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Sujeitos processuais no processo de interdição, Slides de Direito

Processo civil. Ação de interdição. Legitimidade ativa. Ordem legal. Taxativa. Não prioritária. Negativa de prestação jurisdicional. Inexistência.

Tipologia: Slides

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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Revista do Mi nistério Público do Esta do do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 207
Sujeitos processuais no processo de interdição
Robson Renault Godinho*
Sumário
1. Delimitação do tema. 2. Partes, terceiros e sujeitos processuais. 3. Legitimados
ativos. 3.1. Autointerdição. 4. Legitimidade passiva. 5. Ministério Público. 6. Curador
especial. 7. Intervenção de terceiros e jurisdição voluntária. 7.1 A intervenção prevista
no art. 752, §3º, CPC. 8. Perito. 9. Juiz. 9.1. Entrevista. 9.2. Sentença. 10. Curador.
1. Delimitação do tema
O processo de interdição regulado pelos artigos 747 a 758 do CPC apresenta
diversas complexidades1, não só pela situação jurídica que pode constituir ao final,
com toda a dificuldade inerente a questões envolvendo pessoas com deficiência
que interfere em sua vida civil, mas também por envolver questões processuais que
se apresentam com especial singularidade, como as que atingem precisamente os
sujeitos processuais que dele participam.
O presente trabalho, portanto, propõe -se a examinar apenas as questões sobre
os sujeitos envolvidos no processo de interdição tal como disciplinado no Código de
Processo Civil, com os inerentes reflexos de direito material, evidentemente, mas sem
* Pós-doutor pel a Universidade Federa l da Bahia (UFBA), Doutor e Mestre e m Direito Processual Civi l pela
PUC/SP. Promotor de Justiça do Minis tério Público de Estado do Ri o de Janeiro.
1 O próprio uso da palav ra “interdição” é polêm ico, especialmente após a v igência do Estatuto da Pes soa
com Deficiência (Lei n o 13.146/15, também denominada Lei Br asileira de Inclusão da Pes soa com Deficiência),
já que carrega for te carga repressor a e limitadora daque le que poderá se enco ntrar em situação de cur atela
(a bibliografia sob re o tema é ampla, especia lmente na área não jurídic a; para não nos alongar mos, apenas
duas referências, u ma jurídica, uma da área psiq uiátrica e outra da área de S erviço Social, resp ectivamente:
ABREU, Célia Barbosa . Curatela e Interdição Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lume n Juris, 2014. DELGADO, Pedro
Gabriel. As Razões da Tutela: psiquiat ria, justiça e cidadania do louco no Bra sil. Rio de Janeiro: Te Corá,
1992. MEDEIROS, Maria Bernadette de Moraes. Interdição Civil: proteção ou exclusão. São Paulo: Cortez,
2007. Entretanto, optamos pela man utenção do termo tradicional po r ser assim tratado no Código de
Processo Civil, no cot idiano forense e no própr io Estatuto, quando, po r meio do art. 114, alterou os artigos
1.771 e 1.772, parágrafo único, do Código Civ il (cf. DIDIER JR., Fredie. Da I nterdição. Breves Comentários ao
Novo Código de Processo Civil. 3ª ed . Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p.
1929/1930). Confira-se a releva nte abordagem de Fernan do da Fonseca Gajardoni: G AJARDONI; DELLORE;
ROQUE; OLIVEIRA JR. Processo de Conhecimento e Cump rimento de Sentença: Comentários a o CPC de 2015.
São Paulo: Método, 2016, p. 1290/1294.
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Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 207

Sujeitos processuais no processo de interdição

Robson Renault Godinho*

Sumário

1. Delimitação do tema. 2. Partes, terceiros e sujeitos processuais. 3. Legitimados

ativos. 3.1. Autointerdição. 4. Legitimidade passiva. 5. Ministério Público. 6. Curador

especial. 7. Intervenção de terceiros e jurisdição voluntária. 7.1 A intervenção prevista

no art. 752, §3º, CPC. 8. Perito. 9. Juiz. 9.1. Entrevista. 9.2. Sentença. 10. Curador.

1. Delimitação do tema

O processo de interdição regulado pelos artigos 747 a 758 do CPC apresenta

diversas complexidades^1 , não só pela situação jurídica que pode constituir ao final,

com toda a dificuldade inerente a questões envolvendo pessoas com deficiência

que interfere em sua vida civil, mas também por envolver questões processuais que

se apresentam com especial singularidade, como as que atingem precisamente os

sujeitos processuais que dele participam.

O presente trabalho, portanto, propõe-se a examinar apenas as questões sobre

os sujeitos envolvidos no processo de interdição tal como disciplinado no Código de

Processo Civil, com os inerentes reflexos de direito material, evidentemente, mas sem

***** Pós-doutor pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Doutor e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Promotor de Justiça do Ministério Público de Estado do Rio de Janeiro. (^1) O próprio uso da palavra “interdição” é polêmico, especialmente após a vigência do Estatuto da Pessoa

com Deficiência (Lei no 13.146/15, também denominada Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência), já que carrega forte carga repressora e limitadora daquele que poderá se encontrar em situação de curatela (a bibliografia sobre o tema é ampla, especialmente na área não jurídica; para não nos alongarmos, apenas duas referências, uma jurídica, uma da área psiquiátrica e outra da área de Serviço Social, respectivamente: ABREU, Célia Barbosa. Curatela e Interdição Civil. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2014. DELGADO, Pedro Gabriel. As Razões da Tutela: psiquiatria, justiça e cidadania do louco no Brasil. Rio de Janeiro: Te Corá,

  1. MEDEIROS, Maria Bernadette de Moraes. Interdição Civil: proteção ou exclusão. São Paulo: Cortez,
  2. Entretanto, optamos pela manutenção do termo tradicional por ser assim tratado no Código de Processo Civil, no cotidiano forense e no próprio Estatuto, quando, por meio do art. 114, alterou os artigos 1.771 e 1.772, parágrafo único, do Código Civil (cf. DIDIER JR., Fredie. Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 1929/1930). Confira-se a relevante abordagem de Fernando da Fonseca Gajardoni: GAJARDONI; DELLORE; ROQUE; OLIVEIRA JR. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 1290/1294.

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Robson Renault Godinho

qualquer pretensão de abranger os demais problemas processuais desse procedimento

de jurisdição voluntária

2

e muito menos do Estatuto da Pessoa com Deficiência

3

Em síntese, serão analisados os legitimados ativos, o papel do Ministério Público,

a curadoria especial, a intervenção prevista no art. 752, §3º, CPC, os comportamentos

do interditando, bem como os papeis do perito e do juiz no processo de interdição.

Em alguns aspectos, o trabalho será predominantemente descritivo, mas esse enfoque

se justifica para que seja situado o contexto em que se relacionam os sujeitos no

processo de interdição. Além disso, ainda que o processo de interdição seja muitíssimo

utilizado na prática e seu procedimento tenha sido bastante aperfeiçoado no atual

Código de Processo Civil, ainda são raros os estudos na doutrina processual, de modo

que nenhuma informação assuma característica supérflua nesse tema.

