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Resumo sobre a existência de uma área de estudo denominada Didática, Resumos de Pedagogia

A existência de uma área de estudo denominada Didática, que tenha como objeto de estudo o ensino. Qualquer manual dessa disciplina, antigo ou recente, traz um capitulo sobre a relação da didática com as outras ciências da educação.

Tipologia: Resumos

Antes de 2010

Compartilhado em 15/09/2023

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CAPÍTULO II
A CONSTITUIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO DA DIDÁTICA - CONTRIBUIÇÃO
DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO (
)
O tema desta exposição não teria em si nada de especial, desde que se admita
a existência de uma área de estudo denominada Didática, que tenha como objeto de
estudo o ensino. Qualquer manual dessa disciplina, antigo ou recente, traz um capitulo
sobre a relação da didática com as outras ciências da educação. Tanto quanto o
fenômeno educativo, o ato didático tem uma pluridimensionalidade, de modo que a
Didática não caminha isoladamente no campo dos conhecimentos científicos e não
conta de resolver seus problemas sem a contribuição de outras ciências da educação.
Além disso, a interdisciplinaridade tornou-se hoje um princípio inquestionave1 na
organização do conhecimento e não há razão para que a Didática o desconheça.
A questão, entretanto, não é tão simples. O que parece óbvio de um
determinado ponto de vista pode ser descabido visto sob um outro prisma. Quem lida
mais diretamente com ensino e pesquisa na Didática com naturalidade as
contribuições da Psicologia. da Sociologia, da Lingüística, da Teoria do Conhecimento,
da Teoria da Educação. do Currículo etc. Fica fácil reconhecer essas contribuições
porque elas são avaliadas a partir de um enfoque pedagógico-didático das situações
do ensino. Mas a situação muda quando o didático é visto pelo olhar do psicólogo, do
sociólogo, do lingüista, do filósofo. do professor de Prática de Ensino. A tendência.
nesses casos, é a de encarar as questões de ensino na perspectiva da área de
conheci monto dessas especialidades. tal como tem acontecido, também, quando se
discute a educação como objeto de estudo. Com isso, não é muito fora do comum que
uma ou outra dessas áreas desqualifique a relevância da Didática ou até postule
ocupar seu lugar. Já tive oportunidade de tratar desse assunto em publicação recente
(Libâneo, 1992). Nesse artigo, discuto os entendimentos do termo educação nas
várias áreas de conhecimento que se ocupam direta ou indiretamente do fenômeno
educativo e escrevo a esse respeito:
É inevitável que ocorram entendimentos parcializados devido ao viés das várias áreas
do conhecimento que se ocupam do fenômeno educativo, das diversas instituições que
lidam com questões educacionais ou das experiências vividas na prática. Não é de
estranhar que sociólogos, psicólogas, administradores escolares, professores,
costumem abordar questões da educação apenas sob o prisma de sua formação
acadêmica ou de suas experiências em instituições especificas. Os problemas surgem
quando estes especialistas pretendem generalizar conclusões de estudos ou suas
opiniões para todas as instâncias da prática educativa.
O tema, portanto. põe questões delicadas precisamente porque o ensino é um
campo de interesse comum a vários campos do conhecimento. Não como
desconhecer a pluridimensionalidade do fenômeno ensino. Mas nós, da Didática
dizemos: é precisamente em razão dessa pluridimensionalidade que se torna
necessário postular o enfoque propriamente didático dos fenômenos educativos para,
partindo dai, buscar a contribuição de outros campos científicos. Caso contrário, os
enfoques parciais levariam a apreender um aspecto da totalidade do fenômeno ensino,
configurando reducionismos. Mas essa afirmação, com certeza, soará estranha aos
ouvidos dos especialistas de outras áreas que dirão, por sua vez, que nós é que
reivindicamos exclusividade no tratamento das questões de ensino. E não têm faltado
posições contrárias e mesmo desqualificadoras da Didática como teoria geral do
ensino. Chega a incomodar a insistência com que alguns filósofos, sociólogos e
(
) Texto publicado nos Anais do VII ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, Goiânia, 1994,
pp.65-78.
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CAPÍTULO II

A CONSTITUIÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO DA DIDÁTICA - CONTRIBUIÇÃO

DAS CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ( ∗∗∗∗^ )

O tema desta exposição não teria em si nada de especial, desde que se admita a existência de uma área de estudo denominada Didática, que tenha como objeto de estudo o ensino. Qualquer manual dessa disciplina, antigo ou recente, traz um capitulo sobre a relação da didática com as outras ciências da educação. Tanto quanto o fenômeno educativo, o ato didático tem uma pluridimensionalidade, de modo que a Didática não caminha isoladamente no campo dos conhecimentos científicos e não dá conta de resolver seus problemas sem a contribuição de outras ciências da educação. Além disso, a interdisciplinaridade tornou-se hoje um princípio inquestionave1 na organização do conhecimento e não há razão para que a Didática o desconheça.

A questão, entretanto, não é tão simples. O que parece óbvio de um determinado ponto de vista pode ser descabido visto sob um outro prisma. Quem lida mais diretamente com ensino e pesquisa na Didática vê com naturalidade as contribuições da Psicologia. da Sociologia, da Lingüística, da Teoria do Conhecimento, da Teoria da Educação. do Currículo etc. Fica fácil reconhecer essas contribuições porque elas são avaliadas a partir de um enfoque pedagógico-didático das situações do ensino. Mas a situação muda quando o didático é visto pelo olhar do psicólogo, do sociólogo, do lingüista, do filósofo. do professor de Prática de Ensino. A tendência. nesses casos, é a de encarar as questões de ensino na perspectiva da área de conheci monto dessas especialidades. tal como tem acontecido, também, quando se discute a educação como objeto de estudo. Com isso, não é muito fora do comum que uma ou outra dessas áreas desqualifique a relevância da Didática ou até postule ocupar seu lugar. Já tive oportunidade de tratar desse assunto em publicação recente (Libâneo, 1992). Nesse artigo, discuto os entendimentos do termo educação nas várias áreas de conhecimento que se ocupam direta ou indiretamente do fenômeno educativo e escrevo a esse respeito:

É inevitável que ocorram entendimentos parcializados devido ao viés das várias áreas do conhecimento que se ocupam do fenômeno educativo, das diversas instituições que lidam com questões educacionais ou das experiências vividas na prática. Não é de estranhar que sociólogos, psicólogas, administradores escolares, professores, costumem abordar questões da educação apenas sob o prisma de sua formação acadêmica ou de suas experiências em instituições especificas. Os problemas surgem quando estes especialistas pretendem generalizar conclusões de estudos ou suas opiniões para todas as instâncias da prática educativa. O tema, portanto. põe questões delicadas precisamente porque o ensino é um campo de interesse comum a vários campos do conhecimento. Não há como desconhecer a pluridimensionalidade do fenômeno ensino. Mas nós, da Didática dizemos: é precisamente em razão dessa pluridimensionalidade que se torna necessário postular o enfoque propriamente didático dos fenômenos educativos para, partindo dai, buscar a contribuição de outros campos científicos. Caso contrário, os enfoques parciais levariam a apreender um aspecto da totalidade do fenômeno ensino, configurando reducionismos. Mas essa afirmação, com certeza, soará estranha aos ouvidos dos especialistas de outras áreas que dirão, por sua vez, que nós é que reivindicamos exclusividade no tratamento das questões de ensino. E não têm faltado posições contrárias e mesmo desqualificadoras da Didática como teoria geral do ensino. Chega a incomodar a insistência com que alguns filósofos, sociólogos e

(∗) Texto publicado nos Anais do VII ENDIPE – Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino, Goiânia, 1994, pp.65-78.

psicólogos da educação provocam os pedagogos, perguntando para que serve a Pedagogia ou a Didática ou qual a especificidade dessas disciplinas.

