Docsity
Docsity

Prepare-se para as provas
Prepare-se para as provas

Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity


Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos para baixar

Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium


Guias e Dicas
Guias e Dicas

PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: A POSIÇÃO DO PROFESSOR ..., Notas de aula de Psicanálise

Anexo 1: Transcrição integral das falas do filme “O sorriso de Mona Lisa” 56 ... Julia Stiles, Maggie Gyllenhaal, Ginnifer Goodwin, Dominic West, ...

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Rafael86
Rafael86 🇧🇷

4.6

(197)

229 documentos

1 / 71

Toggle sidebar

Esta página não é visível na pré-visualização

Não perca as partes importantes!

bg1
1
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE EDUCAÇÃO
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO A DISTÂNCIA
ESPECIALIZAÇÃO LATO-SENSU EM GESTÃO EDUCACIONAL
PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: A POSIÇÃO DO
PROFESSOR E A NOÇÃO DE SEDUÇÃO NO FILME
“O SORRISO DE MONA LISA”
MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO
Fabíola Giacomini De Carli
Constantina, RS, Brasil
2009
pf3
pf4
pf5
pf8
pf9
pfa
pfd
pfe
pff
pf12
pf13
pf14
pf15
pf16
pf17
pf18
pf19
pf1a
pf1b
pf1c
pf1d
pf1e
pf1f
pf20
pf21
pf22
pf23
pf24
pf25
pf26
pf27
pf28
pf29
pf2a
pf2b
pf2c
pf2d
pf2e
pf2f
pf30
pf31
pf32
pf33
pf34
pf35
pf36
pf37
pf38
pf39
pf3a
pf3b
pf3c
pf3d
pf3e
pf3f
pf40
pf41
pf42
pf43
pf44
pf45
pf46
pf47

Pré-visualização parcial do texto

Baixe PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: A POSIÇÃO DO PROFESSOR ... e outras Notas de aula em PDF para Psicanálise, somente na Docsity!

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE EDUCAÇÃO

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO A DISTÂNCIA

ESPECIALIZAÇÃO LATO-SENSU EM GESTÃO EDUCACIONAL

PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: A POSIÇÃO DO

PROFESSOR E A NOÇÃO DE SEDUÇÃO NO FILME

“O SORRISO DE MONA LISA”

MONOGRAFIA DE ESPECIALIZAÇÃO

Fabíola Giacomini De Carli

Constantina, RS, Brasil

PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: A POSIÇÃO

DO PROFESSOR E A NOÇÃO DE SEDUÇÃO

NO FILME “O SORRISO DE MONA LISA”

por

Fabíola Giacomini De Carli

Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação a Distância

Especialização Lato-Sensu em Gestão Educacional, da Universidade

Federal de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito parcial para

obtenção do título de

Especialista em Gestão Educacional

Orientadora: Prof. Andréa Tonini

Constantina, RS, Brasil

RESUMO

Monografia de Especialização Curso de Pós-Graduação a Distância Especialização Lato-Sensu em Gestão Educacional Universidade Federal de Santa Maria

PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: A POSIÇÃO DO PROFESSOR E A

NOÇÃO DE SEDUÇÃO NO FILME “O SORRISO DE MONA LISA”

AUTORA: FABÍOLA GIACOMINI DE CARLI

ORIENTADORA: ANDRÉA TONINI

Data e Local da Defesa: Constantina/RS, 05 de dezembro de 2009.

Este trabalho, fruto do curso de Pós-Graduação a Distância em Gestão Educacional, pela Universidade de Santa Maria, buscou articular duas áreas do saber: psicanálise e educação, tentando aproximar dois campos que olham o mesmo fenômeno de maneiras distintas. O objetivo principal foi analisar como o professor participa do processo pelo qual ele conduz seus alunos à aprendizagem e quais os aspectos inconscientes podem ser observados. Os conceitos de transferência, de assimetria e de sedução são noções que permitiram abordar a educação como “arte de formar”. No plano teórico, a pesquisa foi subsidiada pela Teoria Psicanalítica, cuja abordagem permite, sob a perspectiva da Análise do Discurso, levantar elementos de análise de fragmentos do filme “O Sorriso de Mona Lisa”, enlaçando-os com a teoria proposta. Esse trabalho se assenta na premissa de que conhecer os processos inconscientes pelos quais um professor alcança transformação em seus alunos forma parte de um valioso recurso de trabalho para quem deseja aprimorar sua gestão escolar.

