Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

Revelação em Paul Tillich, Notas de estudo de Teologia

Tillich. O presente artigo busca estudar o pensamento desse teólogo sobre a revelação de Deus e sua influência na teologia sistemática. Com esse objetivo,.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Neymar
Neymar 🇧🇷

4.7

(130)

378 documentos

1 / 15

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 63-77
63
REVELAÇÃO EM PAUL TILLICH
Luciano Ximenes
*
RESUMO
O conceito de revelação é essencial para a ortodoxia cristã. A fé reformada
está alicerçada no entendimento de que a Bíblia é a revelação especial de Deus,
renascentista, a Escritura deixou de ser a única fonte de autoridade para a
teologia e outras fontes passaram a ser abraçadas pelos teólogos. No século
20, liberais, neo-ortodoxos e pentecostais passaram a utilizar outros critérios,
como a razão, a experiência e a filosofia existencialista. Um dos principais
representantes do uso da filosofia existencialista foi o teólogo prussiano Paul
revelação de Deus e sua influência na teologia sistemática. Com esse objetivo,
o artigo começa com uma análise da filosofia existencial. Descreve, a seguir, o
pensamento teológico de Tillich, procurando entender seu papel, sua fonte, seu
entendimento sobre a Bíblia e, finalmente, seu conceito de revelação. O artigo
conclui sua análise mostrando as conseqüências desastrosas dessa mudança na
fonte de autoridade para a teologia cristã e reformada.
PALAVRAS-CHAVE
Revelação; Existencialismo; Teologia; Razão; Paul Tillich.
INTRODUÇÃO
O conceito de revelação é fundamental para a fé cristã. Não se pode fazer
qualquer tentativa de sistematização da verdade cristã sem revelação. Esse
*
O autor é bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (Recife), bacharel em
Engenharia Civil pela Universidade de Pernambuco, coordenador e professor da área de Teologia Siste-
mática no Seminário Presbiteriano de Brasília e mestrando em Teologia Sistemática no CPAJ. É pastor
da Igreja Presbiteriana do Jardim Botânico, em Brasília.
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff

Pré-visualização parcial do texto

Baixe Revelação em Paul Tillich e outras Notas de estudo em PDF para Teologia, somente na Docsity!

FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 63-

REVELAÇÃO EM PAUL TILLICH

Luciano Ximenes * RESUMO O conceito de revelação é essencial para a ortodoxia cristã. A fé reformada está alicerçada no entendimento de que a Bíblia é a revelação especial de Deus, inspirada e norma suprema de fé e prática. Após o movimento do humanismo renascentista, a Escritura deixou de ser a única fonte de autoridade para a teologia e outras fontes passaram a ser abraçadas pelos teólogos. No século 20, liberais, neo-ortodoxos e pentecostais passaram a utilizar outros critérios, como a razão, a experiência e a filosofia existencialista. Um dos principais representantes do uso da filosofia existencialista foi o teólogo prussiano Paul Tillich. O presente artigo busca estudar o pensamento desse teólogo sobre a revelação de Deus e sua influência na teologia sistemática. Com esse objetivo, o artigo começa com uma análise da filosofia existencial. Descreve, a seguir, o pensamento teológico de Tillich, procurando entender seu papel, sua fonte, seu entendimento sobre a Bíblia e, finalmente, seu conceito de revelação. O artigo conclui sua análise mostrando as conseqüências desastrosas dessa mudança na fonte de autoridade para a teologia cristã e reformada. PALAVRAS-CHAVE Revelação; Existencialismo; Teologia; Razão; Paul Tillich. INTRODUÇÃO O conceito de revelação é fundamental para a fé cristã. Não se pode fazer qualquer tentativa de sistematização da verdade cristã sem revelação. Esse

  • (^) O autor é bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano do Norte (Recife), bacharel em Engenharia Civil pela Universidade de Pernambuco, coordenador e professor da área de Teologia Siste- mática no Seminário Presbiteriano de Brasília e mestrando em Teologia Sistemática no CPAJ. É pastor da Igreja Presbiteriana do Jardim Botânico, em Brasília.

