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Guias e Dicas
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Romantismo e Realismo em Le Père Goriot de Balzac: Duas Faces da Mesma Moeda, Notas de aula de Estética

Este texto discute a relação entre romantismo e realismo em le père goriot de balzac, mostrando que essas duas tendências literárias não são excludentes. O autor analisa como o romantismo francês, representado por balzac, opõe a visão clássica do homem universal e a valoriza a diversidade e especificidade humana. O texto também explora como o interesse pelo homem situado em seu tempo e espaço é presente em le père goriot, e como as figuras de rastignac, goriot e vautrin representam diferentes aspectos do 'eu' romântico. Além disso, o texto discute a importância da sociedade centralizadora de paris na obra de balzac e na evolução do romantismo.

O que você vai aprender

  • Como as figuras de Rastignac, Goriot e Vautrin representam diferentes aspectos do 'eu' romântico?
  • Como o realismo é decorrência de uma visão romântica do mundo em Le Père Goriot?
  • Como o interesse pelo homem situado em seu tempo e espaço é presente em Le Père Goriot?
  • Como a sociedade centralizadora de Paris influencia a obra de Balzac e a evolução do romantismo?
  • Como Balzac opõe a visão clássica do homem universal ao conceito de homem específico no romantismo?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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ROMANTISMO E REALISMO
EM LE PÈRE GORIOT
O
romance de Balzac, Le Père Goriot, foi publicado
em 1837, em pleno romantismo francês, devendo confi-
gurar-se, em vista disso, como obra romântica ao lado, de res-
to, de toda a imensa produção do autor. No entanto, e o mesmo
acontece a muitos outros romances balzaqueanos, Le Père
Goriot é comumente considerado um romance realista, classifi-
cação que, dentro do século XIX, costuma se opor à de român-
tico. Nossa argumentação, aqui, será no sentido de mostrar que
as duas denominaçõesoo excludentes, e que romantismo e
realismoo as duas faces de uma mesma moeda, no caso de
Balzac.
Para se pensar, inicialmente, em Le Père Goriot como
obra romântica, seria conveniente fazer aqui uma breve retros-
pectiva do romantismo que chegou à França um pouco tarde,
vindo da Inglaterra e da Alemanha. Antes disso, durante quase
todo o século XVIII, os leitores franceses entraram em contato
com a literatura inglesa e com a alemã, por meio de traduções
freqüentes que os habituaram à crescente oposição que o movi-
mento romântico faz à doutrina clássica francesa.
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ROMANTISMO E REALISMO

EM LE PÈRE GORIOT

O

romance de Balzac, Le Père Goriot, foi publicado

em 1837, em pleno romantismo francês, devendo confi-

gurar-se, em vista disso, como obra romântica ao lado, de res-

to, de toda a imensa produção do autor. No entanto, e o mesmo

acontece a muitos outros romances balzaqueanos, Le Père

Goriot é comumente considerado um romance realista, classifi-

cação que, dentro do século X I X , costuma se opor à de român-

tico. Nossa argumentação, aqui, será no sentido de mostrar que

as duas denominações não são excludentes, e que romantismo e

realismo são as duas faces de uma mesma moeda, no caso de

Balzac.

Para se pensar, inicialmente, em Le Père Goriot como

obra romântica, seria conveniente fazer aqui uma breve retros-

pectiva do romantismo que chegou à França um pouco tarde,

vindo da Inglaterra e da Alemanha. Antes disso, durante quase

todo o século X V I I I , os leitores franceses entraram em contato

com a literatura inglesa e com a alemã, por meio de traduções

freqüentes que os habituaram à crescente oposição que o movi-

mento romântico faz à doutrina clássica francesa.

Assim, naquilo que interessa esta leitura, vemos que

o romantismo, em um de seus pilares fundamentais, opõe à

visão clássica do homem eterno, universal, um novo concei-

to, que considera agora a diversidade, a especificidade des-

se homem e sua adaptação ao meio e aos costumes de seu

tempo. O indivíduo, a partir do século X V I I I , é valorizado

por aquilo que o distingue do outro, levando ao interesse

pela psicologia e pela caracterização que coloca em desta-

que o elemento particularizante, aquilo que qualifica o ser

dentro do contexto social e nacional. O interesse pelo ho-

mem tomado em sua essência, pela natureza e pela condição

humana dá lugar, no romantismo, ao interesse pelo homem

situado em seu tempo e em seu espaço, melhor dizendo, em

sua comunidade utópica. Desse modo, nessa grande mudan-

ça de enfoque, vemos que a ótica romântica e a realista estão

próximas, pois ambas “divisam o indivíduo dentro de seu

habitat sócio - econômico” (Guinsburg, 1978, p. 269). Des-

de Platão e Aristóteles pelo menos, o realismo é uma cor-

rente estética vigorosa que só apresenta modificações em

função de alterações que são introduzidas, através dos tem-

pos, no conceito de realidade.

