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Psicanálise completo, Esquemas de Psicanálise

Psicanálise.................... .

Tipologia: Esquemas

2025

Compartilhado em 11/05/2025

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CINCO LIÇÕES
DE PSICANÁLISE
(1910)
PROFERIDAS NAS FESTIVIDADES DO
20O ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO
DA CLARK UNIVERSITY, EM WORCESTER,
MASSACHUSETTS, SETEMBRO DE 1909
AO SR. G. STANLEY HALL, PH.D., L.L.D.
REITOR DA CLARK UNIVERSITY
PROFESSOR DE PSICOLOGIA E PEDAGOGIA,
ESTA OBRA É PENHORADAMENTE DEDICADA.
TÍTULO ORIGINAL: ÜBER PSYCHOANALYSE.
PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM
VOLUME AUTÔNOMO: LEIPZIG E VIENA:
DEUTICKE, 1910, 62 PP. TRADUZIDO
DE GESAMMELTE WERKE VIII, PP. 3-60.
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CINCO LIÇÕES

DE PSICANÁLISE

PROFERIDAS NAS FESTIVIDADES DO 20O ANIVERSÁRIO DE FUNDAÇÃO DA CLARK UNIVERSITY, EM WORCESTER, MASSACHUSETTS, SETEMBRO DE 1909

AO SR. G. STANLEY HALL, PH.D., L.L.D. REITOR DA CLARK UNIVERSITY PROFESSOR DE PSICOLOGIA E PEDAGOGIA, ESTA OBRA É PENHORADAMENTE DEDICADA.

TÍTULO ORIGINAL: ÜBER PSYCHOANALYSE. PUBLICADO PRIMEIRAMENTE EM VOLUME AUTÔNOMO: LEIPZIG E VIENA: DEUTICKE, 1910, 62 PP. TRADUZIDO DE GESAMMELTE WERKE VIII, PP. 3-60.

I

Senhoras e senhores: Para mim, é uma sensação nova e desconcertante apresentar-me como conferencista ante uma plateia de interessados do Novo Mundo. Suponho que esta honra se deva apenas ao fato de meu nome estar ligado ao tema da psicanálise; portanto, é dela que pretendo lhes falar. Tentarei lhes dar, de maneira bastante concisa, uma visão de conjunto da origem e do desenvolvi- mento desse novo método de pesquisa e cura. Se constitui um mérito haver criado a psicanálise, ele não pertence a mim^1. Não participei dos primórdios da psicanálise. Era estudante e me preparava para as últimas provas quando outro médico de Viena, o dr. Josef Breuer,^2 pela primeira vez usou esse procedimento com uma jovem histérica (entre 1880 e 1882 ). Vamos abordar inicialmente esse caso clínico e sua terapia. Ele se acha ex- posto minuciosamente nos Estudos sobre a histeria , que Breuer e eu publicamos depois.^3 , uma observação preliminar. Eu soube, não sem alguma satisfação, que a maioria de meus ouvintes não pertence à classe médica. Não creiam que seja pre- ciso haver estudado medicina para acompanhar o que tenho a dizer. É certo que avançaremos um trecho ao lado dos médicos, mas logo devemos nos separar e seguir o dr. Breuer num caminho bastante peculiar. A paciente do dr. Breuer, uma moça de 21 anos e com elevados dotes intelec- tuais, desenvolveu ao longo de sua doença, que já durava mais de dois anos, uma série de distúrbios físicos e psíquicos que requeriam atenção. Ela tinha uma paralisia espástica, acompanhada de insensibilidade, nas pontas dos dois membros

