância da forma... . 363 220, nulidade . 364 221. decretação da nulidade 366 222. nulidade absoluta e nulidade relativa 367 223, inexistência jurídica do ato processuat . 368 224. convalidação do ato processual .... 369 Capítulo 36 - PROVA: CONCEITO, DISCRIMINAÇÃO, ÔNUS E VALORAÇÃO 225. conceito de prova... 226. discriminação de provas 227. objeto da prova . 228, ônus da prova. 229. valoração da prova 3n 32 372 373 375 bibliografia geral .... 16 TEORIA GERAL DO PROCESSO (art. 99, 88 3º a 5º), sobre a carreira da Magistratura (art. 93, incs. 1 € n), sobre as férias dos juízes das Justiças estaduais e da federal (as quais não poderão ser coletivas porque “a atividade jurisdicional será ininterrupta” (art. 93, inc. xu), sobre impedimentos dos juízes (art. 95, inc. 1v) — e impõe a chamada quarentena, pela qual aquele que deixou a Magistratura está proibido de “exercer a advocacia no juízo ou tribu- nal do quai se afastou, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração” (art. 95, inc. v). Com referên- cia aos Estados do Paraná, Minas Gerais e São Paulo, onde ainda havia Tribunais de Alçada, foi também trazida uma relevantíssima regra rela- cionada com a estrutura do Poder Judiciário, que foi a extinção desses órgãos de segundo grau de jurisdição (EC n. 45, de 8.12.04, art. 4º). Foi também resolvida a polêmica questão do controle externo da Magistratura, que para uns constitui penhor da dignidade e respeitabili- dade desta e, para outros, a imposição de um Cavalo de Tróia mediante a intromissão de pessoas ligadas à práticas e interesses escusos. Com a solução intermediária que prevaleceu, o controle da Magistratura será exercido por um órgão misto, o Conselho Nacional de Justiça, com- posto de nove juízes e seis conselheiros de outras origens (promotores de justiça, advogados, cidadãos indicados pelas Casas do Congresso — Const. art. 92, inc. 1-A e EC n. 45, art. 5º, $ 29). Está prevista ainda a implantação de ouvidorias de Justiça, com legitimidade, inclusive, para representar diretamente perante aquele Conselho (art. 103-B, $ 7º etc — infra, n. 83-A). Pelo aspecto da tutela constitucional do processo, a emenda de 2004 promete “a razoável duração do processo e os meios que garan- tam a celeridade de sua tramitação” (art. 52, inc. Lxxvrn), reeditando disposição já contida no Pacto de São José da Costa Rica (art. 8º,n. 1); e também determina que “os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois tumos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais” (art. 52, 8 3º). Foi também determinada a instalação de justiças itinerantes pe- los Tribunais Regionais Federais, pelos Tribunais Regionais do Traba- lho e pelos Tribunais de Justiça, aos quais também se autoriza à im- plantação de câmaras regionais, “a fim de assegurar o pleno acesso do Jurisdicionado à justiça em todas as fases do processo” (art. 107, 68 28 e 3% art. 115, $$ 1º e 28; art. 125, 88 6º e 79. O recurso extraordinário deixou de ter uma feição pura de meca- nismo de controle da constitucionalidade. das decisões, passando a ser A REFORMA CONSTITUCIONAL DO PODER JUDICIÁRIO nm admitido também em relação a acórdãos que “julgarem válida lei lo- cal contestada em face de lei federal” (art. 102, inc. 14, letra d). Ficou portanto aumentada a competência recursal do Supremo Tribunal Fe- deral, o mesmo se dando em relação a sua competência originária, que agora abrange também “as ações contra o Conselho Nacional de Justi- ça e contra o.Conselho Nacional do Ministério Público” (art. 102, inc. £, letra +). E o recurso extraordinário voltou a ser condicionado ao inte- resse público geral, mediante a imposição do requisito da “repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei” (art. 102, $ 39), esse requisito constitui reedição da vetusta relevância da questão federal, exigida pelo Regimento Interno com expressa auto- rização da Constituição da época, mas