LUCIANO XIMENES, REVELAÇÃO EM PAUL TILLICH conceito é fundamental também para a fé reformada. Em todos os símbolos da fé reformada encontram-se o posicionamento sobre o conceito de revelação e o reconhecimento da Bíblia como fonte única e final da revelação especial de Deus. Para Calvino, a revelação é o momento no qual Deus se dá a conhecer ao ser humano por intermédio de sua Palavra. “Desta maneira, Adão, Noé, Abraão e os outros patriarcas puderam conhecê-lo, iluminados que foram pela sua Palavra”.^1 Para ele, a revelação não tem um caráter subjetivo e experiencial, pois a Palavra foi dada aos patriarcas e redigida como documento, tornando-se objetiva. Ele diz: Pois bem, quando pareceu bem ao Senhor edificar uma igreja mais segregada ainda, ele publicou mais solenemente aquela mesma Palavra, e foi da sua von- tade que ela fosse redigida como documento escrito. Por isso, desde quando os oráculos ou as revelações da Palavra de Deus começaram a ser reduzidas à escrita, ela tem sido mantida entre os fiéis e tem sido transmitida entre eles, uns aos outros.^2 Dessa forma o conceito reformado de revelação mostra a Bíblia como expressão exata da Palavra de Deus, que é sua própria revelação. A importância desse correto entendimento para a ortodoxia é claramente demonstrada ao serem analisados os movimentos históricos dentro da igreja. O liberalismo teológico foi, em última análise, um distanciamento do entendimen- to da Bíblia como Palavra de Deus. Ela se tornou um livro comum, sujeito aos mesmos problemas de qualquer escrito humano, distanciando-se da ortodoxia. A neo-ortodoxia aproximou mais a Bíblia da Palavra de Deus, sendo ela a fonte da revelação divina. A Bíblia torna-se a Palavra de Deus quando é recebida interiormente e existencialmente pelo indivíduo. A teologia neo-ortodoxa não conseguiu o completo retorno ao entendimento da Bíblia como sendo a Palavra de Deus. Ela continuou tendo falhas e erros. A doutrina da revelação divina nunca deixou de ser estudada pelos cír- culos acadêmicos, independentemente da linha teológica a ser defendida. O entendimento individual dessa doutrina e seu relacionamento com a Bíblia vão definir a posição teológica da pessoa, comunidade ou igreja e onde ela se encontra entre o liberalismo religioso e a ortodoxia protestante e reformada. Este trabalho tem como objetivo estudar o conceito de revelação do teó- logo sistemático Paul Tillich, entendendo seus pressupostos filosóficos e sua relação com a teologia, além de definir o conceito de revelação e sua relação com a Bíblia. Paul Tillich nasceu no dia 20 de agosto de 1886 em Starzeddel, na Prússia. Foi capelão militar na Primeira Guerra Mundial. Provavelmente (^1) CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. Vol. 1. São Paulo: Cultura Cristã, 2006, p. 68. (^2) Ibid., p. 70.