No século X V I I I , o realismo já se encontra no ro-

mantismo de Rousseau, nas descrições que faz da paisagem

alpina com suas montanhas, vales, bosques e rios em La

Nouvelle Heloïse, e que lhe são familiares. Por outro lado,

nas Confessions, reconhecemos o realismo subjetivo, psico-

prio, busca integrar-se a essa sociedade centralizadora, que

torna Paris muito diferente do resto do país. Para se entender

esse arrivismo deve-se lembrar que a revolução política, a

R e v o l u ç ã o Francesa, é a responsável pelas grandes trans-

formações que se iniciam na Europa no século X V I I I. A que-

da da a r i s t o c r a c i a v a i p r o v o c a r m u d a n ç a s sociais e

demográficas, trazendo a Paris grande quantidade de traba-

lhadores, que alteram sua paisagem, tornando-a grande, mons-

truosa, um dos primeiros aglomerados modernos com seus

novos problemas.

Os poetas e escritores românticos, como Balzac,

em sua maioria filhos da Revolução, estão por isso intima-

mente ligados a esse tempo. Rastignac, em cuja história é

possível reconhecer momentos da vida de Balzac, e que se

pode ver como representante dessa geração, sente-se atraído

pelos encantos dessa sociedade que ele quer conquistar, mes-

mo quando conhece também suas aberrações. Sua ambição é

muito mais de integração do que de d o m i n a ç ã o dessa socie-

dade. Em Le Père Goriot nós o encontramos ainda cheio de

virtudes, a ponto de se emocionar quando descobre que

Goriot é o pai, desprezado e abandonado, das duas jovens

mulheres da alta sociedade: “Algumas lágrimas rolaram dos

olhos de Eugênio, recentemente purificado pelas nobres e

santas emoções da família, ainda sob o fascínio das crenças

juvenis e que apenas estava em sua primeira jornada no campo

de batalha parisiense” (Balzac, p. 81). No entanto, sua pa-

rente e amiga, a prestigiada e nobre Mme de Beauséant, a

quem ele pede ajuda para se introduzir nessa sociedade, lhe

dá logo alguns conselhos:

Pois b e m , Sr. de Rastignac, trate este m u n d o c o m o ele o merece. V o c ê quer triunfar, eu o ajudarei. V o c ê s o n d a r á o quanto é p r o f u n d a a c o r r u p ç ã o f e m i n i n a e m e d i r á a e x t e n s ã o da m i s e r á v e l vaidade dos h o m e n s. (Balzac, p. 83)

E l a continua, dizendo-lhe que necessitará da prote-

ção de uma mulher jovem, rica e elegante, pela qual, no en-

tanto, não deverá se apaixonar, para não se transformar em

sua vítima. O amor deve ser um segredo bem guardado,

nesta sociedade. A mulher é apenas um meio de que deverá

se servir para alcançar seus objetivos, isto é, a mulher dessa

sociedade, a mulher real não se aproxima da mulher ideal,

da mulher sonhada. Daí muitos autores românticos, como

Nerval por exemplo, preferirem preservar o sonho e conser-

var a mulher real à distância. Mas este é um outro romantis-

mo.

Por outro lado, no romance de Balzac, vemos que

as mulheres que têm distinção, como M m e de Beauséant, tam-

b é m têm do que se queixar, e sofrem, tendo em vista que

representam apenas um objeto de consumo nessa sociedade

exclusivamente masculina, à qual elas devem se submeter.

Em Goriot, essa manifestação chegará ao caricato e

ao grotesco, como se pode ler desde a apresentação da perso-

nagem: de 1813, ano em que “se retirou” na pensão Vauquer,

até 1819, ano em que o romance se inicia, sua decadência física

e moral é gradual:

E m a g r e c e u ; suas panturrilhas m u r c h a r a m ; o rosto cheio g r a ç a s à satisfação [de uma] felici- dade burguesa, enrugou-se rapidamente; a fron- te ficou franzida e as maxilas desenharam-se sob a pele [...] Os o l h o s azuis m u i t o v i v o s torna- r a m - s e e m b a c i a d o s e p a r d a c e n t o s , f i c a r a m a m o r t e c i d o s , n ã o lacrimejavam mais e a o r l a v e r m e l h a das p á l p e b r a s parecia sangrar. A uns, causava h o r r o r ; aos outros, inspirava c o m p a i - x ã o. A l g u n s jovens estudantes de m e d i c i n a , n o - tando o caimento de seu l á b i o inferior e calcu- lando o v é r t i c e de seu â n g u l o facial, declara- r a m - n o a c o m e t i d o d e cretinismo, a p ó s terem- no maltratado sem p r o v o c a r a m e n o r r e a ç ã o. (Balzac, p. 35-6)