com a diferença de que naquele tempo só se exigia a relevância em matéria imfraconstitucional, não em tema de constitucionalidade (Const-67, red. EC n. 1, art. 119, 8 1º, c/c RISTF, art. 308, red. ER n. 3, de 12.6.75; RISTF-1980, art. 325). A competência do Supremo Tribunal Federal ficou também au- mentada pelo significativo poder, que a emenda n. 45 lhe concedeu, de editar súmulas vinculantes e impor sua observância “aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal” (art. 103-A, caput). Essas súmulas terão por objeto “a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica” (art. 103-A, $ 19); o poder de editá- tas constitui uma nova característica da fórmula brasileira da separa- ção entre os Poderes do Estado, uma vez que fica um órgão do Poder Judiciário, o Supremo Tribunal Federal, autorizado a produzir verda- deiras normas jurídicas com elevado grau de generalidade e abstra- ção, à semelhança das leis. A infração às súmulas vinculantes poderá dar ensejo a uma reclamação endereçada àquele Tribunal, o qual de- cidirá impondo a observância do direito sumulado (art. 103-A, 8 39). Mas “as atuais súmulas do Supremo Tribunal Federal somente pro- duzirão efeito vinculante após sua confirmação por dois terços de seus integrantes e publicação na imprensa oficial” (EC n. 45, de 8.12.04, art. 89). Por outro lado, houve uma diminuição nas atribuições do Supre- mo Tribunal Federal, consistente na transferência para o Superior Tri- bunal de Justiça da competência para a homologação de sentenças es- trangeiras e a concessão de exeguatur às cartas rogatórias (art. 105, inc. 1, letra à). 18 TEORIA GERAL DO PROCESSO Em sede técnico-precessual, a emenda n. 45 dispôs, em primeiro lugar; que os servidores da Justiça receberão delegação para a prática de atos administrativos e de mero impulso do processo, sem conteúdo decisório (art. 93, inc. xIv), o que caracteriza o automatismo proces- sual já preconizado pelo Código de Processo Civil (art. 162, 8 4º). Dispôs também que “a distribuição de processos será imediata em todos os graus de jurisdição” (inc. xv), com o objetivo de impedir o represamento de recursos nas secretarias dos tribunais (como sucede em São Paulo, onde há centenas de milhares de recursos à espera de distribuição). Por outro lado, a supressão das férias coletivas em primeira e segunda instâncias (art. 93, inc. xn) trará a consegiiência de reduzir o conteúdo e aplicação das regras processuais sobre processos que fluem ou não fluem nas férias, sobre a suspensão dos prazos pela superveniên- cia destas etc. (CPC, arts. 173, 174 e 179). Também quanto ao Ministério Público foram introduzidas normas maito importantes, especialmente ligadas a sua independência institu- cional, à independência de seus integrantes e ao controle da regulari- dade de seus serviços, como as que definem sua autonomia financeira e orçamentária (art. 127, 88 4º a 6º) e as que regem direitos, garantias é impedimentos dos promotores de justiça (art. 128, & 5£, inc. 1, letra b einc. m, letras ec fi art. 128, 8 68; art. 129, 88 2a 49). Também se determinou a implantação de um Conselho Nacional do Ministério Público, de composição heterogênea como a do Conse- lho Nacional de Justiça e com funções, mutatis mutandis, assemelha- das às deste (art. 130-A); além disso, deverão também ser criadas ou- vidorias do Ministério Público, pela União e pelos Estados (art. 130- A, 55. Nem todas as disposições trazidas à Constituição Federal pela nova emenda são dotadas de eficácia imediata, havendo inclusive al- gumas que o próprio texto constitucional manda regulamentar em de- terminado prazo. Em uma disposição bastante ampla, o art. 7º da emen- da constitucional n. 45 determina que “o Congresso Nacional instala- rá, imediatamente após a promulgação desta emenda constitucional, comissão especial mista destinada a elaborar, em cento e oitenta dias, os projetos de lei