LUCIANO XIMENES, REVELAÇÃO EM PAUL TILLICH como Francis Schaeffer: “Paul Tillich (1886-1965), da Escola de Teologia de Harvard, foi um desses brilhantes teólogos neo-ortodoxos”.^8 Dessa forma, deve-se perceber na teologia de Paul Tillich a influência tanto da teologia liberal como da neo-ortodoxa. Fazendo uma apreciação da posição teológica de Paul Tillich, Grenz e Olson o definem como neo-liberal e descrevem assim as influências do libe- ralismo e da neo-ortodoxia: Assim, esses pensadores buscavam reformular e aprofundar a teologia da ima- nência do antigo liberalismo. É claro que não defenderiam uma simples volta ao desacreditado cristianismo cultural. Na verdade, procuravam empregar temas que tomaram emprestados de filosofias mais novas, como o existencialismo, ou incorporar os avanços alcançados pelos estudos científicos recentes como forma de reafirmar a fé cristã em Deus, de modo que o povo do século 20 pudesse compreender e aceitar”.^9 Em outro momento, eles explicam: “Paul Tillich oferece aquele que é, talvez, o exemplo mais claro de um neoliberal que optou pelo existencialismo como companheiro para o dialogo teológico”.^10 A influência liberal sobre o pensamento teológico de Tillich é percebida no seu entendimento da revelação e das fontes da teologia, e na tendência neo-ortodoxa de uso da filosofia existencialista como base para a reflexão teológica. Isso é facilmente perceptível na teologia de Tillich quando ele diz: A teologia sistemática necessita de uma teologia bíblica que seja histórico-crítica sem quaisquer restrições, mas que seja, ao mesmo tempo, interpretativo-exis- tencial, levando em conta o fato de que ela trata de assuntos de preocupação última.^11 Essa compreensão é fundamental para a análise de sua teologia.

1. FILOSOFIA EXISTENCIALISTA Uma boa compreensão da filosofia existencialista é essencial para o entendimento da teologia da Paul Tillich. Essa filosofia é conseqüência do humanismo renascentista, que teve como finalidade libertar o homem da igreja católica medieval. Para isso, Deus foi colocado de lado, tendo o ser humano assumido o papel principal da história. Foi um período de positivismo ideológico em relação ao homem. O homem passou a ser a medida de todas (^8) SCHAEFFER, Francis. Como viveremos? São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 125. (^9) GRENZ e OLSON, A teologia do século 20 , p. 135. (^10) Ibid., p. 136. (^11) TILLICH, Paul. Teologia sistemática. São Leopoldo: Sinodal, 2005, p. 51.

FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 63- as coisas. Schaeffer diz: “O homem humanista procurou tornar-se auto-sufi- ciente, passando a exigir que partisse dele mesmo e de detalhes individuais, para elaborar os seus próprios universais”.^12 Assim, o homem, e não Deus, se tornou a fonte última da verdade. O existencialismo pode ser classificado em duas modalidades: o existen- cialismo ateísta e o existencialismo teísta. O primeiro tipo tem suas bases no naturalismo. Ele aceita todas as proposições naturalistas de forma a negar a existência de Deus e afirmar a existência eterna da matéria e de um universo sem uma proposta abrangente. Contudo, sua diferença está na natureza humana e no seu relacionamento com o cosmos.^13 James W. Sire resume assim as idéias do existencialismo ateu: 1) o cosmo é constituído apenas de matéria, mas a realidade humana apresenta-se de duas formas: objetiva e subjetiva; 2) os seres humanos fazem de si mesmos o que eles são, a existência precede a essência;

  1. cada pessoa é livre a respeito do destino e da natureza; 4) extremamente implacável e hermético, o mundo objetivo organizado permanece contra os seres humanos e parece absurdo; 5) no reconhecimento pleno do eu contra o absurdo do mundo objetivo, a pessoa autêntica deve se revoltar e criar seus próprios valores.^14 Esse pensamento tem como conseqüência o não reconhecimento e a não aceitação de qualquer estrutura, seja Deus ou a natureza, que venha a ter domínio sobre o ser humano. Dessa maneira, o homem torna-se totalmente independente, o senhor do seu pensamento, e o critério último para a verdade é o próprio homem, seja pela razão ou pela experiência. A influência do existencialismo não se limitou apenas à esfera secular, sendo levada em consideração também nos meios teológicos. Ao influenciar os estudos teológicos, o existencialismo sofreu algumas mudanças, principalmente com a aceitação da divindade, e passou a ser definido como existencialismo teísta. A grande mudança na ênfase do existencialismo teísta em relação ao ateísta é a fonte do relacionamento humano. Enquanto o ateísta está preocupado com o relacionamento com a natureza, o teísta se preocupa com o relaciona- mento com Deus. James Sire descreve assim essa mudança: “Os elementos mais característicos do existencialismo teísta estão relacionados não com a natureza do cosmo, mas com a natureza humana e nossa relação com Deus”.^15 A verdade só pode ser encontrada quando o próprio homem atinge sua auto- (^12) SCHAEFFER, Como viveremos? , p. 117. (^13) SIRE, James W. O universo ao lado – um catalogo elementar de cosmovisões. São Paulo: Hagnos, 2003, p. 123. (^14) Ibid. (^15) Ibid., p. 136.

FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 63- O objetivo da teologia é aquilo que nos preocupa de forma última. Só são teo- lógicas aquelas afirmações que tratam do seu objeto na medida em que ele pode se tornar questão de preocupação última para nós.^20 A filosofia existencialista é que deve determinar quais são as questões de preocupação última, ou seja, as perguntas existenciais para a pessoa. Grenz e Olson resumem assim essa idéia: “As perguntas são apresentadas pela filosofia através do exame cuidadoso da existência humana”.^21 Sem as questões de preocupação última, não se pode fazer teologia. Essas questões são perguntas levantadas pelo homem ao entrar em contato com a sua existência. Tillich define-as assim: Nossa preocupação última é aquilo que determina o nosso ser ou não-ser. Só são teológicas aquelas afirmações que tratam de seu objeto na medida em que possa se tornar para nós uma questão de ser ou não-ser.^22 A partir desse significado da filosofia existencialista para o pensamento de Tillich é que deve ser entendida a sua teologia sistemática. A teologia volta a ser subordinada à filosofia, como aconteceu na Idade Média, principalmente com Tomás de Aquino. Para Tillich, a teologia deve estar fundamentada em trazer respostas para a “situação” na qual o teólogo está inserido. Ele define a “situação” como a auto-interpretação criativa do ser humano em um período determinado.^23 Entende que Barth está correto com a interpretação “querigmática” do evangelho e, comparando-o com Lutero, afirma: “Ambos fizeram uma séria tentativa de redescobrir a mensagem eterna dentro da Bíblia e da tradição, em oposição a uma tradição distorcida e a uma Bíblia utilizada de forma errônea e mecânica”.^24 Para Tillich, uma teologia que não responde as questões existenciais do homem é totalmente intotalmente intotalmente inúú til. A filosofia é que valida o estudo teológico. Qualquer pessoa sem questionamentos de realidade última não vai ter nenhum interesse pela teologia, e esta não terá nenhuma finalidade para o indivíduo. A teologia passa a ter um caráter individual e relativo, pois a verdade é definida pela pes- soa. A partir desses conceitos, deve-se entender a finalidade da teologia, suas fontes e o papel da Bíblia no pensamento e na teologia de Tillich.

2. A TEOLOGIA DE PAUL TILLICH A teologia sistemática possui um caráter totalmente existencial no pensa- mento de Tillich. Isso é conseqüência de uma filosofia existencialista dominante (^20) TILLICH, Teologia sistemática , p. 30. (^21) GRENZ e OLSON, A teologia do século 20 , p. 143. (^22) TILLICH, Teologia sistemática , p. 31. (^23) Ibid., p. 20. (^24) Ibid., p. 22.

