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Este texto analisa o filme "a vida de david gale" de alan parker, que explora a sociedade contemporânea em que a aparência da verdade se torna mais importante do que a verdade real e a mídia se torna a autenticadora de realidade. O texto discute como a acusação falsa de david gale de estupro, a morte de sua amiga e a cobertura da mídia afetam sua luta contra a pena de morte. Além disso, o texto discute a pesquisa sobre o poder de influência da mídia e como a propaganda comercial e social difere na formação de opiniões.
Tipologia: Provas
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Não perca as partes importantes!
Marcos Roberto de Faria Bernardi^1
Este artigo pretende analisar as relações entre mídia, direito e verdade. O ponto de partida é a análise do filme de Alan Parker: A vida de David Gale, o qual se apresenta como expressão de uma sociedade em que a verossimihança se torna mais importante do que a verdade e a mídia figura como autenticadora da realidade.
Mídia; Direito; Lei; Sociedade do espetáculo.
This article aims to examine the relationship between media, law and truth. The starting point is the analysis of the film by Alan Parker: The Life of David Gale, which is presented as an expression of a society in which appearance of truth becomes more important than the truth, and the media is an authenticator of reality.
Mídia; Law; Rights; Society of the spetacle.
A riqueza da obra de Alan Parker, em especial o filme A Vida de David Gale, nos permite pensar a sociedade contemporânea sobre diversos prismas. Nesse artigo pretendemos debater dois de-
(^1) Bacharel em Sociologia (UNICAMP) – Pós-Graduado (CEBRAP/SP) – Mestre em Sociologia (UNICAMP) – Professor Universitário (FAAT).
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les, quais sejam, a relação cada vez mais evidente entre o poder da mídia e as definições nas esferas jurídicas e legislativas da socieda- de; e, em estreita relação com isso, a tendência acirrada a colocar a preocupação com a imagem e a verossimilhança acima da busca da verdade, por parte de políticos, legisladores e comunicadores.
Tais aspectos, evidentemente, têm rebatimento imediato no campo da política e do direito, seja do ponto de vista do desen- volvimento da legislação em quaisquer das áreas, bem como do ponto de vista das decisões judiciais e das estratégias de ação dos operadores do direito.
Pretendemos elucidar como tais características de nossa so- ciedade estão claramente delineadas no filme.
Se formos resumir a história do filme, poderemos dividi- la em três grandes partes, as quais, provocativamente, nomeamos como: tragédia, punição e “redenção”.
Na primeira parte do filme, vimos um professor de filosofia eminente, devotado ativista contra a pena de morte ser acusado de estupro.Tal acusação é falsa, ficando claro no filme que a ex- aluna, com a qual tivera relação sexual consentida, usara da mes- ma para destruir sua reputação, graças a massiva cobertura que a imprensa dedica ao fato. O que efetivamente acontece, ainda que juridicamente tenha sido inocentado, uma vez que a própria retira a queixa no decorrer da história, ao se arrepender de tal ato.
Contudo, o julgamento social se revelou muito mais ácido que o julgamento dos tribunais; ele foi demitido, sua esposa lhe abandonou, seus colegas se afastaram, ninguém o contratou e ele caiu em desgraça, entregando-se ao alcoolismo.
Como se não bastasse, descobre que sua melhor amiga, par- ceira na luta contra a pena de morte, está com leucemia e a beira da morte. Após se envolver sexualmente com a mesma, descobre, no dia seguinte, que a mesma foi morta e que ele é o principal sus- peito. Até porque encontraram seu sêmem no interior da vítima.
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Essas têm sido questões calorosamente debatidas no inte- rior da sociologia da comunicação nos últimos cinqüenta anos.
Inicialmente, a partir das primeiras pesquisas levadas a cabo no período entre as duas guerras mundiais, acreditou-se que a mídia teria um poder praticamente total e homogêneo sobre as consciências dos indivíduos, em função da reação dos mesmos às mensagens da mídia, especialmente no que diz respeito ao compor- tamento político. Tal teoria ficou conhecida com a “teoria da bala mágica” ou “teoria hipodérmica”. Isso porque, partia-se do pressu- posto que essas mensagens inevitavelmente atingiriam e penetra- riam nas consciências de todos, em geral, de forma homogênea.
