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CARLOS ALBERTO BOTAR
RESPONSABILIDADE CIVIL
NAS ATIVIDADES NUCLEARES
Tese apresentada ao Concurso de
ÍÀvre-ãocente para o Departamento de Direito
Civil da Faculdade de Direito da US.P.
SAO PAULO
RESPONSABILIDADE CIVIL
NAS ATIVIDADES NUCLEARES
Sumário
PARTE I
INTRODUÇÃO
- A teoria da responsabilidade civil no contexto atual 1
- As atividades nucleares, sua importância e reflexos nessa teoria .. 6
PARTE II TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL
CAPÍTULO I — RESPONSABILIDADE CIVIL: NOÇÃO E ESPÉCIES
- Noção de responsabilidade: responsabilidade penal e responsabilidade civil 11
- Responsabilidade civil: origem e breve evolução histórica 24
- Espécies de responsabilidade: direta e indireta; extracontratual e contratual; subjetiva e objetiva; nas atividades não perigosas e nas atividades perigosas 29
CAPÍTULO II — RESPONSABILIDADE CIVIL NAS ATIVIDADES NAO PERIGOSAS
- Responsabilidade civil nas atividades não perigosas: noção e caracte- rização 36
- Regime jurídico geral 40
- Definição dos responsáveis 51
- Pressupostos da responsabilidade: a ação, o dano e o vínculo 59
- Fundamentos da responsabilidade: a culpa e o risco 67
- Efeito da responsabilidade: a reparação do dano 74
- Causas excludentes de responsabilidade 80
CAPÍTULO III — RESPONSABILIDADE CIVIL NAS ATIVIDADES PERIGOSAS
- Responsabilidade civil nas atividades perigosas: noção e caracteriza- ção 84
- Regime jurídico da espécie, suas particularidades e diferenças em re- lação ao das atividades não perigosas 92
PARTE III RESPONSABILIDADE CIVIL NAS ATIVIDADES NUCLEARES CAPÍTULO I — POSICIONAMENTO DAS ATIVIDADES NUCLEARES NA TEORIA GERAL DA RESPONSABILIDADE CIVIL
- Recepção das atividades nucleares na teoria geral da responsabilidade: responsabilidade penal e responsabilidade civil 100
VI RESPONSABILIDADE CIVIL NAS ATIVIDADES NUCLEARES
- 16 Atividades nucleares: noção natureza e extensão - 17. Breve evolução histórica - cípios identificadores 18. Regime jur.'dico especial de responsabilidade civil: elementos e prin-
- Sistemas normativos e entidades de fiscalização e de controle existentes
- O sistema brasileiro
- 21 Responsabilidade civil nuclear: nomenclatura do setor CAPÍTULO II — REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA DA MATÉRIA
- Configuração da responsabilidade nuclear
- Fato gerador: o acidente nuclear
- Determinação dos responsáveis
- Pressupostos da responsabilidade civil nuclear
- Fundamento dr. responsabilidade civil nuclear
- Extensão da responsabilidade civil nuclear: limite de valor e garantias
- Causas excludentes de responsabilidade
- Limite temporal e ação para a responsabilização
- respectivas sanções 30. Responsabilidade penal nas atividades nucleares: figuras definidas e
- CONCLUSÕES
- BIBLIOGRAFIA
2 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS ATIVIDADES NUCLEARES
a responsabilidade civil ocupa, qualquer que seja a avaliação doutri-
nária, posição de realce no cenário jurídico — tanto internacional,
como interno, de todos os países do mundo 3 — porque ligada estrei-
tamente à realidade fática, sob o influxo direto e inelutável do de-
senvolvimento da tecnologia.
Realmente, de um lado, a crescente preocupação com os efeitos
danosos da utilização das máquinas e aparatos técnicos e do exercício
de inúmeras atividades perigosas c, de outro, a marcante sensibiliza-
ção pela situação das vítimas de infortúnios na esfera civil tem sus-
citado atenção especial dos estudiosos — principalmente juristas —
para essa matéria, na busca e na definição de soluções, que atendam,
a um só tempo, aos reclamos sociais e à reparação dos males sofridos
pelas vítimas^4.
