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Este artigo analisa a influência da obra de milton santos na geografia da saúde no brasil, explorando como seus conceitos de espaço e território contribuem para a compreensão do processo saúde-doença. O texto destaca a importância da categoria território para a investigação e gestão em saúde pública, além de discutir a renovação do pensamento geográfico e a influência de santos na epidemiologia brasileira.
Tipologia: Esquemas
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Rivaldo Mauro de FARIA^1 Arlêude BORTOLOZZI^2 1 Mestre e Doutorando em Geografia pelo Instituto de Geociências da Unicamp. 2 Dra em Educação. Pesquisadora do Nepam/Unicamp (Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais). Docente da Pós-Graduação em Geografia do Instituto de Geociências da Unicamp. Resumo O presente artigo tem como objetivo discutir a importância dos conceitos de espaço e território em Milton Santos nos estudos sobre Geografia da Saúde no Brasil. Estes conceitos foram incorporados pela ciência epidemiológica a fim de buscar instrumentos teórico-metodológicos que lhe permitissem en- tender o processo saúde-doença como manifestação social. É vasta a literatura que trata das questões espaciais/territo- riais em saúde e Milton Santos pode ser considerado um dos grandes influenciadores desse movimento. O texto introduz essa reflexão e, ao mesmo tempo, destaca a importância da categoria território, tratada na obra desse mesmo autor, para a prática da investigação e gestão em saúde pública. Palavras-chaves: Geografia da Saúde; espaço; território; Milton Santos; processo saúde-doença. AbstRAct The present article intends mostly to discuss the importance of Milton Santos’s concepts of space and territory, related in Health Geography in Brazil. These concepts have been incorporated by epidemiologic science in order to search theoretical and methodological instruments, which could help to understand health-illness process as a social manifestation. The literature field that discusses spatial and territory in health, and Milton Santos can be considered one of the greatest leaders of that movement. This paper introduces this reflection and, at the same time, detaches the importance of territory concept for inquiry practicality and public health management. Keywords: Geography of Health; Space; Territory; Milton Santos; Illness-health process.
obseRvAções intRodutóRiAs As maiores preocupações da ciência no limiar do século XXI estão relacionadas com as condições da existência humana. O discurso dos problemas ambien- tais de proporções internacionais ganhou consistência e recentemente alarmou a sociedade mundial sobre a possibilidade de um aquecimento global irreversível. A globalização da natureza é acompanhada pela glo- balização dos problemas ambientais (GONÇALVES, 2006). Ainda que as consequências desse processo sejam distribuídas desigualmente nas diversas regiões do mundo, essas questões começam a preocupar os países desenvolvidos, já que a natureza não reconhece as fronteiras territoriais. Ao lado da globalização da natureza e, em parte, a globalização dos problemas ambientais, que começam a tomar lugar na pauta das reuniões políticas internacionais, há também a globalização da saúde. Na configuração de um mundo em rede (CASTELLS, 2002), uma das características principais do mundo globalizado, tornou possível os fluxos de vírus e bacté- rias, que podem se alastrar rapidamente nas diversas regiões do globo e produzir grandes epidemias. Nesse contexto, a Geografia se apresenta, de um lado, como a ciência do estudo das relações entre a sociedade e a natureza, e, portanto, se vê fortalecida e desempenha um papel fundamental nas análises ambientais nas di- versas escalas, e de outro, como a ciência do estudo do espaço e, nesse caso, irá ao encontro das necessidades enfrentadas pela Epidemiologia. A aproximação entre essas duas ciências é his- tórica, em especial na vertente denominada Geografia Médica, considerada, por alguns, como em Rodenwalt ( apud PESSOA, 1978), um ramo da Epidemiologia, e em outros, como em Sorre (1951), um ramo da Geo- grafia. No decorrer dessa história, a Epidemiologia foi incorporando gradativamente o conceito de espaço trabalhado na Geografia e fez dessa categoria uma importante ferramenta para a análise da manifestação coletiva da enfermidade (CZERESNIA; RIBEIRO, 2000). Uma leitura dos manuais de Epidemiologia como o que foi desenvolvido por Medronho et al (2005) pode mostrar capítulos inteiros dedicados ao ensino das técnicas de análises espaciais, as quais são