2. Partes, terceiros e sujeitos processuais

Há diversos problemas relacionados à modificação subjetiva do processo,

cujos contornos legislativos e doutrinários clássicos não são suficientes para conciliar a

complexidade da sociedade contemporânea com um processo democrático^4. E essas

(^2) O tema será estudado de modo mais amplo e profundo no volume que escrevemos sobre todos os procedimentos de jurisdição voluntária e que integrará a coleção de Comentários ao Código de Processo Civil da editora Saraiva, coordenada por José Roberto F. Gouvêa, Luis Guilherme A. Bondioli e João Francisco N. da Fonseca, no prelo. Sobre o processo de interdição no atual Código de Processo Civil, onde se encontrarão outras indicações bibliográficas, recomendam-se dois trabalhos: GUEDES, Jefferson Carús. Comentários ao Código de Processo Civil. Marinoni, Arenhart e Mitidiero (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 313. vol. 11. DIDIER JR., Fredie. Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016. (^3) Além das obras sistemáticas de Direito Civil atualizadas já de acordo com o referido Estatuto, recomendam- se como fontes complementares de pesquisa: Estatuto da Pessoa Comentado. Farias, Cunha e Pinto (coord.). 2ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017. Comentários ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. Leite, Ribeiro e Costa Filho. São Paulo: Saraiva, 2016. Direito das Pessoas com Deficiência Psíquica e Intelectual nas relações Privadas. Joyceane Bezerra de Menezes (org.). Rio de Janeiro: Processo, 2016. REQUIÃO, Maurício. Estatuto da Pessoa com Deficiência, Incapacidades e Interdição. Salvador: JusPodivm, 2016. SOUZA, Iara Antunes de. Estatuto da Pessoa com Deficiência: curatela e saúde mental. Belo Horizonte: D’Plácido, 2016. BARBOZA; MENDONÇA; ALMEIDA JUNIOR (coord.). O Código Civil e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Rio de Janeiro: Processo,

  1. AZEVEDO, Rafael Vieira de. A Capacidade Civil da Pessoa com Deficiência no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. A Teoria das Incapacidades e o Estatuto da Pessoa com Deficiência. 2ª ed. Pereira, Morais e Lara (org.). Belo Horizonte: D’Plácido, 2018. Registre-se que, por meio art. 116 do Estatuto da Pessoa com Deficiência, o Código Civil passou a prever, em seu art. 1.783-A, o instituto da Tomada de Decisão Apoiada, que aqui também não será analisada (sobre esse instituto, cf. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 9ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 927/931. vol. 6). (^4) Esses problemas envolvendo os sujeitos do processo trazem novas reflexões também sobre a noção do que Antonio do Passo Cabral denomina de “zonas de interesse”: “Não obstante, inúmeros ordenamentos e muitos autores sempre estiveram apegados a uma polarização da demanda, vinculando estaticamente a atuação dos sujeitos do processo à correlata posição que aquele sujeito ocupa na relação jurídica material. Na doutrina de origem germânica, consagrou-se um princípio ou sistema de dualidade de partes (Zweiparteienprinzip), pois, se ninguém pode litigar consigo mesmo, o processo só seria possível no âmbito de uma plurissubjetividade direcionada àqueles indivíduos que conflitam em torno de uma relação jurídica material. Ainda que a pluralidade de sujeitos seja nota característica do processo, parece-nos ser necessária uma análise mais dinâmica da relação processual, desprendida desta rigidez bipolar. A situação legitimante, nessa ordem de ideias, poderia ser analisada sob o prisma das funções e das específicas posições processuais em que praticados atos no processo (ônus, direito, poder, faculdade, etc.), ou do complexo de alternativas que estejam abertas para o sujeito numa determinada fase processual. Tradicionalmente, o complexo desses poderes era descrito como ‘ação’, o que dificulta a correta compreensão de um fenômeno dinâmico como a

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Robson Renault Godinho

88, 720, 721, entre outros, CPC), com a doutrina clássica distinguindo entre “sujeitos”

e “pessoas” do processo para justificar uma terminologia própria nessa seara

7

, o que

em nada contribui para a compreensão do tema e ainda reforça a ideia de que se

trata de um universo incomunicável com o do “processo contencioso”^8.

Sem embargo da relevância histórica para o estudo do processual, a distinção

entre parte e terceiro deve ser simplificada para melhor compreensão das situações

que decorrem do aspecto subjetivo do processo. Nesse contexto:

[p]arte processual é aquela que está em uma relação jurídica

processual, faz parte do contraditório, assumindo qualquer das

situações jurídicas processuais, atuando com parcialidade e

podendo sofrer alguma consequência com a decisão. [...] Parte

material ou do litígio é o sujeito da situação jurídica discutida em

juízo; pode ou não ser a parte processual [...]. Parte legítima é aquela

que tem autorização para estar em juízo discutindo determinada

situação jurídica^9.

Em outro trecho, Didier Jr. sintetiza o conceito de parte como “sujeito parcial do

contraditório”, o que, como se vê, abrange os terceiros intervenientes, que, autorizados

por lei, ingressam em processo pendente: “a intervenção de terceiros é fato jurídico

processual que transforma pessoa estranha ao processo pendente em parte dele

integrante”^10 , o que nos parece a ideia adequada para se trabalhar, mas insuficiente

para expressar toda a dimensão do aspecto subjetivo do processo de interdição.

pedido comum” (GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 244. vol. 1). Interessante anotar que Cândido Rangel Dinamarco vale-se da noção de interessado precisamente para elaborar o “conceito puro de parte”: partes são os sujeitos interessados da relação processual, ou os sujeitos do contraditório instituído perante o juiz (Liebman). Dizem-se interessados porque ali estão sempre em defesa de alguma pretensão própria ou alheia, em preparação para receberem os efeitos do provimento final do processo. [...] Esse é um conceito puro de parte, ou puramente processual. Apoia-se exclusivamente no fato objetivo de a pessoa estar incluída em uma relação processual como seu sujeito parcial e ali estar em defesa de alguma pretensão” (Instituições de Direito Processual Civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 246/248. vol. II). (^7) Cf. PRATA, Edson. Jurisdição Voluntária. São Paulo: LEUD, 1979, p. 185/188. (^8) Não admitindo o uso de “sujeitos”, mas apenas de “interessados”: PRATA, Edson. Jurisdição Voluntária. São Paulo: LEUD, 1979, p. 185/189. Essa concepção, largamente utilizada, decorre diretamente de Lopes da Costa, que, utilizando os mesmos argumentos, preferia utilizar “requerente e requerido”: A administração Pública e a Ordem Jurídica Privada (Jurisdição Voluntária). Belo Horizonte: Bernardo Álvares, 1961, capítulo VII, especialmente p. 87. (^9) DIDIER JR. Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 18ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 289/290. Esclarece Didier Jr. que “a parte processual pode ser parte da demanda (demandante e demandado), que é a parte principal, ou a parte auxiliar, coadjuvante, que, embora não formule pedido, ou não tenha contra si pedido formulado, é sujeito parcial do contraditório e, pois, parte. É o caso do assistente simples, por exemplo. Há as partes da demanda principal, autor e réu, e há as partes de demandas incidentais, que podem não ser as mesmas da demanda principal. Por exemplo: no incidente de arguição da suspeição do juiz, as partes são o arguente (autor ou réu) e o próprio juiz, que, nesse incidente, é parte” (ob. cit., p. 289). (^10) Ob. cit., p. 483/486. Cf., também, ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro. São Paulo: RT, 2015, p. 82 e 588/590. vol. II, tomo I. Na síntese de Alexandre Câmara, “é importante deixar claro que o terceiro só é terceiro antes da intervenção. A partir do momento em que ingressa no processo ele passa a ser um de seus

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Sujeitos processuais no processo de interdição

Para os fins deste trabalho, considerando-se as peculiaridades do processo

de interdição, mais importante do que extremar os conceitos de partes e terceiros é

fixar a ideia de que os sujeitos processuais devem ser considerados a partir da noção

plena do contraditório^11. Deve-se fixar, pois, a ideia de sujeitos dos processos, em que

se incluem o juiz o autor e réu, além dos auxiliares permanentes da justiça, os sujeitos

probatórios (testemunhas, peritos e assistentes técnicos), os terceiros, o Ministério

