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A diversidade cultural trazida pelos escravos e a influência das mais diferentes nações indígenas que habitavam o Brasil foram de extrema importância na formação da nossa identidade nacional. Foram suas referências culturais, suas práticas, seus símbolos e seus rituais que, juntamente com as influências europeias, fizeram do povo brasileiro um grupo social diferente de outros. Por exemplo, o que a festa do Boi de Parintins e de Ouro Preto — no Amazonas e em Minas Gerais, respectivamente — têm em comum? Ambos são patrimônios culturais brasileiros. É justamente sobre esse assunto que vamos estudar ao longo deste segundo capítulo. Assim, entenderemos a importância do patrimônio para a preservação da memória e das identidades nacionais, bem como compreenderemos que a memória possui uma dimensão coletiva e deve ser tratada como um fenômeno social.
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A diversidade cultural trazida pelos escravos e a influência das mais diferentes nações indígenas que habitavam o Brasil foram de extrema importância na formação da nossa identidade nacional. Foram suas referências culturais, suas práticas, seus símbolos e seus rituais que, juntamente com as influências europeias, fizeram do povo brasileiro um grupo social diferente de outros.
Por exemplo, o que a festa do Boi de Parintins e de Ouro Preto — no Amazonas e em Minas Gerais, respectivamente — têm em comum? Ambos são patrimônios culturais brasileiros. É justamente sobre esse assunto que vamos estudar ao longo deste segundo capítulo. Assim, entenderemos a importância do patrimônio para a preservação da memória e das identidades nacionais, bem como compreenderemos que a memória possui uma dimensão coletiva e deve ser tratada como um fenômeno social. Além disso, poderemos nos aprofundar quanto a criação e a manutenção do patrimônio cultural como um importante papel na construção da memória social.
Com o estudo deste capítulo também discutiremos os conceitos de raça e etnia, e como eles operam em nossa sociedade. Vamos entender que a raça é uma construção social e qual é a relação do conceito de etnia na preservação das tradições culturais de um grupo como forma de manutenção das identidades.
Por fim, vamos estudar as bases históricas da presença das culturas negra e indígena na formação da sociedade brasileira.
Veremos, então, ao longo de todo o capítulo, que identificar e reconhecer de onde vem nossas referências culturais pode ser indispensável para entendermos a nossa realidade social.
Bons estudos!
Tempo estimado de leitura: 54 minutos.
Antropologia e patrimônio andam juntos desde sempre, uma vez que o patrimônio se refere ao ato de valorizar bens culturais, preservando-os em museus, enquanto que a Antropologia começa dentro desses museus.
Com o Iluminismo, surgem os chamados museus de ciência, orientados para a produção de pesquisa científica por parte de especialistas formados com essa finalidade. Ao mesmo tempo, propaga-se a noção de que os
constrói a partir de comportamentos, práticas sociais e idiomas que são comuns entre os povos (SENE; MOREIRA, 2012).
Sendo assim, nem sempre uma nação compreende um Estado ou um país. Existem nações sem território, por exemplo, e Estados com mais de uma nação ou com territórios em disputa. Um caso clássico é a Espanha, que comporta — nem sempre de forma harmoniosa — catalães e bascos, e reivindica a criação de seus próprios Estados, com a delimitação de seus territórios.
Como forma de garantir o exercício de suas soberanias em seus territórios, os Estados ainda buscam criar e estimular o sentimento de pertencimento e união entre seus habitantes. Para isso, a identificação e a manutenção dos patrimônios culturais, da história e da memória do país é fundamental.
Uma sociedade moderna, complexa e heterogênea como a brasileira se caracteriza por abrigar, em relativa harmonia, diversas tradições e diferentes visões de mundo. Assim, a existência desse complexo sociocultural abrangente está vinculado à ideia de nação, por isso, existe uma política cultural de Estado. Com isso, na medida em que o Brasil se considera um país democrático e pluralista, tais políticas se preocupam com a preservação de nossos patrimônios histórico, artístico e cultural, e, consequentemente, da memória social do país.
Nesse sentido, o trabalho do antropólogo é essencial, uma vez que um dos interesses mais comuns da Antropologia é a investigação dos grupos sociais que se encontram à margem da história oficial e da cultura dominante, como as comunidades indígenas ou os quilombolas. Não raro, a documentação é precária e as crenças e valores desses grupos são transmitidas oralmente. Daí a importância de políticas públicas para que essas memórias não se percam, pois elas fazem parte do nosso patrimônio cultural.