Palavras-chave: Psicanálise. Educação. Transferência. Assimetria. Sedução. Análise do discurso. O sorriso de Mona Lisa.

ABSTRACT

Monografia de Especialização Curso de Pós-Graduação a Distância Especialização Lato-Sensu em Gestão Educacional Universidade Federal de Santa Maria

PSICANÁLISE E EDUCAÇÃO: A POSIÇÃO DO PROFESSOR E A

NOÇÃO DE SEDUÇÃO NO FILME “O SORRISO DE MONA LISA”

(PSYCHOANALYSIS AND EDUCATION: A TEACHER’S POSITION AND THE

CONCEPT OF SEDUCTION IN THE MOVIE “MONA LISA SMILE”)

AUTHOR: FABÍOLA GIACOMINI DE CARLI

ADVISER: ANDRÉA TONINI

Date and place of defense: Constantina/RS, 05 December 2009.

In this work, the result of the Distance Learning Post-Graduation in Education Management by University of Santa Maria, sought to organize two areas: psychoanalysis and education, trying to bring two fields that look the same phenomenon in different ways. The main objective of this study was analyzing how the teacher takes part in the process by which he leads his students to learning and what unconscious aspectsshould be observed. The concepts of transference, asymmetry and seduction are notions which allow approaching education as "the art of shaping". Theoretically, the research was helped by the Psychoanalytic Theory which enables, under the methodology of discourse analysis, to identify elements of analysis for fragments of the movie "Mona Lisa Smile", by linking them with the proposed theory. We start from the premise that understanding the unconscious processes through which a teacher reaches transformation in their students is part of a valuable work resource for those who want to improve their school management.

Key-words: Psychoanalysis. Education. Transference. Seduction. Asymmetry. Speech Analysis. Mona Lisa Smile.

SUMÁRIO

  • 1 INTRODUÇÃO
  • 1.1 Justificativa e objetivos
  • 2 METODOLOGIA DA PESQUISA
  • 2.1 Análise do discurso: os fundamentos
  • 2.2 Interpretação: ferramenta do método psicanalítico
  • 3 O SORRISO DE MONA LISA: SÍNTESE NARRATIVA
  • 4 CONTORNOS TEÓRICOS E ALGUMAS ANÁLISES DO FILME
    • 4.1 Psicanálise, cultura e educação
  • 4.2 Assimetria: adulto sedutor – adulto formador
  • 4.3 A arte de formar: transferência e transmissão
  • CONSIDERAÇÕES FINAIS
  • REFERÊNCIAS
  • ANEXOS
  • Anexo 1: Transcrição integral das falas do filme “O sorriso de Mona Lisa”

1. INTRODUÇÃO

1.1 Justificativa e objetivos

Começaremos a justificativa do trabalho citando uma vivência que provocou questionamentos e mobilizou o desejo dessa pesquisa. Miguel Arroyo (2007), em seu pronunciamento intitulado “Aprendizagem no contexto escolar” 1 , provocou o público presente – a maioria de profissionais ligados a educação – ao fazer uma analogia interessante entre duas profissões: o professor e o médico. Usando o exemplo do médico, e a forma como este se posiciona profissionalmente, procurou estabelecer relação com o que representa ao professor desconhecer aquilo que chamou de “processos mentais do aprender”. Tentaremos reproduzir as idéias do palestrante a seguir, já que foram o ponto de partida deste trabalho pelos questionamentos que permitiu, procurando estabelecer um diálogo que possibilite novas questões. Naquele momento, Arroyo (2007) propôs pensar na situação de um profissional da medicina, que aprendesse bem realizar diagnósticos de crianças, de adolescentes e de adultos, e que, depois disso, soubesse dar o remédio adequado para cada doença, embora não compreendesse como o organismo humano reage a vírus e bactérias, nem como se dão internamente os processos de infecção e as patologias como um todo. Segundo o palestrante, sem conhecer os processos que ocorrem no organismo do paciente doente, bem como, sem entender o desenvolvimento do corpo humano e dos processos de vida, doença e reação do corpo ao ambiente, pouco serviria ao médico saber a composição de cada remédio, bem como saber prescrever o medicamento.