amava, durante a grave doença que o levou à morte, e que devido à sua própria enfermidade ela teve de abandonar a assistência ao pai. Até agora foi proveitoso acompanharmos os médicos, mas logo nos sep- araremos deles. Pois os senhores não devem esperar que as perspectivas de auxílio médico para o doente melhorem significativamente pelo fato de lhe ser diagnosticada uma histeria, em vez de uma grave afecção orgânica do cérebro. Na maioria dos casos, a arte médica é impotente ante as sérias enfermidades do cérebro; mas também diante da afecção histérica o médico nada pode fazer. Tem de deixar que a benévola natureza decida quando e como realizará o esperançoso prognóstico dele.^4 Ao se reconhecer a doença como histeria, pouco muda para o doente; mas muito para o médico. Podemos observar que sua atitude para com o doente histérico é bastante diferente daquela diante do que sofre de uma doença orgân- ica. Ele não dispensa, em relação ao primeiro, o mesmo interesse que tem por esse último, pois a doença daquele é muito menos séria e, no entanto, parece reivindicar a mesma seriedade. E outro fator se junta a isso. O médico, que em seus estudos aprendeu tanta coisa que permanece ignorada pelos leigos, pôde formar, a respeito das causas da doença e das alterações que acarreta (por exem- plo, no cérebro de quem tem uma apoplexia ou um tumor), ideias que até certo ponto têm de ser exatas, pois lhe permitem compreender os detalhes do quadro mórbido. Mas todo o seu saber, todo o seu treino anatomofisiológico e patológico de nada lhe servem ante as singularidades dos fenômenos histéricos. Não con- segue entender a histeria, diante dela se acha na mesma situação que um leigo. E isso não agrada a quem costuma ter em alta conta o próprio saber. Os histéricos são privados da simpatia do médico, portanto. Ele os vê como pessoas que in- fringem as leis de sua ciência, tal como os fiéis veem os heréticos; julga-os

capazes de todo mal, acusa-os de exagero e de fingimento; e os pune subtraindo- lhes seu interesse. Certamente o dr. Breuer não mereceu tal objeção no caso de sua paciente. Tratou-a com simpatia e interesse, embora não soubesse como ajudá-la inicial- mente. É provável que ela mesma contribuísse para essa atitude, mediante as ex- celentes qualidades de intelecto e de caráter por ele documentadas na história clínica que redigiu. Mas logo o seu afetuoso acompanhamento achou o caminho que possibilitou o primeiro auxílio terapêutico. Havia-se observado que a enferma, em seus estados de ausência, de alteração e confusão da psique, murmurava algumas palavras que pareciam originar-se de outra situação que lhe ocupava o pensamento. O médico, tendo-se informado dessas palavras, punha a moça numa espécie de hipnose e as repetia, para fazer com que relacionasse algo a elas. A enferma procedeu dessa forma, e reproduziu para o médico as criações psíquicas que a dominavam durante as ausências e se haviam denunciado naquelas palavras isoladas. Eram fantasias profundamente tristes, muitas vezes de poética beleza — nós as chamaríamos “devaneios” —, que em geral tinham como ponto de partida a situação de uma garota junto ao leito do pai doente. Depois de relatar certo número dessas fantasias, ela se achava como que liberada, retornando à vida psíquica normal. Esse bem-estar permane- cia durante várias horas, mas no dia seguinte dava lugar a uma nova ausência, que do mesmo modo cessava com a exteriorização de novas fantasias. Não se po- dia escapar à impressão de que a alteração psíquica manifestada nas ausências era consequência do estímulo que emanava dessas fantasias tão carregadas de afetos. A própria paciente, que, curiosamente, falava e compreendia apenas o inglês nesse período da doença, deu a esse novo tipo de tratamento o nome de “ talking cure ” [cura pela fala], e também referiu-se a ele, de maneira jocosa, como “ chim- ney sweeping ” [limpeza de chaminé].

depois denominamos “traumas psíquicos”, e sua peculiaridade se explicava pela relação com a cena traumática que os havia ocasionado. Eles eram, para usar um termo técnico, determinados [ determiniert ] pelas cenas das quais constituíam resí- duos de lembranças, já não precisavam ser vistos como produtos arbitrários ou enigmáticos da neurose. Houve apenas uma divergência em relação à expect- ativa. Não era sempre uma só vivência que deixava o sintoma; em geral eram nu- merosos traumas recorrentes, muitas vezes bastante semelhantes, que haviam concorrido para aquele efeito. Toda essa cadeia de lembranças patogênicas tinha então de ser reproduzida em sequência cronológica, em sentido inverso, primeiramente a última e a primeira por último, e era totalmente impossível avançar para o primeiro trauma, muitas vezes o mais influente, pulando os que haviam ocorrido depois. Os senhores certamente desejarão saber de outros exemplos de causação de sintomas histéricos, além desse da hidrofobia provocada por nojo ao cão que be- beu do copo. Mas devo limitar-me a umas poucas amostras, a fim de manter-me dentro da programação. Assim, Breuer conta que os transtornos de visão da pa- ciente remontavam a ocasiões “como aquela em que a paciente, com lágrimas nos olhos, estava sentada junto ao leito do pai enfermo, quando, de repente, ele lhe perguntou que horas eram. Ela não enxergava com nitidez, esforçou-se, trouxe o relógio para perto dos olhos e o mostrador pareceu-lhe então muito grande (mac- ropsia e estrabismo convergente); ou esforçou-se para conter as lágrimas a fim de que o doente não as visse”.^6 Todas as impressões patogênicas, aliás, vinham da época em que ela tinha dado assistência ao pai enfermo. “Certa vez, não dormiu durante a noite, em grande angústia pelo doente alta- mente febril e na tensão da espera, pois aguardava-se um cirurgião de Viena para operá-lo. Sua mãe se afastara por um algum tempo e Anna estava sentada junto ao leito do doente, o braço direito pousado sobre o espaldar da cadeira. Caiu num