Como coloca Wolf (2003, p.11), tal teoria sustentava “uma conexão direta entre a exposição às mensagens e o comportamen- to: se uma pessoa é atingida pela propaganda, pode ser controla- da, manipulada, induzida a agir”
O que o tempo e as novas pesquisas permitiram perceber, foi que a situação original da pesquisa era sui generis, pois que em um esforço de guerra, foi possível algo de extrema dificuldade, qual seja, monopolizar a mídia, em todas as suas expressões, em função de um discurso comum. Assim, diante da ausência de con- trapontos críticos, a tendência do indivíduo para alimentar uma determinada visão é muito maior.
Contudo, em situações normais, na ausência desse mono- pólio, a mídia constitui-se em uma plêiade de veículos, empresas e grupos, com visões díspares. Portanto, a mídia entendida como um único ator com única posição, raramente corresponde à dinâ- mica dos fatos.
Um grande passo na análise do poder de influência da mídia foi dado pela pesquisa de Merton e Lazarsfeld (1960), que, dentre outras coisas, procuraram avaliar como e porque as propagandas com objetivos sociais, na maioria das vezes, tinham muito menor sucesso do que as propagandas comerciais.
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Segundo os autores, a diferença fundamental entre os dois tipos de propaganda se deve ao fato de que a propaganda comer- cial tem como objetivo central a venda de produtos, para tal pro- cura canalizar desejos e atitudes presentes na sociedade e associar os mesmos ao seu produto. Portanto, esse tipo de propaganda vai ao encontro do que as pessoas já são e desejam. Já a propagan- da com objetivos sociais, precisa e objetiva, na maioria das vezes, mudar atitudes e comportamentos, portanto vai de encontro ao que as pessoas já são e desejam.
Segundo os autores, o sucesso menor desse tipo de propa- ganda estaria evidenciando como o processo de influência da mí- dia sobre o comportamento do indivíduo não se dá de forma au- tomática, tampouco mecânica. Ele será tanto maior, quanto mais seus conteúdos estiverem de acordo com as aspirações e valores já presentes na sociedade.
Vale ressaltar dois casos brasileiros que ilustram tal posi- ção. O ministério da Saúde precisou de mais de quinze anos de exaustiva campanha a respeito da AIDS para que os índices da doença começassem a apresentar alguma mudança significativa, ainda que a campanha tenha sido massiva. O voto pelo sim, no referendo para decisão sobre a aprovação do artigo 35 do Estatuto do Desarmamento que proibiria o comércio de armas de fogo^2 e acarretaria em enorme desarmamento da população, teve forte apoio dos maiores grupos de mídia da sociedade, havendo osten- siva campanha no caso da Rede Globo, além do apoio dos mais influentes políticos. Vale lembrar que o então presidente da re- pública, o ex-presidente e .. estavam ...contudo, o não ganhou de forma absolutamente acachapante.
Tais casos parecem ilustrar como a influência da mídia de- pende de vários fatores, além do que, não se dá de forma unívoca, unilateral e mecânica.
(^2) “É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei”.
FAAT
Assim, o que vemos na televisão? A verdade dos fatos? Parte da verdade dos fatos? Imagens relativas aos fatos?
Aqui chegamos a um dos pontos centrais desse texto, o que se vê na televisão corresponde ao quê? Na opinião pública, em geral, até mesmo pelo forte apelo imagético, a imagem é a própria realidade.
Contudo, a força da imagem vela a estrutura de discurso por trás. O indivíduo leigo não consegue perceber, em geral, que o que se mostra, como e quando se mostra, são elementos constituintes de um discurso e que, como tal, tem intencionalidade e é parcial.
Dessa maneira, a penetração da televisão na vida cotidia- na das pessoas, aliada ao mito de sua objetividade, considerada “janela para o mundo”, traz a essa mídia um enorme poder de influência, ainda que não de determinação, sobre os comporta- mentos.