(^1) Conferência proferida durante o “I Seminário Regional de Educação: refletindo o ofício de mestre”, realizado em Constantina-RS no mês de abril de 2007.

Entre quase 600 professores, o palestrante inquietou o público ao provocar uma importante reflexão sobre o que é que um professor precisa carregar dentro de si para dar conta de sua profissão. Propôs questões reflexivas que tendem a produzir nos sujeitos, movimento interno de abertura, de desconstrução do previsível e raso. Sem dúvida, a maneira como cada professor se relaciona com seu trabalho, o investimento que faz, o desejo que tem, condensa uma parte importante da relação educativa e da aprendizagem. E esse aspecto vai introduzindo o tema de nossa pesquisa. Articular a bagagem psicanalítica que trazemos com esses apontamentos de Arroyo (2007) sobre o ofício de mestre constituiu-se numa experiência de tentar aproximar dois campos nem sempre próximos, mas muito especulados, que é o da educação e da psicanálise. Passamos, a partir disso, a retomar nosso próprio entendimento a respeito dos processos psíquicos do aprender, de base psicanalítica, numa tentativa de pensar a posição do professor perante a aprendizagem de seu aluno, quando “desaparelhado”^3 do conhecimento desses processos e a questionar o que ocorre aí. Será que o fato de conhecer os processos psíquicos do aprender garantiria ao professor o bom desempenho de seus alunos? Que ao professor resultaria enriquecedor poder compreender melhor quais os trâmites psíquicos do desenvolvimento das habilidades escolares de seus alunos, não resta dúvidas, mas seria isso que estaria por trás da influência educativa de um “mestre sobre seu discípulo?”. Questão que pode ser desdobrada da seguinte maneira: qual seria a participação do professor no “processo” pelo qual ele conduz seus alunos à aprendizagem? É claro que para pensar essas questões, primeiro é preciso responder a outra, mais anterior: o que é educar? A educação estaria a serviço de que? Se pensarmos que educar é socializar, e que socializar é realizar a adaptação de alguém a um meio social, isto implica pensar que educar é adaptar, reprimir, impor limites, enquadrar o aluno a situação que se deseja. Assim, educar vai se afastando

(^3) Conforme o dicionário Aurélio (1988), aparelhar: “1. dispor convenientemente, preparar, organizar; 5. prover de equipamento, engenhos, peças” (p. 50), usado aqui simbolizando os recursos, “aparelhos” que um profissional necessita para levar a cabo seu trabalho. Em psicanálise, Freud introduziu a idéia de aparelho psíquico (aparelho anímico, mental), termo usado de forma correlata a aparelho digestivo, aparelho respiratório, aparelhos do organismo humano. Aparelho psíquico é o termo usado para se referir às características que a teoria freudiana atribui ao funcionamento sistêmico, dinâmico e tópico do psiquismo (Freud, 1996).