Vautrin, por sua vez, encarnará aquele “eu” utópi-

co, prometéico, que ousa desafiar as estruturas sociais e no

qual reconhecemos uma das inúmeras contradições que cons-

tituem a própria essência do Romantismo: o gênio fáustico,

a grande personalidade que não pode se ajustar às limita-

ções, às estruturas sociais. Ele t a m b é m fará a pintura da so-

ciedade a Rastignac, mostrando-lhe seu funcionamento, suas

leis ocultas:

Q u e m sou? V a u t r i n. Q u e faço? O que m e agrada. [...] S o u b o m c o m os que me fazem o b e m ou cujo c o r a ç ã o fala ao m e u [...] M a s , palavra d e honra! s o u m a u c o m o o d i a b o c o m aqueles que m e i n c o m o d a m o u que n ã o m e agradam. E é b o m que v o c ê saiba que me i m - p o r t o tanto d e matar u m h o m e m c o m o disto! — d e c l a r o u dando u m a cuspida. — A p e n a s , es- f o r ç o - m e p o r m a t á - l o corretamente, q u a n d o é absolutamente n e c e s s á r i o. S o u o que v o c ê s cha- m a m de artista. [...] Refleti m u i t o na c o n s t i t u i - ç ã o atual da d e s o r d e m social de v o c ê s [...] V o u esclarecer-lhe, eu m e s m o a p o s i ç ã o em que v o c ê está. V o u fazê-lo, p o r é m , c o m a superioridade [de um] h o m e m que, a p ó s ter e x a m i n a d o as coisas deste m u n d o , v i u que há somente d o i s partidos a tomar: u m a e s t ú p i d a o b e d i ê n c i a o u a revolta. E u n ã o o b e d e ç o a nada, e s t á claro? ( B a l z a c , p. 104)

E mais adiante:

Sabe c o m o é que a gente faz carreira aqui? P e l o b r i l h o d a i n t e l i g ê n c i a , o u pela habilidade da c o r r u p ç ã o. É preciso penetrar nessa massa humana, c o m o u m projétil d e c a n h ã o , o u i n s i -

D i z Rousseau nas Confessions I :

Só eu. Sinto m e u c o r a ç ã o e c o n h e ç o os h o - mens. N ã o s o u feito c o m o n e n h u m daqueles q u e v i ; o u s o a c r e d i t a r n ã o ser feito c o m o n e n h u m daqueles que existem. S e n ã o v a l h o mais, pelo m e n o s s o u o u t r o. (apud B o n y , 1992)

Testemunha ou herdeiro das grandes transformações

da História, o homem romântico sente-se estreitamente ligado a

seu tempo, separado do passado por uma fratura irremediável.

No entanto, no romantismo, o individualismo, o interesse pelo

indivíduo naquilo que ele tem de característico, naquilo que o

distingue do outro, isto é, sua situação social, sua sensibilidade

específica, é sempre captado em sua totalidade, em seu contex-

to geral, na paisagem social que o enforma e emoldura, relacio-

nando-o por integração da parte no todo maior.

Essa relação, essa correspondência que existe en-

tre a parte e o todo circundante, e que é o ponto de partida da

visão romântica, neoplatônica, do mundo, explica, por exem-

plo, a célebre passagem inicial de Le Père Goriot onde, após

uma descrição detalhada, aparentemente realista, do bairro

parisiense, miserável, onde fica a p e n s ã o Vauquer, do exte-

rior maltratado da casa, da sala da pensão, cujos móveis são

velhos, desbotados, empoeirados, engordurados e que chei-

ra a mofo, a ranço, o narrador faz aí surgir a Sra Vauquer.

A l i , como se diz, a sala anuncia a Sra Vauquer, e esta explica

a sala - e esta correspondência entre o espiritual e o sensí-

vel transfigura toda a descrição que é, assim, eminentemente

romântica.

Para concluir, tomaremos agora a figura do autor.

No prefácio de sua Comédia Humana ele revelou a intenção

de, com sua obra, ter exercido as funções de um secretário

da sociedade francesa. Tarefa que revela o desejo de tudo

abranger, de ter uma visão global das coisas, característica

do artista, do gênio romântico. Ele quer, também, estudar as

razões dos efeitos sociais, seu sentido oculto, isto é, a essên-

cia das coisas. Tarefa de visionário, tal como os românticos

se vêem. D a í ser ele o tipo do escritor onisciente que repre-

senta o essencial da vida real para dar a ilusão de que todo o

real está na obra. A l é m disso, ele pode guiar o leitor co-

mum, dando-lhe a ilusão de que ele, autor, narrador, sabe

tudo, conhece o sentido de cada detalhe e de sua parte na

solução final.

E se, por um lado, para Balzac, como para os rea-

listas do final do século, a documentação deve ser o primei-

ro trabalho do romancista, por outro, enquanto romântico,

ele deixa claro que esse trabalho deve ser realizado sem

humilhar a imaginação.

Assim, em Balzac, o realismo é decorrência de uma

visão romântica do mundo que, aliás, é responsável, ainda,

por esse realismo positivista francês do final do século X I X ,