estado de sonho acordado e viu como, vindo pela parede, uma serpente negra se aproximava do doente para mordê-lo. (É muito provável que no gramado atrás da casa realmente houvesse algumas serpentes, com as quais a menina já se tivesse sobressaltado antes e que agora forneciam o material da alucinação.) Quis rechaçar o animal, mas estava como que paralisada; o braço direito, pendente sobre o espaldar da cadeira, ficara “adormecido”, insensível e parético, e quando o observou, seus dedos transformaram-se em pequenas serpentes com cabeça de caveira (as unhas). Provavelmente tentara afugentar a serpente com o braço direito paralisado e, com isso, sua anestesia e paralisia se associaram com a alu- cinação da serpente. Quando esta desapareceu, quis rezar, em sua angústia, mas todas as línguas lhe faltaram, não pôde falar em nenhuma delas até que final- mente encontrou um poema infantil inglês , e então pôde continuar a pensar e rez- ar nessa língua.”^7 Com a recordação desta cena sob hipnose, foi eliminada também a paralisia do braço direito, existente desde o início da enfermidade, e foi concluído o tratamento. Quando comecei a usar o método de investigação e tratamento de Breuer em meus próprios pacientes, anos depois, fiz constatações que se harmonizavam in- teiramente com as dele. Uma senhora de cerca de quarenta anos apresentava um tique, fazia um peculiar ruído estalante sempre que se agitava e mesmo sem motivo aparente. Isso havia se originado em duas vivências que tinham em comum sua intenção de não fazer ruído algum naquele momento e o fato de, por uma espécie de vontade contrária, o silêncio ser quebrado justamente por esse barulho: uma vez quando finalmente conseguira fazer adormecer a filha doente e disse a si mesma que precisava ficar bastante quieta, a fim de não acordá-la; e outra vez quando, durante um passeio de carroça com os dois filhos, os cavalos se assustaram com a tempestade e ela desejou evitar cuidadosamente fazer algum

há muito passadas, mas ainda se prendem emocionalmente a elas, não se desven- cilham do passado e por causa dele negligenciam a realidade e o presente. Tal fix- ação da vida psíquica nos traumas patogênicos é uma das características mais im- portantes e de maior consequência prática da neurose. De bom grado aceito a objeção que provavelmente os senhores fazem nesse momento, ao refletir sobre a história clínica da paciente de Breuer. Todos os seus traumas vinham da época em que cuidava do pai enfermo, e os sintomas podem ser entendidos como meros sinais de recordação da doença e da morte dele. Logo, correspondem a um luto, e uma fixação na memória do falecido, tão pouco tempo após sua morte, certamente não é nada patogênico, constituindo antes um processo afetivo normal. Eu lhes concedo que a fixação nos traumas não é uma coisa notável na paciente de Breuer. Mas em outros casos, como no tique por mim mesmo tratado, cujas causas precipitadoras remontavam a mais de quinze e a dez anos antes, a característica do apego anormal ao passado é bastante nítida e provavelmente a paciente de Breuer a teria desenvolvido também, se não tivesse recebido tratamento catártico logo depois que vivenciou os traumas e que sur- giram os sintomas. Até agora discutimos apenas a relação dos sintomas histéricos com a vida dos doentes; mas dois outros elementos da observação de Breuer podem também nos indicar como devemos conceber os processos de adoecimento e de recuperação. Em primeiro lugar, cabe enfatizar que a paciente de Breuer, em quase todas as situações patogênicas, tinha de suprimir uma forte excitação, em vez de possibil- itar o desafogo da excitação mediante os correspondentes sinais de afeto, palavras e atos. No pequeno episódio com o cachorro de sua dama de companhia, ela suprimiu, em consideração a esta, qualquer manifestação de seu intenso nojo; en- quanto velava na cabeceira do pai, tinha o permanente cuidado de não deixar que o doente percebesse algo de seu medo e doloroso estado de ânimo. Depois,