- Dentre inúmeros outros autores, v. René Savatier, que, já em 1939, afirmava que essa temática se encontrava na ordem do dia, em função do avanço da civilização e da luta pelo reencontro do equilíbrio rompido: "Trai- té de Ia responsabilité civile en droit français", Paris, Librairie Generate, 1939, p. 1. V. tb. Eugène Gaudemet: "Théorie generate des obligations", Paris, Si- rey, 1965. p. 298. No plano internacional, V. Irineu Strengcr: "O ressarcimento do dano no Direito Internacional", S. Paulo, RT 1973, p. 15. Assinale-se, outrossím, que existe, em certos campos (como o do Direito Atômico), uma "interna- cionalização" de soluções, em função do dimensionamento dos problemas pos- tos. (V. a respeito, dentre outros, Gaetano Arangio Ruiz: "Some internatio- nal legal problems of the civil uses of nuclear energy", in "Recueil des Cours de l'Academie de Droit International", leyde, A. W. Sythoff, 1963, p. 625 e ss.).
- Como bem realça Giorgio Giorgi, a justiça humana não pode tolerar que a ofensa permaneça sem satisfação ("Theorie delle Obbligazioni nel di- ritto moderno italiano", Firenze, Fratelli Cammelli, 1892, 3 / ed., v.V. p. 195). Com efeito, não permite o Direito fique incólume o dano injusto, como assi- nala Karl Larenz ("Derecho de obligacíones", trad., Madrid, Revista de De- recho Privado, 1959, t. II, p. 563), cabendo à teoria da responsabilidade — um dos "princípios de ordenação" do Direito Civil, segundo Carlos Alberto da Mota Pinto ("Teoria Geral do Direito Civil", Coimbra, Coimbra Editora, 1976, p. 59) — as funções de equilíbrio e de reparação, como bem pondera F. C. Pontes de Miranda ("Tratado de Direito Privado", Rio, Borsoi, 1971, 3.* ed., t. XXII, p. 51). V. ainda, dentre inúmeros outros autores: Frederic Mourlon: "Repetitions écritw tur le Code Civil", Paris, Gamier, 1881, 11 * ed., v. 2, p. 925; G. Baudry-Lacantinerie e L. Barde: "Trattato teórico pratico di Di- ritto Civile — Delle Obbligazione", Milano, Vallardi, 1915, v. 4, p. 553 e ss.; René Savatier: "La théorie des obligations", Paris, Dalloz, 1974, 13.' ed., p.
INTRODUÇÃO 3
A par disso, a influência de posições humanísticas e a ênfase
que os aspectos morais assumem no Direito vem contribuindo para
o recrudescimento dos estudos nesse setor — com a formulação e a
conseqüente adoção de providências práticas — tendentes à proteção
dos direitos fundamentais da pessoa humana, dentro da linha inter-
nacional de princípios traçada nas grandes Declarações do presente
século 5.
Tudo isso tem feito com que a engrenagem da responsabilidade
civil — cuja finalidade última é a da reparação do dano — sofra,
paulatinamente, sensível evolução, a qual lhe tem permitido, em épo-
277; Marcel Planiol e Georges Ripert: "Traité pratique de Droit Civil fran- çais", Paris, Librairie Generate, 1952, 2.* ed., t. VI, p. 639; Henri, Leon e Jean Mazeaud: "Leçons de Droit Civil", Paris, Montchrestien, 1973, 5* ed., t. 12, p. 318; G. P. Chironi: "La colpa nel Dintto Civile odierno", Torino, Fratelli Bocca, 1903, 2.* ed., v. I, p. 3; Gabriel Marty e Pierre Raynaud: "Droit civil — Les obligations", Paris, Sirey, 1962, t. II, v. 1, p. 323; Emílio Betti: "Teoria generate delle obbligazioní", Milano, Giuffrè, 1954, v. 3, p. 150; A. von Tuhr: "Tratado de las obligaciones", trad., Madrid, Reus, 1934, t. I, p. 264; Ludovico Barassi: "La teoria generate delle obbligazioni", Milano, Giuffrè, 1964, v. II, p. 425; M. A. Sourdat: "Traité general de responsabilité civil", Paris, Librairie Generate, 1911, 6.* ed., prefácio, p. IX; Manuel A. Domingues de Andrade: "Teoria geral das obrigações", Coimbra, Almedina, 1966, p. 336 e 337; CIóvís Beviláqua: "Teoria geral de Direito Civil", Rio, Francisco Alves, 1976, 2." ed., p. 270; Agostinho Alvim: "Da inexecução das obrigações e suas conseqüências", São Paulo, Saraiva, 1955, 1.* ed., p. 260; Sílvio Rodrigues: "Direito Civil — Responsabilidade Civil", S. Paulo, Saraiva, 1977, 2.' ed., p. 2; Orlando Gomes: "Obrigações", Rio, Forense, 1976, 4." ed., p. 341; Caio Mario da Silva Pereira: "Instituições de Direito Civil", Rio, Forense, 1976, 5." ed., v. 1, p. 553; Rubens Limongi França; "Manual de Direito Civil", S. Paulo, RT, 1969, v. 4, t. II, p. 275.