Como lidar com essas questões? Haverá soluções para esses impasses no diálogo entre as ciências da educação? Mais especificamente, é legitimo postular uma especificidade científica à Didática sem perder de vista a necessária integração e interação de conhecimentos? Será possível uma convergência dos especialistas das varias ciências da educação — sociólogos, psicólogos. lingüistas e outros - em torno de problemáticas especificas do ensino, da docência, da sala de aula. sem disputar exclusividade? Qual é a relevância e a utilidade da Didática na formação de professores? Em que a Didática se distingue da Psicologia da Educação, das Metodologias de Ensino, das Práticas de Ensino e, ao mesmo tempo, como pode ocorrer uma integração entre essas e outras áreas de conhecimento?

Estas são as questões que pretendo tratar em seguida, problematizando o tema da exposição.


Qual é o campo do didático, qual é o objeto de estudo e o conteúdo próprio da Didática? As respostas a esta pergunta têm sido dadas em varias publicações, sendo um assunto bastante trabalhado na produção científica da área, Vou apenas fazer uma síntese da minha posição, para tentar em seguida buscar as áreas fronteiriças entre a Didática e outros campos de conhecimento.

Começo trazendo algumas definições de Didática colhidas em publicações de autores estrangeiros nas últimas décadas.

Vicente Benedito, espanhol (1987): A didática é — está a caminho de ser - uma ciência e tecnologia que se constrói a partir da teoria e da prática, em ambientes organizados de relação e comunicação intencional, nos quais se desenvolvem processos de ensino e aprendizagem para a formação do aluno. Contreras Domingo, espanhol (990): A Didática é a disciplina que explica os processos de ensino-aprendizagem para propor sua realização conseqüente com as finalidades educativas. Renzo Titone, italiano (1974): Didática é a ciência que tem por objeto especifico e formal a direção do processo de ensinar, tendo em vista fins imediatos e remotos de eficiência instrutiva e formativa. Karl Stocker, alemão (1964): Compreendemos por doutrina geral do ensino, estruturação didática ou didática, a teoria da instrução e do ensino escolar de toda natureza em todos os níveis. (...) trata das questões gerais de todo ensino, comuns a todas as matérias e procura expor os princípios e postulados que se apresentam em todas as disciplinas. (...) O processo didático (...) tem seu centro no encontro formativo do aluno com a matéria de ensino. Klingberg, alemão (1978): A Didática é uma disciplina e cientifica da Pedagogia que se refere às relações regulares entre o ato de ensinar e a aprendizagem. Danilov, russo (1978): A didática estuda o processo de ensino, em cujo desenvolvimento ocorre a assimilação dos conhecimentos sistematizados, o domínio dos procedimentos para aplicar tais conhecimentos na prática, e o desenvolvimento das forças cognoscitivas do educando. Estou trazendo estas definições, primeiro, para trazer um suporte da literatura internacional para avalizar minhas próprias posições; segundo, para mostrar que a

modos de assegurar o processo de conhecimento pelo aluno, sob a condução pedagógica do professor. Por outras palavras, o ensino é um processo pelo qual o aluno pode desenvolver suas forças e capacidades mentais para construir, reconstruir, elaborar, reelaborar conhecimentos e modos de ação.

Em resumo, o campo do didático é o ensino, isto é, investigar os nexos entre ensino e aprendizagem para propor princípios, formas, diretrizes que são comuns e fundamentais ao ensino de todas as matérias.


Com que categorias lida a Didática? Quais são os elementos constitutivos do ato didático? A análise do ato didático destaca uma relação dinâmica entre três elementos - professor, aluno, matéria - a partir dos quais podemos fazer aquelas clássicas perguntas Para que ensinar? O que ensinar? Quem ensina? Para quem se ensina? Como ensinar? Sob que condições se ensina?

Estas perguntas definem os elementos constitutivos ou categorias da Didática e formam, de fato, o seu conteúdo. Obviamente, o significado de cada um desses elementos e a relação que se faz entre eles dependem, fundamentalmente, de uma concepção filosófica, de uma abordagem epistemológica. Não vou deter-me nessa questão. Quero apenas destacar que é a partir dos elementos constitutivos do ato didático que vamos encontrar a contribuição de outros campos científicos.