quando reproduziu tais cenas diante de seu médico, o afeto antes inibido apareceu com particular veemência, como se tivesse se poupado durante aquele tempo. De fato, o sintoma que restara dessas cenas adquiriu sua maior intensidade quando o tratamento se avizinhava da causa precipitadora e desapareceu após esta ser in- teiramente esclarecida. Por outro lado, pôde-se constatar que a recordação da cena na presença do médico não tinha efeito quando, por algum motivo, ocorria sem desenvolvimento de afetos. Assim, o que sucedia a esses afetos, que podiam ser concebidos como grandezas deslocáveis, era também o decisivo tanto no ad- oecimento como na recuperação. Impôs-se a conjectura de que a doença se produzia porque os afetos desenvolvidos nas situações patogênicas tinham a saída normal bloqueada, e que a essência da doença consistia em que esses afetos “estrangulados” sujeitavam-se então a um emprego anormal. Em parte, per- maneciam como duradouro fardo para a vida psíquica e fonte de contínua excit- ação para ela; e em parte experimentavam uma transformação em inusitadas in- ervações e inibições somáticas, que se apresentavam como os sintomas físicos do caso. Para designar esse último processo recorremos ao nome de conversão histérica. Certa parte de nossa excitação psíquica é normalmente guiada pelas vias da inervação somática e resulta no que se conhece como “expressão de emoções”. A conversão histérica exagera essa parte do desafogo de um processo psíquico in- vestido de afeto; ela corresponde a uma expressão de afetos bem mais intensa, guiada por novas trilhas. Se um rio flui por dois canais, num deles ocorre uma in- undação quando a corrente do outro depara com um obstáculo. Como veem, estamos a ponto de chegar a uma teoria puramente psicológica da histeria, em que atribuímos o primeiro lugar aos processosb^ afetivos. Uma se- gunda observação de Breuer nos obriga a conceder elevada importância aos esta- dos de consciência na caracterização do evento patológico. Sua paciente exibia variadas disposições psíquicas, estados de ausência, confusão e alteração do

amnésia, uma lacuna na lembrança, e o preenchimento dessa lacuna implica a eliminação das condições que geraram o sintoma. Receio que essa parte de minha exposição não lhes tenha parecido muito clara. Mas tenham em conta que se trata de concepções novas e difíceis, que talvez não possam ser apresentadas mais nitidamente; uma prova de que ainda não avançamos muito em nosso conhecimento. De resto, a tese dos estados hipnoides de Breuer revelou-se limitadora e supérflua, tendo sido abandonada pela psicanálise de hoje. Mais adiante os senhores saberão, ao menos em linhas gerais, que influências e processos havia a descobrir por trás da barreira dos esta- dos hipnoides postulada por Breuer. Os senhores também terão tido a impressão, justificadamente, de que a pesquisa de Breuer pôde lhes oferecer apenas uma teoria incompleta e um esclarecimento insatisfatório dos fenômenos observados; mas teorias acabadas não caem do céu, e os senhores também desconfiarão, de maneira ainda mais justificada, se alguém lhes propuser uma teoria arrematada e sem lacunas já no começo das observações. Uma teoria assim só poderia ser fruto da especulação de seu autor, e não produto da investigação despreconcebida dos fatos.

II

Senhoras e senhores: Na mesma época, aproximadamente, em que Breuer fazia a talking cure com sua paciente, o grande Charcot começava em Paris as

investigações sobre os doentes histéricos da Salpêtrière, que resultariam numa nova compreensão da enfermidade. Esses resultados não podiam ser conhecidos em Viena naquele tempo. Mas quando, cerca de dez anos depois, Breuer e eu publicamos a comunicação preliminar sobre o mecanismo psíquico dos fenô- menos histéricos, baseada no tratamento catártico da primeira paciente de Breuer, estávamos inteiramente fascinados pelas pesquisas de Charcot. Tomando as vivências patogênicas de nossos enfermos como traumas psíquicos, nós as equiparamos aos traumas físicos que influenciavam as paralisias histéricas, na constatação de Charcot; e a tese dos estados hipnoides, de Breuer, não é outra coisa senão um reflexo do fato de Charcot haver reproduzido artificialmente aquelas paralisias traumáticas. Esse grande observador francês, de quem fui aluno em 1885-86, não era dado a concepções psicológicas ele mesmo. Apenas seu discípulo P. Janet buscou aprofundar-se nos processos psíquicos peculiares da histeria, e nós seguimos seu exemplo ao colocar a cisão psíquica e a desintegração da personalidade no centro de nossa concepção. Os senhores encontram em Janet uma teoria da histeria que leva em conta as doutrinas vigentes na França sobre o papel da hereditariedade e da degeneração. A histeria é, segundo ele, uma forma de alteração degenerativa do sistema nervoso que se manifesta por uma fraqueza congênita [na capacidade] de síntese psíquica. Os histéricos seriam, desde o princípio, incapazes de juntar numa unidade os múltiplos processos psíquicos, daí sua tendência à dissociação psíquica. Se me permitem uma imagem banal, porém clara, o paciente histérico de Janet lembra uma mulher fraca que saiu para fazer compras, e depois retorna com uma pilha de pacotes e caixas. Não consegue segurar tudo com os dois braços e dez dedos, e então lhe escapa um dos volumes. Quando ela se abaixa para pegá-lo, outro lhe cai das mãos, e assim por diante. Mas não se harmoniza bem com essa suposta fraqueza psíquica dos histéricos o fato de neles podermos