- V. a respeito, principalmente, Georges Ripert: "La regie morale dans les obligations civiles", Paris, Librairie Generate, 1949. V. tb. os nossos tra- balhos: "Os direitos da personalidade", in "Revista de Informação Legislativa", n. 60, p. 105 e ss. e "O aspecto moral no Direito das Obrigações", in RF 261/85. Os textos das Declarações podem ser encontrados em: Vicente Marotta Rangel: "Direito e relações internacionais", S.P. RT, 1981, 2.* ed. Sobre as Declarações, dentre outros autores, v. ainda Jean Rívero: "Les libertes publi- ques", Paris, PUF, 1973 e Georges Burdeau: "Les libertes publiques", Paris, Librairie Generate, 1972, 4.* ed., que falam na "publicização" dos direitos privados.
INTRODUÇÃO 5
Isso não obstante, em função exatamente do labor desenvolvido
— em especial pela doutrina e pela jurisprudência — já se encon-
tram assentadas as linhas mestras de sua teoria geral, que procurare-
mos mostrar no presente estudo.
De fato, a matéria vem, ao longo dos tempos, sendo burilada
pela jurisprudência, fascinando, outrossim, os juristas que, exalçando
a sua importância, tem produzido extensa bibliografia, inclusive de
cunho monográfico, para o contínuo aperfeiçoamento de sua disci-
plina, tanto no exterior, como no Brasil, com o oferecimento de solu-
ções — algumas arrojadas, dentro de uma perspectiva de socialização
dos riscos — para uma nova estruturação jurídica de tão candente
setor do Direito^8.
Mas, em relação ao aspecto proposto, comporta a responsabili-
dade civil uma investigação sistematizadora, em razão do vulto e das
peculiaridades das atividades nucleares, inobstante a existência de
estudos especializados no exterior e de tratamento próprio, mas em
obra mais abrangente, em nosso país*.
Demogue ("Traité des obligations en general", Paris, Arthur Rousseau, 1923, t. Ill, p. 362). A gravidade do problema da responsabilidade civil é acentuada ainda, em especial, por Henri de Page ("Traité élémentaire de Droit Civil beige", Bruxelles, Émile Bruyant, 1950, 10.* ed., t. 2, p. 807); Louis Josserand ("Derecho civil", trad., Buenos Aires, Bosch, 1950, t. II, v. 1, p. 294); Antonio Chaves ("Responsabilidade civil", S. Paulo, Bushatsky, 1972, p. 17, que o coloca como "imenso, profundo e misterioso como o mar"); Miguel Maria de Serpa Lopes ("Curso de Direito Civil", Rio, Freitas Bastos, 1964, 3." ed., v. V, p. 186, que considera a responsabilidade civil como' "um dos mais árduos e complexos problemas jurídicos"); Manuel Inácio Carvalho de Mendonça ("Dou- trina e prática das obrigações", Rio, Freitas Bastos, 1938, 3.* ed., t. II, p. 428, que define a matéria como a "mais vasta, mais confusa e de mais difícil sis- tematização" no Direito Privado); João de Matos Antunes Varela ("Das obri- gações em geral", Coimbra, Almedina, 1973, 2 / ed., v. I, p. 397 e 398) e Vincenzo Carbone: "II fatto dannoso nella responsabilità civile", Milano, Giuf- frè, 1969, p. I.
- Como observa Jean Carbonnier, o prodigioso desenvolvimento da ju- risprudência nesse campo fez nascer um gênero literário novo, expresso nos diferentes tratados especializados sobre responsabilidade civil ("Droit civil". Paris, PUF, 1979, 10.' ed., v. 4, p. 319). Também Alex Weill e Francois Terré exalçam esses aspectos ("Droit Civil — Les obligations", Paris, Dalloz, 1975, 12.' ed., p. 637).
