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Hoje, depois da crítica feita ao estilo parnasiano pelos modernistas da geração demolidora, de 22, muitos criticam a obra de Olavo Bilac. Conforme Ivan Teixeira ...
Tipologia: Notas de estudo
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orienta-se claramente para essa beleza feita de artifícios expressivos. Para ele, no entanto, embora os poemas resultem de árduo trabalho de elaboração, devem passar aos leitores uma impressão de espontaneidade, de naturalidade. Segundo Ivan Teixeira, trata-se aqui da retomada de um princípio clássico: “o pressuposto clássico de que, em poesia, o domínio da técnica deve sobrepor-se ao mito do saber espontâneo, posto em moda pelo Romantismo e radicalmente combatido por Olavo Bilac e por seus companheiros” (p. 101). É importante evidenciar que a objetividade bilaquiana, conforme Ivan Teixeira, tanto “pode se manifestar em textos de construção da intimidade do indivíduo, quanto em textos de figurações da realidade exterior” (p. 108), sendo esses últimos mais propriamente pictóricos. Conforme Ivan Teixeira, para os parnasianos, “a beleza ideal revela-se em dimensão plástica, corporificada em objetos tangíveis (escultura, joia, porcelana, edifício), a despeito de sua natureza verbal. Resultante da apropriação escravista, católica e burguesa de aspectos aparentes da Grécia Antiga, o ideal de beleza parnasiano não deixa, portanto, de mimetizar o padrão de elegância da elite pensante do Rio de Janeiro, de onde se alastra por todo o Brasil letrado” (p. 101). Assim, de acordo com o crítico, a “poética cultural responsável por esse padrão de beleza é, em sua feição mais característica, a mesma que, por exemplo, não conseguia enxergar perversão inerente, por exemplo, na exclusão social dos negros recém-saídos da escravidão” (p. 101). Nos textos parnasianos, o apreço à técnica manifesta-se no fato de o poeta demonstrar grande destreza quanto à retórica e ao domínio específico da língua portuguesa. Outro aspecto a ser considerado diz respeito ao tipo de erotismo presente na obra de Olavo Bilac, uma vez que, no Brasil da época, por influência de Baudelaire, de sua obra Flores do Mal , havia tendência a um erotismo considerado mórbido. De acordo com Ivan Teixeira, o erotismo bilaquiano não segue essa linha, em lugar disso, apresenta uma face mais “elegante” ao tratar de temas eróticos. As mulheres de seus poemas são “sempre sensuais e insinuantes” e “primam pela exibição da beleza plástica” (p. 103). Segundo Ivan Teixeira, os parnasianos, por meio da descrição, buscavam compor um objeto, uma paisagem, uma cena, uma situação. Os opositores do movimento, para desqualificar a poesia parnasiana, por ela se afastar do estilo exaltado dos poetas do Romantismo, criticaram o modo de expressão dos parnasianos, denominando-a de impassibilidade. Olavo Bilac reagiu a essa crítica: Aos chamados poetas parnasianos também se deu outro nome “impassíveis”. Quem pode conceber um poeta que não seja suscetível de padecimento?
Ninguém e nada é impassível: nem sei se as pedras podem viver sem alma. Uma estátua, quando é verdadeiramente bela, tem sangue e nervos. Não há beleza morta: o que é belo vive de si e por si só (1924, p. 24-25).
Pode-se dizer que, por trás da aparente indiferença, a poesia parnasiana expressa emoção, como que deixando o próprio objeto descrito expressar-se, diferentemente da maneira romântica, a qual enfatiza um eu que se expressa.