Público e demais postulantes

12

Com efeito, se em seu formato mínimo a conformação subjetiva do processo

pode se apresentar de modo bastante singelo, é cada vez mais comum a observação

de situações que apresentam variada complexidade no aspecto subjetivo, fazendo

com que os estáticos conceitos tradicionais não sejam suficientes para enquadrar

hipóteses que se apresentam^13. Com efeito, é possível que o processo se instaure

sujeitos e, portanto, adquire a qualidade de parte. Afinal, é parte do processo todo aquele que se apresenta como um sujeito em contraditório, podendo atuar de forma a exercer influência na formação do resultado do processo. E é exatamente assim que atua o terceiro interveniente, qualquer que seja a modalidade de intervenção. O terceiro, pois, ao intervir, torna-se parte do processo. Nem sempre, porém, será ele parte da demanda” (O Novo Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Atlas, 2015, p. 86. Em termos semelhantes, DINAMARCO: Instituições de Direito Processual Civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 372/375. vol. II. O entendimento de que todo terceiro interveniente torna-se parte não é unânime, evidentemente. Sobre o tema, exemplificativamente: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil. 3ª ed. São Paulo: RT, 2017, p. 84/87. vol. 2. WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. 16ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 354. vol. 1. BUENO, Cassio Scarpinella. Partes e Terceiros no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2003. SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de Processo Civil. 7ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 227/233 e 259. (^11) Cf., PICARDI, Nicola. Audiatur et altera pars: as matrizes histórico-culturais do contraditório. Jurisdição

e Processo. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (org.). Luís Alberto Reichelt (trad. do texto citado). Rio de Janeiro: Forense, 2008. CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no Processo Moderno: contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009. Audiatur et Altera Pars: Il contraddittorio fra principio e regola. Maurizio Manzin e Federico Puppo (org.). Milano: Giuffrè, 2008. Confira-se também o trabalho de Humberto Theodoro Júnior e Dierle José Coelho Nunes: Uma dimensão que urge reconhecer ao contraditório no direito brasileiro: sua aplicação como garantia de influência, de não surpresa e de aproveitamento da atividade processual. Revista de Processo, nº 168. São Paulo: RT, fevereiro de 2009. Mais recentemente, entre outras referências bibliográficas, especialmente após a vigência no novo CPC: THEODORO JÚNIOR, Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, itens 2.1 e 2.2. (^12) GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 239. vol. 1. (^13) Cf. GRECO, Leonardo. Instituições de Processo Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 515. vol. 1.

Nesse sentido, por exemplo, além da intervenção prevista para a interdição de que nos ocuparemos oportunamente, temo a segunda parte do art. 1698 do Código Civil ainda causa grande controvérsia. Para Fredie Didier Jr., trata-se de litisconsórcio facultativo passivo simples ulterior, mediante iniciativa do autor ou do Ministério Público, caso intervenha no processo (Cf. Curso de Direito Processual Civil. 18ª ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 542/549). Entendemos que essa interpretação de Fredie Didier Jr. merece adesão, já que inexiste a solidariedade que enseja o chamamento ao processo e a iniciativa da ampliação do processo realmente não pode ser efetivada pelo réu, que, se assim agisse, funcionaria como substituto processual do autor. Registre-se, porém, que o Superior Tribunal de Justiça já julgou no sentido de haver litisconsórcio necessário entre os avós (REsp 958.513/SP, Rel. Ministro Aldir Passarinho Junior, Quarta Turma, julgado em 22/02/2011, DJe 01/03/2011). Já o artigo 12 do Estatuto do Idoso autoriza a escolha do devedor que será acionado e sua responsabilização integral para suprir as necessidades do credor, sem prejuízo de eventual direito de regresso contra os coobrigados. Levado o raciocínio às últimas consequências, o devedor “escolhido” arcará com a integralidade da dívida, mesmo que ultrapasse sua capacidade econômica, o que nos parece desarrazoado, havendo incompatibilidade ontológica entre solidariedade obrigacional e alimentos. O Superior Tribunal de Justiça, entretanto, já julgou no sentido da prevalência da solidariedade (REsp 775.565/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, julgado em 13.06.2006, DJ 26.06.2006 p. 143). O art. 12 dispõe que “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores”, subvertendo,

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 213

Sujeitos processuais no processo de interdição

casos aptos a ensejar a formação de precedentes vinculativos. Afinal, é da natureza

de um processo democrático sua aptidão para acomodação de pessoas que dele

querem e devem participar. Participação e complexidade subjetiva constituem uma

relevante dimensão desse fenômeno e não necessariamente se encaixam nas clássicas

e estáticas posições constantes dos polos ativo e passivo ou nas figuras de terceiros

delineadas na doutrina.

No processo de interdição, como será visto nos itens seguintes, podemos

chegar a uma configuração constante dos seguintes sujeitos processuais (uma espécie

de formação subjetiva necessária): legitimado ativo (podendo haver litisconsórcio),

juiz, legitimado passivo (que também pode ser legitimado ativo, em caso de

“autointerdição”), Ministério Público, curador, curador especial e perito(s). Esses

sujeitos estariam presentes necessariamente em todos os processos de interdição,

caso se considerem, como parece que se encaminham doutrina e jurisprudência, que

a perícia é prova essencial e que sempre haverá curador especial. Além dos sujeitos

necessários, o CPC, além da representação por advogado do interditando, se o nomear,

ainda faculta a intervenção prevista no art. 752, §3º (necessariamente por meio de

advogado), prevê o acompanhamento de especialista para a entrevista^16 , quando

também poderão ser ouvidas pessoas próximas e parentes (art. 751, §§2º e 4º).

3. Legitimados ativos

O art. 747, CPC, cuida basicamente da legitimidade ativa para a promoção

da interdição^17 , com preferência para aqueles que mantêm vínculo que indicam

maioria da doutrina, restringe-se basicamente às figuras do amicus curiae e da assistência simples, na medida em que outros sujeitos que vêm participar do processo, depois da propositura da demanda originária, estão de todo modo envolvidos em uma demanda ou são pela própria lei equiparados a litisconsortes, como é o caso da assistência litisconsorcial. [...] O tema estudado neste trabalho, contudo, torna novamente relevante a diferença entre as duas teorias: quando o juiz convoca um terceiro para participar do processo, por meio da intervenção iussu iudicis, não é adequado afirmar, como se verá adiante, que ele proponha uma demanda em face desse terceiro. Assim, esse sujeito terá amplas possibilidades de participação no processo e em alguma media sujeitar-se-á às suas repercussões, de modo que, tal como se passa com a assistência simples, não teria sentido considerá-lo terceiro mesmo depois da intervenção. Definitivamente há grande diferença entre aqueles que participam do processo, ainda que não sejam os titulares da situação jurídica nele discutida, mas ostentam interesse de grau menor suficiente para permitir sua participação, e aqueles que jamais ingressaram no processo. Nesse ponto, é de duvidosa utilidade qualificar como terceiro sujeito interessado que está dentro do processo. De outro lado, é de se reconhecer que a lei, ao utilizar o vocábulo ‘parte’, nem sempre se refere a fatos que digam respeito ao assistente ou a atos que este possa praticar. Não há dúvida de que a demanda originária e outras demandas apresentadas ao longo do processo são relevantes para definir quem seja parte; mas o contraditório mostra-se ainda mais relevante, pois é elemento estruturante do próprio processo e permite que os sujeitos interessados dele participem adequadamente (por meio de poderes, faculdades, ônus e deveres)” (CINTRA, Lia Carolina Batista. Intervenção de Terceiro por Ordem do Juiz: a intervenção iussu iudicis no processo civil. São Paulo: RT, 2017, p. 55/57). Sobre o vários problemas envolvendo o litisconsórcio unitário, com enfoque moderno e ampla pesquisa: EID, Elie Pierre. Litisconsórcio Unitário: fundamentos, estrutura e regime. São Paulo: RT, 2016. (^16) Considerando-se que a situação de curatela decorrente do processo de interdição deve ser excepcional

e na medida das necessidades do interditando (art. 84 do Estatuto da Pessoa com Deficiência), o art. 1.771, CC, prevê que o juiz seja acompanhado por “equipe multidisciplinar”. (^17) Cf. o enunciado nº 57 da Jornada de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal: “Todos os

legitimados a promover a curatela, cujo rol deve incluir o próprio sujeito a ser curatelado, também o são para realizar o pedido do seu levantamento”.

