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filme “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, de 1971, tanto em seu conteúdo ... “desenvolvidos” e as inovações tecnológicas eram vistos como a cura para todos ...
Tipologia: Notas de aula
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São Paulo 2012
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Relações Públicas, Propaganda e Turismo da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como requisito para a obtenção título de Bacharel em Comunicação Social – habilitação em Publicidade e Propaganda, sob a orientação do Prof. Dr. Eneus Trindade Barreto Filho.
São Paulo 2012
À minha mãe, ao meu pai, ao meu irmão: meus companheiros e amores eternos.
Aos Ferreira e aos Franco, por serem parte vital da minha construção individual.
À Denise por sua presença essencial.
À Tadzia, ao Igor, à Dafne, ao Lucas, à Júlia, à Aline, à Dani e ao Bruno: a todos os Litroz, meus grandes amores ecanos.
Ao meu queridíssimo professor Luli pelos conselhos profissionais e pela amizade.
Ao Eneus, pela ajuda e ideia motivadora.
À Carla, por suas ideias humanas e aconchegantes.
Ao Redigir, onde aprendi que amor e educação são palavras indissociáveis.
Às crianças que são, foram e virão.
A todos que acreditaram que este trabalho ia sair: nasceu o filho de parto mental!
Wild child full of grace Savior of the human race Your cool face
Natural child, terrible child Not your mother's or your father's child Your our child, screamin' wild
(An ancient lunatic reigns in the trees of the night)
With hunger at her heels And freedom in her eyes She dances on her knees Pirate prince at her side Staring into the hollow idol's eye
Wild child full of grace Savior of the human race Your cool face Your cool face Your cool face
You remember when we were in Africa?
Wild Child – Jim Morrison
Este trabajo tiene el objetivo de investigar los discursos dirigidos sobre y para el universo infantil a través de las mass medias con el intuito de problematizar el medio social donde vive el niño en la era pos-industrial del capitalismo. El trabajo cuenta con una parte teórica y conceptual sobre la cultura de masas y la infancia y otra parte analítica y reflexiva. Como una forma de analizar la interrelación entre la infancia y la cultura de masas será utilizado la película “A Fantástica Fábrica de Chocolate”, de 1971, tanto en su contenido narrativo, cuanto en sus desdoblamientos reales como producto y motor de la cultura industrial. A partir del trabajo es evidente que discursos e ideas adultas inundan el imaginario sobre la infancia, así como textos y mensajes comerciales se diluyen, tomando formas amplias y prácticamente invisibles. El análisis permite una relectura sobre la idea de infancia en contacto con las instituciones adultas, así como una contextualización de los discursos diseminados por las mass medias sobre el universo infantil en Brasil.
Palabras clave: infancia, mass media , cultura de masas, mercado infantil, imaginario, realidad; A Fantástica Fábrica de Chocolates
A cada segundo todos nós mudamos e levamos conosco o mundo, o nosso mundo, esse que a gente conhece, cria, transforma, recria, remonta e refaz a cada momento. O hoje, o ontem e o amanhã são mais agora que nunca, são presentes infindáveis. O presente é o único tempo atemporal. Somos seres que tem consciência da morte, temos a lembrança do passado, a esperança do futuro, somos os que fazem a história e os que sofrem os seus efeitos, nós somos tempo. O tempo existe porque nós existimos.
Somos também seres espaciais, para nós o mundo é feito de lugares (perto, longe, o caminho, a mata, a cidade, o campo, o mar, a montanha, o céu, a Terra), dimensões (grande, pequeno, largo, cheio, raso, vazio...) e de qualidades (cores, sabores, sons, texturas, conceitos, imaginação). Somos um mundo uns com os outros e, pelo que podemos perceber ao longo da civilização, é da nossa natureza viver em sociedade, em grupo, o que proporciona conflitos, relações afetivas, de luta, de esperança e paz. Mas também guerra, violência e opressão.
Parece ser um curso natural de renovação e transformação, mas apenas as pessoas que conhecem e têm dimensão do mundo em que vivem, em suas diferentes esferas conceituais e simbólicas, sabem da existência dessas mudanças, têm consciência de que antes era de um jeito, hoje é de outro e que mais tarde pode vir a ser um mundo ainda diferente. Quando existe uma reflexão crítica e analítica acerca da realidade - estando ela intimamente ligada ao eu, aos fatos vividos e conhecidos - é possível inclusive prever os desdobramentos desses fatos e seus impactos na sociedade e no nosso entorno. Quem faz previsões e reflexões “complexas” e “filosóficas” sobre a humanidade são frequentemente os adultos. Quem cria, expande e produz as ferramentas que movem a história, a economia, a tecnologia e a política são eles também. Vivemos um mundo feito por adultos e para adultos. Parece não haver espaço para inclusão das crianças nas decisões “sérias” e “formais” inerentes ao seu próprio mundo.