No Brasil, a proteção do patrimônio cultural está prevista na Constituição Federal. Em termos oficiais, os órgãos do Estado responsáveis pelo estudo, pela proteção e pela divulgação do que se refere aos patrimônios culturais são a Comissão Nacional de Folclore e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Justamente por conta do patrimônio se ocupar das produções de cultura, ele também se divide em material e imaterial.
O patrimônio material brasileiro é classificado em arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e artes aplicadas.
Eles estão divididos em bens imóveis, como os núcleos urbanos, os sítios arqueológicos e paisagísticos e os bens individuais; e bens móveis, que são as coleções arqueológicas, os acervos museológicos, documentais, bibliográficos, arquivísticos, videográficos, fotográficos e cinematográficos.
Nesse grupo também se encontram os bens de ordenação natural, que são os fenômenos da natureza aos quais o ser humano atribui valor cultural, seja em função da beleza ou da excepcionalidade, como o encontro das águas dos Rios Negro e Solimões, ou marcos turísticos, como o Corcovado. Além disso, também temos os diversos centros históricos preservados pelo país, como o de Olinda, de Ouro Preto ou de Salvador; o Cristo Redentor; as esculturas de Aleijadinho; assim como as edificações históricos, como o Teatro Amazonas ou os Arcos da Lapa.
Figura 1 - As cidades históricas são consideradas um patrimônio material Fonte: ostill, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma rua em uma cidade considerada histórica, nela há casas com estruturas mais antigas, há casas pintadas com a cor vermelha, amarela, azul e branca. A rua em que essas casas estão é uma rua mais estreita, com carros estacionados e com postes de luz na frente das casas. Na parte de trás da rua, há algumas árvores e é possível ver o mar.
Já o patrimônio imaterial abrange práticas rituais, saberes, prescrições da medicina nativa, culinárias específicas, músicas, festejos, danças e demais formas abstratas de expressão cultural. O patrimônio cultural imaterial brasileiro está dividido em celebrações culturais e formas de expressão. O jongo, a festa de Parintins, o modo de fazer viola de cacho, o modo artesanal de fazer queijo de Minas, a Feira de Caruaru e as rodas de capoeira são exemplos de patrimônio cultural imaterial.
Você sabia? A etnografia é, ao mesmo tempo, um campo de estudo e um método de pesquisa antropológico. Ela consiste na descrição detalhada dos costumes de uma cultura específica. A coleção etnográfica de um museu, por exemplo, abarca diversos aspectos do estilo de vida de uma comunidade por meio da coleção de objetos de uso cotidianos e da identificação e classificação de saberes e expressões artísticas. Ou seja, objetos, tanto da cultura material quanto imaterial, que possam representar o patrimônio cultural de um povo. No Brasil, a maior parte dos acervos etnográficos são dedicados aos povos indígenas.
Portanto, podemos dizer que compartilhar uma memória é ordenar acontecimentos, exatamente como em uma narrativa. Nesse sentido, a memória pode ser compreendida como um fenômeno construído coletivamente e submetido a mudanças constantes.
Da mesma forma como a construção social, as memórias são seletivas, já que o indivíduo pode lembrar somente aquilo que considera importante para seu grupo de convívio, de forma a assumir sua identidade de acordo com suas experiências coletivas. A memória social seria, portanto, uma memória partilhada por um grupo, um povo ou uma nação, constituindo e delineando a identidade e as singularidades do grupo (HALBWACHS, 2013).
Ademais, a relação entre a memória social e a construção de uma identidade nacional se dá com a criação e a manutenção do patrimônio cultural, uma vez que ele é o legado histórico e cultural das vivências de um povo, o qual é passado de geração em geração, colaborando para manter e preservar a identidade nacional. Um exemplo de como as várias memórias nacionais são mantidas é a perpetuação de tradições em celebrações, que são repetidas e atualizadas, como acontece na Festa do Boi de Parintins. Esse importante festejo amazônico é um patrimônio cultural imaterial que celebra as lendas, os rituais indígenas e as tradições dos ribeirinhos amazônicos por meio de alegorias e encenações do embate entre as associações do Boi Capricho e o do Boi Garantido.