coisas vividas durante o sonambulismo, e que era possível lhes despertar aquelas lembranças também no estado normal. Quando ele lhes perguntava sobre aquelas vivências, inicialmente afirmavam nada saber; mas, quando não desistia, in- sistindo e assegurando que sabiam, então as lembranças esquecidas retornavam sempre. Assim também fiz com meus pacientes. Quando chegava com eles a um ponto em que diziam nada saber mais, eu lhes assegurava que sabiam, sim, que deviam apenas dizê-lo, e ousava afirmar que teriam a lembrança correta no momento em que eu pusesse a mão sobre sua testa. Dessa maneira consegui, sem recorrer à hipnose, saber dos doentes tudo o que era preciso para estabelecer o nexo entre as cenas patogênicas esquecidas e os sintomas por elas deixados. Mas era um pro- cedimento laborioso, e mesmo extenuante a longo prazo, que não se prestava para uma técnica definitiva. Mas não o abandonei sem que tirasse conclusões decisivas do que ali perce- bera. Eu vira confirmado o fato de que as lembranças esquecidas não se achavam perdidas. Estavam em poder do doente e prontas para emergir em associação com o que ainda sabia, mas alguma força as impedia de se tornarem conscientes, obrigava-as a permanecer inconscientes. A existência dessa força podia ser ad- mitida com segurança, pois notava-se a tensão a ela correspondente quando nos empenhávamos em introduzir na consciência do doente as lembranças incon- scientes, em oposição a ela. Vimos como resistência do paciente a força que mantinha o estado patológico. Foi sobre essa ideia de resistência que baseei minha concepção dos processos psíquicos da histeria. Para a recuperação do doente, mostrava-se necessário afastar essas resistências; e a partir do mecanismo da cura podíamos, então, form- ar ideias bem definidas sobre o desenvolvimento da doença. As mesmas forças que naquele momento se opunham, na qualidade de resistência, a que o material

esquecido se tornasse consciente, deviam ter provocado esse esquecimento e em- purrado as vivências patogênicas em questão para fora da consciência. Chamei repressão a este processo que supunha, e o considerei demonstrado pela inegável existência da resistência. Mas cabia também perguntar quais eram essas forças e quais as condições para a repressão, em que então discerníamos o mecanismo patogênico da histeria. Um exame comparativo das situações patogênicas, que havíamos conhecido mediante o tratamento catártico, permitiu responder a essa questão. Em todas aquelas vivências havia aflorado um desejoc^ que se achava em agudo contraste com os demais desejos do indivíduo, que se mostrava inconciliável com as exigências ét- icas e estéticas da personalidade. Ocorrera um breve conflito e, no final dessa luta interior, a ideia que aparecia ante a consciência como portadora daquele desejo incompatível sucumbiu à repressão, sendo impelida para fora da consciência e es- quecida, junto com as lembranças a ela relacionadas. O motivo da repressão, portanto, era a incompatibilidade entre a ideia em questão e o Eu do paciente; as forças repressivas eram as reivindicações éticas etc. do indivíduo. A aceitação do desejo inconciliável ou o prosseguimento do conflito teriam gerado intenso de- sprazer; esse desprazer foi evitado pela repressão, que, dessa maneira, revelou-se como um dos dispositivos de proteção da personalidade psíquica. Em vez de muitos exemplos, quero lhes apresentar um só de meus casos, no qual as condições para a repressão e sua utilidade são bastante claras. É certo que, para meus propósitos, terei que abreviar também essa história clínica, deixando de lado importantes premissas dela. Uma moça que pouco antes havia perdido seu amado pai e que lhe havia dado assistência — uma situação análoga à da pa- ciente de Breuer — demonstrou, após o casamento da irmã mais velha, simpatia especial pelo novo cunhado, sentimento esse que podia ser tomado por afeição familiar. Pouco tempo depois a irmã adoeceu e morreu, quando a paciente e sua

