




























































































Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Boa leitura, simples, descomplicado, fácil.
Tipologia: Resumos
1 / 104
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Era uma vez a poderosa Bruxa de
Évora que conquistou e aterrorizou ge-
rações de corações luso-brasileiros por
séculos e que possuía um caderno com-
pletamente abarrotado de poções, fei-
tiços, bruxedos, encantamentos, banhos,
rezas etc. Sua fama singrou barreiras
cronológicas e físicas e aportou no Brasil
com os navegantes portugueses... Sua
magia criou raízes e ramificações se en-
trelaçando com as religiões ameríndias...
Se você quiser saber mais sobre a Bruxa de Évora, leia atentamente as pá- ginas deste livro e descubra como resol- ver seus problemas.
descobrimento e, posteriormente, dos
colonizadores.
Apesar de temida, as pessoas sem-
pre buscaram conhecer os poderes dessa
Bruxa: seus feitiços, sortilégios, banhos,
amarrações, conjuros etc, com a finali-
dade de obter cura, proteção e sucesso
no amor e na vida.
Por essa razão, a autora, Maria Helena Farelli, tentou resgatar um pouco desse saber e trazê-lo progressivamente para o grande público que em pleno sé- culo XXI procura cada vez mais a ajuda da magia e dos fenômenos sobrenatu- rais e paranormais para transformar seu cotidiano.
Filtradas as diferenças de época, as adaptações e criações sobre o tema etc. a autora conseguiu reunir um ma- terial que, sem dúvida, ajudará a resol- ver muitas demandas daqueles que dele precisam.
É ler para crer e testar a força des- ta Bruxa secular que tanto assombrou seus contemporâneos. Boa Sorte e mãos à obra!
_
a partir de "Queen Eleanor and Fair Rosamund";^ capa: Leonardo Carvalho, de Evelyn de Morgan (1855-1919)
2 a edição
RMlAb
Rio de Janeiro
Impresso no Brasil
Apresentação
Prefácio
Portugal entre rei católico e crenças medievais
Peregrinos e pagadores de promessas
Mouros encantados nas vizinhanças de Évora
Maravilhas na Sé de Évora
Encantarias da Bruxa de Évora
Monstros e dragões
O livro negro das bruxas
Visões e fantasmagorias em tempos de festa
Bruxaria entre alegria e morte
Travessuras e feitiços da Bruxa de Évora no Brasil
O livro de orações da Bruxa de Évora Feitiços da Bruxa de Évora Bibliografia
Em um depoimento acerca das feiticeiras m o - dernas, a autora de "A Bruxa de Évora", Maria Helena F a r e l l i , diz que "é b e m fácil reconhecer u m a bruxa. Ela tem o olhar claro e direto e é sempre muito simpá- tica." Diz ainda que é neta de u m a cartomante cigana e sobrinha de u m a quiromante; diz também que des- cobriu cedo que era bruxa. M e s m o assim, tentou mu- dar seu destino: formou-se em jornalismo e quis se- guir u m a carreira independente d a s tradições familia- res. M a s a sorte só batia à sua porta quando escrevia sobre temas místicos. Por isso, resolveu assumir defi- nitivamente sua m i s s ã o e hoje, quarenta livros publi- c a d o s , sabe que fez a opção certa. Ela afirma ainda que " a s bruxas modernas não cruzam os céus c a v a l g a n d o vassouras nem cozinham morcegos em enormes caldeirões, tampouco correm o risco de serem levadas às fogueiras da Inquisição." Ao contrário, "bem-sucedidas e respeitadas, elas se apre- sentam em p r o g r a m a s de TV e de rádio, recebem cli- entes de todo o m u n d o e na hora de viajar preferem o conforto dos aviões." Isso é v e r d a d e. M a s , o que acontece quando u m a feiticeira fala de outra bruxa, b e m m a i s velha, q u e v i v e u na I d a d e M é d i a , q u a n d o se temia a chega- da do fim do m u n d o é do Anticristo? V o a m s a p o s e
