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Este documento analisa a lei 9.883/99 como o marco jurídico da atividade de inteligência de estado no brasil. Ele aborda a importância da existência de fundamentos legais sólidos para garantir segurança aos agentes de inteligência e minimizar riscos, além de discutir a inserção da atividade na constituição brasileira. O texto também menciona outros documentos doutrinários importantes para a atividade de inteligência no brasil.
Tipologia: Slides
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**Vicente Nicola Novellino ***
Resumo
O uso da inteligência é um recurso que auxilia no processo decisório em nível estratégico, bem como é uma importante ferramenta no enfrentamento das novas ameaças, dentre as quais o terrorismo, a criminalidade organizada e os ataques cibernéticos. Por ser uma função de Estado, nos regimes democráticos, a regulação da atividade de Inteligência se fundamenta num conjunto de normas jurídicas específicas. No Brasil a Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, é o marco legal dessa atividade, cujos dispositivos foram objeto de análise, sobretudo para avaliar o respaldo jurídico necessário a seu desenvolvimento, bem como a necessidade de oferecer um conjunto de garantias funcionais a seus operadores no desempenho de suas atribuições dentro e fora do território nacional. Inobstante seus aspectos positivos, como a criação da Agência Brasileira de Inteligência e a atuação sistêmica que envolve participação de vários órgãos públicos, identificaram-se pontos imprecisos e vagos no respaldo às ações de busca, muitas vezes complementares e imprescindíveis ao processo de formação do conhecimento. Assim, transcorridos mais de vinte anos de sua edição e num processo de melhoria contínua, é necessário o aperfeiçoamento dessa legislação para balizar a atividade de Inteligência brasileira diante dos novos desafios do cenário mundial atual.
Palavras-chaves: Contrainteligência, Guarda Municipal, Inteligência de segurança pública.
Abstract
The use of intelligence is a resource that assists the decision-making process at the strategic level, as well as an important tool in facing new threats, including terrorism, organized crime and cyber attacks. As it is a role of the State, in democratic regimes, the regulation of intelligence activity is based on a set of specific legal norms. In Brazil, Law No. 9,883, of December 7, 1999, is the legal framework for this activity, the provisions of which were analyzed, especially to assess the legal support necessary for its development, as well as the need to offer a set of functional guarantees to its operators in the performance of their duties inside and outside national territory. Despite its positive aspects, such as the creation of the Brazilian Intelligence Agency and the systemic performance that involves the participation of various public agencies, inaccurate and vague points were identified in the support of search actions, often complementary and essential to the process of knowledge formation. Thus, more than twenty years after its edition and in a process of continuous improvement, it is necessary to improve this legislation to guide the Brazilian intelligence activity in the face of new challenges in the current world scenario.
Vicente Nicola Novellino
Keywords: Intelligence. Democracy. Law. Functional Guarantees.
ANÁLISIS DE LA LEY N ° 9.883 / 99 COMO MARCO LEGAL PARA LA ACTIVIDAD DE INTELIGENCIA ESTATAL EN BRASIL
Resumen
El uso de la inteligencia es un recurso que ayuda en la toma de decisiones a nivel estratégico, así como una herramienta importante para enfrentar nuevas amenazas, como el terrorismo, el crimen organizado y los ciberataques. Como es función del Estado, en los regímenes democráticos la regulación de la actividad de Inteligencia se basa en un conjunto de normas legales específicas. En Brasil, la Ley N ° 9.883, de 7 de diciembre de 1999, es el marco legal para esta actividad, cuyas disposiciones han sido objeto de análisis, especialmente para evaluar el soporte legal necesario para su desarrollo, así como la necesidad de ofrecer un conjunto de garantías funcionales. a sus operadores en el desempeño de sus funciones dentro y fuera del territorio nacional. A pesar de sus aspectos positivos, como la creación de la Agencia Brasileña de Inteligencia y el desempeño sistémico que involucra la participación de diversas agencias públicas, se identificaron puntos imprecisos y vagos en el apoyo de las acciones de búsqueda, muchas veces complementarias y esenciales al proceso de formación del conocimiento. Así, luego de más de veinte años de su edición y en un proceso de mejora continua, es necesario perfeccionar esta legislación para orientar la actividad de Inteligencia brasileña ante los nuevos desafíos en el actual escenario mundial.
Palabras clave: Inteligencia. Democracia. Ley. Garantías Funcionales.
Vicente Nicola Novellino
verdadeiras, também o serão as conjecturas delas decorrentes.