A redação do livro Tarde foi concluída no ano da morte de Bilac, teve publicação póstuma no ano seguinte, em 1919. Nos poemas desse livro, evidencia-se o domínio desse autor parnasiano sobre o verso. O livro tem um tom nostálgico e reflexivo, de um sujeito na maturidade, na proximidade da velhice e da morte. Em Tarde , Bilac mistura motivos líricos e filosóficos, no qual é constante a preocupação com o sentido da vida. Seguindo o preceito da “objetividade construtiva”, o poeta desenvolve os temas que mais aprecia: o amor, a beleza física feminina; a pátria e os grandiosos acontecimentos da história brasileira; a exaltação do trabalho e do progresso. Há também poemas que problematizam a existência humana. O livro é composto de cerca de 100 sonetos italianos. Os versos são decassílabos ou dodecassílabos, também chamados de alexandrinos, rimados com rigor. A tendência dos sonetos é descritiva ou argumentativa, sendo a última mais frequente. O conjunto de poemas que formam esse livro foi escrito por Olavo Bilac em sua maturidade. São sonetos reflexivos, que focalizam o envelhecimento, bem como a finitude da vida. Em muitos poemas, a presença de diálogo é evidente. A epígrafe: trata-se de um trecho, em italiano, em que Dante Alghieri (1265-1321) afirma que a existência, como um arco, tem um movimento ascendente, seguido de um movimento de descida. O autor diz que, contemplando a natureza, observou que há costumes e comportamentos humanos mais adequados a um determinado momento da vida. Conclui que a alma nobre busca harmonizar ações e etapas da existência. Os poemas do livro, de forma geral, tratam do “movimento de descida”, isto é, o da maturidade. Segue uma seleção de sonetos do livro Tarde.
Hino à tarde Glória jovem do sol no berço de ouro em chamas, Alva! Natal da luz, primavera do dia, Não te amo! nem a ti, canícula bravia, Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!
Amo-te, hora hesitante em que se preludia O adágio vesperal, – tumba que te recamas De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas, Moribunda que ris sobre a própria agonia!
Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que, entre Os primeiros clarões das estrelas, no ventre, Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada,
Trazes a palpitar, como um fruto do outono, A noite, alma nutriz da volúpia e do sono, Perpetuação da vida e iniciação do nada... (BILAC, 2020, p. 10)
Glorifica a hora próxima ao final do dia. A tarde sugere a maturidade do ser humano e antecipa a finitude da existência do eu lírico, a qual se aproxima: “Amo-te, hora hesitante em que se preludia/ O adágio vesperal. – tumba que te recamas/ De luto e de esplendor (...)”. É importante observar que o próprio autor, no momento da escrita do livro, vivenciava esse período da vida.
Pátria Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde Circulo! e sou perfume, e sombra, e sol, e orvalho! E, em seiva, ao teu clamor a minha voz responde, E subo do teu cerne ao céu de galho em galho!
Dos teus líquens, dos teus cipós, da tua fronde, Do ninho que gorjeia em teu doce agasalho, Do fruto a amadurar que em teu seio se esconde, De ti, – rebento em luz e em cânticos me espalho!
Vivo, choro em teu pranto; e, em teus dias felizes, No alto, como uma flor, em ti, pompeio e exulto! E eu, morto, – sendo tu cheia de cicatrizes,
Tu golpeada e insultada, – eu tremerei sepulto: E os meus ossos no chão, como as tuas raízes, Se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto! (BILAC, 2020, p. 11)
Nesse soneto faz-se um elogio à pátria. O eu lírico funde-se com elementos da natureza e, nessa simbiose, tudo que atinge a pátria, positivamente ou não, repercute nele, que sente as alegrias e as dores da pátria como se ambos tivessem um só corpo: “Pátria, latejo em ti, (...)/ Tu golpeada e insultada – eu tremerei sepulto,/ E os meus ossos no chão, como as tuas raízes,/ Se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto!”.
Língua portuguesa Última flor do Lácio, inculta e bela, És, a um tempo, esplendor e sepultura: Ouro nativo, que na ganga impura A bruta mina entre os cascalhos vela…
Amo-te assim, desconhecida e obscura, Tuba de alto clangor, lira singela, Que tens o trom e o silvo da procela E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma De virgens selvas e de oceano largo! Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: “meu filho!” E em que Camões chorou, no exílio amargo, O gênio sem ventura e o amor sem brilho! (BILAC, 2020, p. 12)
Aborda o histórico da língua portuguesa, interlocutora do eu poético. Nesse poema, a metáfora “Última flor do Lácio, inculta e bela”, refere-se ao fato de a língua portuguesa ter sido a última língua neolatina formada a partir do latim vulgar – falado pelos soldados da região italiana do Lácio. A língua portuguesa é descrita como suave e rude simultaneamente: “Tuba de alto clangor, lira singela”. Há menção de que a língua portuguesa serve para variados usos. Tendo cruzado o Oceano Atlântico, chegou ao Brasil e, por meio dela, há um elo entre o eu poético e Camões (c.1524-1579 ou 1580), um dos maiores escritores da literatura lusófona e da tradição ocidental: “Amo-te, ó rude e doloroso idioma,/ Em que da voz materna ouvi: ‘meu filho!’/ E em que Camões chorou, no exílio amargo/”. Esse poema inspirou “Língua”, de Gilberto Mendonça, e a letra da canção “Língua Portuguesa”, de Caetano Veloso.