Esquecer que o adulto teve uma pré-vida, nasceu e foi ao menos por um tempo uma criança é, no mínimo, negligente. Ser criança ao menos uma vez é o único estágio obrigatório da vida, assim como o presente é o único tempo obrigatório. Sem ele ninguém existiria. Os primeiros anos da vida por mais que muitas vezes não sejam recordados e não façam parte da nossa memória, são complexos e de grande influência no nosso desenvolvimento como
pessoa cidadã de dimensão psicológica, biológica, comunicativa, política, cultural e imaginária.
A história original do filme “A Fantástica Fábrica de Chocolates^1 ”, de 1971, é de Roald Dahl e traz um conto voltado tanto para crianças quanto para adultos e surpreende pela ousadia imaginativa do universo capitalista de Wonka e pelo moralismo generalizante. O autor problematiza o sistema capitalista e suas ferramentas (a magia, a propaganda, as estratégias “invisíveis") inerentes ao imaginário do personagem Willy Wonka e centraliza a aventura do herói pobre, Charlie Bucket, em um clichê romanesco e adocicado. Enquanto isso, no núcleo infantil “demoníaco”, as crianças são punidas drasticamente com castigos violentos pelos seus comportamentos “malcriados” e suas atitudes asquerosas, assim como seus respectivos pais, responsabilizados pelos comportamentos impróprios e desobedientes de suas crianças.
A escolha do filme de 1971 se dá principalmente pelo fato de representar a transformação do imaginário do livro para uma linguagem acessível e inteligível para a maioria das pessoas. Com o rompimento da barreira da escrita, rompe-se também as barreiras impostas pela linguagem que exige antes de tudo a leitura, e exclui do contato direto com a obra os que não entendem os códigos linguísticos, o alfabeto. Além do mais, nesta versão do filme, a inserção da mídia televisiva e do jornalismo espetacular como motores essenciais da relação entre o capitalismo imaginário da marca Wonka e as crianças, tornam a trama mais real.
Através da primeira versão do filme como objeto de estudo, pretendo fazer uma leitura crítica sobre o universo simbólico inerente à obra através de uma análise de seu conteúdo narrativo e conceitual, da sua inserção no mundo cultural-comercial hoje e as relações entre a ideia de infância vinculada à obra, assim como a ideia de infância hoje disseminada pela mídia de massa no Brasil.
O tema das crianças na história do filme é central e evoca questões ligadas à família, à educação, ao consumo, ao espetáculo midiático e, em geral, à relação criança e adulto nas diferentes instâncias e instituições. O tema pode ser analisado desde uma perspectiva interior, dentro das tramas e do roteiro, em que a mídia e o capitalismo mediam as relações do mundo
(^1) O nome original do filme é Willy Wonka and the Chocolate Factory, mas ficou conhecido no Brasil como A Fantástica Fábrica de Chocolate.
1.1. Instrumentos comunicacionais e os primórdios da cultura de massa: impactos no universo simbólico
Durante mais de dois séculos, o moderno processo de emancipação do indivíduo realizou- se pelo direito e pela política, pela produção e pela ciência; a segunda metade do século XX prolongou essa dinâmica pelo consumo e os meios de comunicação de massa (LIPOVETSKY, 2007, p. 155).
A partir do século XX, as artes técnicas passaram a ser utilizadas e moldadas para responder a uma demanda de consumo não mais voltada apenas para a experiência palpável e material, mas também para o campo psíquico e sensitivo, apoiado pelos campos férteis e afetivos da linguagem audiovisual, potente exploradora de informações e narrativas com a mescla de diferentes universos simbólicos: a imagem, a palavra falada, a escrita, a música, o silêncio (MORIN, 2009).
Configurando o início da industrialização da cultura, as técnicas e seus desdobramentos no campo cultural e comunicativo - o cinema, a TV, o rádio, a Internet, a telegrafia sem fios - somente puderam se desenvolver e se aprimorar devido aos interesses econômicos e políticos existentes por trás de tais tecnologias e potencialidades comunicativas e artísticas.