O uso da informação 1 é algo tão antigo que remonta os primórdios da existência humana. O homem, a partir do momento que começou a viver em grupo, necessitou desenvolver mecanismos de autoproteção frente às diversas ameaças nas quais a obtenção prévia de uma informação poderia fazer a diferença entre a derrota e a vitória e, sobretudo, garantir a sua existência: “as primeiras armas dos homens foram a pedra, a maça e a inteligência” (FARAGO, 1966, p. 145).
Inobstante estudos e pesquisas realizados pelos historiadores, não existe, contudo, uma unanimidade quanto ao surgimento dessa atividade, ou seja, o uso da inteligência, ainda que não fosse conhecida por esta terminologia (GIORDANA, 2016, p. 13). Na própria bíblia podem ser encontrados trechos escritos que denotam o uso da Inteligência, como, por exemplo, no velho testamento, cuja menção de que Moisés teria enviado espiões à Terra de Canaã para reunir informações pode indicar a primeira ordem de busca da qual se tem notícia. (GONÇALVES, 2008, p. 17).
Essa citação bíblica mostra a importância da informação para a escolha dos caminhos a serem seguidos. Não obstante o empirismo
1 Para fins de desenvolvimento do conteúdo deste artigo, serão adotadas como sinônimas as expressões informação e inteligência , muito embora, tecnicamente, existam diferenças conceituais entre elas, como explicam alguns manuais de doutrina referentes ao tema.
e os escassos recursos, provavelmente contando somente com aquilo que era trazido verbalmente por alguém, muito auxiliava na tomada de uma decisão.
A atividade de Inteligência passou por diversos momentos históricos nos Estados Nacionais, independentemente da orientação político-ideológica ou das respectivas formas de governo na quais estava inserida. Ao longo do tempo, todo esse processo de construção do conhecimento que abrange a coleta, a reunião, a análise, o processamento e a difusão de informações dentro de uma metodologia própria foi evoluindo até chegar ao nível de profissionalismo em que se transformou tal atividade de Estado nos dias de hoje.
A Lei nº 9.883/99 instituiu o Sistema Brasileiro de Inteligência (Sisbin), bem como criou o órgão diretor que é a Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Além desse marco legal, como orientadores da atividade de Inteligência brasileira, há outros importantes documentos doutrinários, como a Política Nacional de Inteligência (PNI), a Estratégia Nacional de Inteligência (Enint), que é um documento de cunho estratégico para o funcionamento de todo o Sisbin, e o Plano Nacional de Inteligência (Planint) que define as ações estratégicas, sendo que esses dois últimos são decorrentes da implantação da PNI.
A PNI, como específica seu texto, é o "documento de mais alto nível de orientação
Análise da lei nº 9.883/99 como marco jurídico da atividadedeInteligênciadeestadonoBrasil
da atividade de Inteligência no País" estabelecendo a seguinte conceituação:
Atividade de Inteligência: exercício permanente de ações especializadas, voltadas para a produção e difusão de conhecimentos, com vistas ao assessoramento das autoridades governamentais nos respectivos níveis e áreas de atribuição, para o planejamento, a execução, o acompanhamento e a avaliação das políticas de Estado. A atividade de Inteligência divide-se, fundamentalmente, em dois grandes ramos: I – Inteligência: atividade que objetiva produzir e difundir conhecimentos às autoridades competentes, relativos a fatos e situações que ocorram dentro e fora do território nacional, de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório, a ação governamental e a salvaguarda da sociedade e do Estado; II – Contrainteligência: atividade que objetiva prevenir, detectar, obstruir e neutralizar a Inteligência adversa e as ações que constituam ameaça à salvaguarda de dados, conhecimentos, pessoas, áreas e instalações de interesse da sociedade e do Estado.
Muito embora existam outras espécies ou categorias de Inteligência que variam de acordo com as finalidades de uma determinada instituição, como exemplo, de segurança pública, criminal, militar, financeira etc. (PACHECO, 2012, p. 86), o conceito da PNI faz referência àquela que pode ser considerada originária, conhecida como Inteligência de Estado 2. “Matriz principal de todas as outras, é a Inteligência de Estado classicamente utilizada no trato de grandes questões político-estratégicas de
2 A análise da fundamentação legal que se propõe no presente artigo se refere à inteligência de Estado, também chamada de clássica.
interesse dos Estados Nacionais” (FERRO, 2006, p.83).
