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Este trabalho analisa a poesia de cláudio manuel da costa, um dos principais representantes do movimento literário arcadista no brasil do século xviii. Através da análise do soneto vii de suas obras de 1768, o texto discute a legitimidade da natureza arcádica de sua poesia e sua influência no tema da metamorfose humana e social resultante da modernização. Além disso, o texto explora as características comuns das produções dos poetas arcadistas, como a liberdade, a fuga para o campo, a figura da mulher e a natureza.
O que você vai aprender
Tipologia: Notas de aula
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Alexandre de Sousa Pessoa Felipe Morais de Melo DELEM – UFRN
Este trabalho discute a legitimidade da natureza árcade do poeta Cláudio Manuel da Costa a partir das opiniões opostas de Amora (1974) e Coutinho (1968) e analisa, aos moldes de Cândido (2000), seu Soneto VII – encontrado em seu mais famoso livro, Obras, de 1768 –, no qual está presente o tema da metamorfose humana e social resultante da modernização do sistema, tema cada dia mais manifestada e violentamente concretizado na vida moderna (e pós-moderna). Serão apontadas, também, algumas das intertextualidades clássicas que permeiam a produção poética do vate setecentista, a exemplo de Ovídio (1960) e de Camões (1980). A riqueza de tensões que permeia o texto e as veredas nele existentes, que possibilitam uma ligação com a biografia do autor e com o contexto histórico (a historicidade do material estético), dão mostra da riqueza literária presente na produção do autor, que não teve de se ater de modo taxativo às regras da escola literária vigente para produzir, mas, através de sua inovação, revelou-se como o grande nome do início do sistema literário brasileiro.
Palavras-chave: soneto VII, Cláudio Manuel da Costa, Arcadismo, modernidade.
Cláudio Manuel da Costa, juntamente com Tomás Antônio Gonzaga, Silva Avarenga, Basílio da Gama e Avarenga Peixoto, é um dos mais importantes representantes o grupo dos principais poetas do movimento literário que estava em voga na segunda metade do século XVIII no Brasil. São conhecidos como os poetas mineiros, por todos eles terem vivido em Minas Gerais, apesar dos anos de vida acadêmica e familiar passados em Portugal, o que os tornava “homens de cultura” na época. A poesia que eles produziam tinha um estilo muito menos exagerado, se comparado com a das escolas anteriores, a barroca e a acadêmica. Tentavam, através de uma linguagem freqüentemente simples, ausente dos excessivos rebuscamentos barrocos e menos laudatória e idealista do que a dos acadêmicos, “reconduzir a poesia ao que consideravam um bom gosto literário” (AMORA, 1974: 66). Em um Brasil colônia onde a burguesia, dominadora do poder econômico, estava insatisfeita e tentava ganhar, paulatinamente, terreno político, até então monárquico; e a sociedade, igualmente descontente pela cobrança abusiva de impostos e pelo autoritarismo, começava a planejar movimentos contra o absolutismo, o que culminaria na Inconfidência Mineira; esses intelectuais começaram a criar poemas que trabalhavam com o tema da liberdade, da fuga desse entorno burguês, que estava em embate com o poder despótico, para um ambiente idealizado e bucólico como só a mitologia grega poderia imaginar: a Arcádia, locus amoenus (um lugar ameno), um campo sublime. Todavia, Antônio Cândido afirma que essa
fuga é limitada, em nossos poetas árcades, pelo seu apelo nacionalista por criar poemas que possuem aspectos temáticos distintos dos europeus (Cândido, 2000: p. 26). Para Cândido (2000), é neste momento quando começa a expressão tipicamente nacional da literatura brasileira, quando é constituído um “sistema literário”, já que existe um público leitor para as produções das letras. Esse momento histórico setecentista do Brasil foi marcado por uma recorrente temática, a da liberdade, que bem pode ser expressa pela escritora modernista Cecília Meireles em seu Romanceiro da Inconfidência em que diz:
Atrás de portas fechadas, / à luz de velas acesas, / entre sigilo e espionagem/ acontece a Inconfidência. / Liberdade, ainda que tarde/ ouve- se em redor da mesa. / E a bandeira já está viva/ e sobe na noite imensa. / E os seus tristes inventores/ já são réus – pois se atreveram/ a falar em Liberdade. / Liberdade, essa palavra/ que o sonho humano alimenta/ que não há ninguém que explique/ e ninguém que não entenda (apud NICOLA, 1985: 36).