Vejamos isso rapidamente. Os objetivos, gerais ou específicos, requerem conhecimentos de Filosofia da Educação, Teoria da Educação, Teoria do Conhecimento, Antropologia. A Didática traduz objetivos sociais e políticos da educação em objetivos de ensino. Ela expressa a dimensão de intencionalidade da ação docente.

A seleção e organização dos conteúdos implicam, ao menos: os conteúdos e métodos de investigação da ciência ensinada (estrutura lógica da matéria); adequação às idades, ao nível de desenvolvimento mental dos alunos, aos processos internos de assimilação; processos de desenvolvimento da linguagem; significados sociais dos conhecimentos.

Nas categorias professor e aluno entram muitas áreas fronteiriças: a Filosofia, a Psicologia, a Sociologia, a Lingüística, a Teoria da Comunicação e as áreas compostas como a Psicopedagogia, a Sociolingüistica, etc. A relação professor-aluno, voltada basicamente à formação intelectual, implica aspectos gnosiológicos, psíquicos e socioculturais. Se considerarmos não apenas o professor, mas outros educadores, veremos que entram outras áreas de conhecimento ligadas ao ambiente em que ocorre o processo de ensino, tais como a teoria da organização escolar, a administração escolar, os meios de comunicação, a propaganda etc. O processo de ensino envolve uma relação social, professor e alunos pertencem a grupos sociais, a escola e a sala de aula são grupos sociais envolvendo uma dinâmica de relações internas.

Os métodos, como se sabe, mantêm estreita relação com objetivos e conteúdos, com o sujeito que aprende. implicando a Teoria do Conhecimento, a Psicologia, a Lingüistica, a Teoria da Comunicação etc.

Esta breve referência aos conhecimentos de outras áreas que intervém na compreensão do fenômeno ensino mostra que a Didática é uma disciplina de integração, articulando numa (corja geral de ensino as virias ciências da educação e compondo-se com as metodologias específicas das disciplinas curriculares. Combina- se o que é geral. elementar, básico para o ensino de todas as matérias com o que é específico das distintas metodologias A Didática é assim, uma disciplina de intersecção, uma disciplina-síntese, tal como escreve Penin (1988):No âmbito dos cursos de licenciatura, entendo a didática como sendo uma área de intersecção e

ponto de imbricação com as diversas disciplinas que compõem tais cursos. (...) A didática se reveste de um caráter de disciplina-síntese no curso de licenciatura pois deve provocar reflexão de conjunto sobre conceitos que introduz e conceitos tratados em outras disciplinas. A tarefa do professor de Didática é, portanto, facilitar para o aluno a articulação dos conhecimentos que possui e que dizem respeito ao ensino, possibilitando-lhe explicitar sua síntese, através de uma proposta educacional que considere o caráter politico-ideológico das decisões de ensino de uma dada disciplina.

Tomar a Didática como disciplina de integração ou disciplina-síntese, implica reconhecer que ela tem dois campos conexos e integrados de saber, o ensino e o ensino de determinada matéria, Isso significa que para ensinar uma matéria não basta dominar os conteúdos ou ter domínio da prática de ensino dessa matéria. Para que um professor transforme as bases da ciência e que é especialista, em matéria de ensino, e com isso oriente o ensino dessa matéria para a formação da personalidade do aluno é preciso que ele tenha: a) formação na matéria que leciona; b) formação pedagógico- didática na qual se ligam os princípios gerais que regem as relações entre o ensino e a aprendizagem com problemas específicos do ensino de determinada matéria.