214 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020

Robson Renault Godinho

proximidade com o interditando ou curatelando, isto é, o cônjuge ou companheiro,

os parentes ou tutores e o representante de entidade no caso de pessoa que esteja

abrigada em instituição de longa permanência, com o Ministério Público funcionando

como legitimado subsidiário em condições específicas. O critério fundamental para

qualquer questão envolvendo o processo de interdição é sua função protetiva para o

interditando, de modo que também não escapa dessa ideia fundamental a necessidade

de se aferir se aquele que possui aptidão abstrata para promover a interdição possui

concreta condição de atuar em defesa do interditando ou curatelando, nesse sentido

de que a situação de curatela, por mais limitadora que seja, será constituída em

benefício de quem dela necessita. Em síntese, também na admissão do legitimado

ativo, há que se balizar pelo critério do melhor interesse do interditando, o que pode

significar a exclusão casuística de algum legitimado ativo, como o cônjuge ou algum

outro parente que com ele esteja em litígio^18. Pela mesma razão, havendo algum

fato que afete o vínculo jurídico com o interditando ou curatelando, a legitimidade

também não deve ser reconhecida, como no caso de destituição do poder familiar

de um genitor ou da separação de fato, quando, a rigor, não existe mais o vínculo

conjugal

19

(cf. art. 1.775, CC

20

). Houve ampliação dos legitimados ao se referir o inciso

segundo aos “parentes”, o que, à míngua de restrição legal, deve ser compreendido

dentro do conceito legal, isto é, os parentes consanguíneos, em linha reta e colateral, e

os afins (arts. 1.591 a 1.595, CC)^21. A previsão do tutor como legitimado ativo se dá em

virtude de a interdição poder incidir sobre a situação jurídica de criança e adolescente,

já que as causas da incapacidade são distintas. Evidentemente, tutela e curatela não

se confundem e o tutor somente será legitimado no caso de haver prévia constituição

da situação de tutela. As instituições ou entidades de atendimento ou acolhimento

não raro são o único e último refúgio de pessoas em situação de curatela^22 , de modo

que é uma previsão útil e consentânea com a realidade social a possibilidade de o

(^18) “Curatela. Interdição. Nomeação de curadores. Cônjuge. Havendo litígio entre o interditando e aquele que a lei estabelece como possível curador, não pode ser obedecida a ordem legal, por exigência natural das coisas. Estando a mulher litigando com o marido em ação de divórcio, não deve ser nomeada curadora provisória dele. Art. 454 do C. Civil. Recurso não conhecido” (REsp 138.599/SP, Rel. Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Quarta Turma, julgado em 08/10/1997, DJ 10/11/1997, p. 57796). Ainda que a legitimidade ativa e a função de curador não se confundam, normalmente o requerente recebe a nomeação para o encargo. Entretanto, o mesmo raciocínio utilizado no julgado ora citado deve ser estendido à legitimidade ativa, já que a promoção da interdição vincula-se ao caráter protetivo. (^19) Cf. “O entendimento desta Corte é no sentido de admitir o reconhecimento da união estável mesmo que ainda vigente o casamento, desde que haja comprovação da separação de fato dos casados, havendo, assim, distinção entre concubinato e união estável, tal como reconhecido no caso dos autos. Precedentes. Súmula 83/STJ” (AgRg no AREsp 597.471/RS, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 09/12/2014, DJe 15/12/2014). (^20) “Art. 1.775. O cônjuge ou companheiro, não separado judicialmente ou de fato, é, de direito, curador do outro, quando interdito”. (^21) O art. 1.768, II, CC, cuja redação era semelhante à que consta no art. 747, I e II, CPC, foi revogado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, mas remanesce a disposição ora comentada, como visto no tópico sobre o problema de direito intertemporal. (^22) Estatuto da Pessoa com Deficiência: Art. 85, §3º: “No caso de pessoa em situação de institucionalização, ao nomear curador, o juiz deve dar preferência a pessoa que tenha vínculo de natureza familiar, afetiva ou comunitária com o curatelado”.

216 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020

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de legitimidade para requerimento de interdição por qualquer motivo, não sendo

restrita à deficiência física

28

, intelectual ou mental que afete a expressão da vontade.

A possibilidade de a própria pessoa requerer sua interdição, entretanto, apresenta

algumas peculiaridades, o que motivou até mesmo o veto expresso de parte da

doutrina acerca dessa possibilidade^29 , agora superada com a alteração legislativa.

Se a própria pessoa admite a necessidade de interdição, logo, da existência de uma

incapacidade relativa, há necessidade de imediata regularização procedimental,

nomeando-se curador provisório que passará a assistir o autor.^30 Além disso, há

outras repercussões processuais que podem ser assim sintetizadas: 1) o fato de se

revogá-la. E pode haver o interesse manifesto de, definitivamente (pelo menos enquanto dure a anomalia psíquica), ser resguardada a própria pessoa e, máxime, seu patrimônio, com a nomeação de curador pelo juiz. Embora a lei não o mencione, entendemos possível, porque ninguém velará mais por si do que o próprio interessado” (MENDONÇA LIMA, Alcides de. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 1982, p. 436. vol. XII). (^28) A hipótese que era prevista no art. 1.780, CC, embora fosse caso de curatela judicial, não se tratava de processo de interdição, por não afetar a capacidade desse específico curatelado, de modo que seu procedimento era o de jurisdição voluntária comum (cf. DIDIER JR., Fredie. Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 1929). Esse dispositivo, contudo, foi revogado pelo art. 123, VII, do Estatuto da Pessoa com Deficiência e a situação da deficiência física, desde que impeça a manifestação da vontade, insere-se no regramento geral do referido Estatuto. Mantém-se, todavia, a peculiar hipótese de curatela do nascituro no art. 1779, CC (cf. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 9ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 926/927. vol. 6). (^29) PRATA, Edson. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 300. vol. 7. Leonardo Greco, por sua vez, apontava que essa proibição de autointerdição era paradoxal em um sistema que trabalhava com legitimação extraordinária (Jurisdição Voluntária Moderna. São Paulo: Dialética, 2003, p. 111 – nessa mesma página, o autor entendia não guardar coerência com o sistema não conferir a possibilidade de a interdição ser iniciada de ofício pelo juiz, o que continua vedado no novo Código, a nosso ver com razão, já que não se deve atribuir legitimidade extraordinária a quem deve julgar e há colegitimados suficientes para a tutela dos direitos do interditando). (^30) Essa questão da capacidade processual do interditando, quando já nomeado curador provisório, ou mesmo na sentença, é complexa e há precedente do STJ no sentido de que deve ser preservado o mandato outorgado antes da constituição da incapacidade: “Recurso especial. Civil e processual civil. Ação de interdição. Efeitos da sentença de interdição sobre as procurações outorgadas pelo interditando a seus advogados no próprio processo. Negativa de seguimento à apelação apresentada pelos advogados constituídos pelo interditando. Não ocorrência da extinção do mandato. A sentença de interdição possui natureza constitutiva. Efeitos ex nunc. Inaplicabilidade do disposto no art. 682, II, do CC ao mandato concedido para defesa judicial na própria ação de interdição. Necessidade de se garantir o direito de defesa do interditando. Renúncia ao direito de recorrer apresentada pelo interditando. Ato processual que exige capacidade postulatória. Negócio jurídico realizado após a sentença de interdição. Nulidade. Atos processuais realizados antes da negativa de seguimento ao recurso de apelação. Preclusão. 1. A sentença de interdição tem natureza constitutiva, pois não se limita a declarar uma incapacidade preexistente, mas também a constituir uma nova situação jurídica de sujeição do interdito à curatela, com efeitos ex nunc. 2. Outorga de poderes aos advogados subscritores do recurso de apelação que permanece hígida, enquanto não for objeto de ação específica na qual fique cabalmente demonstrada sua nulidade pela incapacidade do mandante à época da realização do negócio jurídico de outorga do mandato. 3. Interdição do mandante que acarreta automaticamente a extinção do mandato, inclusive o judicial, nos termos do art. 682, II, do CC.