Música brasileira Tens, às vezes, o fogo soberano Do amor: encerras na cadência, acesa Em requebros e encantos de impureza, Todo o feitiço do pecado humano.
Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza Dos desertos, das matas e do oceano: Bárbara poracé, banzo africano, E soluços de trova portuguesa.
És samba e jongo, xiba e fado, cujos Acordes são desejos e orfandades De selvagens, cativos e marujos:
E em nostalgias e paixões consistes, Lasciva dor, beijo de três saudades, Flor amorosa de três raças tristes. (BILAC, 2020, p. 12-13)
A música nacional, interlocutora do eu poético, é caracterizada como portadora de uma cadência que expressa volúpia, mas, sobretudo, tristeza. Esse sentimento nostálgico seria proveniente da herança
Ilíadas, bulcões de gládios e diademas, Ossa e Pélio tombando, e Zeus em raios de ira, E Acrópoles em fogo, e Homero erguendo a lira Em reverberações de batalhas e poemas...
Mas o vento, embocando as bramidoras trompas, Clangora. Rolam no ar, de roldão, num tumulto, Os numes e os titãs, varridos à rajada:
E ódio, furor, tropel, fastígio, glória, pompas, Chamas, o Olimpo, – tudo esbate-se, sepulto Em cinza, em crepe, em fumo, em sonho, em noite, em nada. (BILAC, 2020, p. 24-25)
Conflito de deuses e destruição do Olimpo (local onde os deuses habitam, segundo a mitologia greco- latina). Além da menção a heróis, titãs e deuses (Zeus atira “raios de ira”), há referência a Homero (poeta épico da Grécia Antiga, ao qual tradicionalmente é atribuída a autoria das epopeias Ilíada e Odisseia), que a tudo acompanha e registra: “E Acrópoles em fogo, e Homero erguendo a lira/ Em reverberações de batalhas e poemas...”.
Microcosmo Pensando e amando, em turbilhões fecundos És tudo: oceanos, rios e florestas; Vidas brotando em solidões funestas; Primaveras de invernos moribundos;
A Terra; e terras de ouro em céus profundos, Cheias de raças e cidades, estas Em luto, aquelas em raiar de festas; Outras almas vibrando em outros mundos;
E outras formas de línguas e de povos; E as nebulosas, gêneses imensas, Fervendo em sementeiras de astros novos;
E todo o cosmos em perpétuas flamas...
Analogia entre o ser humano e o universo. O homem seria uma espécie de microcosmo, por ser possuidor de dois dons: o pensar e o amar: “– Homem! És o universo, porque pensas,/ E, pequenino e fraco, és Deus, porque amas!”.
Dualismo Não és bom, nem és mau: és triste e humano... Vives ansiando, em maldições e preces, Como se, a arder, no coração tivesses O tumulto e o clamor de um largo oceano.
Pobre, no bem como no mal, padeces; E, rolando num vórtice vesano, Oscilas entre a crença e o desengano, Entre esperanças e desinteresses.
Capaz de horrores e de ações sublimes, Não ficas das virtudes satisfeito, Nem te arrependes, infeliz, dos crimes:
E, no perpétuo ideal que te devora, Residem juntamente no teu peito Um demônio que ruge e um deus que chora. (BILAC, 2020, p. 25-26)
O eu poético reflete sobre sua humanidade e imperfeição. É um ser angustiado, com conflitos interiores, como alterações comportamentais e de humor. Caracteriza-se como um ser dividido, é simultaneamente “Um demônio que ruge e um deus que chora”.