de ser a “arte de formar” e se firma mais como “adestramento, treinamento para a aquisição de comportamentos, habilidades e informações imediatamente utilizáveis” (BACHA, 2006, p. 58). Um professor dificilmente vai entrar na sala de aula e apenas transmitir conteúdos, tentando adaptar o aluno ao social. Para além disso, quando entra na sala de aula, está aí para ocupar um lugar, numa relação assimétrica por essência. Este fato diz muito dos aspectos que desejamos começar a abordar. A pergunta que norteia este trabalho é: que mecanismos psicológicos estão por trás do “ofício de mestre”, entendido como “arte de educar”? Que são complexos, estamos certos. Também temos certeza que não abarcaremos tudo o que está sob a insígnia de relação educativa. Por isso, três são os objetivos específicos desse trabalho: 1. Entender como a teoria psicanalítica pode sustentar um debate sobre a relação professor-aluno no contexto educativo; 2. Perceber qual a implicação do que a psicanálise chama de assimetria na relação educativa, fruto da transferência que ocorre entre professor e aluno; 3. Analisar o fenômeno da sedução no contexto educativo, vinculando esses objetivos à análise do filme “O sorriso de Mona Lisa”. Para viabilizá-los, bem como para não tornar esta pesquisa apenas teórica, faremos uso de algumas passagens do filme “O sorriso de Mona Lisa” (2003), procurando investigar a atuação da professora Katherine Watson, personagem principal vivida pela atriz americana Julia Roberts, que permita abrir novas questões para pensar nossas velhas perguntas. Entendemos que o filme é uma produção simbólica que busca retratar uma dada situação da realidade, passível de ser estudada. Algumas partes do texto discursivo do filme e alguns de seus elementos visuais serão aproveitados como suporte para investigação que nos propomos, cuja metodologia de trabalho se sustenta na Análise do Discurso, em sua interface com a Psicanálise. A busca pela psicanálise, além de ser a área de estudo da pesquisadora, justifica-se pela tentativa de romper a dissociação e olhar o fenômeno da relação educativa em seus aspectos mais profundos, sem negar a existência dos conteúdos inconscientes, pelo contrário, usando as ferramentas da psicanálise, busca-se explicitar a força perturbadora do seu impacto. Portanto, a revisão teórica a seguir contemplará alguns dos escritos de Freud, bem como de seus discípulos, Laplanche, Sílvia Bleichmar, Márcia Neder

2. METODOLOGIA DA PESQUISA

Claudia Laitano, em sua coluna no Jornal Zero Hora de 20 de junho de 2009, inicia seu artigo falando de uma pesquisa divulgada na semana que passou pelo Ministério da Saúde sobre o comportamento sexual do brasileiro. A autora não questiona a relevância da pesquisa, cujos dados permitem organizar ações de prevenção de doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo, mas questiona o fato de a pesquisa ser eminentemente quantitativa: articula questões sobre como significar esses dados, que tentam categorizar o comportamento humano, numa questão tão delicada quanto à sexualidade adulta.

É verdade que, falando sobre sexo, os entrevistados podem ser levados a exagerar o que consideram uma vantagem e a esconder o que os deixa desconfortáveis. Os sulistas fazem mesmo mais sexo que os nordestinos (82% aqui, 74% lá) ou são apenas mais falastrões? (E, se isso é verdade, esse insuspeitado vigor meridional relaciona-se à temperatura ou à alimentação? Aos hábitos sociais ou à educação?) As mulheres traem muito menos (11%) do que os homens (21%), ou apenas tem mais dificuldade para falar sobre isso? Um assunto que não envolve apenas dados, mas valores morais, culturais e auto-estima, nunca é tão simples como os números do Ibope – e mesmo eles de vez em quando dão confusão (LAITANO, 2009, p. 03).

A autora questiona o valor de pesquisas quantitativas na área humana, levando o leitor a pensar como quando somente dados quantitativos, ao tratar de comportamento humano, não dão conta de sua complexidade, tratam temas de forma superficial, sem que se possa deles nada dizer: apenas números, passíveis de questionamento, “um número que, solto no meio das estatísticas, terá o sentido que nossa fantasia quiser dar a ele” (LAITANO, 2009, p. 03). Laitano (2009) tenta transmitir como é difícil querer dimensionar o complexo campo dos sentidos e motivações do comportamento humano apenas através de números estatísticos, sugerindo a importância das pesquisas qualitativas. Esses comentários iniciais provocam questionamentos sobre as pesquisas na área humana e seus alcances: a investigação científica de base positivista na área das ciências humanas, em contraposição aos modelos qualitativos de pesquisa. Nossa opção é de trabalhar, pela via da metodologia da Análise do Discurso, o filme “O sorriso de Mona Lisa”, de 2003, que apresenta a história de Katherine