Agora os senhores veem onde a nossa concepção se diferencia da de Janet. Nós não derivamos a cisão da psique de uma inata deficiência do aparelho psíquico para realizar a síntese, e sim a explicamos dinamicamente, pelo conflito entre forças psíquicas contrastantes, nela enxergando o resultado de uma ativa oposição entre os dois grupamentos psíquicos. Desta nossa concepção nascem novas questões em grande número. Sabe-se que é muito frequente a situação de conflito psíquico; o esforço do Eu em defender-se de recordações dolorosas é ob- servado com inteira regularidade, sem que leve a uma cisão psíquica. Não po- demos afastar o pensamento de que outras condições são requeridas para que o conflito resulte na dissociação. Também admito, de bom grado, que com a hipótese da repressão estamos apenas no começo, não no final de uma teoria psicológica, mas só podemos avançar aos poucos, o conhecimento completo de- penderá de um trabalho maior e mais profundo. Por outro lado, os senhores não devem tentar refletir sobre o caso da paciente de Breuer a partir da repressão. Essa história clínica não se presta a isso, pois foi obtida mediante a influência hipnótica. Somente quando os senhores excluírem a hipnose poderão notar as resistências e repressões e formar uma ideia adequada do verdadeiro processo patogênico. A hipnose esconde a resistência e torna acessível determinado âmbito da psique, mas, em troca, acumula a resistência nos limites desse âmbito, formando uma muralha que torna inacessível tudo o que es- tá além. O que extraímos de mais valioso da observação de Breuer foram os esclareci- mentos sobre o vínculo entre os sintomas e as vivências patogênicas ou traumas psíquicos, e agora não podemos deixar de avaliar essas percepções a partir da teoria da repressão. Não percebemos, à primeira vista, como se chega à formação de sintomas partindo da repressão. Em vez de fornecer uma complicada argu- mentação teórica, quero retornar, neste ponto, à imagem que utilizamos

anteriormente para a repressão. Considerem que o incidente não terminou neces- sariamente com a exclusão do indivíduo incômodo e o posicionamento dos vigias ante a porta. Pode muito bem ter ocorrido que o sujeito, irritado e ainda mais desconsiderado, prosseguisse nos dando trabalho. É certo que já não estava entre nós, que nos livramos de sua presença, de seu riso galhofeiro, de suas obser- vações a meia-voz, mas em determinado sentido a repressão malogrou, pois ele passou a apresentar lá fora seu intolerável espetáculo, e seus gritos e golpes na porta inibiam minha palestra mais ainda que o comportamento grosseiro de antes. Em tal situação, ficaríamos contentes se, digamos, nosso estimado presid- ente, o dr. Stanley Hall, se dispusesse a assumir o papel de mediador e pacific- ador. Ele sairia para falar com o intratável sujeito e retornaria com a proposta de que o deixássemos entrar novamente, garantindo que o homem se comportaria melhor. Fiados na autoridade do dr. Hall, concordaríamos em suspender a repressão e haveria novamente paz e sossego. Esta não seria uma descrição inad- equada da tarefa que toca ao médico na terapia psicanalítica das neuroses. Para dizê-lo mais diretamente: estudando os doentes histéricos e outros neuróticos, chegamos à conclusão de que neles fracassou a repressão da ideia a que se liga o desejo insuportável. É certo que a impeliram para fora da consciên- cia e da lembrança e aparentemente se pouparam uma enorme soma de desprazer, mas no inconsciente o desejo reprimido continua a existir , espreita por uma opor- tunidade de ser ativado, e então consegue enviar à consciência uma formação sub- stitutiva para o que foi reprimido, deformada e tornada irreconhecível, à qual logo se ligam os mesmos sentimentos de desprazer dos quais o indivíduo se acreditava poupado mediante a repressão. Tal formação substitutiva da ideia rep- rimida — o sintoma — é imune a ataques subsequentes por parte do Eu defens- ivo, e no lugar do breve conflito surge um sofrimento interminável. No sintoma se constata, junto aos indícios da deformação, um resíduo de semelhança indireta