Segundo Menezes (1984, p. 33), a memória “[...] é mecanismo de retenção de informação, conhecimento, experiência individual ou social, constituindo-se em um eixo de atribuições que articula, categoriza os aspectos multiformes de realidade, dando-lhes lógica e inteligibilidade”. Dessa forma, podemos entender que nossa identificação social ocorre por meio das percepções, das lembranças, dos registros que fazemos de fatos passados e presentes, dos objetos e dos saberes que elegemos importantes.
Portanto, preservar e tornar patrimônio os bens culturais para que estejam sempre presentes e disponíveis na cultura, cria e conserva a memória social e, consequentemente, sustenta a nossa identidade cultural.
Você sabia? Chama-se tombamento o ato de reconhecimento oficial do Estado do valor de um bem cultural para a memória e identidade nacional, transformando-o em um patrimônio oficial público. O termo vêm da Torre do Tombo, arquivo público português que guarda e conserva documentos importantes. O patrimônio cultural brasileiro está registrado nos Livros de Tombo, que estão disponíveis on-line no site: http://portal.iphan.gov.br/pagina /detalhes/608.
No tópico à seguir, discutiremos os conceitos de raça e etnia, que são a chave na construção de identidades culturais.
O termo “raça” vem do latim ratio, que significa categoria, espécie ou tipo. Desde a antiguidade, na história das ciências naturais, raça é o conceito utilizado pra classificar as espécies animais e vegetais. Durante a Idade Média, o termo começa a ser utilizado para classificar a diversidade humana em grupos fisicamente diferentes, designando, também, a descendência, e identificando um grupo que tinha um antepassado compartilhado e que, por isso, mantinha características físicas em comum (LÉVI-STRAUSS, 1973).
Na França, entre os séculos XVI e XVII, o conceito de raça passa a afetar e atuar nas relações entre as classes sociais. Assim, a nobreza local — que se considerava descendente dos Francos, de origem germânica — passa a identificar a população local como descendente de gauleses. Com isso, a nobreza não se considerava apenas diferente, mas acreditava ser dotada de “sangue puro”, sugerindo que suas habilidades e aptidões para reinar, administrar e até escravizar os gauleses eram naturais, uma vez que os Francos eram uma raça superior.
Já no século XVIII, no contexto do Iluminismo, com o surgimento da disciplina de História Natural da Humanidade (que mais tarde se desmembraria entre Biologia e Antropologia Física), o conceito de raça — como é utilizado nas ciências naturais — passa a ser utilizado para catalogar a raça humana, uma vez que “novos humanos” estavam sendo descobertos desde a era das navegações.
Os primeiros antropólogos no século XIX buscavam uma teoria que explicasse o panorama geral do progresso cultural humano. Ao estudarem os relatos de viajantes, exploradores e colonizadores, eles comparavam relatos no intuito de ordenarem as origens e a evolução das culturas. Nessa mesma época, Dawin havia postulado em sua obra, “Origem das Espécies”, de 1859, a evolução orgânica dos seres. Além disso, a teoria evolutiva também passa a ser aceita nas ciências, de modo que começa a ser aplicada para explicar as diferenças entre as culturas. É nesse contexto que se desenvolvem as teorias evolucionistas e o chamado “racismo científico”.
Assim, a grande estruturação dos estágios evolutivos das culturas, de acordo com a Antropologia evolutiva, se dividia entre selvageria, barbarismo e civilização. Ou seja, de acordo com esses teóricos, a evolução seria uma única linha que acompanharia toda a história cultual, com apenas um ponto de partida: a selvageria; e um ponto de chegada: a civilização. Nesse cenário, o mundo ocidental estaria em seu ponto máximo de
Contudo, mesmo que o conceito científico de raça utilizado para diferenciar os seres humanos não seja mais validado pela ciência, isso não quer dizer que todos os indivíduos sejam geneticamente iguais. As heranças genéticas são diferentes, mas não são suficientes para classificá-las em raças. A diversidade genética é substancial à sobrevivência da espécie humana.
Portanto, atualmente, é impensável considerar que as características biológicas adaptativas sejam “melhores” ou “piores”, “superiores” ou “inferiores” de uns para outros. Gradativamente, a classificação dos povos a partir da raça foi perdendo espaço nos círculos acadêmicos e começa a ser substituída pela noção de etnia.
Muitas pesquisas universitárias sugerem que o conceito de raça seja excluído de dicionários e textos científicos. Ainda assim, a raça tida como a classificação de seres humanos é utilizada tanto no senso comum quanto em estudos produzidos na área das ciênciasbiomédicas. Enquanto que, nas ciências sociais, principalmente na Antropologia e na Sociologia, o conceito de raça é entendido como uma categoria social, que denota dominação e exclusão.