necessários à regulamentação da matéria nela tratada” etc. Também quanto aos diversos Conselhos Nacionais está disposto que sua implantação se dará no prazo de cento e oitenta dias (EC n. 45, de 8.12.04, arts. 5º e 6º). Por outro lado, havendo sido extintos os A REFORMA CONSTITUCIONAL DU PODER JUDICIÁRIO 19 cinco Tribunais de Alçada então existentes, a emenda determinou que, em igual prazo, “os Tribunais de Justiça, por ato administrativo, pro- moverão a integração dos membros dos tribunais extintos em seus qua- dros, fixando-lhes a competência e remetendo, em igual prazo, ao Po- der Legislativo, proposta de alteração da organização e da divisão ju- diciária correspondentes” etc. (EC n. 45, de 8.12.04, art. 4º, par.). Er) TEORIA GERAL DO PROCESSO Ao longo desta obra o leitor encontrará nossas propostas de so- lução a essas dúvidas, sendo nosso desejo uma interação e uma con- vergência de esforços voltada à busca de clareza na compreensão das novas realidades. PRIMEIRA PARTE INTRODUÇÃO CAPÍTULO 1! SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA 1. sociedade e direito No atual estágio dos conhecimentos científicos sobre o direito, é predominante o entendimento de que não há sociedade sem direito: ubi societas ibi jus. Mas ainda os autores que sustentam ter o homem vivido uma fase evolutiva pré-jurídica formam ao lado des demais para, sem divergência, reconhecerem que ubi jus ibi societas; não ha- veria, pois, lugar para o direito, na ilha do solitário Robinson Crusoé, antes da chegada do índio Sexta-Feira. Indaga-se desde logo, portanto, qual a causa dessa correlação en- tre sociedade e direito. E a resposta está na função que o direito exer- ce na sociedade: a função ordenadora, isto é, de coordenação dos inte- resses que se manifestam na vida social, de modo a organizar a coope- ração entre pessoas e compor os conflitos que se verificarem entre os seus membros. A tarefa da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as rela- ções sociais intersubjetivas, a fim de ensejar a máxima realização dos valores humanos com o mínimo de sacrifício e desgaste. O critério que deve orientar essa coordenação ou harmonização é o critério do justo e do egititativo, de acordo com a convicção prevalente em determina- do momento e lugar. Por isso, pelo aspecto sociológico o direito é geralmente apre- sentado como uma das formas — sem dúvida a mais importante e efi- caz dos tempos modernos — do chamado controle social, entendido como o conjunto de instrumentos de que a sociedade dispõe na sua tendência à imposição dos medelos culturais, dos ideais coletivos e dos valores que persegue, para a superação das antinomias, das ten- sões e dos conflitos que lhe são próprios. EM > quer ingerência do Estado (ou de quem quer que fosse) nos negócios 28 TEORIA GERAL DO PROCESSO bitro pauta-se pelos padrões acolhidos pela convicção coletiva, incl sive pelos costumes. Historicamente, pois, surge o juiz antes do legi: reamente, POIS, SUFEE O JUIZ ânies do JcBIs Jador, — Na autotutela, aquele que impõe ao adversário uma solução não cogita de apresentar ou pedir a declaração de existência ou inexistên- cia do direito; satisfaz-se simplesmente pela força (ou seja, realiza a sua pretensão). A autocomposição e a arbitragem, ao contrário, lími- tam-se a fixar a existência ou inexistência do direito: o cumprimento da decisão, naqueles tempos iniciais, continuava dependendo da impo- sição de solução violenta e parcial (autotutela). Mais tarde € à medida que o Estado foi-se afirmando e conseguiu impor-se aos particulares mediante a invasão de sua antes indiscrimi- nada esfera de liberdade, nasceu, também gradativamente, a sua ten- dência a absorver o poder de ditar as soluções para os conflitos. A história nos mostra que, no direito romano arcaico (das origens do di- reito romano até ao século 1 aC, sendo dessa época a Lei das x1 Tábuas), já o Estado participava, na