Os casos em que inquéritos, processos e até mesmo jul- gamentos se tornam espetáculos televisivos, muitas vezes de maneira precipitada e irresponsável, se multiplicam em nossa sociedade. Demonstrando com clareza o poder e, ao mesmo tempo, o perigo desse veículo para as garantias democráticas e o pleno funcionamento das instituições do judiciário, quando es- sas ficam a mercê dos critérios mercadológicos através dos quais muitas empresas escolhem o conteúdo e formato de sua progra- mação jornalística.
Por outro lado, esse mesmo veículo tem sido utilizado como meio de divulgação de idéias, arena de debates e espaço de denún- cia por parte de agentes políticos das mais diversas matizes, o que indica também a sua potencialidade como agente de democracia.
Assim, a guisa de conclusão, estamos diante de um veículo que é visto como o transmissor da realidade por parte da grande maioria, além disso, sua característica discursiva não é percebida em geral, por conta da força das imagens, o que confere a ele enor-
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me capacidade de influência na formação da opinião pública, com sua conseqüente capacidade de pressão sobre os agentes políticos e operadores do direito.
Casos recentes da vida política brasileira, como o julga- mento do mensalão, o julgamento de Suzanne Richthofen e dos irmãos Cravinhos, entre outros, ilustram como a pressão públi- ca acaba influenciando a tomada de decisões no campo jurídico, muitas vezes de forma questionável do ponto de vista técnico e formal. Enfim, para o bem ou para o mal, a mídia, em especial a televisão, tornou-se elemento estrutural da luta política e jurídica em nossa sociedade.
Contudo, a televisão produz e reproduz imagens, as quais são vistas como verdadeiras. Embora, em muitos casos, não se tra- te da verdade, mas sim de verossimilhança.
2. Verdade e Verossimilhança na Sociedade e no Direito Con- temporâneo Como acima colocado, do ponto de vista social, o critério do espetacular e instantâneo tornou-se preponderante na veicu- lação dos conteúdos da mídia. Esse mesmo critério não permite, quase sempre, o aprofundamento nas questões, seu entendimento amplo, tampouco uma postura mais reflexiva por parte dos teles- pectadores em geral.
Vivemos em uma sociedade em que o culto a imagem, qua- se sempre através da mídia, tem suplantado a busca por outras fontes de informação, com suas necessárias conseqüências para o desenvolvimento social, bem como cognitivo dos indivíduos.
Essa mesma sociedade, por caminhos diversos, viu abalada no século vinte a crença absoluta no progresso oriundo da ciência, bem como a crença de que essa chegasse à verdade dos fatos.
A ciência moderna, inspirada por Decartes e Newton, pos- tulava a completa objetividade de seus conhecimentos, os quais alcançariam o status de verdade demonstrada, sobre a qual não
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Contudo, a obra de Perelman, entre outros^3 , representou guinada fundamental nesse campo, o que e é central para o en- tendimento do filme em análise.
Perelman, antigo professor de lógica formal, se dedicou ao estudo dos desacordos em filosofia, dentre outros assuntos. Se- gundo o autor, era incompreensível para ele, a princípio, como, se a razão poderia guiar-nos de forma sistemática à verdade, ocor- riam tantos desacordos em relação às teses.
Penso que muitos jovens racionalistas foram escandalizados por este fato: por que é que existe desacordo em filosofia? (...) desacordo em direito, desacordo em política (...) Como explicar o desacordo nessas disciplinas que se consideram, todavia, como relevando da razão? (PERELMAN apud SUDATTI, 2003, p. 56).
Seus estudos voltaram-se, então, para a retórica clássica e as diversas formas de argumentação, a partir das proposições de Aristóteles. Isso permitiu ao autor perceber o caráter, histórico, circunstancial e provisório de todas as estruturas cognitivas e ar- gumentativas das quais nos utilizamos. Sem abandonar o valor da lógica formal, Perelman relevou o papel dos valores (ethos) e das emoções (pathos) no processo argumentativo.
Além disso, o autor salientou de forma clara que o campo da argumentação jurídica não é o campo da verdade, mas sim, o campo do verossímil. Como coloca Reboul: “se no âmbito do judiciário se conhecesse a verdade, não haveria mais âmbito do judiciário, e os tribunais se reduziram a câmaras de registro”. Mais do que isso, afirma que o objetivo da argumentação jurídica é a persuasão, não necessariamente o convencimento.