trabalhadas pela Ge- ografia. Entre essas técnicas, destaca-se a utilização das ferramentas do SIG (Sistema de Informação Geo- gráfica), pela sua capacidade de agrupar uma grande quantidade de dados e sua respectiva localização. As mudanças impostas pela “nova” sociedade que se desenvolve a partir da década de 1970 vêm fortalecer a categoria espaço e território nas pesquisas em saúde pública. Por um lado, as mudanças no perfil de morbimortalidade da população, caracterizada pela redução das doenças infecciosas e o aumento das do- enças crônico-degenerativas, e, por outro, a emergência de novas enfermidades, como a Aids, são responsáveis pela crise que se instaura na ciência epidemiológica no sentido de buscar formas mais eficientes de entender a doença como manifestação coletiva. É nesse contexto que os trabalhados desenvol- vidos por Harvey (1980; 2006), Lefebvre (2001; 2002), Soja (1993), Santos (1978; 1988; 1997; 2004), entre outros, serão norteadores de uma nova concepção de espaço, assim como o revigoramento dessa categoria na pesquisa social crítica. Os debates produzidos pela chamada “Geografia Crítica” serão inseridos na vertente denominada “Epidemiologia Social Crítica”, a fim de superar os aportes herdados da clínica e incorporar conceitos das ciências sociais. O presente artigo pretende introduzir essa refle- xão a partir do estudo da influência da obra de Milton Santos no debate sobre saúde no Brasil. Esse que se dedicou incansavelmente aos temas da Geografia, em especial aos conceitos de espaço e território, (SANTOS, 2003a), fez-se notar em diferentes ramos do saber, ainda que, muitas vezes, não estivesse diretamente presente. O texto procura destacar a influência desse autor nos estudos sobre espaço e saúde no Brasil (primeira parte) e, ao mesmo tempo, discute a importância da categoria território, proposta na obra desse mesmo autor, para a prática da investigação e gestão em saúde pública (se- gunda e terceira partes). O tema deve contribuir para o importante debate que vem sendo produzido por um número cada vez maior de pesquisadores preocupados com a Geografia da Saúde no país.
O espaço geográfico apresenta-se para a epidemio- logia como uma perspectiva singular para melhor apreender os processos interativos que permeiam a ocorrência da saúde e da doença na coletividade Essa preocupação em entender o fenômeno bio- lógico como processo social, espacial e temporalmente determinado orientou diversos pesquisadores como Silva (1985a; 1985b; 1997), Barreto e Carmo (1994), Barreto (2000), Sabroza e Leal (1992), Sabroza e Kawa (2002), Barcellos e Bastos (1995; 1996), Barcellos e Pereira (2006), Barcellos (2000), Monken e Barcellos (2005), Najar e Marques (1998), Ferreira (1991), Cos- ta e Teixeira (1999), Rojas (1998), Rojas e Barcellos (2003), Czeresnia e Ribeiro (2000), Guimarães (2001;
para cada lugar, permite entender as mudanças tempo- rais do espaço, os fluxos e as diferentes velocidades. A categoria espaço em Milton Santos permitiu à Epidemiologia mudar o foco usual de análise centrada na doença para a análise das condições de ocorrência das mesmas (SILVA, 1997). Ao fazer isso passou a entender os mecanismos relacionais que explicam a distribuição e o desenvolvimento da enfermidade. O estudo da distribuição da esquistossomose no municí- pio de São Paulo, realizado por Luís Jacinto da Silva (SILVA, 1985b), é um exemplo de trabalho formulado nessa linha. O autor conseguiu mostrar que a explicação principal para a disseminação dessa doença no muni- cípio de São Paulo não é o fluxo migratório Nordeste- Sudeste, como até então se imaginava. Ao analisar as condições espaciais da produção da esquistossomose pôde-se notar que foi a evolução urbana e os moldes em que se deu essa evolução o fator mais relevante na produção dessa doença neste município. Isso porque, explica o autor, não fosse a expansão urbana para áreas de vale, a doença não teria encontrado as condições ecológicas propícias para sua transmissão. Luis Jacinto da Silva é considerado um dos pio- neiros da inserção do conceito de espaço geográfico nos estudos epidemiológicos. Fez isso não só no estudo da esquistossomose, como também na investigação da dis- seminação e distribuição espacial da doença de chagas no Estado de São Paulo (1985a). Outras experiências, como as que foram desenvolvidas por Barreto (1994), também podem ser mencionadas como modelos de tra- balhos desenvolvidos nessa mesma linha. Ao investigar a distribuição espacial da esquistossomose do Estado da Bahia, o autor conseguiu integrar os conceitos de espaço geográfico e, assim, pôde entender o