Além da liberdade e da fuga para o campo, o Fugere urbem (fugir da cidade), como escreveu o poeta romano Quinto Horácio; outras características comuns permeiam as produções dos poetas árcades, como a constante figura da mulher, geralmente perdida e por vezes traidora; as sublimes descrições da natureza; o uso de pseudônimos, o que revela um poeta fingido, apresentado de modo bastante díspar do homem ordinário que vive no mundo real; entre outras. O poeta em questão, Cláudio Manuel da Costa, nasceu na cidade de Mariana, Minas Gerais, e teve sua formação primária e secundária no Brasil, em Vila Rica e no Rio de Janeiro respectivamente, partindo para Portugal onde cursou a faculdade de Direito. Foi nas terras lusas em que iniciou seu labor literário com obras em que mostrava um maior requinte poético, como Monúsculo Métrico (1751) e Números Harmônicos (1753). Suas obras mais famosas foram lançadas quando já estava de volta ao Brasil, exercendo cargos políticos. São elas Obras (1768), publicada primeiramente em Portugal e o poema épico Vila Rica (1773). Porém são os cem sonetos que estão contidos em Obras que representam sua produção mais significativa, por revelarem “seu drama moral e sentimental” (AMORA, 1974, p.69). Usava o pseudônimo de Glauceste Saturno. Devido ao caráter social de algumas de suas produções e ao fato de ainda estar ligado à Inconfidência Mineira, é preso no final da década de 80 e encontrado morto na prisão em 1789. Diversas opiniões foram dadas acerca da importância ou não do autor para o movimento árcade brasileiro. Professores como Antônio Soares Amora o põem em um posto privilegiado, dizendo que “foi a Cláudio Manuel da Costa que ficamos a dever a nossa definição em face do Arcadismo” (op. cit.: 66), tendo sido “um excelente lírico (injustamente posto em segundo plano, em relação a Tomás Antônio Gonzaga), foi ainda o iniciador e um dos mentores de nosso Arcadismo” (op. cit.: 69). Já para Afrânio Coutinho,
Dos poetas inexatamente [grifo nosso] classificados como árcades brasileiros, ou mineiros – já que não pertenceram, em conjunto, a
E em contemplá-lo, tímido, esmoreço.
Uma fonte aqui houve; eu não me esqueço De estar a ela um dia reclinado; Ali em vale um monte está mudado: Quanto pode dos anos o progresso!
Árvores aqui vi tão florescentes, Que faziam perpétua a primavera: Nem troncos vejo agora decadentes.
Eu me engano: a região esta não era; Mas que venho a estranhar, se estão presentes Meus males, com que tudo degenera! (COSTA, 1996: 53-4)
Na primeira estrofe, o poeta deixa clara sua perplexidade diante de uma natureza modificada; seu ethos está surpreso com o meio, apresentado de forma tão diferente da de outrora, parecendo-lhe estranho, desconhecido. Na segunda estrofe ele mostra que, por mais discrepante que lhe resulte o cenário, já estivera lá apreciando a fonte e o monte e atribui ao progresso da sociedade a culpa por essa devastação ambiental. Para Cândido, A poesia pastoral, como tema, talvez esteja vinculada ao desenvolvimento da cultura urbana, que, opondo as linhas artificiais da cidade á paisagem natural, transforma o campo num bem perdido, que encarna facilmente os sentimentos de frustração. Os desajustes da convivência se explicam pela perda da vida anterior [...] (CÂNDIDO, 2000: 58).