Além da raça, temos, também, a etnia. Originária do grego ethnos (povo), ela é um conceito que abrange os aspectos socioculturais, históricos e identitários de um povo. Dessa forma, ela pode ser entendida como um complexo populacional que têm histórica ou mitologicamente a mesma ancestralidade.
A etnia se caracteriza por compartilhar as mesmas crenças, a mesma língua, a mesma cultura, a mesma visão de mundo e, na maioria das vezes, o mesmo território. Por exemplo, no território brasileiro, existem várias etnias nativas que formavam verdadeiras nações indígenas na época do descobrimento, e, ainda hoje, várias resistem. Mulçumanos, judeus, maoris e okinawanos são exemplos de etnias que podemos encontrar em diversos países ao redor do globo.
Você quer ver? Na palestra intitulada “Kabengele Munanga fala sobre História da Diáspora Africana”, o Dr. Kabengele Munanga, um importante antropólogo brasileiro-congolês, especializado em Antropologia da população afro-brasielira; fala sobre a importância do ensino da história do continente africano e sobre o livro “História da Diáspora Africana”. Vale a pena se aprofundar no assunto assistindo ao vídeo. Clique no botão a seguir. Acesse
Figura 3 - Em uma mesma nação podemos encontrar diferentes etnias Fonte: Rawpixel.com, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, há um painel com fundo de cor branca com as seguintes palavras escritas: cultura, nação, diversidade, tradição, crença, etnia e pessoas. No mesmo painel também há desenhos sobre essas palavras, que são: desenho do planeta Terra, uma nuvem com um arco-íris, um "varal" com bandeiras coloridas, uma bandeira de cor laranja, dois bonecos e uma fita vermelha. Na imagem, também há várias pessoas de diversas etnias e idades de costas olhando para o painel.
Temos, ainda, que as etnias também podem constituir nações, como é o caso de quase toda a totalidade do território africano, cujas etnias foram desfeitas e redistribuídas em novos territórios coloniais. A etnia iorubá, por exemplo, hoje se encontra dividida entre as Repúblicas da Nigéria, de Togo e de Benin.
Por estar atrelada ao conceito de cultura, a etnia não é um conceito fixo, uma vez que, assim como qualquer sociedade, pode se transformar ao longo do tempo. O aumento populacional e o contato com outros povos, fenômenos climáticos ou de ordem natural podem provocar mudanças em uma determinada etnia. Temos que a população brasileira é formada pelo encontro de diversas etnias no período colonial: as indígenas, as africanas e as ibéricas. Contudo, mais tarde, vieram asiáticos, árabes e judeus. Assim, ao longo do tempo, a fusão dessas etnias originou as novas populações que preservaram traços físicos e culturais, mas também que evoluíram.
Com isso, os agrupamentos humanos se desenvolveram de formas diferentes, criando diversas sociedades, cada qual com sua própria maneira de organização e seus sistemas de crenças. As sociedades desenvolvem estratégias para se relacionarem entre si e com outros grupos sociais, assim como com o meio ambiente.
A diversidade das culturas existentes são tantas quanto à pluralidade da existência humana. Assim, é importante termos em mente que são variadas as diferenças culturais e que, consequentemente, são muitas as etnias. No entanto, vale lembrar que todas pertencem à raça humana.
No próximo tópico, entenderemos um pouco mais sobre a diversidade por meio do estudo sobre a presença de índios e negros na formação da cultura brasileira.
As estimativas de estudos históricos, arqueológicos e antropológicos sobre a demografia indígena pré-contato apontam que, antes do descobrimento e no início da colonização, existiam mais de mil povos indígenas e aproximadamente cinco milhões de nativos espalhados pelo território brasileiro (CASTRO, 1992). Hoje, de acordo com a FUNAI (2010) vivem em aldeias cerca de 515 mil indígenas distribuídos em 227 etnias e 180 línguas nativas diferentes. Além disso, os dados também afirmam que um contingente considerável de indígenas migram para os centros urbanos em busca de educação e melhores condições de vida, mas acabam vivendo em periferias.
Esse contato contínuo entre duas culturas diferentes resultaram em transformações nos padrões culturais de ambas. Transformações estas que são tão constantes que, com o passar do tempo, mesclaram as culturas ao ponto de formar uma nova sociedade e uma nova cultura, em um processo que a Antropologia chama de aculturação.