compor- tamento epidemiológico dessa enfermidade. Tarefa quase impossível em um artigo destacar a grande quantidade de trabalhos formulados na linha de estudo proposta por Milton Santos. Essa influência compreende não só os geógrafos dedicados ao tema da saúde, como também, os médicos, epidemiologistas e sanitaristas. Aliás, grande parte dos autores citados até aqui não são geógrafos. Merece destacar a importância que os eventos ligados à Geografia da saúde no Brasil têm representado para esse debate, em especial, o Seminário Nacional de Geografia da Saúde cuja terceira edição foi realizada em Curitiba no ano de 2007. A influência de Milton Santos na área da saúde pode ser evidenciada na participação desse geógrafo em um dos eventos do Centenário da Fundação Oswal- do Cruz em 2000, uma das poucas participações do autor em eventos sobre saúde pública. Com o tema “Saúde e Ambiente no Processo de Desenvolvimento”, Santos fez uma crítica ao determinismo que ainda acompanha as pesquisas sobre ambiente e saúde, ao mesmo tempo em que destacou o desvirtuamento da teoria e da prática científica. Um saber e uma prática bem descolados de preocupa- ções humanísticas são a principal marca do domínio da técnica sobre a ciência que estamos assistindo: é a técnica que está ditando as escolhas possíveis dos remédios (SANTOS, 2003b, p. 312). Ao destacar a supervalorização da técnica, San- tos mostra o papel avassalador que o mercado desem- penha no setor saúde nos dias atuais. Essa influência mercadológica acabou determinando uma produção pragmática cujas formulações começam no resultado e não nas causas e, por isso, não atinge a maior parte da população (espacialmente segmentada) que não tem acesso à saúde. A conferência proferida por Santos trata de expor a importância do pensamento livre, da produção intelectual que se preocupe com as questões humanitárias, ao mesmo tempo em que faz uma crítica à privatização do saber e da universidade, acompanhada também pela privatização da cidade. Vai dizer o autor que a ciência se viu suplantada pela técnica num mo- mento em que “a globalização veio sem que viesse junto um mundo só” (SANTOS, 2003b, p. 313). Por isso mes- mo, a questão se afirma para além da técnica, trata-se de uma questão de economia política e de distribuição do poder e da riqueza (SANTOS, 2003b). Essa talvez seja a grande contribuição de Milton Santos à saúde pública brasileira e que acabou motivan- do uma grande quantidade de pesquisadores a utiliza- rem os referenciais teóricos desse autor nas pesquisas sobre disseminação de doenças nas coletividades. Ao entender o espaço no contexto do desenvolvimento técnico-científico-informacional o setor saúde passa a entender a doença não apenas como o resultado da presença de vírus e bactérias (análise unicausal), mas, como resultado de uma dinâmica social complexa. Em- bora tenha referido ser “[...] apenas um observador das questões médicas [...]” (SANTOS, 2003b, p. 312) a sua contribuição à saúde foi e tem afirmado ser extrema- mente profícua e cada vez mais necessária. Ao destacar o papel da economia política e das relações sociais de poder na produção do espaço, San- tos (1998b) aponta a importância da categoria território nas análises geográficas. Entendido como uma catego- ria de análise social, o território se apresenta como o recorte ou fração do espaço qualificado por seu sujeito. “A categoria analítica é o território usado pelos homens, tal qual ele é, isto é, o espaço vivido pelo homem [...]” (SANTOS, 2003b, p. 311). Tendo em vista a importância
principais autores que discutem o tema no Brasil. De acordo com esse autor, os estudos territoriais ganharam destaque na Geografia a partir da década de 1970 com o movimento de renovação crítica dessa ciência e a busca de novos modelos de análise espacial. O estudo desses trabalhos permitiu a Saquet (2007) identificar quatro tendências ou perspectivas de abordagem do território: a) uma eminentemente econômica. Sob o materialismo histórico dialético, na qual se entende o território a partir das relações de produção e das forças produtivas; b) outra, pautada na dimensão geopolítica do território; c) a terceira, dando ênfase às dinâmicas política e cultural, simbólica-idenditária, tratando de representa- ções sociais centrada na fenomenologia e, d) a última, que ganha força a partir dos anos de 1990, voltada às discussões sobre a sustentabilidade ambiental e ao desenvolvimento local, tentando articular, ao mesmo tempo, conhecimentos e experiências de maneira interdisciplinar (SAQUET, 2007, p. 15). No Brasil, destaca-se a influência de três autores ou