Por exemplo, um professor de história ocupa-se do ensino da ciência histórica, do método de investigação da história; quer ajudar seus alunos a desenvolverem capacidades de pensar historicamente, que compreendam a história como processo etc. Entretanto, a tarefa de ensinar requer do professor conhecimentos e práticas que vão mais além do fato de ele ser um especialista em história. Quais são esses conhecimentos e práticas? Vou mencionar alguns:

  • introduz objetivos explícitos ou implícitos, de cunho ético, ideológico, filosófico, político, que dão determinada direção ao trabalho docente;
  • transforma o saber científico em conteúdos formativos, isto é, em função de propósitos educativos;
  • seleciona e organiza conteúdos. mediante critérios lógicos, ideológicos e psicológicos, estabelecendo uma determinada seqüência conforme idade, nível de desenvolvimento mental, experiência sociocultural dos alunos;
  • utiliza métodos e procedimentos de ensino que não são dados naturalmente apenas pelos métodos de investigação da matéria ensinada;
  • trabalha numa determinada estrutura organizacional em que participa como membro de um grupo social. compartilha de valores, opiniões, crenças e práticas de interação e convivência.
  • estabelece determinadas formas de interação social com alunos, com implicação de elementos afetivos. Quero mostrar que essas características da docência não são inerentes ao conteúdo de uma matéria. Elas devem ser buscadas fora do âmbito da ciência ensinada. Em outras palavras, para ensinar história não basta saber história, é preciso a didática e a metodologia especifica do ensino de História para compreender o ensino na sua totalidade. Muitos dos conceitos que integram o c corpo teórico da Didática são objeto de estudo de disciplinas como Teoria do Conhecimento, Psicologia, Sociologia, Filosofia, Lingüistica, Estrutura e Funcionamento do Ensino, Teoria da Organização Escolar etc., Seria desejável que o conteúdo tratado nessas disciplinas estivesse voltado de fato para a formação do professor, de modo a fornecer os conhecimentos a serem integrados na Didática. Sabemos que isso não acontece. Daí meu entendimento a Didática não pode deixar de ser uma disciplina-síntese, uma disciplina de integração, planejada de modo criativo, cujo conteúdo seja a descrição, explicação do processo de ensino e proposição de princípios de ação didática comuns a todas as matérias.

especialistas da Psicologia e da Lingüistica e, mais raramente, da Sociologia da Educação.

  1. Finalmente, há o grupo que reconhece a especificidade teórica da Didática sem desconhecer seu caráter multi e interdisciplinar. Há nesse grupo uma variedade de formulações em torno do que seria seu campo próprio de investigação. Alguns autores vêm tratando desse assunto, especialmente Oliveira (1992). Quais seriam os equívocos desses posicionamentos, obviamente do ponto de vista de um especialista em Didática?

Nada tenho a dizer sobre as afirmações de senso comum sobre a Didática - métodos e técnicas de transmissão da matéria - embora seja uma idéia muito difundida entre professores de todos os graus de ensino. Muitos críticos da área da filosofia, sociologia cometem a falha de olhar a didática com um olhar de senso comum.

Em relação às outras posições, convém começar por dizer que estamos assistindo na campo da educação a duas tendências paradoxais. De um lado, a diferenciação das ciências humanas tem trazido maior especialização nos campos de conhecimento, corno é o caso da Psicologia, Sociologia, Lingüística. Teoria do Conhecimento. Teoria da Comunicação, todas com forte influência na educação. Por outro lado tem crescido o movimento pela interdisciplinaridade, buscando a superação da especialização excessiva. A impressão. no entanto, é que essas áreas do conhecimento, com notáveis exceções, mantém uma disputa pela hegemonia no campo do ensino. Desconhecendo ou negando o campo teórico da Didática, tendem a urna postura exclusivista como se seu campo de conhecimento, incluindo seu próprio sistema conceitual e metodologia de investigação, fosse capaz de resolver todos os problemas didáticos. Esse posicionamento abre espaço a toda sorte de reducionismos. Por exemplo, a teoria psicológica do construtivismo substituiria qualquer didática, as teorias psicolingüísticas teriam o suporte necessário para orientar práticas de ensino, a Sociologia do currículo cobriria qualquer busca de especificidade do didático. E claro que não se está postulando o exclusivismo da Didática para lidar com os problemas do ensino, nem de retirar sua dimensão pluridisciplinar e nem de minimizar a importância da problemática epistemológica que a envolve. O problema está em pulverizar o ensino como objeto de estudo aglutinador das investigações de cunho psicológico, lingüístico. sociológico etc.