Benedicite Bendito o que, na terra, o fogo fez, e o tecto; E o que uniu a charrua ao boi paciente e amigo; E o que encontrou a enxada; e o que, do chão abjeto, Fez, aos beijos do sol, o ouro brotar do trigo;
E o que o ferro forjou; e o piedoso arquiteto Que ideou, depois do berço e do lar, o jazigo; E o que os fios urdiu; e o que achou o alfabeto; E o que deu uma esmola ao primeiro mendigo;
E o que soltou ao mar a quilha, e ao vento o pano; E o que inventou o canto; e o que criou a lira; E o que domou o raio; e o que alçou o aeroplano...
Mas bendito, entre os mais, o que, no dó profundo, Descobriu a Esperança, a divina mentira, Dando ao homem o dom de suportar o mundo! (BILAC, 2020, p. 29-30)
“Benedicite” é uma palavra latina que significa abençoar, bendizer. O eu lírico bendiz a todas as descobertas que trouxeram benefícios civilizatórios à terra, como o uso do fogo, o atrelamento de bois a carroças, o manejo da enxada, a forja do ferro, a criação do berço, do lar e do jazigo, a prática da caridade, a invenção do barco à vela e do aeroplano. Bendiz, no entanto, acima de tudo, quem descobriu a esperança: “Mas bendito, entre os mais, o que, no dó profundo,/ Descobriu a Esperança, a divina mentira,/ Dando ao homem o dom de suportar o mundo!”.
Dante no paraíso ... Enfim, transpondo o Inferno e o Purgatório, Dante Chegara à extrema luz, pela mão de Beatriz: Triste no sumo bem, triste no excelso instante, O poeta compreendera o mal de ser feliz.
Saudoso, ao ígneo horror do báratro distante, Ao vórtice tartáreo o olhar volvendo, quis Regressar à geena, onde a turba ululante Nos torvelins raivando arde na chama ultriz:
E fatigou-o a paz do esplendor soberano; Dos réprobos lembrando a irrevogável sorte, A estância abominou do perpétuo prazer;
Porque no coração, cheio de amor humano, Sentiu que toda a Vida, até depois da morte, Só tem uma razão e um gozo só: sofrer! (BILAC, 2020, p. 29-30)
O autor da Divina Comédia (1265-1321), tendo transposto o inferno e o purgatório, chega ao Paraíso, acompanhado de sua adorada Beatriz. Não se sente bem, contudo, nesse lugar de bem-aventuranças: “Por que no coração, cheio de amor humano/ Sentiu que toda a Vida, até depois da morte,/ Só tem uma razão e um gozo só: sofrer!”.
Beethoven surdo Surdo, na universal indiferença, um dia, Beethoven, levantando um desvairado apelo, Sentiu a terra e o mar num mudo pesadelo... E o seu mundo interior cantava e restrugia.
Torvo o gesto, perdido o olhar, hirto o cabelo, Viu, sobre a orquestração que no seu crânio havia, Os astros em torpor na imensidade fria, O ar e os ventos sem voz, a natureza em gelo.
Era o nada, a eversão do caos no cataclismo, A síncope do som no páramo profundo, O Silêncio, a algidez, o vácuo, o horror no abismo...
E Beethoven, no seu supremo desconforto, Velho e podre, caiu, como um deus moribundo, Lançando a maldição sobre o universo morto! (BILAC, 2020, p. 33-34)
O extraordinário compositor alemão (1770-1827), surdo, velho, pobre, desvairado, amaldiçoa o universo no fim de sua vida, após a terrível percepção de que, além das orquestrações que ressoavam no seu mundo interior, ressoava o nada, o vácuo absoluto: “Era o nada, a eversão do caos no cataclismo,/A síncope, a algidez, o vácuo, o horror no abismo...”.
No tronco de Goa Camões sofre, na infâmia da clausura, Pária sem honra, náufrago sem nome; E rala, na saudade que o consome, O pobre peito contra a pedra dura.
O seu gênio ilumina a abjeta lura... Mas a vida das carnes se lhe some: Míngua de pão, e, outra mais negra fome, Indigência de beijos e ventura.
Do próprio fel, dos íntimos venenos, Faz a glória da pátria e a luz da raça; E chora, na ignomínia. Mas, ao menos,
Possui, na mesquinhez da terra crassa E na vergonha de homens tão pequenos, O orgulho de ser grande na desgraça. (BILAC, 2020, p. 36)
O grande sofrimento de Camões (c. 1524-1580), em Goa, seu exílio na Índia, toda a indigência material por que passou, sua enorme desventura não o impediram de contribuir com sua genialidade para a grandeza da pátria portuguesa: “(...) Mas ao menos,/ Possui, na mesquinhez da terra crassa/ E na vergonha de homens tão pequenos,/ O orgulho de ser grande na desgraça”.