correntes de análise territorial. A primeira foi produ- zida a partir da vasta obra de Milton Santos, seguida, alguns anos mais tarde, pelas contribuições dadas pelos pesquisadores Rogério Haesbaert e Marcos Saquet. Milton Santos elabora uma argumentação de caráter eminentemente epistemológica, pautada em processos sociais e reconhecendo a natureza como um elemento do território; R. Haesbaert faz uma discussão teórica e ontológica centrada na reterritorialização a partir de fatores políticos e culturais, incorporando mais recentemente uma preocupação mais sistemática com a natureza e, M. Saquet, efetiva uma discussão teórico-metodológica, destacando a produção do ter- ritório sob as forças econômicas, políticas e culturais [...] (SAQUET, 2007, p. 122). Cada uma das abordagens acima pode ser transposta para uma investigação em saúde, assim como foi feito em obras de Monken e Barcellos (2005), Barcellos e Pereira (2006), Rigotto e Augusto (2007), entre outros. Uma vez que os objetivos da pesquisa fo- ram previamente determinados deve-se fazer a escolha da abordagem territorial que melhor comunique esses mesmos objetivos. A segunda questão que foi levantada inicialmente diz respeito à viabilidade prática da categoria território nas investigações e no planejamento em saúde. Isso porque, não é possível pensar que o território seja a solução para todos os males da saúde pública. Fosse assim, a atividade imunológica e o laboratório seriam desnecessários. No entanto, o território pode contribuir tanto para a ação desses meios (vacinação, análise laboratorial, investigação etiológica, etc.) na medida em que revela as áreas carentes, quanto é importante para diminuir a utilização dos mesmos. É nesse sentido que essa categoria torna-se essencial para adequar, da melhor forma possível, as ações em saúde primária. Ou seja, o objetivo é otimizar as ações de caráter preven- tivo e ao mesmo tempo evitar a sobrecarga das ações de caráter corretivo, que quase sempre são resolvidas nos hospitais. Nesse sentido o território torna-se uma ferramenta, não a única, e deve ser utilizada sempre que a investigação/ação envolver grupos sociais. teRRitóRio uRbAno, cidAdAniA e sAúde PúblicA As novas abordagens do conceito de território que vêm sendo trabalhados nas últimas décadas, em especial na obra de Milton Santos, têm como caracte- rística principal o rompimento com a tradicional visão política dessa categoria. Até recentemente o território era definido como a área de atuação do Estado e, por isso, suas divisões compreendiam apenas as instâncias do poder público federal, estadual e municipal. Ao entender o território enquanto apropriação social (política, econômica e cultural) um salto qualita- tivo foi dado, tanto no que se refere às escalas quanto às funções que cada recorte territorial admite. É nessa perspectiva que essa categoria ganha dinamicidade, alterando-se a partir do jogo conflituoso (de poder) próprio das relações sociais. O entendimento do terri- tório como algo móvel e transitório foi um dos motivos que levaram diferentes pesquisadores como Haesbaert (2004) a defender o aparecimento e desaparecimento dos territórios, assunto que não será tratado nesse texto. Uma vez que o território é determinado pelas diferentes funções espaciais ou pelos diferentes usos espaciais, não é possível entendê-lo ignorando as re- lações políticas e econômicas que se estabelecem no modelo capitalista de produção (SANTOS, 1998b). Ao entender essas relações, que se desdobram em diferen- tes funções-usos espaciais, torna-se possível delimitar territorialmente um espaço para a implementação de ações práticas de saúde. A abordagem do território nessa perspectiva permite estabelecer as relações entre os territórios em diferentes escalas. Assim, é possível transitar entre as escalas territoriais locais (acesso aos serviços, qualidade de vida, moradia, etc.) e sua relação com os mecanismos territoriais globais (políticas públicas,