O interessante é notar que o campo transformado “num bem perdido”, para a maioria dos outros poetas pastorais, é algo que se perdeu na distância. A abordagem de um campo degradado é algo inovador, uma vez que a degradação, normalmente, é representada pela cidade. O poeta tenta fugir da cidade para o campo, mas o que fazer, quando o campo também não existe mais? Neste caso, o sentimento de frustração, mencionado por Cândido, se torna ainda maior. Cláudio observa a degradação causada pela mineração e discute, com base numa preocupação estética da paisagem, os impactos causados ao meio ambiente. Séculos depois, iremos ter uma discussão semelhante num poema de outro mineiro. “Confidência do itabiriano”, de Carlos Drummond de Andrade, é a representação futura dessa frustração já abordada pelo poeta árcade.
Tive ouro, tive gado, tive fazendas. Hoje sou funcionário público. Itabira é apenas uma fotografia na parede. Mas como dói! (DRUMMOND, 1983: 65)
Na terceira estrofe fica evidente o contraste entre a antiga natureza, totalmente edênica, com toda sua “exuberância tropical”, como escreve Affonso Ávila (1978: 25); e a natureza
atual, tão pobre, abusada, usurpada. Por fim, na quarta estrofe ele assume a responsabilidade por esses agravos naturais, mas não ele como ser único, individual, mas como uma alegoria do meio, do ser humano, do bom selvagem, como diz Rousseau, que foi corrompido pelo externo e sobre ele descarrega sua maldade. O poeta mostra-se “tímido”, como ele mesmo diz no primeiro verso, por fazer parte do grupo agente da transformação. Percebem-se, pois, duas mudanças nítidas nesse poema: a mudança do ser, vinda em parte da ascensão burguesa e, mais recentemente, da Revolução Industrial, com suas ideologias primordialmente focadas no lucro (ambas) e no mecanicismo (principalmente no caso da Revolução Industrial; e a variação da natureza, como vítima inevitável dessa primeira mudança. Quanto à estrutura, o poema é um soneto, portanto segue seu modelo, dois quartetos de rimas emparelhadas e dois tercetos com rimas cruzadas. Todos os versos são decassílabos. Não há uma forte ocorrência de figuras de linguagem, o que condiz com o Arcadismo, que propunha uma poesia de alcance maior, popular. Mesmo assim, pode-se notar uma aliteração da consoante oclusiva alveolar surda /t/ no verso três, o que pode sugerir o ruído de um machado, que dá nova forma à natureza: “Tudo outra natureza tem tomado”; bem como algumas inversões simples como a do verso dois “Quem fez tão diferente aquele prado?”, que não segue a ordem canônica sujeito + verbo + objeto + predicativo, havendo uma permuta entre os dois elementos finais. Sua ordem básica seria: “Quem fez aquele prado tão diferente”; ou pouco mais brusca como ocorre no verso cinco: “Árvores aqui vi tão florescentes”, que em sua ordem direta seria “Vi árvores tão florescentes aqui”. Vale dizer que as inversões estão a serviço do esquema das rimas do poema, no caso em questão, um soneto, construído em alta realização por Cláudio Manuel da Costa, não constituindo novidade escrever, como põe Cândido (2000: 89), que ele “é dos maiores cultores desta forma em nossa língua”. Há dois percursos de leitura que podem ser trilhados. O primeiro é o direto, o que significa uma leitura da primeira estrofe em rumo à última. Nesse caminho vê-se uma linha de elementos que gradativamente vão engendrando ou contendo os seguintes: na primeira é o prado, que contém a fonte e o vale da segunda estrofe; o vale que contém as árvores da terceira; e, por fim, é revelado o homem, como o menor fruto da natureza. No entanto, é esse menor elemento que abre sendas para a segunda leitura, da quarta para a primeira estrofe. Essa segunda alternativa revela o homem como um ser tão pequeno, mas que pode ocasionar a devastação do grande meio em que vive. A quarta estrofe mostra o homem, que devasta as árvores, ocasionando o “progresso” mencionado no oitavo verso e que culmina na mudança total da primeira. São ciclos bem opostos, bem barrocos, que coexistem no poema: o primeiro no qual a grande mãe-natureza abriga seu filho; e a segunda em que este, como Brutus, apunhala seu gerador, iniciando pelos pequenos membros até chegar a seu todo. É interessante perceber como o meio-ambiente vai sofrendo mutações à medida que o ser humano as sofre; é uma função matemática: a natureza se move em função do homem, pois é este, com seus males, que está na chave de ouro do poema, para qualquer das leituras efetuadas. Também se pode falar de um paralelismo ou de uma simetria nas estrofes, já que todas elas possuem uma quebra, marcada pelos dois-pontos nas três primeiras estrofes e pelo ponto e vírgula na quarta. Essa quebra está ligada ao câmbio que há entre passado,
Com quem falo? A quem digo meu tormento que onde mais chamo, sou menos ouvido? (op. cit.: 22)
Por isso com razão lhe hão dado cultos Caudaloso Ladon, Ménalo ingente, Toda essa Arcádia enfim, terra que à lua Foro se atreve a pleitear de antiga.