Seguindo esse alinhamento doutrinário da PNI, apenas como contribuição ao leitor, é válido mencionar um outro conceito de Inteligência de Estado que é um pouco mais amplo, construído a partir de uma pesquisa acadêmica desenvolvida sobre o tema Inteligência:
É o conjunto de conhecimentos, normalmente de acesso restrito, produzidos por uma Instituição de Estado, conhecida como Serviço de Inteligência, obtidos por meio da coleta em diversos tipos de fontes, bem como complementados por operações de busca, quando imprescindíveis, cujo produto, após processado e analisado por meio de uma metodologia própria pelos respectivos analistas que atuam nesses órgãos, poderá servir de subsídio à tomada de decisão pelo mais alto escalão do poder nos campos político, econômico, militar, segurança e defesa, relações internacionais, bem como em qualquer outra área cuja colaboração a esse processo decisional possa se mostrar útil e oportuna. (NOVELLINO, 2018, p. 32-33).
Em face do atual cenário mundial, como definido pela PNI, “a espionagem, a sabotagem, a interferência externa, as ações contrárias à soberania nacional, os ataques cibernéticos, o terrorismo, as atividades ilegais envolvendo bens de uso dual e tecnologias sensíveis, armas de destruição em massa, a criminalidade organizada, a corrupção e as ações contrárias ao Estado Democrático de Direito” constituem um rol das principais ameaças sobre as quais
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linhas gerais, pode-se dizer que o segredo é admissível quando garante um interesse protegido pela Constituição sem prejudicar outros interesses igualmente garantidos (ou ao menos sem que se equilibrem os interesses)” (BOBBIO, 2015, p. 74).
Certamente um dos aspectos mais festejados na Constituição Brasileira de 1988, como conquista da consolidação do regime democrático, foi a inserção do denominado núcleo duro que abrange os direitos e garantias fundamentais que representa todo um sistema de segurança dos cidadãos, tutelando-lhes bens jurídicos preciosos como a vida e a liberdade. E sem nenhuma dúvida, para a consecução desse mister, muito pode colaborar um sistema de Inteligência se for bem estruturado e eficiente: “Os serviços de Inteligência são um instrumento poderoso para a defesa da segurança e dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos” (GARCÍA, 2010, p. 445).^3
Em termos de previsão constitucional, no Brasil, ao exame dos textos das Constituições históricas brasileiras (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e Emenda Constitucional 1/1969), verifica-se que nunca existiu algum dispositivo expresso que se referisse à Inteligência de Estado.
Seguindo essa tradição a atual Carta Magna, com seus 250 artigos, além do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e as diversas Emendas que modificaram seu texto ao longo dessa existência, também não contém nenhum dispositivo específico
3 Tradução nossa (Los servicios de inteligencia son un poderoso instrumento para la defensa de la seguridad y de los derechos y libertades fundamentales de los ciudadanos).
que se refira à atividade de Inteligência de Estado. O legislador pátrio optou por regular esta matéria por meio de uma norma infraconstitucional.
Os fundamentos jurídicos da atividade de Inteligência no Brasil encontram-se no texto da Lei n° 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Referido marco regulatório, se por um lado significou um avanço em termos de retirada da Inteligência de Estado do ostracismo no qual se encontrava a partir da extinção do antigo Serviço Nacional de Informações (SNI), por outro, na visão de Pacheco (2012, p. 141) está muito aquém de se constituir numa base jurídica sólida que permita o pleno desenvolvimento da Inteligência no Brasil:
A atividade de Inteligência é essencial à segurança da sociedade e do Estado brasileiros, mas ela não consegue se fortalecer e cumprir sua missão, tendo em vista sua legislação deficitária e inadequada ao estado democrático de direito. A l e g i s l a ç ã o b r a s i l e i r a d e Inteligência é incompatível com o atual nível de evolução e estabilidade democráticas do país (grifo nosso).
A lei em comento, em seus 15 artigos, reorganizou o sistema de Inteligência brasileiro, estabeleceu conceitos básicos importantes, bem como deixou claro seu alinhamento ao regime democrático vigente no país com ênfase ao respeito à
Vicente Nicola Novellino
dignidade da pessoa humana, assegurando a preservação dos direitos e garantias individuais não só da Lei Maior, como também de todos os tratados e convenções internacionais dos quais o Brasil é signatário.
Importante ressaltar que a lei, ao definir o conceito de Inteligência (§ 2º, do artigo 1º), previu a atuação “dentro e fora do território nacional sobre fatos e situações de imediata ou potencial influência sobre o processo decisório e a ação governamental e sobre a salvaguarda e a segurança da sociedade e do Estado”.