Turner, uma professora em seus primeiros dias de aula, com uma turma de moças, em uma escola feminina dos Estados Unidos, chamada Wellesley College, no outono de 1953. Por isso, importa-nos esse tema do valor de uma pesquisa qualitativa do comportamento humano: permite trabalhar temas humanos em situações específicas com maior profundidade, podendo conduzir a significados e demonstrar a complexidade daquele aspecto humano. Assim, pretendemos analisar a forma como transcorreu os diálogos entre professora e alunos, professora e direção, e alunas com alunas, as expectativas, frustrações, desejos, sofrimentos, esforços para a superação. Assim, buscamos analisar as reações das personagens, vinculando com os aspectos teóricos que a psicanálise traz para compreender a posição do professor perante seus alunos e os aspectos inconscientes que dessa relação brotam. A seguir, justificaremos por que escolhemos a Análise do Discurso para trabalhar o tema proposto.

2.1 Análise do Discurso: os fundamentos

Realizarmos a análise do filme “O sorriso de Mona Lisa”, tem o intuito de enlaçar com a educação os aspectos teóricos trazidos pela Psicanálise, colaborando com a compreensão da posição do professor não apenas em seu papel de transmissor do conhecimento, mas na sua influência sobre a formação de sujeitos, buscando relacionar qual seria a participação do professor, de sua “persona”, no “processo” pelo qual ele conduz seus alunos à aprendizagem. A leitura psicanalítica do filme permite explorar as sutilezas e os meandros que se revelam na relação educativa, como também interpretar os processos psíquicos em jogo no ofício de educar, através da perspectiva da Análise do Discurso. De uma maneira muito clara e simples, Orlandi (2003, p. 09) expressa o sentido da análise do discurso:

Problematizar as maneiras de ler, levar o sujeito falante ou o leitor a se colocarem questões sobre o que produzem e o que ouvem nas diferentes manifestações da linguagem, perceber que não podemos não estar sujeitos à linguagem, a seus equívocos, sua opacidade. Saber que não há

não deixem de estar presentes” (SOBRAL, 2005, p. 23). Ou seja, num discurso, não se pode tomar as palavras como se fossem neutras, pois sempre carregam outras vozes, conflitos sócio-históricos e ideológicos que condicionam o discurso de um sujeito falante de uma língua, somados aos seus valores e desejos. Nas fissuras do discurso, permitem-se as possibilidades de interpretação. Toda a análise do discurso humano deverá compreender os fatores chamados por Bakhtin de “extralinguísticos”: o momento histórico, social, cultural e ideológico, a relação estabelecida pelos envolvidos no discurso, o contexto da fala, etc.

Quando diz algo, o sujeito sempre diz de uma dada maneira dirigindo-se a alguém , e o ser desse alguém interfere na própria maneira de dizer, na escolha dos próprios itens lexicais. Dizer é dizer-se. O sujeito é, desse modo, mediador entre as significações sociais possíveis (o sistema formal da língua, nível das significações) e os enunciados que profere em situação (o sistema de uso da língua) (SOBRAL, 2005, P. 24).

A relação da análise do discurso com a psicanálise nasceu sustentada sobre uma certa crítica ao experimentalismo das ciências sociais, cuja análise do contexto humano nem sempre leva em conta a importância do registro da história, da língua e do inconsciente. Segundo Petri (2006, p. 03), “a AD [Análise do Discurso], desde o princípio, trabalhou nos limiares mais conflituosos, não interessando a ela resolver conflitos e sim interrogá-los, construindo possíveis interpretações sobre eles”. Assim, surgida no final da década de 60 como construção de um novo paradigma científico para estudar os fenômenos humanos e sociais, a Análise do Discurso, tendo como filiações teóricas três domínios disciplinares: a Linguística, o Marxismo e a Psicanálise (Orlandi, 2003), entende que algumas questões não podem ser tratadas com os enfoques tradicionais. Segundo Rocha e Deusdará (2005, p. 305), “o gesto inaugural da chamada Análise do Discurso foi empreendido neste duplo sentido: a construção de um outro olhar sobre as práticas linguageiras e o redimensionamento do objeto de análise”. Trata-se de tomar o discurso como objeto de estudo, mas discurso não tomado como homogêneo. Todo discurso é caracterizado pela heterogeneidade , ou seja, sua construção, desde quem o enuncia, é atravessada por outros discursos, podendo haver muitas outras vozes no mesmo discurso, tanto em consonância com o que se está dizendo, como em contradição.