Nesse sentido, creio ser necessário citar duas tecnologias anteriores ao século XX: a imprensa e o telégrafo. Elas iniciaram aos poucos um terreno fértil para a implantação e manutenção do controle dos meios de comunicações de massa, sua produção e, consequentemente, a divulgação dos valores e ideais envolvidos nos interesses de uma pequena parcela da população, que tem acesso não somente ao consumo midiático, mas à produção de conteúdo de mídia massiva.
Desenvolvidas em épocas diferentes, a imprensa no séc. XV e o telégrafo no fim do séc. XIX, inevitavelmente (mas não intencionalmente) interferiram de maneira irreversível e impactaram de uma vez por todas a vida prática e simbólica humana. A partir delas, as referências de tempo e espaço são deslocadas e o contato entre os seres humanos, e entre eles e o mundo, é transformado de maneira drástica.
O surgimento da prensa tipográfica se dá no século XV, importante momento de transição da história marcada pelo fim da Idade Média e o início da Idade Moderna, assim como o nascimento do capitalismo e o fim do feudalismo. Tal transformação significou uma mudança radical na organização das sociedades ocidentais: do campo para as cidades; na sua forma produtiva: do trabalho na terra para o trabalho urbano (comércio), permitindo a ascensão da burguesia como classe dominante, bem como os seus valores e ideologias ligadas à Igreja, à família e à propriedade privada dos meios de produção, incluindo-se aí não apenas meios de produção de produtos materiais, mas também os meios de produção de comunicação de massas.
De acordo com Neil Postman (1999), a prensa tipográfica marcou a formação de um novo ambiente comunicacional a partir do século XVI caracterizado pela impressão e disseminação de livros através do prelo (forma pioneira de impressão de livros) e do nascimento da imprensa, que causaram impactos na vida cultural e letrada da humanidade.
O alfabeto era um código altamente complexo e de difícil decifração, concentrado e controlado pelas corporações de escribas e pela Igreja, em que lhes eram garantidos privilégios intelectuais e poder baseado em detenção de conhecimento. Apesar do analfabetismo altamente disseminado na época, a prensa tipográfica significou um avanço em relação à democratização dos símbolos da comunicação a partir da simplificação da tipografia e da produção de livros. Interessava à Igreja estimular um acesso mais restrito à alfabetização, induzindo seus clérigos a formar uma corporação de escribas que fossem os únicos a conhecer os segredos teológicos e intelectuais (POSTMAN, 1999, p.26).
Com a simplificação do alfabeto e a dispersão dos livros e da cultura clássica, houve espaço para que a alfabetização socializada acontecesse e o acesso aos códigos linguísticos fosse difundido. Postman explica a alfabetização socializada como contrária à alfabetização corporativa e restrita, sendo ela caracterizada pela condição em que a maioria do povo é apto para a leitura e realmente o faz.
A tipografia, então, possibilitou o exercício da leitura (primeiro em voz alta e depois silenciosa) como um processo do desenvolvimento de autocontrole e da paciência, já que é necessário aguardar a sequência das palavras até que elas façam algum sentido. Além disso, a leitura silenciosa é pessoal e introspectiva, sem presença da oralidade, até então base das comunicações humanas. Dessa forma, a transferência do leitor em voz alta para o leitor
através de um meio condutor - essência do telégrafo, da telefonia, do rádio - as dimensões da comunicação humana foram transformadas, ultrapassando as barreiras do tempo e do espaço humanos e rompendo o vínculo histórico entre transporte e comunicação. A notícia enviada por esse tipo de tecnologia comunicativa é instantânea e sem fonte identificável, sendo possível a criação de um mundo de informação anônima e descontextualizada. As mensagens tomaram proporções gigantescas, pois é uma voz do além que envia a notícia, uma voz que vem de todos, um todo não identificado, “eles”. O telégrafo e o jornal direcionam uma mensagem a uma massa, a uma multidão, mas se diferem no fato de que a mensagem enviada pelo telégrafo não tem uma fonte identificável, enquanto que o jornal tem, mesmo que se trate de uma fonte questionável.
Paralelamente ao telégrafo e ao desenvolvimento da comunicação elétrica, desenvolve-se a revolução gráfica - cinematógrafo, TV, computação - e com ela a ascensão de um novo mundo simbólico, onde estampas e anúncios ganham poder e se disseminam pelo imaginário social através dos meios de comunicação. Imagens e ideias (informação) são produzidas numa quantidade estrondosa, descontrolada e fragmentada, e logo, dispersadas para os quatros ventos, aos quatro cantos do mundo e direcionadas a quaisquer pessoas, independentemente do gênero, idade, crença ou classe social.