Assim, a retórica passa a ser a arte por excelência do ope- rador do direito, bem como do político. A lógica, os valores e as emoções são recursos que deverão ser utilizados e dosados con-
(^3) Como Pound, Frank e Viehweg apud Sudatti, 2003.
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forme as necessidades, o público ao qual nos dirigimos e os crité- rios de validação dos argumentos utilizados por esse público.
A verdade para Perelman, assim como para muitos teóricos da ciência contemporânea, torna-se um ideal de referência, não mais a conseqüência natural e necessária de um raciocínio. 4
Assim sendo, conhecido jargão reza que “o mundo do juiz está nos autos”, ou seja, o que importa é o que está apresentado, como está apresentado e, a partir disso, qual o grau de verossimi- lhança da argumentação.
Dessa forma, podemos estabelecer correlações entre a cri- se da ciência contemporânea com o questionamento da idéia de verdade, o culto a imagem na sociedade midiática e o critério a verossimilhança no direito contemporâneo.
Acreditamos que tais correlações são bastante perceptíveis a partir do exame de certas passagens cruciais do filme.
3. A Vida de David Gale: Imagem, Verdade e Verossimlhança
Vale ressaltar que já de início, o filme mostra a transmissão pela televisão da notícia de que a apelação em favor de David Gale havia sido negada e que, portanto, a sua execução se daria naquele dia.
Essa primeira tomada nos permite perceber a relação es- treita entre política e mídia que perpassa todo o filme, reflexo de nossa sociedade. É de se ressaltar que o autor escolhe iniciar e terminar o filme pela transmissão televisiva do acontecimento.
Dessa maneira, como diz o personagem em dado momen- to: “ninguém que olhe através do vidro vê além de um crime. Não sou uma pessoa, sou um assassino e estuprador”. Quem olha atra-
(^4) Uma vez que, em última instância, as normas iniciais de qualquer argumenta- ção, vide Kelsen, não são submetidas ao exame lógico-formal, mas, ao contrá- rio, são a moldura no qual o mesmo se realiza.
FAAT
Aqui encontramos dois modos absolutamente distintos de argumentar, enquanto o professor baseia-se no logos, na razão, o governador apela para o ethos, para os valores eminentes da so- ciedade em que se encontra. Até mesmo por saber, como político experiente, quais os métodos e critérios de levam a maioria dos eleitores a se decidirem.
Esse mesmo ethos, para lembrar Aristóteles, não diz respei- to apenas aos valores da sociedade, mas também aos valores per- sonificados, ou imaginados, na figura do orador.
A seqüência seguinte, na qual David Galé se destempera e descarrega de forma agressiva, espasmódica, uma série de acu- sações, terminando por afirmar, gritando, que a pena de morte condena inocentes à morte é reveladora de tal situação.
O governador ouve tudo sorrindo, aparentando calma, se estava realmente pouco importa, já que diante das câmeras o que importa é como pareceu. Após esse arroubo de seu oponente, saca caneta e papel do bolso e diz: “diga apenas um nome de um ino- cente que foi condenado”. Touché!
A batalha estava perdida, o professor imediatamente se apercebe de seu erro, de que havia permitido ao oponente passar a imagem de homem equilibrado, democrático, que considerava as afirmações alheias, as quais iria checar. Ao mesmo tempo, ele havia passado a imagem de homem destemperado, fanático agres- sor, capaz de proferir acusações infundadas.
Tal cena, aparentemente secundária no filme, revela muito sobre a natureza dos processos de persuasão e formação da opi- nião pública em nossa sociedade. A imagem, carregada de fortes componentes morais e emocionais, acaba, por muitas vezes, ten- do peso superior na decisão das pessoas em relação à lógica e a verdade. O texto mais crível, a história mais verossímil é o que se deve buscar. É o que buscará, de forma doentia e desesperada o protagonista no decorrer da história.
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A tragédia pessoal do professor começa justamente em uma situação em que a acusação falsa que pesava sobre ele tinha muito mais verossimilhança do que a sua defesa, embora a mesma fosse verdadeira.