Cleópatra Não! que importava a queda, e o epílogo do drama: O trono, o cetro, o povo, o exército, o tesouro, As províncias, a glória, e as naus, no sorvedouro De Actium, e Alexandria entregue ao saque e à chama?
Não! que importava o horror da entrada em Roma: a fama De Otávio, e o seu triunfo, entre a púrpura e o louro, E a plebe em grita, e o céu cheio das águias de ouro, E o Egito, e o seu império, e os seus troféus, na lama?
Não! Que importava o amor perdido? Que importava O naufrágio do orgulho, a vergonha, a tortura Do ódio do vencedor ou da piedade alheia?
Mas entrar desgrenhada, envelhecida, escrava, Rota, sem o arraiar da sua formosura, Sol sem fulgor... Matou-a o medo de ser feia. (BILAC, 2020, p. 40)
É apresentado o maior tormento por que passou a rainha do Egito (69-30 a.C.) ao perder o seu império. O que a levou à morte não foi nenhum dos aspectos altamente trágicos de sua vida, mas sim “o medo de ser feia”, ao entrar “desgrenhada, envelhecida, escrava,/ Rota, sem o arriar da sua formosura,/ Sol sem fulgor.../ Matou-a o medo de ser feia”.
Natal No ermo agreste, da noite e do presepe, um hino De esperança pressaga enchia o céu, com o vento... As árvores: “Serás o sol e o orvalho!” E o armento: “Terás a glória!” E o luar: “Vencerás o destino!”
Último carnaval Íncola de Suburra ou de Sibaris, Nasceste em saturnal; viveste, estulto, Na folia das feiras, no tumulto Dos caravançarás e dos bazares;
Morreste, em plena orgia, entre os esgares Dos arlequins, no delirante culto; E a saudade terás, depois sepulto, Herói folião, dos carnavais hílares...
Talvez, quem sabe? a cova, que te esconda, Uma noite, entre fogos-fátuos, se abra, Como uma boca escancarada em risos:
E saltarás, pinchando, numa ronda De espectros aos tantãs, dança macabra De esqueletos e lêmures aos guizos... (BILAC, 2020, p. 46)
Apresenta um folião morto em plena orgia. Conforme o poema, se ele reviver, será um fantasma envolvido em uma dança esquisita, ridícula: “dança macabra/ De esqueletos e lêmures aos guizos...”.
Perfeição Nunca entrarei jamais o teu recinto: Na sedução e no fulgor que exalas, Ficas vedada, num radiante cinto De riquezas, de gozos e de galas.
Amo-te, cobiçando-te... – E, faminto, Adivinho o esplendor das tuas salas, E todo o aroma dos teus parques sinto, E ouço a música e o sonho em que te embalas.
Eternamente ao meu olhar pompeias, E olho-te em vão, maravilhosa e bela, Adarvada de altíssimas ameias.
E à noite, à luz dos astros, a horas mortas, Rondo-te, e arquejo, e choro, ó cidadela! Como um bárbaro uivando às tuas portas! (BILAC, 2020, p. 49-50)
A perfeição é uma fortaleza em que o eu poético deseja entrar, mas reconhece que esse lugar é inatingível: “Rondo-te, e arquejo, e choro, ó cidadela!/ Como um bárbaro uivando às tuas portas”.
Palavras As palavras do amor expiram como os versos, Com que adoço a amargura e embalo o pensamento: Vagos clarões, vapor de perfumes dispersos, Vidas que não têm vida, existências que invento;
Esplendor cedo morto, ânsia breve, universos De pó, que um sopro espalha ao torvelim do vento, Raios de sol, no oceano entre as águas imersos,
Mas as palavras más, as do ódio e do despeito, O “não!” que desengana, o “nunca!” que alucina, E as do aleive, em baldões, e as da mofa, em risadas,
Abrasam-nos o ouvido e entram-nos pelo peito: Ficam no coração, numa inércia assassina, Imóveis e imortais, como pedras geladas. (BILAC, 2020, p. 58)
O eu poético distingue a existência de palavras benéficas, de amor e de fé, e palavras más, “as do ódio e do despeito”. Aquelas são efêmeras, estas “Ficam no coração, numa inércia assassina,/ Imóveis e imortais, como pedras geladas”.