A invasão da informação imagética e audiovisual não é do mesmo universo simbólico da palavra, ela tem suas características particulares e exige outro tipo de percepção e resposta, que pode ser resumida na palavra “estética”. A linguagem é uma abstração da experiência, ao passo que as imagens são representações concretas da experiência (POSTMAN, 1999, p. 87). O autor atenta ainda para o fato de que essas duas formas de se comunicar exigem processos cognitivos distintos e são percebidos de diferentes maneiras. A linguagem é composta de símbolos (palavras) que exprimem um significado abstrato, uma ideia, um conceito e exige um conhecimento prévio do código, o alfabeto. Já as imagens são concretas e irrefutáveis, são de assimilação imediata e exige uma resposta estética.
Tendo em vista essa comparação como tentativa de esboçar de maneira objetiva as qualidades do novo complexo comunicativo em que estamos todos inseridos, não convém julgar se um tipo de informação e tecnologia é mais válido que outra, mas sim encará-las como complementares ao corpo simbólico e cultural da civilização a partir do século XX.
Assim, o caráter da informação antes marcado pela pessoalidade e regionalidade pôde transformar-se em informação impessoal e global; a informação antes essencialmente de
caráter textual e oral, passa a ser produzida maciçamente através de imagens – o que não implica numa substituição e sim em uma complementação do ambiente comunicativo, passando a coexistir livros, filmes, jornais, televisão, internet. Ou seja, o caráter da informação pôde passar de discursivo e racionalista a não-discursivo e emotivo, afetando o meio comunicacional humano e tornando relativas e complexas as noções e percepções de realidade e imaginação, um desordenado e poderoso ataque à linguagem e à leitura, uma reelaboração do mundo das ideias em ícones e imagens com a velocidade da luz (POSTMAN, 1999, p.87).
Postman aponta a evidência de que existem ideias de natureza comunicativa por trás dessas tecnologias e máquinas que podem influenciar nosso ambiente comunicacional e apresentar uma visão de mundo própria que irá entrar em contato com a vida prática humana, que por sua vez irá se adaptar e atuar sobre ela. Por exemplo, o conceito de tempo, de espaço, de escala e de conhecimento são impactados por essas ideias encarnadas em tecnologias através de máquinas criadas pelo homem, como: o relógio, a bússola e o telescópio, evidenciando a constituição dialética da relação cultural e existencial humana, em que o que criamos forma e transforma de alguma maneira o que somos, a nossa essência.
Ao longo dos anos os temas que desabrocham ou desfalecem, evoluem ou se estabilizam no cinema, na imprensa, no rádio ou na televisão traduzem uma certa dialética da relação produção-consumo (...) dialética entre o sistema de produção cultural e as necessidades culturais dos consumidores (MORIN, 2009, p.47).
A partir das mudanças tecnológicas no campo da comunicação, Postman cita Harold Innis e revela resumidamente a essência dos três tipos de efeitos invariáveis decorrentes destas transformações: alteram a estrutura dos interesses (as coisas em que pensamos), o caráter dos símbolos (as coisas com que pensamos) e a natureza da comunidade (a área em que os pensamentos se desenvolvem) (POSTMAN, 1999, p.37). E estes efeitos operam muitas vezes sem nos darmos conta da sua dimensão e do seu poder de influência na vida humana, pois, como veremos, essas tecnologias vão muito além do impacto tecnicista, entrando a fundo no espírito do homem por tratar-se de intervenções de cunho comunicativo, educativo, afetivo e persuasivo em relação constante com indivíduos e instituições (públicas e privadas). Podemos descobrir que a estrutura da nossa consciência vem sendo remodelada para corresponder à estrutura da comunicação (POSTMAN, 1999, p.37).
intuito de aumentar a produção e a produtividade. Nesse sentido, o modelo dos países “desenvolvidos” e as inovações tecnológicas eram vistos como a cura para todos os males dos países periféricos. Concomitantemente ao desenvolvimento e à expansão dos modelos produtivos dos países “desenvolvidos”, a desigualdade econômica e social atingia níveis exorbitantes entre países ricos e pobres e, internamente, entre minorias ricas e maioria pobre ou miserável.