O método propõe analisar as construções ideológicas presentes em um texto, em um discurso, de forma a superar o objetivismo abstrato ou positivista e o subjetivismo idealista dominante nas abordagens das ciências humanas até então. “Não há uma verdade oculta atrás do texto. Há gestos de interpretação que o constituem e que o analista, com seu dispositivo, deve ser capaz de compreender” (ORLANDI, 2003, p. 26). É a abertura para observar as relações entre o discursivo e o extradiscursivo: aproximar as relações entre o linguístico e o social, e os conflitos inerentes a elas. Entendemos, assim, apoiando-nos em diversos autores, que o método de pesquisa mais apropriado para a produção psicanalítica é o da Análise do Discurso. Neste, a linguagem é tratada como o elemento de mediação entre o sujeito que a enuncia e seu entorno, o espaço social, cuja marca característica é estar em permanente disputa entre forças antagônicas, ou seja, em constante conflito. “Em suma, a análise do discurso visa a compreensão de como um objeto simbólico produz sentidos, como ele está investido de significância para e pro sujeitos” (ORLANDI. 2003, p. 26). Propomos uma tentativa de enlace de elementos do filme com a teoria psicanalítica, olhares outros sobre a educação, desde o ponto de vista da existência de fenômenos inconscientes envolvidos nas relações, que ficam de fora do olhar da pedagogia, da filosofia, da sociologia, etc. Esta é uma pesquisa de caráter exploratório, interessada em trazer aspectos reflexivos. Considerando que, em última análise, “a análise do discurso é uma interpretação, fundamentada em uma argumentação detalhada e numa atenção cuidadosa ao material que está sendo estudado” (GILL, 2007, p. 266), buscamos estudar os determinantes de um discurso e suas contradições, o não dito que pode ser apreendido no que está nas entrelinhas do discurso, tal como Bakhtin (1998) propõe com o termo intertextualidade. Pensando com Bakhtin, que se interessou pela obra de Dostoiévski e pelo gênero do romance por ter encontrado representado aí discursos de pessoas falando, argumentando, posicionando-se, e isto permite a interpretação dos enunciados e a construção de sentidos, assim também temos a intenção de trabalhar com o filme escolhido. Nossa idéia é que a interpretação de elementos discursivos do filme que não se limitem apenas à singularidade de dada cena. Pelo contrário, que a professora Katherine Watson possa vir a representar algumas