Diálogo O mancebo perfeito e o velho humilde e rude Viram-se. E disse ao velho o mancebo perfeito: “Glória a mim! sorvo o céu num hausto do meu peito!” E o velho: “Engana o céu... Tudo na terra ilude...”
“Rebentam roseirais do chão em que me deito!” “A alma da noite embala a minha senectude...” “Quando acordo, há um clarão de graça e de saúde!” “Pudesse ser perpétua a calma do meu leito!”
“Quero vibrar, agir, vencer a Natureza, Viver a Vida!” “A Vida é um capricho do vento...” “Vivo, e posso!” “O poder é uma ilusão da sorte...”
“Herói e deus, serei a beleza!” “A beleza É a paz!” “Serei a força!” “A força é o esquecimento...” “Serei a perfeição!” “A perfeição é a morte!” (BILAC, 2020, p. 60-61)
O poema apresenta o diálogo entre um jovem e um homem idoso. Há oposição entre dois pontos de vista: o do jovem orgulhoso de sua vitalidade, desejoso de fruir das benesses da vida e o do ancião que tem a sabedoria de que “Tudo na terra ilude...”.
Sonho Ter nascido homem outro, em outros dias,
Ter nascido numa era de utopias, Nos áureos ciclos épicos da História, Ardendo em generosas fantasias, Em rajadas de amor e de vitória:
Campeão e trovador da Idade Média, Herói no galanteio e na cruzada, Viver entre um idílio e uma tragédia;
E morrer em sorrisos e lampejos, Por um gesto, um olhar, um sonho, um nada, Traspassado de golpes e de beijos! (BILAC, 2020, p. 62-63)
O eu poético afirma seu desejo de ter nascido numa outra época, em que não houvesse a decadência moral de que se ressente no momento da enunciação. Ele afirma seu desejo de viver em épocas utópicas: “Nos áureos ciclos épicos da História” e, naquele contexto, ter vivenciado ardentes “fantasias. Em rajadas de amor e de vitória”.
Penetralia Falei tanto de amor!... de galanteio, Vaidade e brinco, passatempo e graça, Ou desejo fugaz, que brilha e passa No relâmpago breve com que veio...
O verdadeiro amor, honra ou desgraça, Gozo ou suplício, no íntimo fechei-o: Nunca o entreguei ao publico recreio, Nunca o expus indiscreto ao sol da praça.
Não proclamei os nomes, que, baixinho, Rezava... E ainda hoje, tímido, mergulho Em funda sombra o meu melhor carinho.
Quando amo, amo e deliro sem barulho; E, quando sofro, calo-me, e definho Na ventura infeliz do meu orgulho. (BILAC, 2020, p. 65-66)
O eu lírico revela que, embora tenha escrito muitos poemas de amor para deleite do público, nunca revelou o verdadeiro amor sentido em seu íntimo: “Quando amo, amo e deliro sem barulho;/ E, quando sofro, calo-me, e definho/ Na ventura infeliz do meu orgulho”.
Frutidoro Fruto, depois de ser semente humilde e flor, Na alta árvore nutriz da Vida amadureço. Gozei, sofri, – vivi! Tenho no mesmo apreço O que o gozo me deu e o que me deu a dor.
Venha o inverno, depois do outono benfeitor! Feliz porque nasci, feliz porque envelheço, Hei de ter no meu fim a glória do começo: Não me verão chorar no dia em que me for.
Não me amedrontas, Morte! o teu apelo escuto, Conto sem mágoa os sóis que me acercam de ti, E sem tremer à porta ouço o teu passo astuto.
Leva-me! Após a luta, o sono me sorri: Cairei, beijando o galho em que fui flor e fruto, Bendizendo a sazão em que amadureci! (BILAC, 2020, p. 69)
O eu lírico bendiz a maturidade e diz que aguarda a morte que se aproxima sem medo: “Venha o inverno, depois do outono benfeitor!/ (...) Não me amedrontas, Morte, o teu apelo escuto/ (...)/ Cairei, (...)/ Bendizendo a sazão em que amadureci!”.