Dessa forma, o contato constante entre nativos e invasores apresenta duas modalidades de aculturação: interétnica e intertribal.
Na aculturação interétnica, grupos que são culturalmente e etnicamente diferentes entram em contato direto e permanente, sendo expostos a mudanças em seus padrões culturais. Contudo, esse contato nem sempre é pacífico.
Já na aculturação intertribal, temos um intenso intercâmbio cultural entre duas etnias iguais que possuem línguas e costumes diferentes. No caso intertribal, os dois grupos se influenciam de forma recíproca, permanente e, frequentemente, pacífica.
Para Ribeiro (1977), o impacto da civilização europeia sobre as populações indígenas foram uma “transfiguração étnica” na medida em que não houve exatamente uma assimilação cultural ou uma
Você o conhece? Nascido e criado na aldeia Krukutu, na região de Palheiros, zona sul de São Paulo, Werá Jeguaka Mirim, mais conhecido como MC Kunumi, usa o rap como instrumento de luta pelos direitos indígenas. Além de misturar guarani com português, sua música trata de diversas questões indígenas contemporâneas, como a demarcação de terras e a preservação da natureza. Kunumi publicou dois livros infantis, o autobiográfico “Kunumi guarani” e outro intitulado “Contos dos curumins guaranis”, ambos em 2014.
aculturação, pois muitos grupos foram exterminados e os que sobreviveram não foram em nenhum momento devidamente absorvidos pela sociedade nacional. Com isso, os índios fazem parte do imaginário da identidade nacional miscigenada, mas ainda lutam por seus direitos.
Segundo o antropólogo Gomes (2012, p. 55), diferentemente dos ingleses, na América do Norte, os portugueses jamais consideraram ou trataram as populações indígenas como nações. Além disso, seus habitantes não eram conhecidos como cidadãos, mas, sim, como “[...] vassalos, habitantes subordinados a uma autoridade maior com direitos outorgados caso a caso”. Isso fez com que os indígenas no Brasil se tornassem escravos, servos, ignorados e, apenas muito recentemente, cedidos à autonomia, mas pobres e desprovidos de direitos.
Podemos dizer, ainda, que a primeira contribuição dos povos indígenas para o Brasil se deu logo com a chegada dos portugueses às terras brasileiras. Os índios, pacificados e subjugados, ensinaram aos primeiros colonos e exploradores técnicas de sobrevivência na selva, como lidar com vários perigos nas florestas e se orientar nas expedições realizadas. Em todas as expedições empreendidas pelos desbravadores e colonizadores, os índios eram guias e serviçais. Ao longo de todo o período colonial os indígenas estiveram presentes, ora como aliados na expulsão de outros invasores estrangeiros, ora como mão de obra na expansão extrativista (RIBEIRO, 1977).
Vários de nossos hábitos e costumes alimentares também derivam da cultura indígena, como a utilização da mandioca e seus derivados (farinha de mandioca, tapioca e polvilho), o costume de se alimentar com peixes de rio e o hábito de comer frutas como o cupuaçu, o bacuri, a graviola, o caju e o açaí.
Também herdamos o uso de várias plantas para fins medicinais, como o boldo, o óleo de copaíba, a catuaba e a semente de sucupira.
Em relação à religiosidade, a cultura indígena contribui para o sincrestismo, tornando o catolicismo um tanto mais folclórico e menos ritualístico, com mais superstições. A própria umbanda — adaptação da religião dos negros ao catolicismo colonial — possui muita influência indígena.
Você sabia? Nós utilizamos mais de 10 mil palavras em Tupi. Até o século XVII, o Tupi era o idioma mais utilizado no território brasileiro. Em sua forma original, a língua já não existe mais, no entanto, variações dela ainda são faladas por aproximadamente 30 mil pessoas na região do Amazonas. A língua portuguesa como idioma no Brasil só se consolida em meados do século XVII, quando Marquês de Pombal — o então Secretário de Estado para assuntos exteriores — decidiu por decreto que o português deveria ser a língua falada nas colônias de além-mar (ANGELO, 2016).
Em contrapartida, na imprensa em geral, a presença dos índios está reduzida a situações de violência e conflito, além da falsa ideia de que mudanças de hábitos façam com que essas pessoas deixassem de ser indígenas. Desinformação, preconceito e intolerância são resultados desse cenário.