A segurança do Estado, ou segurança nacional, que outrora significava a proteção contra o inimigo político-ideológico, tem hoje um espectro de alcance muito mais amplo que abrange, principalmente, a proteção da sociedade. O conceito moderno de segurança nacional deve estar alinhado aos princípios que regem um estado democrático:
O consultor de segurança nacional dos EUA, Willian P. Clark, apontou como princípios da estratégia de segurança nacional dos EUA, a preservação das instituições da liberdade e democracia, a proteção dos cidadãos, a promoção do bem-estar econômico e a manutenção de uma ordem internacional que apoie essas instituições e princípios (ESTEVEZ, 1988, p, 17).^4
A concepção democrática do conceito de segurança nacional é aquela que reconhece o papel do Estado como garantidor de uma política que vise à proteção de seus cidadãos
4 Tradução nossa (El Asesor de Seguridad Nacional de EEUU, Willian P. Clark, señaló como princípios de la estrategia de seguridad nacional estadounidenses, la preservación de las instituiciones de libertad y democracia, la protección de los ciudadanos, la promoción del bienestar econômico y el mantenimiento de um orden internacional que apoye estas instituciones y principios).
contra ameaças à vida, liberdade, integridade física e psicológica, identidade psicocultural e bem-estar de todos, promovendo a paz interna e externa (ESTEVEZ, 1988, p. 20).
A Lei nº 9.883/99, embora possua alguns aspectos positivos, tais como conceituações claras, formato sistêmico de atuação, entre outros, que se coadunam com a necessária valorização da atividade de Inteligência no Brasil, está ainda muito distante de possibilitar a seus operadores um escudo legal mínimo de proteção para que possam cumprir aquilo que ela própria previu como, por exemplo, a atuação operacional fora do território nacional para a produção de conhecimento, seja ele de cunho estratégico ou para identificar e prevenir eventuais ameaças contra alvos no Brasil. Explicando melhor essa lacuna, por exemplo, cabe o seguinte questionamento: o agente de Inteligência brasileiro que tenha que atuar no exterior numa missão sigilosa tem algum amparo dessa lei que possibilite a preservação de sua identidade? Ao mero exame do texto legal conclui-se que a resposta é não.
Um dos setores mais importantes de todo órgão de Inteligência é aquele que se encarrega das chamadas "operações" que são ações de busca, realizadas mediante criterioso planejamento, e têm por objetivo acessar e obter conteúdo especialmente protegido pelos seus detentores, devido à importância estratégica. Por serem imprescindíveis ao analista na produção do conhecimento e diante da impossibilidade
Vicente Nicola Novellino
Muito oportunas e pertinentes são as críticas da doutrina pátria:
Expressões tão genéricas quanto essas eram aceitáveis antes da Constituição de 1988, quando ainda não se havia desenvolvido, no Brasil, a compreensão do princípio constitucional do devido processo legal, como aplicável a qualquer ato estatal, seja administrativo, judicial ou legislativo. Como é possível que as atividades de Inteligência sejam desenvolvidas, “no que se refere aos limites de sua extensão e ao uso de técnicas e meios sigilosos, com irrestrita observância dos direitos e garantias individuais ”, se não há qualquer dispositivo legal sobre quais são essas técnicas e meios sigilosos e como, de maneira específica, realizá-los/limitá- los? (PACHECO, 2012, p. 125).
Essa regulamentação legal que se pretendeu dar carece de uma maior clareza e objetividade. Da forma que se apresenta o conteúdo do texto está evidente que existe uma zona cinzenta de atuação, concedendo ao agente uma larga margem de discricionariedade que é pouco recomendável diante da sensibilidade de uma ação operacional, podendo configurar, por erro de avaliação, uma conduta à margem da lei com sérias consequências em termos de responsabilidade ao seu executor.
A deficiência de conteúdo dessa lei é ainda mais evidente nos aspectos referentes à proteção dos operadores da atividade de Inteligência por não possuir, de forma clara e expressa, dispositivos que assegurem a atuação desses profissionais em situações adversas ou locais de risco à integridade física, aos quais se submetem para o cumprimento de suas missões.
Esse conjunto que visa dar proteção ao agente é formado pelas garantias funcionais como, por exemplo, a necessária ocultação de sua identidade oficial numa operação de infiltração, tão importante que pode fazer a diferença entre a vida e a morte.