Vou considerar algumas dificuldades na busca de um diálogo interdisciplinar entre a Didática e outros campos científicos.

1.Há um segmento de sociólogos da educação que não tem se acertado com a Didática. Uma característica forte desse segmento tem sido a de influenciar o professorado a optar pelo primado da análise sócio-politica da escola e da sala de aula, minimizando os aspectos didáticos e metodológicos. Dizem que as questões da escola não são técnicas, mas políticas. Trata-se, obviamente, de uma tendência à sociologização do pensamento pedagógico, em muitos casos responsável por boa parte dos slogans usados pelo professorado. Atualmente alguns intelectuais continuam a fustigar a Pedagogia, a Didática, o trabalho cotidiano das escolas, por conta ora de uma propalada insuficiência epistemológica dessas áreas ora de serem disciplinas e práticas retrógradas frente à pós-modernidade. Adeptos do discurso pós- moderno criticam os pedagogos porque o que estes investigam e o que fazem nas escolas não resiste às exigências da pós-modernidade. Eis que encontramo-nos frente a outro discurso imobilizante do trabalho escolar, como foi o discurso reprodutivista. Não é que não se deva dar importância ao pensamento pós-moderno para uma pedagogia critica, ou às análises macroestruturais da Sociologia da Educação. O problema é que mais uma vez essas análises jogam a atividade docente ao descrédito por conta de menosprezar o discurso pedagógico; de dizer que a escola convencional

está superada, que o professorado é incapaz de se inserir na contemporaneidade. que o dar aula” é coisa retrógrada diante da mídia eletrônica etc. Esse segmento de intelectuais, ao desqualificar o trabalho docente na escola, contribuem para acentuar o desprestígio social da profissão de professor e. mi fim, a desqualificação acadêmica de tudo que diga respeito á pedagogia e à didática. Com isso. travam uma estranha associação com setores políticos e econômicos da sociedade que inviabilizam uma escola pública de qualidade para o povo.

Outra questão preocupante para a educação diz respeito a uma exacerbação do relativismo ético e do ceticismo pedagógico no pensamento pós-modernista. Obviamente o pensamento pós-moderno é anti-pedagogia, ao menos dentro do sentido de pedagogia que já explicitei aqui. Mas nós, pedagogos, temos um compromisso com a prática muito mais direto que ode outros intelectuais envolvidos com a temática educacional. Esse compromisso com a prática — com a escola, alunos, pais - envolve necessariamente intencionalidade, valorações. A recusa da Pedagogia significa a recusa de opções ético-valorativas, a renúncia á postulação de objetivos e metas mais específicos para o trabalho em sala de aula. A insistência do pós-modernismo no relativismo ético, na descrença na ação política. na morte das utopias, na crítica da razão, no esvaziamento dos ideais etc., traz uma problema crucial ao educador que é a adoção de um ceticismo pedagógico e o enfraquecimento de sua responsabilidade moral, o que compromete qualquer sentido educativo da prática docente.

  1. Algumas orientações teóricas da Psicologia da Educação também atravessam as pretensões de especificidade teórica da Didática. A Psicologia há muito luta pela hegemonia científica no campo do ensino. Mais recentemente, com a onda do construtivismo, passou-se a dar peso às teorias do conhecimento para a compreensão do processo de aprendizagem (que alguns chamam, a meu ver equivocadamente, de epistemologia). Devo insistir que essas duas áreas de conhecimento São centrais na análise da problemática do ensino, posso dizer mesmo que são as mais centrais. A Psicologia tem uma afinidade direta Com a Didática e uma teoria do conhecimento é a base pata a compreensão cientifica do processo de ensino. Como escreve Klingberg:

O ensino em seu núcleo é um processo de conhecimento (...) O caráter científico do ensino significa principalmente a condição do processo de ensino sobre a base do conhecimento das leis do processo do conhecimento”( p. 142). O reparo que faço é sobre o reducionismo ou, ao menos, a uma visão excessivamente parcializante por parte de um segmento de psicólogos de variada orientação teórica. principalmente por conta da pouca relevância que dão ás ações de ensino no processo de aprendizagem. Entre os construtivistas mais ortodoxos, por exemplo, há um entendimento de que é impossível uma pedagogia de base piagetiana (Lajonquière, 1992). assim como há outros mais abertos que admitem urna relação possível entre a aprendizagem construtiva da teoria psicogenética e o ensino (Castorina, 1994). Evidentemente, estamos frente a distintas concepções sobre a relação ensino-aprendizagem e não cabe simplesmente afastá-las em nome de outras. Mas não posso deixar de apontar em algumas orientações: da Psicologia da Educação uma postura anti-pedagogia e anti-didática e urna reincidência do psicologismo no ensino. De fato, é comum ouvirmos afirmações assim: “o professor não ensina, o aluno é que constrói seu conhecimento”; “a verdadeira escola é a prática de vida da criança, não o saber sistematizado”; “a criança tem que lidar com coisas concretas, não com teorias...” O professorado pode estar encontrando nas práticas de ensino supostamente “construtivistas” ótimas justificativas para se livrar do peso de seu despreparo teórico e profissional. Mesmo admitindo a seriedade dos intelectuais que sugerem essas práticas, é preciso saber como os professores as recebem. Podem estar levando a um comportamento de recusa do saber teórico. de não intervenção do

  1. A Didática está impregnada de multidisciplinaridade e de interdisciplinaridade. Ela se enriquecerá mais quanto mais der conta de postular o que lhe é específico e, a partir daí, explorar as fronteiras e zonas intermediárias do conhecimento cientifico. A especificidade e a integração são dois movimentos que se articulam. Quanto mais se busca a especificidade mais se destacam os limites de uma disciplina, forçando a interdisciplinaridade e a integração. Quanto mais integração, mais necessidade de estruturação de cada campo de conhecimento. Quero dizer com isso que a estruturação do conteúdo próprio da Didática é um passo prévio para a interdisciplinaridade e não uma limitação.
  2. Quero deixar um recado aos pedagogos, docentes e não docentes. Para conquistarmos maior reconhecimento social e acadêmico, precisamos ser mais rigorosos e competentes como pesquisadores e profissionais. A falta de tradição cientifica da Pedagogia no Brasil é em parte responsável por esse tipo de discussão que estou trazendo. A fragilidade teórica do campo da Pedagogia leva a que seu discurso seja invadido ou substituído pelo das demais ciências humanas que disputam a primazia no estudo de problemas educativos. Há fracasso escolar? É que a escola não fala a linguagem das crianças As crianças pobres enfrentam dificuldades de aprendizagem? É que os professores não levam em conta as relações de poder existentes na sala de aula, é um problema sociológico. Ou, é porque a escola não respeita os sistemas de cognição próprios de cada idade, e uma questão psicológica. A escola perdeu a qualidade? A solução é introduzir novas metodologias, vídeos, computadores, que vão tornar as aulas mais sugestivas. O que os pedagogos têm a dizer sobre esses reducionismos? Estamos cientificamente capacitados a postular à Pedagogia seu papel de integrar conhecimentos das demais áreas em função de uma aproximação global e intencional da problemática educativa? Penso que sem o reconhecimento de um campo próprio de investigação da Pedagogia e sem a competência para nos apropriarmos das contribuições das demais disciplinas, fica difícil sustentar, também, a especificidade teórica da Didática. Dentro desse ponte de vista, a pluridimensionalidade no tratamento dos problemas educacionais não elimina a unicidade do campo do conhecimento pedagógico. É esta unicidade que permite, no dizer do pedagogo espanhol Jaime Sarramona, “estabelecer (para a Pedagogia) um corpo cientifico que tem o fenômeno educativo em seu conjunto como objeto de estudo, com a finalidade expressa de dar coerência á multiplicidade de ações parcializadas” (1985:56). A afirmação vale para a Didática. E nesse mesmo sentido que considero a Didática unia disciplina de integração das diferentes contribuições que as ciências da educação fornecem, a partir de seu próprio objeto específico de estudo.

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