Enquanto eu e s c r e v i a sobre u m a p e r s o n a g e m que viveu em Évora, d u r a n t e a Idade d a s Trevas, o Brasil c o m e m o r a v a 5 0 0 a n o s e l o u v a v a Portugal p e l a descoberta deste p a r a í s o q u e deve ter s i d o n o s s a ter- r a v i r g e m a o s o l h o s l u s i t a n o s , n a h o r a e s p a n t o s a d a chegada. Eles vinham c o m a C r u z de Cristo vermelha sobre o branco d a s v e l a s d a s s u a s naus. Traziam fome, sede e o voraz desejo de o u r o. M a s traziam t a m b é m s u a tradição, s e u s c o s t u m e s , a s lendas p o r t u g u e s a s , nascidas dos p o v o s q u e f i z e r a m sua etnia - iberos, ro- m a n o s , fenícios e m o u r o s ; e nos legaram, junto com o cristianismo, esse f a b u l o s o lendário. Em 1500, o R e n a s c i m e n t o d e s e n c a d e o u um processo de d e s c r i s t i a n i z a ç ã o da Europa ao valorizar o humanismo, o m a t e r i a l i s m o e o p a g a n i s m o , m a s Por- tugal não abriu m ã o do a m o r a Cristo, e o infiltrou em toda terra por ele c o n q u i s t a d a. M a s o cristão portu- g u ê s acreditava t a m b é m e m mouras tortas, a l m a s p e - n a d a s , lobisomens, b u r r i n h a s - d e - p a d r e ; e os g u a r d o u em seus baús na v i a g e m p e l o mar tenebroso. Eles sen- tiam no oceano d r a g õ e s e s c a m o s o s , serpentes esver- d e a d a s , o inferno m e d i e v o , c o m o b e m d e s c r e v e u Joãozinho Trinta, o f a m o s o carnavalesco, no enredo apresentado por u m a e s c o l a d e s a m b a d o Rio d e Ja-
neiro no carnaval de 2000, que mostrava as visões de paraíso e de inferno presentes no Brasil.
E s s a s histórias foram tão importantes para o p o v o brasileiro, que um marco de pedra fincado em 1501 por navegantes p o r t u g u e s e s no litoral do Rio Grande do Norte, que possui a cruz da Ordem de Cristo e o e s c u d o português e s c u l p i d o s em relevo, é hoje cultuado como objeto s a g r a d o por comunidades da região de Pedra Grande. O culto à pedra resistiu ao tempo: a g o r a ela é c h a m a d a "Santo Cruzeiro" e faz curas. A s s i m , o lendário de n o s s o s colonizadores con- tinua v i g o r o s o em pleno século XXI. A d a p t o u - s e à umbanda, trazendo para ela os santos protetores que estão em cada altar de tendas e abaçás: São Sebastião, N o s s a Senhora dos N a v e g a n t e s , N o s s a Senhora d a Conceição, São Jerônimo, São Jorge, São Lázaro. E uniu- se ao folclore negro iorubá e ao indígena, d a n d o ori- gem ao folclore nacional. E esta tradição, esse m u n d o mágico que envolve a vida da Bruxa de Évora.
M a s , por que escolhi u m a personagem medie- v a l? Por q u e quis mostrar s e u s trabalhos e encanta- rias? Porque há u m a teoria entre escritores e intelec- tuais, entre eles Vacca (seu criador) e Umberto Eco, um d o s mestres da literatura contemporânea, de que p o d e r e m o s entrar numa nova Idade Média a p ó s o co- lapso total do sistema em que vivemos. Eu creio nessa teoria, porque a bruxaria está de volta em todo o mun- do, porque o cristianismo está exagerado e ocorre o crescimento d a s seitas muçulmanas, penetrando em redutos cristãos, como o fizeram na Idade das Trevas. Po- pulações de rua surgem em t o d a s as grandes cidades.
C o n t a m l e n d a s d e além-mar que v i v e u e m Portugal u m a p o d e r o s a bruxa. Essa bruxa foi famosa.
Centenária. Poderosa. Era a bruxa da cidade, que an- d a v a com um mocho às costas e que tocava harpa nas noites frias de inverno. Aliada do Tinhoso, era ao mes-
mo tempo temida e a d o r a d a. N u m a casa, um simples casebre, vivia a espe- rança de muitos, o p a v o r de outros: a Bruxa de Évora, a M o u r a Torta, a g u a r d a d o r a dos segredos d o s feitiços do Oriente, a que v o a v a em camelos alados nas noites de lua cheia, a boca-suja, a praguejadora, a m a g a ne- gra, a que fazia as mulheres engravidarem (pois di- z e m que até as mulheres nobres a p r o c u r a v a m para terem filhos, depois de tentarem promessas, rezarem m i s s a s e chorarem a o s p é s d o s santos Sebastião, Jorge e Pudenciana, a virgem)... Vivia como eremita, sem- pre só em sua casa, c o m s u a s galinhas e coelhos, com chapelão, saia e avental, com sapatos g o l p e a d o s , mur- m u r a n d o rezas estranhas...