  1. Inaplicabilidade do referido dispositivo legal ao mandato outorgado pelo interditando para atuação de seus advogados na ação de interdição, sob pena de cerceamento de seu direito de defesa no processo de interdição. 5. A renúncia ao direito de recorrer configura ato processual que exige capacidade postulatória, devendo ser praticado por advogado. 6. Nulidade do negócio jurídico realizado pelo interdito após a sentença de interdição. 7. Preclusão da matéria relativa aos atos processuais realizados antes da negativa de seguimento ao recurso de apelação. 8. Doutrina e jurisprudência acerca do tema. 9. Recurso especial parcialmente provido” (REsp 1251728/PE, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, julgado em 14/05/2013, DJe 23/05/2013). Entretanto, no caso da autointerdição, já há manifestação desde a origem sobre a própria incapacidade e não se trata aqui, a rigor, de direito de defesa.

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 217

Sujeitos processuais no processo de interdição

tratar de autointerdição possui consequências procedimentais, como ausência de

intimação para impugnação, mas não elimina a necessidade de ampla instrução

da causa, com a necessidade de juntada de prova documental e da realização de

entrevista, já que a regra do direito brasileiro é a capacidade e a situação de curatela é

excepcional e deve ser adequada às circunstâncias do caso; 2) não se pode considerar

a petição inicial como confissão, já que não se enquadra exatamente nos termos do

art. 389, CPC, e, o mais importante, refere-se a direito indisponível (art. 392, CPC); 3)

o fato de se tratar de autointerdição, entretanto, possui consequências acerca do

comportamento da parte, de modo que, por exemplo, a necessidade de nomeação

de curador provisório se torna evidente diante dessa situação; 4) a entrevista do

interditando ou curatelando é obrigatória, já que se trata de momento procedimental

em que o juiz e, em tese, um especialista ou equipe multidisciplinar avaliarão as

condições pessoais do interditando, tratando-se de relevante etapa instrutória; 5) na

autointerdição mostra-se ainda mais conveniente a ampliação subjetiva da entrevista,

na forma do art. 751, §4º, CPC; 6) não haverá polo passivo, de modo que inexistirá citação

e prazo para impugnação, devendo haver apenas a intimação para o comparecimento

à entrevista; 7) na autointerdição desde logo o interditando deverá estar acompanhado

por advogado, não se impondo a presença de curador especial, salvo se se entender

que se está diante da hipótese do art. 72, I, CPC; 8) na autointerdição, portanto, não

haverá a intervenção prevista no art. 752, §3º, CPC, cujo pressuposto é a ausência de

advogado, de modo que a participação será limitada precisamente na situação em

que talvez seja mais necessária a participação de outros interessados, a fim de ampliar

a possibilidade de esclarecimento e compreensão do quadro fático.

4. Legitimidade passiva

Legitimado passivo será sempre uma pessoa natural e a nova redação do

art. 1.767, CC, dispõe que estão sujeito à curatela aqueles que, por causa transitória

ou permanente, não puderem exprimir sua vontade, os ébrios habituais, os viciados

em tóxico e os pródigos. Note-se que foi superada qualquer referência à deficiência

mental ou qualquer outra designação estereotipada que não raro era utilizada pela

legislação e o critério definidor da primeira hipótese de pessoa sujeita à curatela é

a impossibilidade de exprimir a vontade, por causa transitória ou permanente. Os

sujeitos passivos do procedimento de interdição^31 são os relativamente incapazes de

acordo com a nova redação do art. 4º, II, III e IV, CC, já que a incapacidade absoluta

ficou reservada exclusivamente aos menores de dezesseis anos (art. 3º, CC), o que

pode ensejar o quadro de uma pessoa que desde o nascimento, e sem qualquer

(^31) “Art. 1.767, CC: Estão sujeitos a curatela: I - aqueles que, por causa transitória ou permanente, não

puderem exprimir sua vontade; II - os ébrios habituais e os viciados em tóxico; V - os pródigos”. Em razão da própria finalidade do processo de interdição, não há interesse no ajuizamento da ação em face de criança ou adolescente, em razão da incapacidade absoluta ou relativa já existente. Entretanto, conhecendo-se os labirintos da burocracia brasileira, não é de todo possível que algum regramento exija a decretação de interdição para algum fim específico, fazendo surgir, assim, o interesse de agir. Evidentemente, se se tratar de pessoa emancipada, há interesse em eventual ação de interdição.

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 219

Sujeitos processuais no processo de interdição

de curador especial, de modo que no processo de interdição, sob o aspecto funcional,

não há qualquer peculiaridade envolvendo a atuação do Ministério Público.

Caso o Ministério Público seja autor, será desnecessária a atuação de outro

órgão como fiscal da ordem jurídica, não havendo previsão para essa dupla e distinta

atuação. Na realidade, atuando como legitimado ativo, o órgão do Ministério Público

concentra também a função de fiscal da ordem jurídica^33.

Como legitimado ativo, o Ministério Público possui atuação subsidiária e restrita,

já que sua legitimidade encontra limitações normativas^34. O caput do art. 748, CPC,

mantém uma linguagem que não encontra paralelo no CC, revelando uma vez mais

a falta de diálogo normativo com o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Realmente,

não se utiliza mais a expressão “doença mental grave”, que é uma espécie de versão

amena da lamentável expressão “loucura furiosa” utilizada no art. 448, I, do CC de

1916, e da “anomalia psíquica” do art. 1.178, I, CPC de 1973. De acordo com o art. 2º

do Estatuto da Pessoa com Deficiência:

[c]onsidera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento

de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,

o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir

sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de

condições com as demais pessoas.

Caberá ao médico ou à equipe multidisciplinar qualificar a deficiência mental como

grave para fins de legitimidade do Ministério Público, o que deve ser aferido em

procedimento administrativo preparatório ou a partir de documentação médica

privada do interditando, caso a urgência do caso impeça melhor avalição prévia

documentada em procedimento próprio. O fato é que a deficiência mental grave é

condição específica para a legitimidade do Ministério Público e deve haver algum

elemento de prova já na petição inicial. Situação interessante ocorrerá se, no decorrer

da instrução, for constatada que a deficiência efetivamente existe, mas não em grau

grave. Ou seja: é necessária a situação de curatela, mas não em uma hipótese de

legitimidade do Ministério Público. Nesse caso, se as pessoas designadas nos incisos

I, II, e III do art. 747, CPC, existirem, deverão ser intimadas para assumir o polo ativo; se

(^33) Em sentido contrário, DIDIER JR., Fredie. Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil.

3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 1938. Sobre a desnecessidade de atuação de mais de um membro do Ministério Público: GARCIA, Emerson. Ministério Público: organização, atribuições e regime jurídico. 6ª ed. São Paulo: Saraiva, 2017, p. 503/505. O Superior Tribunal de Justiça também já decidiu nesse sentido: “O Ministério Público é uno como instituição, pelo que o fato de o mesmo ser parte do processo dispensa sua presença como fiscal da lei, porquanto defendendo os interesses da coletividade, através da ação civil pública, de igual modo atua na custódia da lei” (REsp 1042223/SC, Rel. Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 16/12/2008, DJe 19/02/2009). (^34) Em sentido contrário, entendendo haver ampla legitimidade com base no art. 1.769, CC: FARIAS, Cristiano

Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Famílias. 9ª ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 947. vol. 6.