- No exterior, dentre outros, devem ser referidos os trabalhos de Jean Paul Píérard: "Responsabilíté civil, cnergie atomíque et droit compare", Bru- xelles, Émile Bruyant, 1963; Isabel Torino Bíscarolasaga:: "Ríesgo y dalio
6 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS ATIVIDADES NUCLEARES
2. As atividades nucleares, sua importância e reflexos nessa teoria.
Com efeito, crescem, de modo acentuado, as atividades nuclea-
res — resultantes da fissão do átomo e da aplicação industrial de
seus produtos, especialmente na obtenção de energia — causando
apreensões por toda parte, em virtude do alto grau de periculosidade
de seus derivados, mas, de outro lado, vem afirmando-se, cada vez
mais, em seu uso civil, como objetivo prioritário no contexto da pro-
dução desse vital componente da civilização moderna1#.
nuclear de Ias centrales nucleares", Madrid, JEN, 1975; Henry Puget e outros: "Aspects du droit de 1'énergie atomique", Paris, Centre National de la Recher- che Scientifique, 1965 (com inúmeros trabalhos): Vittorio Di Martino: "La responsabilità civile nelle attività pericolose e nucleari", Milano, Giuffrè, 1979; Alfonso de Los Santos Lasúrtegui: "Problemas jurídicos de Ia energia nuclear", Madrid, JEN, 1964; Julio Albi Rico: "El seguro de respon- sabilidad civil de instalaciones nucleares en Espana", Madrid, Cepreven, 1979; Philippe Kahn e outros: "De 1'énergie nucléaire aux nouvelles sources d'ener- gie vers un nouvel ordre énergetique international", Paris, Litec, 1979; Gaeta- no Arcngio Ruiz: o. cit., p. 503 e >s.; Grassetti: "II regime jurídico de la respjnsabilttà civile", in "Diritto delle Energie Nucleare", Milano, Giuffrè, p. 429 e ss.; Lorenzo Martin-Retortillo Baquer: "Energia nuclear y Derecho", Madrid, "Instituto de Estúdios Políticos", 1964; Michel A. Guhin: "Nuclear paradox: security risks of the peaceful atom", Washington, American Enter- prise Institute for Public Police Research, 1976. Há ainda a inserção da temá- tica em obras gerais sobre responsabilidade civil, que serão referidas oportu- namente — como as dos Mazeaud ("Traité", cit., 6/ ed., t. II, p. 480 e ss.); de Toumeau (o. cit., p. 323 e ss.); de Alpa e Bessone (o. cit., p. 458 e ss.), e de Bonvicini (o. cit., v. 1, p. 136 a 493 e ss.), a par de artigos em revistas e bo- letins especializados. No Brasil, a par de artigos — como, dentre outros, os de Renato Guimarães Jr.: "O seguro nuclear sob risco constitucional", in RT 523/ 275; Luís Monteiro Gonçalves da Rocha: "Responsabilidade civil — aspectos da Lei 6.453, de 1977", in "Direito Nuclear", 1981, v. 2, n. 2, p. 67 e ss.; Wilson Melo da Silva: "Dafios nucleares e a responsabilidad civil", in "Direito Nu- clear", 1979, v. 1, n. 2, p. 27 e ss.; e José Paulo de Aguiar Gils: "Seguro nuclear no mercado internacional", in "Direito Nuclear", 1981, v. 2, n. 1, p. 65 e ss. — há discussão da matéria nas obras de Walter Tolentino Alvarez: "Introdução ao direito da energia nuclear", S. Paulo, Sugestões Literárias, 1975, p. 121 e ss, e "Curso de Direito da Energia", Rio, Forense, 1978, p. 483 e ss.
- A energia atômica tem provocado grandes polêmicas e a assunção de posições extremadas. Sobre o seu papel, v. dentre outros: Raymond Aron: "El gran debate: iníciacíón a Ia estratégia atômica", Barcelona, Edicíones His- pano Europea, 1967; Allen L. Hammond: "O futuro energético do mundo", trad., Rio, Zahar, 1975, p. 57 e ss.; Bertrand Goldschmídt: "Le Complexe ato-
8 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS ATIVIDADES NUCLEARES
Novo ciclo abre-se, em verdade, para a vida em sociedade, carac-
terizado, de um lado, por um prevalecimento acentuado do interesse
coletivo e por um domínio da tecnologia — designadamente de comu-
nicações — que propiciam um alargamento da área de atuação do
Poder Público, um encurtamento de distâncias e u'a maior velocidade
na circulação das informações, com a aproximação dos povos e das
pessoas, a par de inúmeras outras vantagens; mas, de outro, em con-
traponto, por uma crescente complexidade das relações jurídicas e o
conseqüente e significativo aumento dos riscos à vida, a saúde, à inti-
midade, ao patrimônio e aos demais valores e bens de cunho moral e
econômico que integram o rol dos piotegidos pelo Direito.