Vamos contar s u a s histórias, seus feitiços e suas lendas. Ponham atenção... sintam seu cheiro de cânha- mo e beladona... É tempo de almas p e n a d a s e de san- tos vivos... É tempo de m a g i a negra!
N o s s a história se p a s s a em Évora, lá pelos idos de 1230, setenta anos depois da tomada de Lisboa a o s m o u r o s q u e lá v i v i a m e m a n d a v a m , a d o r a n d o a Mafoma e a Allah; grande feito d o s guerreiros portu- gueses, alcançado graças ao sacrifício de D o m Martim Moniz, senhor do domínio de Ravasco, que deu a v i d a para que os portugueses se a p o d e r a s s e m do castelo de Achbuna. A vida mantinha então as cores de um conto de fadas. Pois as ideias dominantes eram as do Velho Testamento, do romance de cavalaria, da balada. Nar- rativas de aventuras eram comuns; e talvez esta seja apenas mais uma delas. A cavalaria na Idade Média criou um ideal de h o m e m forte, vigoroso e amante; m a s a bruxaria d e u o lado encantado dessa era. Cavaleiros andantes, bru- xas, p a d r e s andarilhos, m a g o s , alquimistas, reis, frei- ras, p a p a s e imperadores reinaram por todo esse perío- do. Ordens como a de São João, a dos Templários e a dos Teutónicos levavam os homens aos reinos da fanta- sia. O cavaleiro andante, fantástico e misterioso, era sem a p e g o s como os primeiros templários o foram, e tão mágicos quanto as bruxas e seus sabás... só encantamen- to, sonho, como uma festa de tolos ou uma saturnália.
O jovem herói libertando a virgem e a bruxa v o a n d o n u m a vassoura fazem parte do m e s m o mun- do, de insaciabilidade juvenil, de um primitivismo ro- mântico, pois qualquer ação, m e s m o a mais simples, era, nessa época, levada à categoria de um ritual. Inci- dentes de menor importância como u m a viagem, u m a visita, eram rodeados por mil formalidades, bênçãos,
cerimônias. U m a atmosfera de paixão e aventura en- volvia a vida dos príncipes; e uma onda de tristeza envolvia o povo. Era como se um sentimento de cala- m i d a d e iminente a m e a ç a s s e a todos, originado de idéias de fim de mundo, de inferno, de demônios e duendes. Aí entrava o poder de bruxos, m a g o s , alqui- mistas em busca do ouro. N e s s e s tempos, Portugal contava com u m a p o p u l a ç ã o de pouco mais de um milhão de almas. Era u m a mistura de gente com traços visigodos e árabes; havia muitos espanhóis e até pessoas com traços ro- manos. Desta miscigenação nasceu a gente do reino de Portucália. A virada do primeiro milênio ocorrera há pou- co t e m p o e a Europa vivia no a p o g e u do feudalismo. Os camponeses mal vestidos, rasgados, mal alimenta- dos, p r o d u z i a m apenas o suficiente para o consumo; m a s o luxo havia aumentado extraordinariamente en- tre a nobreza e o clero. Os homens ricos, com s u a s tú- nicas forradas de peles, com barretes e gorras rígidas, a n d a v a m lentamente pelas ruelas, embelezados por chapéus de veludo, de feltro ou de pano, p o n t e a g u d o s e duros. Calçados pontudos, feitos de cordovão^1 , pisa- v a m forte, revelando a importância de seus p o s s u i d o - res; as d a m a s usavam-nos tintos de cores vivas, pratea- d o s ou dourados. De vez em quando, um tocador de gironda^2 ou de bandolim alegrava as ruas com s u a s canções engraçadas.
(^1) C o r d o v ã o = couro de cabra p r o d u z i d o em C ó r d o v a. (^2) G i r o n d a = instrumento musical da I d a d e M é d i a.