Juridicamente, todo índio é um cidadão brasileiro, ainda que possa pertencer a uma comunidade que tem seus próprios costumes e valores. Os índios se reconhecem como minora étnica e são conscientes de seus direitos e de sua subordinação ao Estado. Atualmente, diversas lideranças, assim como artistas e intelectuais indígenas, têm buscado novas e melhores formas de se relacionarem com a sociedade. Com isso, reivindicam — de diversas maneiras e em variadas esferas sociais — o diálogo com o Estado, buscando caminhos e alternativas para um convívio socialmente mais justo e menos preconceituoso.
Agora que entendemos melhor sobre os indígenas, o tópico a seguir será dedicado ao estudo da presença dos negros africanos no Brasil e sua contribuição para a formação de nossa cultura.
Podemos dizer que o negro é um grupo étnico de maior importância na formação da sociedade brasileira, principalmente devido a quantidade de marcas culturais e genéticas que imprime em nosso povo. Sua presença está em nossos traços físicos e nos mais variados hábitos e costumes, além das influências na religiosidade, nas expressões materiais e culturais. A contribuição do negro à nossa cultura é rica, relevante e duradoura.
Apesar do longo e violento processo de aculturação, a cultura africana no Brasil não foi destruída, persistindo e transformando a nossa própria cultura.
As teorias raciais que entendiam o homem branco ocidental como "superiores", em comparação aos nativos "bárbaros", legitimam as intervenções coloniais por parte dos conquistadores europeus nas Américas e na África. Na Europa, o tráfico de escravos já era uma realidade desde o século XV, sendo que os portugueses, por exemplo, desenvolveram um estreito comércio de escravos na Costa D’Ouro, que logo se estendeu por toda a Costa Ocidental da África.
O comércio transatlântico de escravos vigorou dos séculos XVII ao XIX. Ele atendia a demanda crescente por mão de obra barata, em razão do interesse em ampliar a produção de açúcar, café, algodão e tabaco em território colonial, a fim de abastecer o crescente consumo europeu. Nas próprias colônias já não haviam mais nativos suficientes para dar conta do trabalho, além dos constantes e intensos conflitos, fazendo com que muitos nativos fossem dizimados e atingidos pelas doenças trazidas pelos europeus.
A exploração do território brasileiro demandava a presença de mão de obra ativa, permanente e à baixo custo para o desenvolvimento do trabalho nos campos. Assim, no século XVI, a partir do estabelecimento de uma
aristocracia rural do açúcar, inicia- se o tráfico constante de negros para o país. Com isso, estima-se que, até o fim do tráfico legal, de três a quatro milhões de escravos foram trazidos do continente africano. Contudo, ao contrário do que muito se fala, essas pessoas não vieram de um continente desorganizado, primitivo, sem cultura, sem tradição ou passado. Elas possuíam tudo isso.
Figura 6 - Diversas etnias formam o povo africano Fonte: Stanislaw Tokarski, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de uma aldeia de um povo africano. Na imagem, há crianças e adultos, alguns sentados na frente de uma casa e outros em pé e sentados perto de uma árvore. Eles estão vestindo roupas que são características do povo africano.
Cada um dos povos africanos possuía singularidades que os distinguiam uns dos outros, de modo que os povos da África Ocidental conviviam com uma grande diversidade étnica, ao mesmo tempo em que desenvolveram tradições e religiões comuns, partilhando culturas diferenciadas.
Antropólogos e historiadores identificam dois grandes grupos de africanos aportados ao Brasil como escravos: os bantos e os sudaneses.
O banto não é exatamente um povo ou um grupo étnico específico, mas, sim, um tronco linguístico, ou seja, uma língua que deu origem a diversas outras línguas africanas, as quais abarcam um grande complexo de povos com características linguísticas e culturais semelhantes. Mancuas, Angicos, Congos e Cabinda estão entre os grupos bantos trazidos ao Brasil. Esses grupos reproduziram seu tipo de organização social nos quilombos e nos influenciaram de várias formas: a capoeira de angola, a congada, as danças e cerimônias, o cateretê, o caxambu, o batuque, o samba, o jongo, o lundu e o maracatu são legados dos povos bantos. No português, a maioria das palavras africanas são de origem banto, como “dengoso”, “sambista”, “xingamento” e “moleque”.