LUCIANO XIMENES, REVELAÇÃO EM PAUL TILLICH na sua teologia, como foi mostrado na seção anterior. A filosofia tem como papel principal definir a “situação” na qual o individuo está inserido. Para Tillich, a metodologia a ser aplicada para descobrir o real sentido da revelação é o método fenomenológico, descrito por ele da seguinte forma: Consiste em sua capacidade de oferecer um quadro que seja convincente, de torná-lo visível a qualquer pessoa que esteja disposta a olhar na mesma direção, de iluminar com ele outras idéias afins e de tornar compreensível a realidade que estas idéias pretendem refletir.^25 É a forma de considerar os fenômenos como “se apresentam”, sem a interferência de pré-conceitos e explicações negativas ou positivas. Esse entendimento da “situação” leva o indivíduo a fazer perguntas sobre a realidade última do ser ou não-ser. Grenz e Olson comentam o papel da filosofia e da teologia em Tillich: “O teólogo lança mão dos símbolos da revelação divina para formular respostas para as questões implícitas na existência humana, que a filosofia pode descobrir, mas não responder”.^26 No seu pensamento, a filosofia não tem como responder tais perguntas: “A teologia sistemática é a teologia que ‘responde’. Ela deve responder as perguntas implícitas na situação humana geral e na situação histórica pessoal”.^27 Em outro passo Tillich diz: A teologia levanta necessariamente a questão da realidade como um todo, a questão da estrutura do ser. A teologia suscita necessariamente a mesma pergunta, pois aquilo que nos preocupa de forma última deve pertencer à realidade como um todo; deve pertencer ao ser.^28 Hordern afirma: “Tillich crê ser obrigação inevitável do teólogo uma tentativa de relacionar a mensagem bíblica com a situação vigente”,^29 e resume dessa forma a sua metodologia para a teologia sistemática: Ao voltarmo-nos para a teologia sistemática de Tillich, portanto, aí encon- tramos, primeiro, uma análise de um problema particular de acordo com os termos da filosofia moderna. Uma vez o problema alcançando seu ponto de maior profundidade, no qual se torne clara sua relação em que se encontra com a própria existência e ser do homem, então, Tillich passa a demonstrar como é que a revelação cristã oferece resposta adequada para a solução do problema em causa.^30 (^25) TILLICH, Teologia sistemática , p. 119. (^26) GRENZ e OLSON, A teologia do século 20 , p. 143. (^27) TILLICH, Teologia sistemática , p. 47. (^28) Ibid., p. 37-38. (^29) HORDERN, Teologia contemporânea , p. 211. (^30) Ibid.

LUCIANO XIMENES, REVELAÇÃO EM PAUL TILLICH A recusa da aceitação da Bíblia como fonte única da teologia tem como base a filosofia existencialista, quando a ênfase é colocada na interpretação existencial e não no fato real. Tillich reconhece quatro fontes para a teologia sistemática: “Esse exame das fontes da teologia sistemática mostrou sua riqueza quase ilimitada: Bíblia, história da Igreja, história da religião e da cultura”.^36 Ao mesmo tempo, ele enfatiza a relatividade delas, pois não podem ser consideradas como fonte da teologia de forma absoluta, mas de forma existencial, pois “as fontes da teologia sistemática só podem ser fontes para quem participa nelas, isto é, através da experiência”.^37 Isso faz com que a experiência, fruto da influência da filosofia existencialista e da teologia neo-ortodoxa, seja fundamental para a teologia. A experiência legitima a revelação como fonte para a teologia. Ela é enten- dida por Tillich em três sentidos: “Uma análise acurada da presente discussão filosófica e teológica mostra que o termo é usado em três sentidos: ontológico, científico e místico”.^38 O sentido ontológico da experiência está relacionado com a realidade vivida e sua aceitação positiva. Tillich assim o define: O sentido ontológico da experiência é uma conseqüência do positivismo filo- sófico. O que é dado positivamente é, segundo esta teoria, a única realidade da qual se pode falar de modo significativo. E positivamente dado significa dado na experiência. A realidade é idêntica à experiência.^39 O sentido científico é a percepção de um mundo articulado e das ver- dades encontradas pelo uso da razão e de experiências repetitivas. Assim é definido: A experiência neste sentido constitui um mundo articulado. Ela não designa o dado como tal, mas o dado em sua estrutura reconhecível. Ela combina ele- mentos racionais e perceptivos e é o resultado de um processo incessante de experiência e verificação.^40 Nenhum desses dois sentidos legitima a experiência como fonte teológica. Eles não devem se descartados, mas são aspectos que devem ser levados em consideração quando unidos ao sentido místico. O sentido místico está relacionado com a aceitação pela fé do indivíduo: “A letra da Bíblia e as doutrinas da Igreja permanecem letra e lei se o Espírito não as interpreta no indivíduo cristão. A experiência como presença inspiradora do (^36) Ibid., p. 55. (^37) Ibid., p. 56. (^38) Ibid., p. 58. (^39) Ibid. (^40) Ibid., p. 59.

FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 63- Espírito seria a fonte última da teologia”.^41 A experiência mística possui um ca- ráter religioso no qual o homem se torna um novo ser em Jesus como o Cristo. Por isso, a Bíblia perde sua autoridade como fonte única da teologia, em contraste com o pensamento dos reformadores. A autoridade da Bíblia está relacionada com o encontro entre a igreja e ela. Para Tillich, é impossível chegar a um pensamento de dois mil anos atrás. Assim, a hermenêutica bíblica perde seu valor, pois trabalha apenas com o impossível. O importante não é o pensamento do autor bíblico, e sim a interpretação dada pela igreja à men- sagem cristã. Ele diz: “A Bíblia como um todo nunca foi a norma da teologia sistemática. A norma tem sido um princípio derivado da Bíblia num encontro entre ela e a igreja”.^42 Tillich complementa dizendo: “Já que a norma da teologia sistemática é o resultado de um encontro da igreja com a mensagem bíblica, podemos considerá-la produto da experiência coletiva da igreja”.^43 2.3 O conceito da Bíblia em Tillich Como já foi dito, a Bíblia é entendida por Tillich de maneira totalmente diferente do pensamento reformado. Sua autoridade deriva da experiência mística e da interpretação coletiva da Igreja. “O caráter documentário da Bíblia reside no fato de que ela contém o testemunho original daqueles que participam nos eventos reveladores”.^44 Dessa forma, ela passa a ser o registro histórico de pessoas que tiveram contato com revelações e de suas respostas a ela. “Assim como muitos teólogos do século 20, Tillich rejeitava o conceito de palavras reveladas ou proposições”.^45 Para ele: Sua participação consistiu em suas respostas aos acontecimentos que se tornaram eventos reveladores através de sua resposta. A inspiração dos escritores bíblicos é a sua resposta receptiva e criativa a fatos potencialmente revelatórios.^46 A Bíblia não deve ser entendida como o único meio da revelação divina. Tillich diz: A Bíblia é a Palavra de Deus em dois sentidos: É o documento de revelação final e participante na revelação final da qual é documento. Provavelmente nada contribuiu mais para a interpretação errônea da doutrina bíblica da Palavra do que a identificação da Palavra com a Bíblia.^47 (^41) Ibid., p. 60. (^42) Ibid., p. 65. (^43) Ibid., p. 67. (^44) Ibid., p. 51. (^45) GRENZ e OLSON, A teologia do século 20 , p. 147. (^46) TILLICH, Teologia sistemática , p. 51. (^47) Ibid., p. 168.

FIDES REFORMATA XII, Nº 2 (2007): 63- evento que aponta para o mistério do ser, expressando sua relação conosco de uma forma definida. Em terceiro lugar, é uma ocorrência que recebemos como um evento-sinal em uma experiência extática.^54 Revelação é um acontecimento e uma experiência que pode ocorrer por diferentes meios, como foi visto. Ou seja, qualquer coisa pode ser portadora da revelação desde que se torne transparente e mostre as bases do ser.^55 Para Tillich, dois conceitos definem a dinâmica dessa revelação: original e dependente. Revelação original é “uma revelação que ocorre numa constelação que não existia antes. Esse milagre e esse êxtase estão unidos pela primeira vez”.^56 Deus continua revelando-se aos homens hoje como em qualquer época da humanidade. Essa revelação não está presa a nenhuma outra estabelecida e reconhecida no passado. Na revelação dependente, o milagre e sua recepção original juntos formam o elemento doador, ao passo que o elemento receptor muda, na medida em que indivíduos e grupos novos entram na mesma correlação e revelação.^57 Essas revelações possuem poder revelador apenas para as pessoas que participam delas ou que entram numa correlação revelatória. Dessa forma, as proposições sobre uma revelação passada dão apenas informações teóricas; elas não têm poder revelador. Por isso, a revelação é verdadeira quando o homem possui um entendimento maior do seu ser e de sua existência. Dessa maneira, toda revelação efetiva é final, pois ele afirma: “Uma pes- soa tomada pela experiência revelatória crê que esta é a verdade com respeito ao mistério do ser e sua relação com ele”.^58 Toda revelação cristã tem de levar ao entendimento de Jesus como o Cristo. Tillich define assim a revelação final: “O cristianismo muitas vezes afirmou, e deveria afirmá-lo sempre, que existe uma revelação contínua na história da Igreja. Neste sentido, a revelação final não é a última. Só se última significa a última revelação genuína”.^59 Ela não é última por não existirem outras revelações posteriores, e sim por ser ela a maior de todas: a revelação final: “Significa a revelação decisiva, culminante, inexcedível, aquela que é o critério de todas as outras. Essa é a reivindicação cristã. E esta é a base da teologia cristã”.^60 (^54) Ibid, p. 129. (^55) GRENZ e OLSON, A teologia do século 20 , p. 147. (^56) Ibid., p. 138. (^57) TILLICH, Teologia sistemática , p. 41. (^58) Ibid., p. 143. (^59) Ibid., p. 144. (^60) Ibid.