Sinfonia Meu coração, na incerta adolescência, outrora, Delirava e sorria aos raios matutinos, Num prelúdio incolor, como o alegro da aurora, Em sistros e clarins, em pífanos e sinos.
Meu coração, depois, pela estrada sonora Colhia a cada passo os amores e os hinos, E ia de beijo a beijo, em lasciva demora, Num voluptuoso adágio em harpas e violinos.
Hoje, meu coração, num scherzo de ânsias, arde Em flautas e oboés, na inquietação da tarde, E entre esperanças foge e entre saudades erra...
E, heroico, estalará num final, nos clamores Dos arcos, dos metais, das cordas, dos tambores, Para glorificar tudo que amou na terra! (BILAC, 2020, p. 70)
O eu poético refere-se aos períodos da vida, comparando-os a um momento musical. A maturidade é o período de inquietação e saudades: “num scherzo de ânsias, arde/ Em flautas e oboés, na inquietação da tarde,/ E entre esperanças foge e entre saudades erra...”. A morte que se aproxima, segundo o eu lírico, será uma música heroica, “Para glorificar tudo que amou na terra!”.
E os astros sobre mim caiam de ti, chovendo, Como os teus crimes, como as tuas bênçãos, como A doçura e o travor de teus cachos maduros! (Olavo Bilac, Tarde. Campinas, SP: Pontes Editores, 2020, p. 66)
2. Como é identificada a figura feminina neste poema?
Resolução: Cibele é vista no poema como divindade destruidora, que seduz e encanta seu observador, ao mesmo tempo que o maltrata. Há uma aproximação entre Cibele e outras deusas da mitologia: Ísis, da mitologia egípcia, e Pandora e Ceres, da mitologia clássica. Esse perfil feminino evoca o arquétipo da mulher fatal.
Texto para responder aos exercícios 3 e 4.
Prece Durma, de tuas mãos nas palmas sacrossantas, O meu remorso. Velho e pobre, como Jó, Perdendo-te, a melhor de tantas posses, tantas, Malsinado de Deus, perdi... Tu foste a só!
Ao céu, por teu perdão, a minha alma, que encantas, Suba, como por uma escada de Jacó. Perdi-te... E eras a graça, alta entre as altas santas, A sombra, a força, o aroma, a luz... Tu foste a só!
Tu foste a só!... Não valho a poeira que levantas, Quando passas. Não valho a esmola do teu dó! — Mas deixa-me chorar, beijando as tuas plantas,
Mas deixa-me clamar, humilhado no pó: Tu, que em misericórdia as Madonas suplantas, Acolhe a contrição do mau... Tu foste a só! (Olavo Bilac, Tarde. Campinas, SP: Pontes Editores, 2020, pág.66)
3. Neste soneto, o eu poético lamenta um fato que lhe ocorreu. De que se trata?
Resolução: Nesse soneto, o eu lírico lamenta a perda da amada, considerada por ele a mulher mais sublime de todas: “Perdi-te... E eras a graça, alta entre as altas santas,/A sombra, a força, o aroma, a luz... Tu foste a só!”. A expressão “só” significa a singularidade dessa mulher inigualável.
4. No soneto “Prece”, há uma comparação entre o eu lírico e uma personagem bíblica. O que essa comparação sugere?
Resolução: A comparação com a personagem bíblica Jó, homem que experimentou os mais terríveis sofrimentos que alguém poderia suportar, mantendo, no entanto, sua fidelidade a Deus, sugere a veemência da dor sentida pelo eu lírico com a perda da mulher amada. Também sugere sua fidelidade, uma vez que, para ele, ela é sempre única (“Tu foste a só!”) dentre todas as mulheres.
Bilac, Olavo. Tarde. Campinas, SP: Pontes Editores, 2020.
Bilac, Olavo. Últimas conferências e discursos. São Paulo: Francisco Alves, 1924).
Teixeira, Ivan. Artifício, persuasão e sociedade em Olavo Bilac, Revista USP , São Paulo, n. 54, p. 98-111, junho/agosto 2002, link https://www.revistas.usp.br/revusp/article/view/35224 - acesso em 15/1/2020).
“Monte sua estante com obras de Olavo Bilac”, da Livraria da Folha, Link> http://folha.com/no1022128 (acesso em 15/1/2021)