a relação palavra-insconciente” (GUIRARDO, 2000, P. 18), diferentemente de como entendem esse binômio a lingüística e a análise do discurso (ramo da lingüística). Porém, cabe ressaltar que a interpretação psicanalítica não se restringe apenas à situação de consultório; pode ser usada para entender os significados inconscientes das mais diversas produções humanas, que vão do social ao cultural. Segundo Mezan (2002), a psicanálise ocupa-se das questões sociais e culturais por que o funcionamento psíquico se dá assim: é afetado por aquilo que está em seu entorno. Freud, em vários de seus textos, analisou e interpretou os aspectos inconscientes de obras de arte (literatura, pintura, escultura,...) e de fenômenos sociais; esta sua maneira de trabalhar serve de modelo não só para as várias possibilidades sobre as quais a interpretação psicanalítica pode incidir, mas também como “um modelo do que deve ser a interpretação psicanalítica – formulada com tato, indicando múltiplos sentidos, to the point , ambígua o suficiente para permitir uma elaboração, etc” [grifo do autor] (MEZAN, 2002, p. 318). O termo psicanálise aplicada é uma expressão que indica o estudo e a apreensão dos fenômenos humanos que são observados pela psicanálise fora do consultório, e que são interpretados pelo método analítico. Esses fenômenos são considerados plenamente legítimos de investigação, de estudo e pesquisa, pois são capazes de abarcar, “nas maiúsculas da cultura, coisas que podem ter validade também nas minúsculas da vida psíquica individual” (MEZAN, 2002. p. 319). Quer dizer, o que é essencial à natureza humana, e que pode ser generalizado aos membros da espécie, é encontrado também na singularidade absoluta do indivíduo, e pode ser tema de estudo da psicanálise. Laplanche (1992), ao invés da expressão psicanálise aplicada , tem preferência por chamar de psicanálise exportada , ou psicanálise extrâmeros quando quer se referir à inserção da psicanálise em espaços fora do consultório , cuja fecundidade permite analisar fenômenos da cultura. Segundo ele, “ a psicanálise , não apenas como pensamento e como doutrina, nas obras de psicanálise ditas extramuros, mas como modo de ser, invade o cultural” (LAPLANCHE, 1992, p. 12). Para dirigir-se para fora do tratamento de pacientes e analisar fenômenos culturais, a psicanálise usa a sua ferramenta: a interpretação dos aspectos inconscientes. Quanto ao método da psicanálise aplicada, Mezan afirma:

Trata-se de uma questão epistemológica, que também pode ser elucidada com instrumentos psicanalíticos (por exemplo, o papel da

contratransferência na construção da interpretação), mas que não deve ser reduzida apenas a essa dimensão. Sendo um problema metodológico, cabe uma palavra à epistemologia: o que está em jogo é a natureza do objeto psíquico e a forma apropriada de o alcançar (MEZAN, 2002, p. 326).

Quer dizer, em uma investigação, importa determinar qual o objeto que se quer apreender. Em nosso caso, o objeto de nosso estudo é a dimensão inconsciente da relação professor-aluno e o debate é sobre qual seria a forma de cercá-lo.

A psicanálise desconstrói o pensamento positivista a partir do momento que inaugura um novo conceito de verdade, a verdade psicológica não mensurável. O método psicanalítico rompe com a barreira do tempo e qualifica a experiência psicológica como situada num tempo psicológico, onde o real está no universo psíquico do paciente. Um método que condensa elementos humanos, onde o diagnóstico se faz a partir da fala do analisando e não de um conjunto de categorias que agrupam e descrevem o homem em termos de média estatística [grifo do autor] (MONTE, 2002, p.24).

Considerando que a psicanálise nasceu da investigação na prática clínica e do trabalho empírico de Freud, foi o confronto com a insuficiência do já conhecido, e a constatação de que algo escapava à compreensão que motivou a descoberta do que estava por trás das doenças psíquicas que buscavam tratamento na época. Na busca pela teorização da histeria, Freud encontrou uma teoria do funcionamento psíquico, não só da patologia, mas do funcionamento de todos os seres humanos. No artigo O inconsciente, de 1915, Freud (1996) escreve que a descoberta empírica do inconsciente implicou não só a sua teorização, mas a construção de um método que tivesse influência sobre o objeto descoberto, sendo esta a prova irrefutável da existência do objeto. Nesse sentido, acrescenta Bleichmar (1990, p. 20): “no se corrobora finalmente una hipótesis si ella no lleva a una transformación posible del objeto. El método no precede al objeto, se deriva del mesmo”. O método analítico não nasceu antes de seu objeto, mas sua existência comprova a validade da descoberta do inconsciente, que, mesmo que não tenha localização neurológica, é possível de conhecer pelos efeitos e pelas transformações alcançadas através do método. O método de investigação da Psicanálise é a interpretação dos fenômenos inconscientes. Toda metodologia de pesquisa se justifica a partir de seu objeto de estudo. Ter como objeto de pesquisa os fenômenos inconscientes permite entrever a