medida da autoridade então con- seguida perante os indivíduos, dessas atividades destinadas a indicar qual o preceito a preponderar no caso concreto de um conflito de inte- resses. Os cidadãos em conflito compareciam perante o pretor, com- ; prometendo-se a aceitar o que viesse a ser decidido; e esse compro- misso, necessário porque a mentalidade da época repudiava ainda qual- de alguém contra a vontade do interessado, recebia o nome litiscon- testatio. Em seguida, escolhiam um árbitro de sua confiança, o qual recebia do pretor o encargo de decidir a causa. O processo civil roma- no desenvolvia-se, assim, em dois estágios: perante o magistrado, ou pretor (in jure), e perante o árbitro, ou judex (apud judicem). Como se vê, já nesse período o Estado tinha alguma participa- ção, pequena embora, na solução dos litígios; o sistema perdurou ain- da durante todo o período clássico do direito romano (período formu- lar, século 11 aC a século 1 dC), sendo que, correspondentemente ao fortalecimento do Estado, aumentou a participação através da conquis- ta do poder de nomear o árbitro (o qual era de início nomeado pelas partes e apenas investido pelo magistrado). Vedada que era a autotute- ta, o sistema então implantado consistia numa arbitragem obrigató- ria, que substitui a anterior arbitragem facultativa. Além disso, para facilitar a sujeição das partes às decisões de ter- ceiro, a autoridade pública começa a preestabelecer, em forma abstra- ta, regras destinadas a servir de critério objetivo e vinculativo para tais SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA 29 decisões, afastando assim os temores de julgamentos arbitrários e sub- jetivos. Surge, então, o legislador (a Lei das xi; Tábuas, do ano 450 aC, é um marco histórico fundamental dessa época). / Depois do período arcaico e do clássico (que, reunidos, formam a fase conhecida por ordo judiciorum privatorum), veio outro, que se caracterizou pela invasão de área que antes não pertencia ao pretor: contrariando a ordem estabelecida, passou este a conhecer ele próprio do mérito dos litígios entre os particulares, proferindo sentença inclu- sive, 20 invés de nomear ou aceitar a nomeação de um árbitro que o fizesse. Essa nova fase, iniciada no século in dC, é, por isso mesmo, conhecida por período da cognitio extra ordinem. Com ela comple- tou-se o ciclo histórico da evolução da chamada justiça privada para a justiça pública: o Estado, já suficientemente fortalecido, impõe-se sobre os particulares e, prescindindo da voluntária submissão destes, impõe-lhes autoritativamente a sua solução para os conflitos de inte- resses(Ã atividade mediante a qual os juízes estatais examinam as pre- tensões e resolvem os conflitos dá-se o nome de jurisdição» Pela jurisdição, como se vê, os juízes agem em substituição às partes, que não podem fazer justiça com as próprias mãos (vedada a autodefesa); a elas, que não mais podem agir, resta a possibilidade de fazer agir, provocando o exercício da função jurisdicional. E como a jurisdição se exerce através do processo, pode-se provisoriamente con- ceituar este como instrumento por meio do qual os órgãos jurisdicio- nais atuam para pacificar as pessoas conflitantes, eliminando os con- flitos e fazendo cumprir o preceito jurídico pertinente a cada caso que lhes é apresentado em busca de solução. As considerações acima mostrar que, antes de o Estado conquis- tar para si o poder de declarar qual o direito no caso concreto é promo- ver a sua realização prática (jurisdição), houve três fases distintas: a) autotutela; b) arbitragem facultativa; c) arbitragem obrigatória. A autocomposição, forma de solução parcial dos conflitos, é tão antiga quanto a antotutela. O processo surgiu com a arbitragem obrigatória. A jurisdição, só depois (no sentido em que a entendemos hoje). É claro que essa evolução não se deu assim linearmente, de ma- neira límpida e nítida; a história das instituições faz-se através de mar- chas e contramarchas, entrecortada frequentemente de retrocessos e estagnações, de modo que a descrição acima constitui apenas uma aná- lise macroscópica da tendência no sentido de chegar ao Estado todo o poder de dirimir conflitos e pacificar pessoas. 