LUCIANO XIMENES, REVELAÇÃO EM PAUL TILLICH Por isso, a revelação final do cristianismo é a verdade de Jesus como o Cristo. Para Tillich, o entendimento de que Jesus é o Cristo prometido é que norteia todo o pensamento cristão. Ele diz: “De acordo com o caráter circular da teologia sistemática, o critério da revelação final é derivado daquilo que o Cristianismo considera ser a revelação final, a aparição de Jesus como o Cristo”.^61 Isso é visto de maneira existencial: “O Cristo não é o Cristo sem a Igreja, e a Igreja não é Igreja sem o Cristo. A revelação final, como toda revelação, é correlativa”.^62 Assim a “revelação é a manifestação do poder que reúne o que foi trágica e destrutivamente separado, trazendo, desse modo, salvação, cura e harmonia em meio ao conflito. É o desvendar do mistério do ser”.^63 Desse modo, a revelação é a interpretação da história para cada indivíduo e seus efeitos para o mistério do ser e sua preocupação última. CONCLUSÃO A teologia de Paul Tillich tem como objetivo aplicar a mensagem do evangelho de forma contextualizada ao homem moderno, tornando-o relevante à sua geração. Para isso, ele usa as ferramentas filosóficas existenciais, tendência do pensamento humano de sua época, e as adapta para a teologia. Ele utilizou a filosofia como base da teologia. Ela legitimava ou não a mensagem cristã. A mensagem do evangelho perdeu seu caráter divino e au- toritativo. A revelação divina foi confundida com a cultura e a interpretação histórica do fato. A veracidade da mensagem foi colocada em segundo plano, pondo-se em evidência a sua interpretação. Jesus virou o Cristo da Igreja: “O Cristo não é o Cristo sem a Igreja, e a Igreja não é Igreja sem o Cristo”.^64 A fé foi resumida à fé da Igreja. Com essa transformação de conceitos sobre a Palavra de Deus e, principal- mente, sobre a revelação divina, o homem fica livre para criar uma mensagem cristã mais parecida com os seus pensamentos. A teologia perde seu caráter de confrontação de princípios, valores e atitudes, para ser apenas adaptável aos problemas existenciais. Assim, o evangelho perderia toda a sua essência e propósito, pois na ver- dade ele não tem como finalidade resolver as questões existenciais da pessoa. Na perspectiva reformada, seu propósito é mudar a natureza, o pensamento e as atitudes humanas, e resolver o verdadeiro problema da existência humana: o pecado. Toda crise existencial está relacionada ao afastamento do homem do seu Criador e do estilo de vida para o qual foi criado. (^61) Ibid., p. 146. (^62) Ibid., p. 148. (^63) GRENZ e OLSON, A teologia do século 20 , p. 147. (^64) TILLICH, Teologia sistemática , p. 148.