Juntamente com a identidade de cobertura, que é um recurso fundamental para o profissional de Inteligência, são necessárias outras medidas restritivas de acesso aos seus dados pessoais para assegurar-lhe uma efetiva proteção. Da mesma forma, por exemplo, a criação de uma empresa fictícia simulando uma atividade econômica é uma medida que possibilitaria uma maior credibilidade a determinada estratégia operacional preparada para a obtenção de informações imprescindíveis à elaboração do conhecimento. Tudo isso, obviamente, previsto criteriosamente numa lei, com um rigoroso sistema de controle para se evitar o mau uso do recurso e, obviamente, seu desvio de finalidade.
C o m o j á m e n c i o n a d o, t a n t o o enfrentamento do terrorismo quanto da criminalidade organizada constituem ameaças definidas pela PNI, objeto de ação da Inteligência brasileira. É notório que os protagonistas das mencionadas ameaças atuam em ambientes extremamente hostis nos quais é iminente o perigo à vida e à integridade física aos profissionais tanto das forças de segurança quanto da atividade de Inteligência os quais, para cumprimento de suas missões, precisam operar nesses cenários.
Os integrantes da Abin pertencem à categoria de servidores públicos federais
Análise da lei nº 9.883/99 como marco jurídico da atividadedeInteligênciadeestadonoBrasil
e, para tanto, estão sujeitos a todo o regramento administrativo específico que rege a sua vida funcional desde o ingresso até o desligamento da atividade, seja pela aposentadoria ou por qualquer outra forma prevista de exoneração do cargo público.
Um dos princípios mais importantes da administração pública é o da legalidade (Constituição Federal, artigo 37 caput):
Na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que lei autoriza. A lei para o particular significa “poder fazer assim”; para o administrador público significa “deve fazer assim” (grifo nosso) (MEIRELLES, 1997, p. 82).
Moreira Neto (1983, p.52), ao citar a importância do princípio da legalidade como decorrência direta da autolimitação existente no Estado de Direito, afirma: "o Estado-legislador autolimita-se com sua criação e assegura ao homem um precioso valor: a certeza jurídica " (grifo nosso).
O administrador público só pode agir dentro daquilo que é previsto na lei. Qualquer desvio implica a sua responsabilização que, dependendo da extensão do dano decorrente da conduta por ele adotada, pode acarretar consequências nas esferas administrativa, com a exoneração da função pública, penal, com a responsabilização por crime, e até civil, com a indenização por eventual prejuízo de que tenha dado causa.
Na administração pública brasileira como regra há, ainda, a incidência do princípio da transparência sendo o segredo uma exceção, porém justificável quando imprescindível ao funcionamento de determinadas funções do Estado. Na atividade de Inteligência, geralmente, o uso do segredo é uma condição necessária para o seu desenvolvimento que, de forma alguma, contrasta com o citado princípio.
O controle da atividade de Inteligência, nos termos do artigo 6º da atual lei, é feito pelo Poder Legislativo, como ocorre num regime democrático, visando aferir a lisura dos procedimentos e o alcance dos fins públicos, obviamente, preservando-se o conteúdo objeto do sigilo legal.
Uma lei que reconheça determinadas peculiaridades específicas de uma função pública, como no caso dos operadores da atividade de Inteligência, não significa uma concessão de privilégios, mas, ao contrário, é dar-lhes um mínimo de condições de segurança no exercício dessa atividade que é diferente de outras categorias do mesmo serviço público. O agente de Inteligência não pode ser equiparado a um funcionário público comum.
Os recursos humanos dos serviços de Inteligência são uma peça fundamental para seu funcionamento. A regulamentação para os mesmos é uma questão extraordinariamente complexa, pois são funcionários públicos com tarefas tão específicas e únicas que não podem ser regidas por regulamentos civis ou funcionais comuns [...] (BOSCH, in FERNÁNDEZ, 2016,
Análise da lei nº 9.883/99 como marco jurídico da atividadedeInteligênciadeestadonoBrasil
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. Acesso em: 08 jul. 2020.
______ Lei nº 9.883, de 07 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria a Agência Brasileira de Inteligência - ABIN, e dá outras providências. Diário Oficial da União : seção1, Brasília, DF, 08 dez. 1999. Disponível em: http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9883.htm. Acesso em: 23 jul. 2019.
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ANÁLISE DA LEI Nº 9.883/99 COMO MARCO JURÍDICO DA ATIVIDADE DE INTELIGÊNCIA DE ESTADO NO BRASIL
Artigo recebido em 24/07/ Aprovado em 24/10/