Vejamos; a mulher que o acusava de estupro, apresentava mordidas no corpo, resíduos da pele dele em suas unhas, teve as roupas de baixo rasgadas e a perícia acusou que a mesma tivera relação sexual na noite anterior e havia sêmem do acusado em seu interior. Tudo verdade, tudo a pedido da própria em uma relação sexual sem testemunhas, não apenas consentida, mas procurada pela mesma.
Mas para o público que não testemunhara tal relação, o que parece mais verossímil? Que uma mulher com todos esses indí- cios aceitasse a vergonha pública de um estupro que não ocorrera, ou que, de fato, uma aluna fora violentada por um professor vai- doso de seu poder e alcoolizado?
Imediatamente, é esse é o termo mais conveniente para se tratar da lógica mercadológica da notícia em nossa sociedade, a acusação de fez e, antes mesmo do julgamento, a sentença social foi proferida: CULPADO. Seus pares votaram pelo seu afastamen- to da faculdade, sua esposa o abandonou, levando o filho consigo, seus colegas e alunos se afastaram e todas as portas das universi- dades são fechadas para ele. O fato de a mulher que o acusara ter “retirado a acusação” não modificou a situação. Pois a imagem já fora criada, o espetáculo midiático realizado, e os desdobramen- tos rotineiros de um inquérito ou processo não contém cargas emotivas e espetaculares suficientes para produzirem audiência suficiente, portanto, têm pouco interesse como notícia. 5
(^5) Se atentarmos para a realidade brasileira, é extremamente comum que o ci- dadão não saiba sobre os desdobramentos de acusações e processos em curso. Assim, a manchete toma peso de verdade, ainda que posteriormente seja retifi- cada. Casos como a acusação de abuso sexual feita aos proprietários da escola de Base (SP), que foram posteriormente refutados, bem como comprovada a inocência dos acusados, muitas vezes não chegam ao conhecimento do grande
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vira um grande espetáculo midático, acompanhado ao vivo por dezenas de emissoras. Tudo é conteúdo noticioso, até mesmo os componentes de sua última refeição e o preço da mesma.
O último ato do “espetáculo” é a entrega da fita para a im- prensa, e não para a justiça, com a qual se revela, através das ima- gens, a “verdade” sobre o fato. Constance havia cometido suicídio, com a ajuda de Dustin, fanático ativista pelo fim da pena de mor- te. Ele teria deixado David Gale morrer para provar a tese de que se condenam inocentes e que, portanto, a pena de morte deveria ser extinta.
Assim, anunciam os jornalistas: “a grande ironia é que David Gale, homem que, inconscientemente, se tornou mártir, possa con- seguir na morte o que lutou para ter, mas não pode obter em vida”.
A verdade, contudo, é que ele se tornou mártir de forma absolutamente consciente e planejada. Porém, o que as imagens permitem saber, o que é verossímil, a partir das informações obti- das? David Gale foi uma vítima inocente de um fanático, que, com isso, conseguiu provar para a opinião pública, de maneira irrefu- tável, pois “uma imagem vale mais que mil palavras”, que a pena de morte é um sistema falho, inaceitável, que pode levar a morte pessoas inocentes. Como sempre afirmou o próprio protagonista.
Para além do debate sobre a pena de morte em si, sua justiça e eficácia, o filme nos permite refletir sobre o papel da mídia na sociedade contemporânea, sobre seus efeitos sobre o cotidiano da política e da justiça, sobre os perigos de se pautar cada vez mais as ações pelo imediato, pela imagem e pelo verossímil.
Terminamos essa reflexão com as novas questões por ela suscitadas: até que ponto, aumentamos o nosso conhecimento so- bre a realidade? Será que nossas ações são, cada vez mais, pauta- das por referências da verdade, nacos da mesma, produzidos de forma parcial?
E se assim for, ao vivermos em uma sociedade em que o cul- to da imagem atinge tais proporções, em que o espetáculo midiá-
FAAT
tico assume, muitas vezes, a primazia na determinação da agenda pública e da verdade dos fatos, estamos nos aproximando ou nos distanciando da justiça?
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