30 TEORIA GERAL DO PROCESSO Para se ter uma idéia de como essas coisas se operam confusa- mente, observe-se o fenômeno análogo que ocorre com referência aos Conflitos internacionais. A autotutela, no plano internacional, é repre- sentada pela agressão bélica, pelas ocupações, invasões, intervenções (inclusive econômicas), ou ainda pelos julgamentos de inimigos por tribunais de adversários; mas coexiste com a attotutela a autocompo- sição (através de tratados internacionais), sendo de certa frequência a arbitragem facultativa. Ninguém é capaz de indicar, com precisão, quando começou a prática dessa arbitragem obrigatória, e muito me- nos se existirá um super- Estado que venha a impor a todas as nações o seu poder (criando, então, uma verdadeira jurisdição supra-estatal). 4. a função estatal pacificadora (Gurisdição) Pelo que já ficou dito, compreende-se que o Estado moderno exer- ce o seu poder para a solução de conflitos interindividuais. O poder estatal, hoje, abrange a capacidade de dirimir os conflitos que envol- vem as pessoas (inclusive o próprio Estado), decidindo sobre as pre- tensões apresentadas e impondo as decisões, Na estudo da jurisdição, será explicado que esta é uma das expressões de-poder estatal, carac- terizando se se este Ste COMO a é apacidade, gue o Estado tem, de de decidir Tmperativamas impor decições. O que distingue a jurisdição das de- mais funções do Estado legislação, administração) é precisamente, em primeiro plano, a finalidade pacificadora com que 9 Estado a exerce. Na realidade, são de três ordens os escopos visados pelp Estado,' no exercicio dela: sociais, políticos e jurídico. | A pacificação é o escopo magno da jurisdição e, por consegiên- cia, de todo o sistema processual (uma vez que todo ele pode ser defi- nido como a disciplina jurídica da jurisdição e seu exercício). É um escopo social, uma vez que se relaciona com o resultado do exercício da jurisdição perante a sociedade e sobre a vida gregária dos seus membros e felicidade pessoal de cada um. A doutrina moderna aponta outros escopos do processo, a saber: a) educação para o exercício dos próprios direitos e respeito aos direi- tos alheios (escopo social): b) a preservação do valor liberdade, a oferta de meios de participação nos destinos da nação e do Estado e a pre- servação do ordenamento jurídico e da própria autoridade deste (es- copos políticos): c) a atuação da vontade concreta do direito (escopo jurídico). SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA 3 É para a consecução dos objetivos da jurisdição e particularmen- te daquele relacionado com a pacificação com justiça, que o Estado institui o sistema processual, ditando normas a respeito (direito pro- cessual), criando órgãos jurisdicionais, fazendo despesas com isso e exercendo através deles o seu poder, A partir desse conceito provisório de jurisdição e do próprio siste- ma processual já se pode compreender que aquela é uma função inseri- da entre as diversas funções estatais. Mesmo na ultrapassada filosofia política do Estado liberal, extremamente restritiva quanto às funções do Estado, a jurisdição esteve sempre incluída como uma responsabi- lidade estatal. E hoje, prevalecendo as idéias do Estado social, em que ao Esta- do se reconhece a função findamental de promover a plena realização dos valores humanos, isso deve servir, de um lado, para pôr em desta- que a função jurisdicional pacificadora como fator de eliminação dos conflitos que afligem as pessoas e lhes trazem angústia; de outro, para advertir os encarregados do sistema, quanto à necessidade de fazer do