Paira sobre a humanidade, além disso, o risco maior de uma
conflagração nuclear — a temível e temida utilização militar do
átomo — mas, de qualquer sorte, não se pode deixar de assinalar, em
termos de fonte alternativa de energia; de progresso tecnológico e
econômico, e de conforto, em razão das utilidades práticas decorren-
tes, que benefícios enormes advêm dessas atividades^18.
326/20) — tem preocupado intensamente os juristas, dando aso a monografias de imenso valor nas letras jurídicas, como as de: S. Tarde: "Les transforma- tions du droit", 1893; Camilo Cavagnari: "Nuovi orizzonti del Diritto Civile", Milano, Fratelli Dumolard, 1891; Abel Andrade: "A vida do Direito Civil", Coimbra, Imprensa da Universidade, 1898; Joseph Charmont, "Les transforma- tions du Droit Civil", Paris, Armand Colin, 1912; Enrico Cimbali: "A nova fase do Direito Civil, em suas relações econômicas e sociais", trad., Porto e Rio, Chardon e Francisco Alves, 1900; René Savatíer: "Les metamorphoses économiques et sociales du Droit Civil d'aujourd hui", Paris, Dalloz, 1964, 3.* ed.; Orlando Gomes: "Transformações gerais do Direito das obrigações", S. Paulo, RT. 1967, 1." ed. Também em inúmeras outras obras, a matéria é ver- sada, como nas de Marco Aurélio Risolia: "Soberania y crises dei contrato", Buenos Aires, Abeledo Perrot, 1958; Louis Josserand: "Aperçu general des tendences actuelles de Ia íhéorie des contrats", in "Rev. Trim, de Droit Civil",
- t. 36. p. 1 e ss.; Jaime Santos Briz: "La contratación privada", Madrid, Montecorvo, 1966; Luis de Gasperi: "El régimen de Ias obligaciones en ei Derecho Latinoamericano", Buenos Aires, Abeledo Perrot, 1960, p. 11 e ss.
- Sobre a utilização do átomo, especialmente na guerra, v. dentre ou- tros autores: Georg Schwarzenberger: "International law and order", London, Stevens, 1971; Paul C. Szasz: "The law and pratices of the IAEA: safeguard". Viena, IAEA, 1970; Marie Françoise Furet: "Experimentation des armes nu- cleaíres et Droit International Public", Paris, Pedone, 1966; Mario Pessoa: "Leis da guerra", S. Paulo, RT., 1969, p. 165 e ss., e Jacques Danon: "Conseqüên- cias de explosões atômicas e termonucleares", Rio, Borsoi, 1955.
INTRODUÇÃO 9
Como o Brasil ora penetra, de modo definitivo, na era nuclear,
interessamo-nos pelo tema, procurando imprimir-lhe orientação siste-
matizadora, a partir de análise breve e global do esquema conceituai
da responsabilidade civil, seguida do estudo de sua incidência nas
atividades consideradas perigosas, para, por fim, deter-nos sobre o
aspecto definido, que será versado em nosso direito privado interno,
mas à luz de princípios, normas e decisões consagradas também a
nível universal e no do direito comparado.
A importância desse estudo evidencia-se de plano, ante à cons-
tatação de que, no estágio atual do processo de utilização do átomo
para fins pacíficos, face à denominada "crise do petróleo", empe-
nham-se os países em explorar ao máximo suas potencialidades —
destinando a esse programa substanciosas verbas orçamentárias; cons-
truindo usinas de produção, de beneficiamento de materiais atômicos
e outras; realizando estudos e pesquisas para a ampliação de sua área
de abrangência — com o objetivo central de obtenção de mais energia,
meta essa que pode ser considerada o desafio maior de i 3ssos dias,
em especial para os países em desenvolvimento^14.
Identificado com esse posicionamento, o nosso país — que inse-
riu essas atividades dentre as suas prioridades — já se lançou, com
o acionamento da usina Angra I, na fase decisiva do processo de pro-
dução de energia, cogitando, ainda, da implantação de novas usinas
e de unidades beneficiadoras de materiais atômicos, bem como da
extração de minérios radiativos em novos pólos, de sorte que assume
a respectiva problemática real significado dentro do contexto social,
econômico e político da nação1S.