As mulheres p a s s e a v a m pelas praças, olhan- do para os telhados. Trajavam túnicas de cores varia- d a s , feitas com fios cruzados, e cobriam-se c o m man- tos de tecidos grosseiros ou de peles. U s a v a m forques^3 , braceletes e ajorcas^4. M u i t a s u s a v a m p o l a i n a s 5 ou calcetas^6 para melhor serem vistas. As v i ú v a s p a s s a - v a m de cabelo curto, pois assim m a n d a v a a m o d a , e u m a touca branca. As c a s a d a s traziam os cabelos ata- d o s , presos, e as solteiras, soltos ao vento. E r a m belas, com olhos mouros e cabelos negros. T o d a s a d o r a v a m a falecida rainha Mafalda, que fora enterrada c o m toucado em rolo, coroa real aberta, manto p r e s o por um firmai^7 , esmoleira^8 pendente da cinta. E a d o r a v a m os trajes d a s v i s i g o d a s , mulheres d o s bárbaros do nor- te que invadiram a região no princípio do século V e que modificaram a vida na Espanha e em Portugal. Elas u s a v a m u m a s calças que desciam até o joelho ou até o tornozelo; e um saiote com uma correia a m a r r a d a à cintura. U s a v a m a blusa com gola de cabeção^9 e man- g a s curtas. Muitas lusitanas nobres u s a r a m então esse traje.
O p o v o , ignorante dessas m o d a s , u s a v a sem- pre as roupas que s o b r a v a m dos outros, r e m e n d a d a s , g r o s s a s e sujas. C o m p r i m i d a em casas juntas u m a s d a s outras, aquela gente pobre de Portugal somente conhe-
4 ' T o r q u e = cordão de o u r o ou prata, curto, u s a d o c o m o g a r g a n t i l h a. 5 Ajorca = o m e s m o q u e axorca; argola u s a d a na perna ou no b r a ç o. Polaina = cobertura p a r a a p e r n a e a parte superior do s a p a t o. (^6) Calceta = meia com b a b a d o s. (^7) Firmai = broche com m e d a l h a. (^8) Esmoleira = bolsinha ou sacola p a r a dinheiro m i ú d o. (^9) C a b e ç ã o = gola l a r g a.
Já os servos da gleba, só tinham de trabalhar... a relação senhor-servo era o cumprimento da vontade de D e u s (diziam os padres). Assim o m u n d o estava organizado. Os bruxos que se rebelavam i a m direto p a r a a fogueira. E u m a mulher que ganhava sua vida com sortes e feitiços, e n a d a devia ao senhor da terra e à Igreja, deveria por certo ser morta... assim p e n s a v a m alguns, como os eremitas, que abandonavam as cida- d e s e iam viver em cavernas. Esses eremitas o d i a v a m os bruxos; e a cristandade os perseguia sempre. As execuções eram muitas, e para o povo, esse era um es- petáculo muito interessante. M a s a Bruxa de Évora não morreu na fogueira. Virou assombração... d i z e m que sumiu, transformando-se em fantasma...
A Bruxa de Évora viveu no tempo do rei Afon- so Henriques, o primeiro rei de Portugal, q u a n d o o reino usufruía em parte d o s conhecimentos misterio- s o s d o s Cruzados que chegavam da Terra Santa cheios de relíquias que vendiam a preços altíssimos, enrique- cendo então. Em Portugal, como em toda a Europa medie- val, apesar d a s condições de trabalho que prendiam os homens às suas próprias localidades, estes torna- v a m - s e muitas vezes viajantes. Os soberanos, em es- pecial, viajavam constantemente, indo várias vezes à Terra Santa. Peregrinos cristãos de todas as c a m a d a s soci- ais viajavam em busca de lugares santos e de relíquias d o s santos. Muitos partiam para Jerusalém, enfrentan- do infiéis mouros, turcos e árabes, enfrentando a fome e as epidemias, em busca de coisas divinas, que eram v e n d i d a s na Europa por grandes somas: bentinhos, escapulários, pedaços da C r u z de Cristo1 0 , p a n o s que
'" S e g u n d o as lendas, q u e m descobriu a C r u z de Cristo foi Santa Helena. Ela dizia que nos p e d a ç o s de m a d e i r a havia propriedades curativas. Cirilo d e A l e x a n d r i a , escrevendo e m m e a d o s d o século IV, d i s s e q u e p o r ç õ e s da c r u z já se tinham e s p a l h a d o p o r todo o m u n d o. S ã o Paulino recebeu u m fragmento d a cruz d e s u a parenta, Santa Melânia, q u a n d o esta re- g r e s s o u da Terra Santa. Ele, p o r s u a v e z , enviou-a a seu a m i g o Sulpício S e v e r o , o historiador, no a n o 404.