infraestrutura, economia, etc.) e, a partir daí, estabele- cer a relação com os processos sociais como saúde, educação, renda, etc. Essa relação dialética confere especificidade para cada nicho territorial, onde a relação espaço e processo saúde-doença podem ser entendidos. Tal observação parece se aproximar muito das proposições de Laurell (1983) sobre o perfil patológico da coletividade, que se manifesta diferente em cada grupo e pode ser interpre- tada em seu comportamento biológico-coletivo. O perfil patológico do grupo pode também ser entendido como uma manifestação do território, onde se circunscreve determinado comportamento. No entanto, para a saúde pública essa reflexão atravessa certa obscuridade, uma vez que ainda são poucos os trabalhos que têm utilizado a categoria território como possibilidade de ações adequadas em saúde, sobretudo relacionadas ao planejamento. Nos postos de saúde, pode-se deparar, frequentemente, com mapas figurativos da sua área de atuação, que pouco ou quase nada representam para a efetiva tomada de decisões. A atividade cartográfica têm se apresentado como uma das mais importantes ferramentas para a análise em saúde pública, como foi destacado no traba- lho de Barcellos e Bastos (1996), porém, a investigação não pode se prender na utilização da ferramenta em si (FERREIRA, 2003). A eficácia dos programas de saúde pública de- pende, visivelmente, de uma boa gestão territorial. Tal gestão, de acordo com Santos (1998b), deve garantir o acesso aos bens e serviços básicos para uma boa qualidade de vida. A gestão do território supõe ações integradas que contemplem a educação, saúde, mora- dia, saneamento básico, transporte, etc. Por isso, a exi- gência de um trabalho interdisciplinar que não se limita à visão dicotômica que muitas vezes se tem produzido em saúde no Brasil. A busca por uma nova abordagem territorial em saúde, que contemple múltiplos olhares, apresenta-se ainda mais necessária em escala urbana, onde tudo se torna mais complexo. Obviamente as relações sociais mais intensas, os conflitos, os fluxos e os usos diferen- ciados produzem territórios e territorialidades as mais variadas. Nesses territórios urbanos diferenciados, o processo saúde-doença pode ser investigado como um evento diferenciado ou particular. O fenômeno biológico, como um fenômeno social, pode ser entendido em sua dependência territorial urbana. A Epidemiologia Social fez progressos significati- vos no que se refere à interpretação coletiva da doença e acentuou a forte dependência social do fenômeno biológico. A inserção do pensamento geográfico, no sen- tido de contribuir para essa mesma investigação, pode revelar o perfil territorial do processo saúde-doença. De acordo com Breilh e Granda (1989, p. 40): [...] do ponto de vista da Epidemiologia, o processo saúde-doença é a síntese do conjunto de determina- ções que operam numa sociedade concreta, produzin- do, nos diferentes grupos sociais, o aparecimento de riscos ou potencialidades característicos, por sua vez manifestos na forma de perfis ou padrões de doença ou saúde. A manifestação do perfil de saúde-doença numa população pode ser evidenciada territorialmente, como entidades espacialmente determinadas. Trata-se, nesse caso, de “analisar e apreender os aspectos espaciais e funcionais do território [...] e elaborar, a partir daí, os cri- térios para criar perímetros homogêneos no seu interior” (MEYER, 2006, p.39). Tais perímetros homogêneos se referem aos limites onde se verificam relações socioes- paciais próprias e, por isso também, a manifestação de perfis biológicos próprios, que se adaptam e resultam das condições territoriais locais. A necessidade de estabelecer os limites terri- toriais para a pesquisa invadiu quase todas as áreas preocupadas com o planejamento urbano. De fato, o ur- banismo, a geografia, a arquitetura, a sociologia e, mais recentemente, a saúde pública têm inserido a categoria território como meio possível e eficaz para entender a dinâmica urbana. Tal necessidade está relacionada com a impossibilidade de entender o espaço urbano em sua totalidade, considerando as suas verticalidades e horizontalidades, ou seja, as suas relações internas e externas ao próprio território (SANTOS, 1998b). Afinal, as relações urbanas são relações cada vez mais globalizadas (SANTOS, 2003a) , sendo mesmo possível afirmar, com algumas reservas evidentemente, que a urbanização atingiu toda a sociedade, a chamada “sociedade urbana” (LEFEBVRE, 2001; 2002). Esse pro- cesso não é diferente no Brasil, onde o fenômeno urbano atingiu proporções nacionais (SANTOS, 1993). Esse espaço, fragmentado e fragmentador do ponto de vista territorial, é ao mesmo tempo integrado e integrador, no sentido de que as relações políticas e econômicas são cada vez mais externas ao próprio lugar e comandadas em alguns polos de decisões globais (SANTOS, 2003a). Sendo assim, como entender o território urbano senão estabelecendo as relações sociais nele existentes e os seus diferentes usos? Outro ponto importante que deve ser considerado nas análises territoriais urbanas é o sentido da palavra territorialidade como sinônimo de pertencer àquilo que nos pertence (SANTOS, 2006). No território usado,
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