- O desenvolvimento da energia atômica fez nascer complexos meca- nismos internacionais de controle, em sistema global e também regional. V. a respeito, dentre outros textos: Albert Ducroq: "Víctoíre sur 1'energie", Paris, Flammarion, 1980; Philippe Kahn e outros: o. cit.; J. M. Rainaud: "L'Agence International de 1'Ênergie Atomique", Paris, Armand Colin, 1933. Sobre a organização e o desenvolvimento do sistema, extenso material pode ser encon- trado no "Boletin" da Organização Internacional de Energia Atômica, de Viena. (V. especialmente os vols. 18, p. 3 e 4, sobre a América Latina; e 21, n. 2 e 3, sobre os países em desenvolvimento). Sobre o seu papel na economia, V. W. C. Wood: "Nuclear liability, nuclear safety and economic efficiency", Virgínia University, 1980 (tese).
- No Brasil, em que te acha definida uma política para as atividades nucleares, complexa estruturação jurídico-administrativa confere-lhes o neces- sário suporte, para o desenvolvimento almejado. Sobre a política nuclear bra- sileira, V. Guido F. S. Soares: "Contribuição ao estudo da política nuclear brasileira", S. Paulo, 1974 (tese).
PARTE II
Teoria geral
da responsabilidade civil
CAPÍTULO I
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOÇÃO E ESPÉCIES
3. Noção de responsabilidade: responsabilidade penal e responsabi-
lidade civil.
Frente ao ordenamento jurídico — apartadas as manifestações
indiferentes — fatos, atos e negócios podem mostrar-se em "confor-
midade" ou em "desconformidade" com o sistema prevalecente —
como anota Luigi Cariota Ferrara — compreendendo-se, nessa colo-
cação, também os atos nulos, que, por inobservar qualquer dos re-
quisitos postos, com ele não se afinam. Mas, a desconformidade pura
— ajunta o mesmo autor — traduz-se apenas nos "atos ilícitos" (como
a destruição de coisa alheia) e nos "atos antijurídicos* (como as hi-
póteses de responsabilidade objetiva e de enriquecimento sem causa),
que constituem, respectivamente, a "antijuridicidade em sentido sub-
jetivo" e a "antijuridicidade em sentido objetivo" ", categorias que
17. Luigi Cariota Ferrara: "II negozio gíuridico nel Diritto Private ita-
liano", Napolí, Morano, s/data, p. 25 e 26. No mesmo sentido, Caio Mario, o.
cit., p. 563 (em que fala em "conduta obediente ou contraven'ente" à ordem
jurídica); Orlando Gomes: "Introdução ao Direito Civil", Rio, Forense, 1977,
5." cd., p. 540; e Atílio Anibal Alterini: "El íncumplimiento considerado en
si propio", Buenos Aires, Cooperadora de Derecho y Ciências Socíale», 1963,
12 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS ATIVIDADES NUCLEARES
têm como diferencial a possibilidade de imputação do evento à cons-
ciência do agente1S.
Extremandose, em consonância com os objetivos do presente tra-
balho, as situações possíveis nos dois pólos acima, e limitando-as às
ações dependentes da vontade humana, temos que, ou a pessoa res-
peita os princípios e normas de cunho jurídico existentes, bem como
honra as obrigações assumidas, ou, ao revés, procede em desacordo
com essas batizas.
Dessa duplicidade de posicionamentos, nascem duas categorias
jurídicas, respectivamente: a) a dos atos jurídicos — consistentes em
comportamentos voluntários, conformes à ordem jurídica e tendentes
à produção de efeitos jurídicos, queridos ou não pelo agente — e
b) dos atos ilícitos — consubstanciados em procedimentos contrários
à referida ordem — cada qual com reflexos próprios e antinômicos,
no campo do Direito **.
p. 9, (em que enfoca o ilícito civil sob o aspecto objetivo, voltando à matéria im outra obra: "Responsabilidade civil", Buenos Aires, Abeledo Perrot, 1974, 7.* ed., p. 63 e ss.). Emílio Bettí separa as manifestações "transcendentes" e "intranscendentes", conforme interessem ou não ao Direito ("Teoria general dei negocio jurídico", trad., Madrid, Revista de Derecho Privado, 1959, 2." ed., p. 94 a 96).