processo um meio efetivo para a realização da justiça. Afirma-se que o objetivo-sintese do Estado contemporâneo é o bem-comum e, quan- do se passa ao estudo da jurisdição, é lícito dizer que a projeção parti- cularizada do bem comum nessa área é a pacificação com justiça. $. meios alternativos de pacificação social O extraordinário fortalecimento do Estado, ao qual se aliou a consciência da sua essencial função pacificadora, conduziu, a partir da já mencionada evolução do direito romano e ao longo dos séculos, à afirmação da quase absoluta exclusividade estatal no exercicio dela. A autotutela é definida como crime, seja quando praticada pelo parti- cular (“exercício arbitrário das próprias razões”, art. 345 CP), seja pelo próprio Estado (“exercício arbitrário ou abuso de poder”, art. 350). A própria autocomposição, que nada tem de anti-social, não vi- nha sendo particularmente estimulada pelo Estado. A arbitragem, que em alguns países é praticada mais intensamente e também no plano internacional, é praticamente desconhecida no Brasil, quando se trata de conflitos entre nacionais. Abrem-se os olhos agora, todavia, para todas essas modalidades de soluções não-jurisdicionais dos conflitos, tratadas como meios al- temativos de pacificação social. Vai ganhando corpo a consciência de que, se o que importa é pacificar, torna-se irrelevante que a pacifica- 34 TEORIA GERAL DO PROCESSO grau (art. 98, inc. 1). E agora, nos termos da lei federal n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, atinente aos juizados especiais cíveis e cri- minais, já são admissíveis a conciliação e a transação penais, para à maior efetividade da pacificação também em matéria penal. A conciliação pode ser exiraprocessual ou (como nos casos vis- tos acima) endoprocessual. Em ambos os casos, visa a induzir as pró- prias pessoas em conflito a ditar a solução para a sua pendência. O conciliador procura obter uma transação entre as partes (mútuas con- cessões). ou a submissão de um à pretensão do outro (no processo ei- vil, reconhecimento do pedido: v. art.-269, inc. n). ou a desistência da pretensão (renúncia: CPC, art. 269, inc. v). Tratando-se de conciliação endoprocessual, pode-se chegar ainda à mera desistência da ação, ou seja, revogação da demanda inicial para que 0 processo se extinga sem que o conflito receba solução alguma (art. 267, inc. vm). A conciliação extraprocessual, tradicional no Brasil mediante a atuação dos antigos juízes de paz e pela obra dos promotores de justi- ça em comarcas do interior, ganhou especial atento com a “onda reno- vatória” voltada à solução das pequenas causas. Foram inicialmente os Conselhos de Conciliação e Arbitramento, instituídos pelos juizes gaúchos; depois, os Juizados Informais de Conciliação, criados em São Paulo para tentar somente a conciliação de pessoas em conflito sem nada julgar em caso de não conseguir conciliá-las. A Lei dos Jui- zados Especiais recebeu em seu sistema a atuação desses e de outros órgãos conciliadores extrajudiciais (Ministério Público inclusive), ao considerar como titulo hábil à execução forçada os acordos celebra- dos perante eles (art. 57, caput e par.). Na Constituição de 1988 é prevista a restauração da antiga Justiça de Paz, com “atribuições con- ciliatórias, sem caráter jurisdicional” (art. 98, inc. 11). Em matéria criminal não há possibilidade de conciliação fora do processo; mesmo para a transação anterior ao oferecimento da denún- cia, facultada pelos arts. 72 ss. da lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995, impõe-se sempre a necessidade do controle jurisdicional. A mediação assemelha-se à conciliação: os interessados utilizam a intermediação de um terceiro, particular, para chegarem à pacifica- ção de seu conflito. Distingue-se dela somente porque a conciliação busca sobretudo o acordo entre as partes, enquanto a mediação objeti- va trabalha o conflito, surgindo