“Da Arcádia foragido aos lácios campos Veio Evandro, trazendo os pátrios deuses.
“Nesse tempo, o lugar, onde hoje surge Do universo a cabeça, a altiva Roma, Era um páramo agreste... árvores... ervas... E a longe a longe... algum tugúrio. Chegam.
Por esses fragmentos, fica evidente como os poetas clássicos abordaram temas como os que estão sendo tratados por Manuel da Costa e alguns de modo bastante semelhante. Podem-se ver elementos da natureza sendo louvados; os sentimentos de solidão e eterno questionamento do poeta e a invasão da natureza pela civilização, representada em Ovídio pelo império de Roma. Posso encerrar essa análise citando os quatro passos usados pelos poetas árcades “para reconduzir a poesia ao que consideravam um bom gosto literário” (AMORA, 1974: 66), distanciando-se do exagero barroco que, por vezes, ofuscava o leitor. Através destes passos, pretendemos demonstrar que esse poeta pode, sim, ser considerado um poeta árcade: o primeiro deles é a “imitação” dos poetas clássicos, o que já foi comprovado; o segundo é o uso de uma linguagem simples, o que está bem claro no poema; o terceiro é o acréscimo de elementos nacionais para que não possa haver plágio dos clássicos, o que está presente na fonte que provavelmente se refere ao Ribeirão do Carmo e, por último, elementos efetivos do poeta, o que está expresso pela perplexidade do ethos com ele mesmo. Cláudio Manuel da Costa, além de seu caráter intertextual, foi antecessor de características próprias de movimentos posteriores, como o romântico e o simbolista, quebrando, assim, a clássica delimitação de fronteiras entre gêneros literários, quebra natural dos grandes artistas, que sempre estavam à frente de sua época. Essas suas inovações não diminuem seu valor como poeta árcade, mas enriquecem sua produção, atestando ainda mais seu brilhantismo lírico. E, sobretudo, mesmo que não tratemos de “literatura engajada”, o que talvez seja uma adjetivação adequada a certa produção dos poetas árcades, podemos, nesses tempos de difícil relação do homem com o meio ambiente,
de proporções oceânicas se comparadas ao pequeno Ribeirão do Carmo, pensar se nosso papel é, simplesmente, o de ver tudo se transformar em poema e ficarmos, diante de tais versos, numa atitude de apática contemplação desse mutante mundo, cujas transformações, cada dia mais, tornam-se prolíficas no processo industrial de geração de tão floridas desnaturezas.
AMORA, Antônio Soares. História da Literatura Brasileira. 8. ed. São Paulo: edições saraiva, 1974.
ÁVILA, Affonso. O poeta e a Consciência Crítica. São Paulo: Summus, 1978.
CAMÕES, Luis de. Lírica Completa II. Prefácio e notas de Maria de Lurdes Saraiva. Imprensa Nacional, Casa da Moeda, 1980.
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RAMOS, Péricles Eugênio da Silva. Do Barroco ao Modernismo: Estudos de poesia brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Livros técnicos e científicos, 1979.
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