- Dentro dessa concepção, o ato ilícito é espécie dos "atos não con- formes ao Direito", como anota Vicente Ráo, salientando que outros escrito- res, na contraposição entre o lícito e o ilícito, partem da noção de antijuridi- cidade, incluindo, nesta ultima, os atos contrários à consciência jurídica, sob a denominação genérica de "injúria" ("ünrecht", "tort", "torto", "não direito"). Considera, também, no entanto, que se deve tomar essa noção no sentido es- pecífico de desrespeito ao Direito, inserindo, dentre os atos não conformes: a) "os fatos que se desviam do Direito" (citando os de "détournement de pouvoir" do Direito Administrativo); b) os que importam em abuso do direito (como os de abuso dos poderes conferidos pelo direito); c) os que violam normas imperativas e d) os atos ilícitos em sentido estrito (conforme a con- ceituação tradicional) ("Ato Jurídico", S. Paulo, Max Limonad, 1961, p, 26 e 27). Distingue-se, outrossím, o "ilícito" do "ilegal", correspondente a primeira noção à idéia de reprovação pelo Direito e, a segunda, a não conformação com a lei. (V. a respeito, dentre outros autores, Ráo: o. cit., p. 27; Betti: o. ult. cit., p. 94; Carvalho de Mendonça: o. cit., p. 431; e Alterini: o. inicial cit., p. 11).
- Cumpre distinguir-se, com respeito aos atos jurídicos; a) aqueles em que a vontade governa o direcionamento da ação; b) dos em que assim não acontece. Desse modo, quando queridos os efeitos, tem-se a figura do negócio jurídico: declaração de vontade dirigida à obtenção do resultado previsto no ordenamento jurídico (assim, o testamento, a promessa unilateral, o contrato); quando os efeitos se verificam independentemente da vontade (ex fure), tem-so
14 RESPONSABILIDADE CIVIL NAS ATIVIDADES NUCLEARES
belecem-se, com os atos ilícitos, somente deveres para o causador do
prejuízo, vinculando-o — ou a seu patrimônio — à satisfação dos
direitos do lesado 21.
Os primeiros são, pois, consentidos pelo ordenamento jurídico;
os segundos, proibidos, consubstanciando-se, conforme F. Santoro-
-Passarelli, em "fatos voluntários, positivos ou negativos, que violam
um dever, específico ou genérico, de comportamento do sujeito que
age"».
Deter-nos-emos na categoria dos atos ilícitos, a partir de cuja
noção se chega à formulação da teoria da responsabilidade — tanto
civil, quanto penal — inobstante o ordenamento jurídico contemple
hipóteses outras de fatos geradores de responsabilidade, como exal-
çam Karl Larenz M^ e Fernando Pessoa Jorge 24.
1975, p. 36 e ss.; c Jean Louis Baudouin: "Les obligations", Montreal, Presses de 1'Université, 1970, p. 11 e 12; Demogue: o. cit., v. 1, p. 45 c 46; Josserand: "Derecho Civil", cit.. t. II, v. 1, p. 289 e ss.; Giorgi: o. cit., v. 5, p. 195 e ss.; Betti: "Teoria generate", cit., v. 1, p. 12 e ss.; Francesco Schupfer: "II Diritto delle obbligazíoni in Italia", Torino, Bocca, 1920, v. 1, p. 31 e ss.; Enric Jardi: "La responsabilidad civil derivada de acto ilícito", trad., Barce- lona, Bosch, 1958, p. 27 e ss.
- Conforme realça Manuel Andrade, com o ilícito pode ocorrer: a) a restauração natural ou restituição em forma específica, ou b) a restituição por equivalente (indenização): o. cit., p. 4. V. tb.: L. Jouitou: "Simples explications sur ie Droit Civil et ses bases nécessaires", Paris, A. Chevalier — Marescq & Cia., 1904, p. 283; Larenz: o. cit., t. I, p. 227 e ss.; Barassí: o. cit., v. II, p. 52 e ss.; Espínola: o. cit., p. 603; Francesco Messineo: "Manuale di Di- rito Civile e Commerciale", Milano, Giuffrè, 1952, 8.* ed., v. II, parte 2, p. 49; Haluk Tandogan: "Notions préliminaires a Ia théorie generate des obli- gations", Geneve, Librairie de lUniversité, 1972, p. 48; Mota Pinto: o. cit., p. 85, dentre outros autores.