220 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020

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não comparecerem, o processo deverá ser extinto. Se não existirem tais pessoas ou

forem incapazes, o processo será extinto por perda de legitimidade ativa. Não será

caso de improcedência, porque, a rigor, haverá grau de deficiência apta para constituir

a incapacidade relativa, mas não por meio de ação ajuizada peço Ministério Público.

Por se tratar de jurisdição voluntária, pode haver quem sustente a manutenção do

processo com base na inaplicabilidade da legalidade estrita. Entretanto, por política

legislativa, optou-se por restringir a legitimidade do Ministério Público em um assunto

que envolve a capacidade de uma pessoa e a extensão da legitimidade ativa contra a

lei nessa seara é uma arbitrariedade que não deve ser tolerada. O legislador entendeu

que somente em caso de deficiência mental grave deve incidir plenamente o aparato

protetivo estatal, que inclui a legitimidade do Ministério Público. Lembre-se, ainda, de

que há a possibilidade da autointerdição que é plenamente aplicável em grau moderado

ou leve de deficiência, optando o legislador por confiar à própria pessoa a tutela de sua

situação jurídica, de modo que pode o próprio interditando ou curatelando assumir o

polo ativo, o que pode ser feito até mesmo em audiência com o juiz e o promotor de

justiça, quando lhe será informada a situação. Verifica-se, pois, que a legitimidade ativa

do Ministério Público é subsidiária e supletiva, restrita a quatro requisitos: a) doença

mental grave; b) inexistência ou incapacidade dos outros legitimados arrolados no art.

747, CPC; c) inércia desses legitimados; d) inércia do próprio interditando (art. 1.768,

IV, CC). Há, ainda, o problema de direito intertemporal envolvendo o art. 1.769, CC,

que foi alterado pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência para utilizar a expressão

“deficiência mental ou intelectual”, mas foi revogado pelo art. 1.072, II, CPC

35

. A

natureza da legitimidade do Ministério Público é ordinária, ou seja, não se trata de

substituição processual e sua atuação decorre diretamente da compatibilidade com

suas funções constitucionais.

Em relação ao pródigo, discute-se a legitimidade ativa do Ministério Público – e

necessariamente essa discussão afetará também sua atuação como fiscal da ordem

jurídica nesses casos –, já que se trata de interdição apenas e tão somente para fins

patrimoniais. Com efeito, segundo o art. 1.782, CC, “a interdição do pródigo só o privará

de, sem curador, emprestar, transigir, dar quitação, alienar, hipotecar, demandar ou

ser demandado, e praticar, em geral, os atos que não sejam de mera administração”.

Por atingir apenas esse aspecto negocial, isto é, a disponibilidade de direitos, há

dúvida sobre a legitimidade do Ministério Público. Entretanto, três argumentos nos

parecem insuperáveis no sentido de se reconhecer, sim, a legitimidade do Ministério

para promover a interdição dos pródigos: a) o efeito da interdição é uma situação de

incapacidade, de modo que isso por si só justifica a atuação do Ministério Público; b)

com a interdição, inexistirá mais a disponibilidade absoluta dos bens, o que faz com

que não se esteja exatamente diante de uma questão envolvendo direitos disponíveis;

c) o Estatuto da Pessoa com Deficiência é bastante contundente ao dispor, em seu art.

(^35) Entende Fredie Didier Jr. que, não obstante o problema de direito intertemporal, prevalece o disposto no art. 1.769, CC, a cujos termos deve se adequar o art. 748, CPC (Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 1931/1932).

222 | Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020

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com a integração de capacidade processual (representação processual) do curador

especial

38

. O art. 752, CPC, corrige esse equívoco ao extremar a função do Ministério

da atuação do curador especial^39.

interditando, não se justifica a nomeação de curador especial” (REsp 1099458/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 02/12/2014, DJe 10/12/2014). “No tocante à invocação do art. 3º Lei 8.906/1994 e do art. 4º da Lei Complementar n. 80/1994 - que elenca as funções institucionais da Defensoria - são impertinentes para a solução da controvérsia, pois, como observado na decisão ora agravada, a designação de curador especial - atividade institucional, que pode ser exercida pela Defensoria Pública - tem por pressuposto a presença de conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal” (AgInt nos EDcl no REsp 1604162/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/02/2017, DJe 20/02/2017). (^38) Situação peculiar - e inconfundível com o que aqui se expõe – consiste na atuação do Ministério Público como legitimado ativo e a desnecessidade de nomeação automática de curador especial. Não perceber essa diferença é o mesmo que não entender a distinção entre substituição processual e fiscalização da ordem jurídica. Não se nomeia curador especial sob o pretexto de equilibrar um contraditório que está plenamente estabelecido, sem que incida nenhuma daquelas hipóteses antes mencionadas. Nesses casos, o Ministério Público é quem figura como autor, na tutela de direitos indisponíveis, não havendo necessidade de nomeação de curador especial, já que inexistirá conflito de interesses entre o curatelando e seu representante legal. Essa controvérsia se instaurou em diversos casos envolvendo a destituição de poder familiar, em que a Defensoria Pública passou a atuar na condição de curador especial sem inclusive prévia nomeação judicial, incidindo em duplo equívoco. O CPC não possui regra expressa sobre o tema e a polêmica que se instaurou deveria ter sido suficiente para animar regramento específico. No entanto, esse entendimento sobre a desnecessidade de nomeação de curador especial decorre do sistema e vem sendo acolhido pelo STJ (AgRg no Ag 1369745/RJ, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3.ª T., DJe 16.04.2012; AgRg no Ag 1415049/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4.ª T., DJe 17.05.2012; AgRg no Ag 1410673/RJ, Rel. Min. Marco Buzzi, 4.ª T., DJe 29.10.2014; AgRg no REsp 1478366/RJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, 4.ª T., DJe 11.12.2014; AgRg no REsp 1416820/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, 4.ª T., DJe 05.02.2015; REsp 1370537/ RJ, Rel. Min. João Otávio de Noronha, 3.ª T., DJe 10.03.2015). (^39) Cf. DIDIER JR., Fredie. Da Interdição. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3ª ed. Wambier, Didier Jr., Talamini e Dantas (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 1938/1939. Assim também Fernando da Fonseca Gajardoni: GAJARDONI; DELLORE; ROQUE; OLIVEIRA JR. Processo de Conhecimento e Cumprimento de Sentença: Comentários ao CPC de 2015. São Paulo: Método, 2016, p. 1303. O próprio STJ resolveu a questão adequadamente em julgado mais recente: “Civil. Processual civil. Recurso especial. Impossibilidade de exercício de curadoria especial pelo Ministério Público. Munus exercido pela Defensoria Pública. [...] Diante da incompatibilidade entre o exercício concomitante das funções de custos legis e de curador especial, cabe à Defensoria Pública o exercício de curadoria especial nas ações de interdição. Precedentes” (REsp 1651165/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 19/09/2017, DJe 26/09/2017). Mas ainda há sinalização de que a questão não está adequadamente compreendida: “Agravo interno. Processual civil. Legitimidade do Parquet estadual para interpor recurso em face de decisão de ministro de tribunal superior. Reconhecimento. Intervenção do ministério público em feito de interdição. Designação de curador especial. Tem por pressuposto a presença de conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal. No procedimento de interdição não requerido pelo Ministério Público, quem age em defesa do suposto incapaz é o órgão ministerial.1. A Corte Especial, por ocasião do julgamento dos EREsp 1.327.573/ RJ, revendo sua jurisprudência, por maioria, redatora do acórdão a Ministra Nancy Andrighi, perfilhou entendimento acerca da possibilidade de atuação, no âmbito do STJ, paralela do MP estadual - que atua, nos feitos oriundos da Justiça estadual, na pessoa do Procurador-Geral, como parte e o MPF como fiscal da lei. 2. A designação de curador especial tem por pressuposto a presença do conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal. No procedimento de interdição não requerido pelo Ministério Público, quem age em defesa do suposto incapaz é o órgão ministerial e, portanto, resguardados os interesses interditando, não se justifica a nomeação de curador especial. (REsp 1099458/PR, Rel. Ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 02/12/2014, DJe 10/12/2014) 3. No tocante à invocação do art. 3º Lei 8.906/1994 e do art. 4º da Lei Complementar n. 80/1994 - que elenca as funções institucionais da Defensoria - são impertinentes para a solução da controvérsia, pois, como observado na decisão ora agravada, a designação de curador especial - atividade institucional, que pode ser exercida pela Defensoria Pública - tem por pressuposto a presença de conflito de interesses entre o incapaz e seu representante legal. 4. Agravo interno não provido” (AgInt nos EDcl no REsp 1604162/SP, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 14/02/2017, DJe 20/02/2017).