De acordo com Morin, a era pós-industrial coincide com a garantia da diminuição do tempo de trabalho e a ampliação e estabilização do tempo livre em zonas pré-fabricadas de tempo de lazer, baseado no tempo de trabalho: férias, fim-de-semana, folgas; devido à organização burocrática do trabalho e à pressão sindical. Além disso, as especializações e tecnologias maquinárias que caracterizaram o trabalho no começo do século XX negaram a inclusão da personalidade humana e excluíram a criatividade e a responsabilidade no processo produtivo (autonomia), fazendo com que o tempo não dedicado ao trabalho fosse preenchido não mais pelo descanso e repouso, mas pelos interesses individuais, pela personalidade e pelo bem-estar. Ao mesmo tempo em que são oferecidos pela indústria cultural e pelos mercados globalizados infindáveis produtos feitos para alimentar e inspirar os desejos, a felicidade, as necessidades de uma vida de qualidade, caracterizando uma adesão ao aspecto lúdico da vida. Na nova era do consumo, das tecnologias e da mídia, o lazer deixa de ser um privilégio burguês e torna-se mais acessível às classes de menor poder aquisitivo.
O lazer passa a ser o lugar por onde entram os conteúdos essenciais da vida, onde a aspiração à felicidade individual torna-se exigência, representando por um lado as referências dos valores privados e por outro um acabamento em si mesmo, tendo o entretenimento divertido e o descompromisso como fatores principais. É no lazer que a cultura de massa e de consumo orienta a busca pela saúde individual e se torna estilo de vida, onde os nossos conteúdos mais essenciais entram em cena e onde nossa visão de felicidade se enquadra.
Lipovetsky refere-se às experiências vividas no lazer na condição pós-industrial como estando ligadas, de alguma maneira, a uma satisfação de tipo hedônico, que não se refere ao trabalho. No lazer, o homem se preocupa em se afirmar como indivíduo e o faz a partir do consumo de produtos tangíveis e de produtos intangíveis. A cultura de massas permeia a vida do indivíduo, seja dando referências aos ideais de bem-estar e consumo, seja através de momentos do consumo da própria vida por meio de aspirações sobre amor e felicidade inspiradas em filmes e histórias, produtos e serviços. Nesse sentido, a cultura de massa pode
ser definida como uma cultura cotidiana dominada pela felicidade privada e pelos ideais hedonistas em que o lazer torna-se estilo de vida.
A partir dos anos 50, com o advento da televisão, todo o novo mundo simbólico relacionado à cultura de massas e consequentemente com a nossa linguagem e percepção ligados diretamente ao o nosso ser geral, que como Morin explicita é ao mesmo tempo semirreal e semi-imaginário, passa a estar presente nos lares, nas reuniões de família, na vida privada. Não há dúvida de que já o livro, o jornal eram mercadorias, mas a cultura e a vida privada nunca haviam entrado a tal ponto no circuito comercial e industrial (MORIN, 2009, p.13).
Paralelamente, Lipovetsky aponta que a estrutura familiar sofreu grandes transformações: as grandes famílias, em que muitas gerações convivem, são substituídas por famílias nucleares (pais e filhos). O peso sobre as despesas familiares diminuem (economia e transmissão de herança), assim como o peso dos trabalhos domésticos. O lar adquire autonomia interna e se torna mais individualizado, o consumo passa a representar escolhas individuais e a afirmação do homem como ser privado e se reflete no seio da família moderna. Sendo assim, o núcleo familiar também é o lugar onde as grandes aspirações humanas são afloradas: a felicidade, o bem-estar, o amor. Nesse sentido, a família nuclear moderna tende a afrouxar as relações de autoridade - base essencial da definição de ordem no lar apoiada pelo paternalismo e pelas práticas tradicionais de disciplina (agressão física e verbal, por exemplo)
A elevação das possibilidades de consumo e a promoção da vida privada a partir da cultura de massas correspondem a um novo grau de individualização da existência humana - já em curso desde o início da modernidade e da imprensa de Gutenberg – marcada pelo hedonismo e psicologia, pela privatização da vida e a autonomização dos sujeitos em relação às instituições coletivas (LIPOVETSKY, 2007, p.36). Nesse sentido, enquanto a modernidade representa um momento estável da vida, baseado no trabalho, na técnica e em princípios e normas bem definidas e conservadas em referências coletivas: claras distinções entre bom e ruim, certo e errado, o chique e “culto” do popular e as divisões de classe explícitas, caracterizaram um ambiente hierarquizado e sólido, que ao culminar na chamada pós- modernidade, na era do consumo e da individualidade suas bases são abaladas e diluídas. Essa ordem hierárquica se desmantelou ou se desagregou em favor de sistemas desregulados e