- Santoro-Passarelli: o. cit., p. 84. Luiz da Cunha Gonçalves enfatiza, nessa noção, o prejuízo: "Tratado de Direito Civil", S. Paulo, Max Límonad, 1957, 1.* ed. bras., v. XII, t. II, p. 516.
- Com efeito, o ordenamento "não se conforma em estabelecer a res- ponsabilidade por conduta culpável e antijurídica", como anota o citado autor, fixando outras situações — baseadas no risco — em que faz assentar a res- ponsabilidade civil, fora, pois, da categoria do ilícito (Larenz: o. cit., v. I, p. 191 e 192, em que apresenta os diferentes fundamentos decorrentes desse po- sicionamento, para o qual basta a simples causação do resultado). V. tb: Tra- bucchí: o. cit., p. 207; Barassí: o. cit., p. 474 e ss.; Mota Pinto: o, cit., p. 88 a 90.
- Esse fenômeno — ditado pela necessidade de reparação dos danos sofridos pelas vítimas, em razão da situação especial de algumas pessoas, que tiram proveito dos sofisticados processos técnicos postos à disposição dos ho-
RESPONSABILIDADE CIVIL: NOÇÃO E ESPÉCIES 15
Com efeito, na conceituação do ilícito, ingressam apenas as ma-
nifestações antijurídicas de cunho subjetivo — suscetíveis, pois, de
atribuição ao agente — segundo o citado Ferrara, que, em função
disso, define ato ilícito como "qualquer ato humano que, em viola-
ção de uma norma jurídica, acarreta dano a outrem", fazendo nascer
para o agente a obrigação de ressarcimento, se se tratar de pessoa
capaz de entender e de querer e se houver laborado com culpa ou
dolo^25 , como realça ainda Robert Joseph Pothier^2 *.
Isso significa que é da conjugação de elementos vários que se
chega à caracterização do ato ilícito. Decompõe-se essa categoria,
consoante Virgile Rossel, em uma ação, imputável ao agente, danosa
para a vítima e causada sem direito 27. Daí nasce o dever de repara-
ção, mas somente se o agente for juridicamente suscetível de respon-
sabilização, ou, conforme Raymundo M. Salvat, com a reunião, em
concreto, dos elementos objetivo (volação da ordem jurídica) e subje-
tivo (intenção de causar prejuízo ou procedimento culpável) **.
Por essa razão, salientam, dentre outros, Larenz*^9 e Alberto
Trabucchi^80 que não é qualquer ato injurídico que merece a inqui-
nação de ilícito, mas sim, consoante Orlando Gomes, aquele resul-
tante de ação consciente e que atinja "direta e imediatamente, um
preceito jurídico de direito privado, causando dano a outrem". Com
mens pela evolução técnico-científica — tem acarretado uma paulatina obje- tivação da responsabilidade, como acentua, dentre outros, Fernando Pessoa Jorge ("Ensaio sobre os pressupostos da responsabilidade civil", Lisboa, Cen- tro de Estudos Fiscais, 1972, reedição, p. 63 e ss.) e adiante será versado. Dentre inúmeros outros autores, v. tb. Enneccerus, Kipp e Wolff; o. cit., v. 2, p. 1.032 e ss.; Weill e Terré: o. cit., p. 641 e ss.; Demogue: o. cit., v. 3, p. 482 e ss.; Josserand: o. cit., p. 443 e ss.; Savatie*-: "La théorie", cit.,; p. 279 e ss.; Brun: o. cit., p. 21 e ss.; De Page: o. cit., p. 817 e ss.
- Ferrara: o. cit., p. 28.
- Robert Joseph Pothier: "Tratado de las obligaciones", trad., Buenos Aires, Heliasta, 1978, p. 72.
- Virgile Rossel: "Manuel du droit federal des obligations", Lausane, F. Payot, 1892, p. 91. Mourlon põe em relevo os elementos: ação ilícita; impu- tável ao agente; e danosa (o. cit., p. 926).
- Raymundo M. Salvat: "Tratado de Derecho Civil Argentino", Bue- nos Aires, Tipográfica Argentina, 1958, 2.' ed., v. IV, p. 15.
- Larenz: o cit., t. II, p. 562 (em que realça: a ação, a oposição ao direito e a culpabilidade como pressupostos do ilícito).
- Alberto Trabucchi: "Istituzioni di Dirítto Civile", Padova, Cedam, 1977, 22.' ed., p. 205.