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 223

Sujeitos processuais no processo de interdição

6. Curador especial

O art. 72 do CPC reproduz em essência o texto correspondente do CPC de 1973,

com aperfeiçoamento redacional e correção técnica do parágrafo único. Como se sabe,

há incapacidades que tocam de maneira específica a legislação processual. Nesse

sentido, o curador especial é um representante processual ad hoc para suprimento

de uma incapacidade processual, não guardando nenhuma relação com o direito

material em disputa e suas funções são protetivas, eminentemente defensivas. Note-se

que o curador especial não é parte. Trata-se apenas de um representante processual

que visa a regularizar a relação processual por meio de integração de capacidade em

situações bem específicas, no intuito de preservar em alguma medida o equilíbrio do

contraditório. Basicamente, deve o curador especial oferecer contestação, produzir

provas e interpor recursos. É atividade tipicamente processual que visa a restaurar

um contraditório deficiente, ao menos formalmente, já que existe a autorização para

formular defesa genérica (art. 341, parágrafo único, CPC). O curador especial, no

desempenho dessa função protetiva de esfera jurídica, com a finalidade de equilibrar

o contraditório, deve ser obrigatoriamente nomeado pelo juiz, ainda que de ofício.

Por ser uma atividade tipicamente processual, sem nenhuma repercussão de direito

material, sua função cessa com o término do processo. No caso de processo de

interdição, deve ser examinada a hipótese da regra geral do art. 72, I, CPC, isto é,

nomeação de curador especial ao incapaz que não tenha representante legal ou cujos

interesses colidirem com aquele. Trata-se de hipótese de suprimento de capacidade

processual e não material, não dispensando a intervenção do Ministério Público,

como bem estabelecido no art. 752, §2º, CPC. Como já assinalado no item anterior, o

Ministério Público não atua no processo para integrar a capacidade, mas, sim, como

fiscal da ordem jurídica. Se uma das funções do curador especial está no reforço do

contraditório e da proteção da esfera jurídica do incapaz, a subtração de sua atuação

em virtude da atuação do Ministério Público na verdade levaria a um déficit protetivo.

O parágrafo único do art. 72, CPC, é uma adequação à evolução normativa após a

edição do Código anterior, especialmente à disciplina constitucional do Ministério

Público – afastando-o definitivamente da possibilidade de ser curador especial –,

e das Leis Complementares 80/1994 e 132/2009, que dispõem sobre a Defensoria

Pública e a erigem à condição de curador especial por excelência. Nas localidades

em que ainda não houver Defensoria Pública devidamente instalada, a curadoria

especial recairá preferencialmente sobre advogado idôneo. Não há necessidade de

o curador ser advogado, mas, como para praticar atos no processo é necessária a

capacidade postulatória, não faz sentido prático que a nomeação recaia sobre outra

pessoa que terá que contratar profissional habilitado, já que são inconfundíveis os

graus de incapacidade e o curador especial somente supre a incapacidade processual.

A colisão de interesses entre o incapaz e seu representante legal deve ser apreciada

no caso concreto, mas, em linhas gerais, ocorrerá ordinariamente nos processos de

interdição em que tenha sido nomeado curador provisório. Caso não haja curador

provisório, pode-se vislumbrar a inexistência desse conflito, já que pode haver outro

representante legal para tutelar o interesse do curatelando. Verifica-se, pois, que a

Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro nº 78, out./dez. 2020 | 225

Sujeitos processuais no processo de interdição

ampliação do contraditório, seja por meio de integração por assistência litisconsorcial^42 ,

ou por outra figura interventiva que se afigure adequada ao caso concreto. Ainda

assim, na doutrina se encontra a afirmação geral de que só haveria intervenção de

terceiros em casos de efetivo litígio, não sendo compatível se se tratar realmente de

jurisdição voluntária^43. No caso de processo de interdição, o CPC previu expressamente

uma espécie de intervenção de terceiros, como será examinado no item seguinte^44.

7.1 A intervenção prevista no art. 752, §3º, CPC

Para que haja intervenção de terceiro como assistente em determinado

processo, exige-se a presença de “interesse jurídico”^45. O art. 752, §3º, CPC, dispõe

(^42) A natureza da assistência litisconsorcial é motivo de antiga controvérsia: sobre o tema, com citação

de bibliografia complementar: BATISTA, Lia Carolina. Assistência no Processo Civil Brasileiro. Dissertação de mestrado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012. Inédito, capítulo 5, especialmente p. 74/92 (disponível em: www.teses.usp.br). CINTRA, Lia Carolina Batista. Intervenção de Terceiro por Ordem do Juiz: a intervenção iussu iudicis no processo civil. São Paulo: RT, 2017, p. 137/140. EID, Elie Pierre. Litisconsórcio Unitário: fundamentos, estrutura e regime. São Paulo: RT, 2017, p. 204/214. E ainda: ALBERTON, Genacéia da Silva. Assistência Litisconsorcial. São Paulo: RT, 1994. ALVIM, Thereza. Direito Processual de Estar em Juízo. São Paulo: RT, 1996. SICA, Heitor Vitor Mendonça. Notas críticas ao sistema de pluralidade de partes no processo civil brasileiro. Revista de Processo, nº 200. São Paulo: RT, outubro de 2011, p. 13-70. ASSIS, Araken de. Processo Civil Brasileiro. São Paulo: RT, 2015, p. 618/624. vol. II, tomo I. (^43) BATISTA, Lia Carolina. Assistência no Processo Civil Brasileiro. Dissertação de mestrado. São Paulo:

Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012. Inédito, p. 109 (disponível em: www.teses.usp.br). Admitindo assistência simples em procedimentos de jurisdição voluntária: MAURÍCIO, Ubiratan de Couto. Assistência Simples no Direito Processual Civil. São Paulo: RT, 1983, p. 79/83. Cf., também, GUEDES, Jefferson Carús. Comentários ao Código de Processo Civil. Marinoni, Arenhart e Mitidiero (coord.). São Paulo: RT, 2016, p. 92/93, 139/140 e 223/224. vol. 11. (^44) A possibilidade de litígio é comum nos procedimentos de jurisdição voluntária e não nos parece ser

esse o melhor critério para considerar que se trata ou não de processo contencioso, mas não é aqui a sede própria para essa discussão. Em todo caso, a intervenção ora tratada pressupõe a ausência de litígio, na medida em que a sua condição é a não constituição de advogado (ou nomeação de Defensor Público). (^45) O conceito de interesse jurídico é o ponto mais tormentoso e controvertido no estudo da assistência,