o acordo como mera consegiiência. Trata-se mais de uma diferença de método, mas o resultado acaba sen- do o mesmo, SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA 35 Nos últimos anos instalaram-se no Brasil muitos centros de me- diação, que desenvolvem trabalho interdisciplinar com muito êxito. Está em andamento no Congresso Nacional um projeto de lei que visa a implantar a mediação na sistema do processo civil. A arbitragem, tradicionalmente regida pela lei material e pelo Có- digo de Processo Civil (CC-16, arts. 1.037 e 1.048; CPC, arts. 1.072- 1,102 CC-02, arts. 851-853), era um instituto em desuso no direito bra- sileiro. Depois, com a Lei das Pequenas Causas (atualmente, Lei dos Juizados Especiais — lei n. 9.099, de 26.9.95) e com a Lei da Arbitra- gem (lei n. 9.307, de 23.9.96), ela ganhou nova força e vigor e, em alguma medida, vai passando a ser utilizada efetivamente como meio alternativo para a pacificação de pessoas em conflito. Como se verá mais adiante, ela só se admite em matéria civil (não-penal), na medida da disponibilidade dos interesses substanciais em conflito. 6. autotutela, autocomposição e arbitragem no direito moderno Apesar da enérgica repulsa à autotutela como meio ordinário para a satisfação de pretensões em benefício do mais forte ou astuto, para certos casos excepcionalíssimos a própria lei abre exceções à proibi- ção. Constituem exemplos o direito de retenção (CC, arts. 578, 644, 1.219, 1.433, inc. II, 1.434 etc.), 0 desforço imediato (CC, art. 1.210, $ 1º), o direito de cortar raízes e ramos de árvores limitrofes que ultra- passem a extrema do prédio (CC, art. 1.283), a auto-executoriedade das decisões administrativas; sob certo aspecto, podem-se incluir en- tre essas exceções o poder estatal de efetuar prisões em flagrante (CPP, art. 301) e os atos que, embora tipificados como crime, sejam realiza- dos em legitima defesa ou estado de neçessidade (CP, arts. 24-25; CC, arts. 188, 929 e 930). São duas as razões pelas quais se admite a conduta unilateral in- vasora da esfera jurídica alheia nesses casos excepcionais: a) a impos- sibilidade de estar o Estado-juiz presente sempre que um direito esteja sende violado ou prestes a sê-lo: b) a ausência de confiança de cada um no altruísmo alheio, inspirador de uma possivel antocomppsição.. fe a E Já a autocomposição, que não constitui vltfáje.ao monopólio es- tatal da jurisdição, é considerada legitimo meio alternativo de solução dos conflitos, estimulado pelo direito mediante as atividades consis- tentes na conciliação (v. n. ant.). De um modo geral, pode-se dizer que é admitida sempre que não se trate de direitos tão intimamente he E 36 TEORIA GERAL DO PROCESSO ligados ao próprio modo de ser da pessoa, que a sua perda a degrade a situações intoleráveis. Trata-se dos chamados direitos da personalidade (vida, incolu- midade física, liberdade, honra, propriedade intelectual, intimidade, es- tado etc.). Quando a causa versar sobre interesses dessa ordem, diz-se que as partes não têm disponibilidade de seus próprios interesses (ma- téria penal, direito de família etc.). Mas, além dessas hipóteses de in- disponibilidade objetiva, encontramos aqueles casos em que é uma especial condição da pessoa que impede a disposição de seus direitos e interesses (indisponibilidade subjetiva). é o que se dá com os inca- pazes € com as pessoas jurídicas de direito público. Sendo disponível o interesse material, admite-se a autocomposi- ção, em qualquer de suas três formas clássicas: transação, submissão, desistência (e qualquer uma delas pode ser processual ou extraproces- sual). Em todas essas hipóteses, surge um novo preceito jurídico con- ereto, nascido da vontade das partes (ou de uma delas), e que irá vali- damente substituir aquela vontade da lei que ordinariamente derivara do encontro dos fatos concretos com a norma abstrata contida no di- reito objetivo. A lei