Já quando se fala em sudaneses do Brasil colonial, na realidade, trata-se dos povos com estreitas relações culturais e comerciais entre si na região do Golfo do Benin. Apesar de ainda ser utilizado, “sudenes” é um termo genérico utilizado pelos árabes e ocidentais para identificar os povos que viviam na África sub-saariana desde a Idade Média até o início do século XX. Na África sub-saariana existiam diversas nações etnias
Segundo Gomes e Domengues (2014, p. 59), na região sudeste, mesmo antes da abolição, os conflitos e a resistência ao trabalho escravo era intenso: “A formação de comunidades de senzalas na região propiciou que, na década de 1880 e posteriormente à abolição, surgisse formas complexas de protestos à escravidão e de resistência ao controle do trabalho por fazendeiro”.
Ao fim do século XIX, a campanha abolicionista chega ao Brasil, mobilizando diversos setores da sociedade brasileira, sendo que o nosso país foi o último a abolir a escravidão. No entanto, após a assinatura da Lei Áurea, a população negra foi abandonada à própria sorte, sem a realização de reformas que a integrassem socialmente a uma nova realidade, baseada no trabalho assalariado. De acordo com Fernandes (1978, p. 15), “Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumisse encargos especiais, que tivessem por objeto prepará- los para o novo regime de organização da vida e do trabalho”. Assim, sem moradia, sem condições econômicas e sem assistência do Estado, os negros libertos não tinham espaço no cenário social. Eles sofriam preconceito e discriminação racial. Além disso, a grande maioria passou a viver em habitações de péssimas condições e sem emprego, sobrevivendo de trabalhos informais, muitas vezes em condições análogas à escravidão.
Na realidade, a influência dos povos negros na sociedade brasileira é imensurável, uma vez que se encontra em quase todos os aspectos da cultura brasileira. Na alimentação, por exemplo, temos o vatapá, o acarajé, a pamonha, o mugunzá, o caruru, o quiabo e o chuchu. Já nos temperos utilizados, podemos citar as pimentas, o leite de coco e o azeite de dendê. No aspecto religioso, temos o candomblé, a umbanda, a quimbanda e o catimbó. Na música, por sua vez, o samba, o jongo, o maracatu e a congada são os exemplos mais destacados.
Você quer ler? No clássico da literatura brasileira O Cortiço , de Aluísio de Azevedo, temos exposto um retrato do Rio de Janeiro no final do século XIX, na época da abolição da escravidão. No livro, a cultura popular é retratada com personagens negros, comida típicas, música, dança, gírias e elementos cujas origens estão na tradição africana.
Figura 7 - O acarajé é um exemplo de herança africana em nossa culinária Fonte: Vinicius Tupinamba, Shutterstock, 2021. #PraCegoVer Na figura, temos a fotografia de um prato culinário chamado de acarajé.
Hoje, o negro ainda luta para o seu reconhecimento, e o racismo ainda é um problema no país. A falta de representatividade nas artes e na mídia contribui para esse cenário: em filmes e novelas, por exemplo, as pessoas negras são quase sempre representadas em posições subalternas ou com associação ao tráfico e à violência.
A seguir, vamos entender melhor sobre essa representatividade com um caso.
Estudo de Caso Mariella é uma antropóloga cujos tios e avós vivem em uma comunidade agrícola pobre no interior de Minas Gerais. Mariella ouviu de seus bisavós e de outros idosos da comunidade muitas histórias sobre seus antepassados, que viveram naquelas terras e eram escravos. Isso, na percepção da antropóloga, traz os traços de um possível quilombo. Mariella, então, decide pesquisar melhor sobre a comunidade. A pesquisa começa com o levantamento de documentação sobre o registro de escravos fugidos e a existência de quilombos na região. Isso porque, no Brasil colônia, as autoridades denominavam qualquer grupo com mais de cinco pessoas negras que estivessem reunidas em lugares em que indicava autonomia de subsistência, e, principalmente, quando essas pessoas não pudessem comprovar que estavam livres. Os estudos de Marielle também incluíram entrevistas com os residentes da comunidade, a fim de resgatar as memórias, as tradições orais e os costumes dos escravos locais. Mariella também consegue identificar um antigo pilão de pedra e reunir outros objetos e ferramentas que datam do início do século XIX. A partir dos resultados de sua pesquisa antropológica, Mariella conseguiu solicitar que as autoridades reconhecem as terras que sua família habita como um patrimônio cultural imaterial, pois, com a Constituição de 1988, os quilombos ganharam o direito à