limitando-se o Código de Processo Civil, em seu artigo 119, a dispor que poderá intervir como assistente o terceiro que tiver interesse jurídico em que a sentença seja favorável a uma delas (para uma descrição histórica sobre a exigência de interesse para essa intervenção no direito processual brasileiro: BATISTA, Lia Carolina. Assistência no Processo Civil Brasileiro. Dissertação de mestrado. São Paulo: Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, 2012. Inédito, capítulo 2; no mesmo trabalho, especialmente no item 5.4, há profundo exame do conceito de interesse jurídico, incluindo referências de direito comparado - disponível em: www.teses.usp.br). Arruda Alvim afirma que a esfera jurídica do assistente simples poderá ser afetada de duas formas: 1) se a própria decisão do processo alcançar relação jurídica sua com quem deseja assistir, como uma prejudicial; 2) se a justiça da decisão operar efeitos de fato na esfera jurídica do assistente simples. Esclarece esse autor que, para o interesse do terceiro ser considerado jurídico, “deve, do processo entre outras pessoas, poder resultar influência benéfica ou contrária, prejudicial ou indireta, no conflito de interesses, atual ou potencial, que tem ele com a parte a quem deseja assistir” (Assistência. Revista de Processo: São Paulo: RT, nº 6, abril/junho de 1977, p. 229). Em outra obra, Arruda Alvim destaca que o interesse jurídico justificador do ingresso do assistente simples deve ser aferido em função de a sentença poder afetar ou não esse terceiro (Manual de Direito Processual Civil. vol. 2. 7ª ed. São Paulo: RT, 2001, p. 120. O mesmo entendimento foi adotado em estudo escrito com Teresa Arruda Alvim: Assistência-Litisconsórcio. Repertório de jurisprudência e doutrina. São Paulo: RT, 1986, p. 13). Moacyr Amaral Santos não fornece uma noção tão completa, mas é correto em sua abordagem, ao afirmar que “o assistente intervém fundado no interesse jurídico, que tem, de que a sentença não seja proferida contra o assistido, porque proferida contra este poderia influir desfavoravelmente na sua situação jurídica” (Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 51. 2º vol.). Nessa mesma linha, encontramos as seguintes abordagens: a) Cândido Rangel Dinamarco, que observa que “o interesse que legitima a assistência é sempre representado pelos reflexos jurídicos que os resultados do processo possam projetar sobre a esfera de direitos do terceiro. Esses

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Robson Renault Godinho

possíveis reflexos ocorrem quando o terceiro se mostra titular de algum direito ou obrigação cuja existência ou inexistência depende do julgamento da causa pendente, ou vice-versa. (...) É de prejudicialidade a relação entre a situação jurídica do terceiro e os direitos e obrigações versados na causa pendente. Ao afirmar ou negar o direito do autor, de algum modo o juiz estará colocando premissas para a afirmação ou negação do direito ou obrigação de terceiro – e daí o interesse deste em ingressa” Instituições de Direito Processual Civil. 4ª ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 387. vol. II; b) Celso Agrícola Barbi, que escreve que “o interesse é jurídico quando, entre o direito em litígio e o direito que o credor quer proteger com a vitória daquele, houver uma relação de conexão ou de dependência, de modo que a solução do litígio pode influir, favorável ou desfavoravelmente, sobre a posição jurídica de terceiro” (Comentários ao Código de Processo Civil. 9a ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 174. vol. I); c) Ovídio Baptista da Silva, para quem “dá-se intervenção adesiva simples quando terceiro ingressa no processo com a finalidade de auxiliar uma das partes em cuja vitória tenha interesse, uma vez que a sentença contrária à parte coadjuvada prejudicaria um direito seu, de alguma forma ligada ao direito do assistido” (Curso de Processo Civil. 4a ed. São Paulo: RT, 1998, p. 273. vol. 1); d) Daniel Colnago Rodrigues afirma que, no caso da assistência simples, “o terceiro tem interesse jurídico que, posto seja diferente do interesse da parte, encontra-se em relação de dependência com esse, podendo se apresentar de dois modos: quando o resultado do processo puder implicar eficácia constitutiva favorável ou contrária ao interesse do assistente; e quando o resultado do processo puder autorizar uma das partes a promover ação regressiva contra o terceiro. [...] Seja na modalidade simples, seja na modalidade litisconsorcial, a assistência não se conforma com interesse que não seja jurídico. Interesses meramente moral, altruísta, afetivo, ou mesmo econômico, não legitimam a assistência (Intervenção de Terceiros. São Paulo: RT, 2017, p. 69); e) Luiz Rodrigues Wambier e Eduardo Talamini consideram que “há a perspectiva de o assistente simples sofrer efeitos reflexos da decisão desfavorável ao assistido, que atingiriam negativamente sua esfera jurídica. O assistente simples tem um interesse jurídico próprio, que não está diretamente posto em disputa no processo, mas que apenas pode ser preservado na medida em que a sentença seja favorável ao assistido. [...] O interesse jurídico do assistente simples pode apresentar-se de dois modos: (1º) o resultado do processo poderá implicar uma eficácia constitutiva (ou desconstitutiva) favorável ou contrária ao interesse (à posição jurídico-material) do assistente; (2º) o resultado do processo poderá autorizar uma das partes a promover ação regressiva contra o terceiro – hipótese em que esse assiste aquela parte que o poderia demandar regressivamente” (Curso Avançado de Processo Civil. 16ª ed. São Paulo: RT, 2016, p. 355); f) Vicente Greco Filho, anotando que “a qualidade de jurídico do interesse que legitima a assistência simples decorre da potencialidade de a sentença a ser proferida repercutir, positiva ou negativamente, na esfera jurídica do terceiro” (Da Intervenção de Terceiros. São Paulo: Saraiva, 1986, p. 74); g) Cássio Scarpinella Bueno afirma que o interesse jurídico do assistente simples “deve ser dedutível da probabilidade atual ou iminente de que possa a decisão a ser proferida no processo em que pretende intervir vir a afetar sua esfera jurídica enquanto fato eficaz” (Partes e Terceiros no Processo Civil Brasileiro, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 138); h) Genacéia da Silva Alberton, que entende que “o assistente não reclama direito próprio, mas tem interesse pessoal na sorte da pretensão de uma das partes, ficando sua situação processual dependente da parte coadjuvada” (Assistência Litisconsorcial. São Paulo: RT, 1994, p. 27); i) Daniel Ustárroz afirma que o “interesse reside na circunstância de que, caso seu assistido saia vitorioso, o assistente afastará parcela ou a totalidade de efeitos reflexos que sentença favorável ao adversário do assistido poderia ter sobre seu patrimônio jurídico” (A Intervenção de Terceiros no Processo Civil Brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 37). Todos esses posicionamentos, embora não sejam plenamente coincidentes, seguem uma linha em comum, já que, basicamente, limitam-se a expressar que o interesse jurídico consiste na possibilidade de o assistente ser atingido desfavoravelmente em sua situação jurídica. Entretanto, José Frederico Marques acatou a definição de Moacyr Lobo da Costa, que entendia que “sempre que o terceiro seja titular de uma relação jurídica, cuja consistência prática ou econômica dependa da pretensão de uma das partes do processo, ele deve ser admitido a intervir na causa, para atuar no sentido de que a seja favorável à pretensão da parte a que aderiu. Não se trata, evidentemente, de interesse prático ou econômico, que não legitima a intervenção. Deve existir uma relação jurídica, entre o terceiro e a parte, cuja consistência prática ou econômica dependa da pretensão dessa parte na lide, e possa ser afetada pela decisão da causa” (Manual de Direito Processual Civil. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 271. vol. 1). Vê-se, aqui, um conceito restritivo que vamos encontrar em outros doutrinadores e na jurisprudência (exemplos do Superior Tribunal de Justiça: AgRg no AREsp 392.006/PR, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 05/11/2013, DJe 12/11/2013; AgInt no REsp 1568723/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 08/11/2016, DJe 17/11/2016), que passa a vincular o interesse jurídico a uma necessária relação jurídica entre o terceiro e a parte, o que nos parece equivocado. Merece registro, também, pela influência que seu pensamento exerce ainda hoje no Brasil, o posicionamento de Alberto dos Reis, que entendia ser necessário o seguinte, para que restasse configurado o interesse jurídico: a) que derive de relação jurídica em que figure como parte o candidato à assistência; b) que esta relação seja conexa com a relação jurídica litigiosa, devendo tal conexão consistir num laço de prejudicialidade ou dependência (Código de Processo Civil