processual civil expressamente admite as três formas da au- tocomposição a ser obtida endoprocessualmente (CPC, art. 269, 1, 11 € v), dando-lhes ainda a eficácia de pôr fim ao processo: compondo-se as partes, não cabe ao juiz mais que reconhecê-lo por sentença. O ins- tituto da conciliação, estimulado pela Consolidação das Leis do Traba- [ho, pelo Código de Processo Civil e pela Lei dos Juizados Especiais (já estudado no item precedente), visa de modo precípuo a conduzir as partes à autocomposição endoprocessual. Quanto à transação, dispõe pormenorizadamente o Código Civil (arts. 840-850). A Lei dos Juizados Especiais (lei n. 9.099. de 26.9.1995) tam- bém admite. para composição civil dos danos, as três formas de auto- composição (art. 74); mas, para a autocomposição penal, só se admi- te a transação (art. 76). O juízo arbitral é delineado no direito brasileiro da seguinte for- ma: à) convenção de arbitragem (compromisso entre as partes ou cláu- sula compromissória inserida em contrato: lei cit., art. 3º); b) limita- ção aos litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis (art. |); c) restrições à eficácia da cláusula compromissória inserida em con- tratos de adesão (art. 4º, $ 2º); d) capacidade das partes (art. 1º); e) pos- sibilidade de escolherem as partes as regras de direito material a se- rem aplicadas na arbitragem, sendo ainda admitido convencionar que SOCIEDADE E TUTELA JURÍDICA 37 esta “se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio” (art. 2º, 85 2º 39); f) desnecessidade de homologação judicial da sentença arbitral (art. 31); g) atribuição a esta dos mesmos efeitos, entre partes, dos julga- dos proferidos pelo Poder Judiciário (valendo inclusive como título executivo, se for condenatória: art. 31); h) possibilidade de controle jurisdicional ulterior, a ser provocado pela parte interessada (art. 33, caput e 88); 1) possibilidade de reconhecimento e execução de senten- ças arbitrais produzidas no exterior (arts. 34 ss.). Mas os árbitros, não sendo investidos do poder jurisdicional estatal, não podem realizar à execução de suas próprias sentenças nem impor medidas coercitivas (art. 22, 8 49). Na Lei dos Juizados Especiais o arbitramento recebe tratamento especial, com bastante simplificação e especial recomendação ao juiz para que só passe à fase de instrução e julgamento se não tiver obtido das partes nem a conciliação, nem o compromisso (art, 27). Este inde- pende de termo (art. 24, 8 12) e o árbitro considera-se sempre autori- zado a julgar por egiidade, independentemente da autorização das partes (art. 25). Os árbitros nos juizados especiais serão escolhidos dentre os juizes leigos, instituídos na nova lei (art. 24, 8 28). 7 controle jurisdicional indispensável (a regra nulla pena sine judicio) Em certas matérias não se admitem exceções à regra da proibição da autotutela, nem é, em principio, permitida a autocomposição para a imposição da pena. É o que sucedia de modo absoluto em matéria cri- minal (ordem jurídica brasileira anterior à lei n. 9.099, de 26.9.1995) e quanto a algumas situações regidas pelo direito privado (anulação de casamento, suspensão e perda de pátrio poder etc.). Em casos as- sim, o processo é o único meio de obter a efetivação das situações ditadas pelo direito materia] (imposição da pena, dissolução do víncu- lo etc.). A lei não admite a autotutela, a autocomposição, o juizo arbi- tral e nem mesmo a satisfação voluntária de pretensões dessa ordem. Por isso é que se disse acima que a existência de todo o sistema pro- cessual decorre, em última análise, da ocorrência de casos em que uma pretensão deixe de ser satisfeita por quem poderia satisfazê-la e tam- bém casos em que a lei veda a satisfação da pretensão por ato de qual- quer indivíduo. As pretensões necessariamente sujeitas a exame judicial para que Possam ser satisfeitas são aquelas que se referem a direitos e interes-