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O Papel das Disciplinas Propedêuticas no Ensino Jurídico: Desafios e Perspectivas, Notas de estudo de Direito

Nesta entrevista, roberto fragale filho discute o papel das disciplinas propedêuticas no ensino jurídico no contexto pós-moderno. Ele questiona a percepção de que esses conteúdos são auxiliares e preparatórios, e argumenta que eles são fundamentais para instaurar um diálogo do direito com outros saberes. Fragale filho também aborda a necessidade de legitimar essas disciplinas e de romper com o padrão de oferta segmentada e introdutória.

Tipologia: Notas de estudo

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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R EV I S T A O P I NI Ã O JU R Í D IC A 265
O PAPEL DAS DISCIPLINAS
PROPEDÊUTICAS NO ENSINO JURÍDICO:
DESAFIOS E PERSPECTIVAS
ENTREVISTA COM ROBERTO FRAGALE FILHO*
Por Fayga Silveira Bedê**
1) Com a emergência da pós-modernidade, as sociedades têm se tornado
hipercomplexificadas, sujeitas a inúmeras variáveis relevantes, em contínua
interação, em arranjos que se fazem e se refazem de forma cada vez mais
volátil. Como o senhor avalia o papel das disciplinas propedêuticas para o
ensino jurídico no contexto pós-moderno?
A formulação da pergunta é contraditória, pois ela articula a carac-
terização de uma sociedade s-moderna, marcada por traços intensos de
fragmentação e volatilidade, associados à crescente complexificação da vida,
com a atribuição de um papel às disciplinas propedêuticas no âmbito do ensino
jurídico. Ora, na medida em que falar em conhecimento propedêutico remete
ao seu caráter introdutório, preliminar, preparatório, adjetivar alguns conteú-
dos do curso jurídico como propedêuticos significa falar em um saber auxiliar,
que alavanca o conhecimento jurídico. Ou seja, estes conteúdos revelam-se
acessórios ao “verdadeiro” objeto do conhecimento jurídico. Esse caráter auxi-
liar, preparatório para o conhecimento mais completo e aprofundado é, aliás,
reforçado pela oferta “intermediária” desses conteúdos. É como se eles consti-
tuíssem uma etapa entre o “não-saber” ou o “saber vulgar” e o “saber jurídico”,
que seria transmitido quase exclusivamente mediante o estudo da dogmática,
cujo objeto diria respeito ao “verdadeiro” Direito. Essa percepção de um saber
auxiliar, ao reforçar o caráter disciplinar desse mesmo ensino, termina por fazer
pouco caso das possibilidades interdisciplinares presentes em uma oferta mais
plural nas faculdades de Direito. Adjetivações à parte, para que servem, então,
os conteúdos propedêuticos? Creio que eles são fundamentais para instaurar
um diálogo do Direito com outros saberes, para evidenciar os limites das res-
* Roberto Fragale Filho é doutor em Ciência Política pela Université de Montpellier I (1997). Atualmente,
é Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal
Fluminense (UFF), do Mestrado Profissional em Poder Judiciário da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ)
e Juiz do Trabalho Titular da Vara do Trabalho de São João de Meriti (RJ). Foi Professor Visitante
na University of Illinois at Urbana-Champaign (2006) e na Université Paul Valéry (2009 e 2010). É
Coordenador Pedagógico da Escola Judicial do TRT-RJ e Presidente do Conselho Nacional das Escolas
de Magistratura do Trabalho (CONEMATRA). É membro do conselho editorial do Comparative Labor
Law & Policy Journal. Atua na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho, Sociologia Jurídica,
Ensino Jurídico e Ensino Superior.
** Doutoranda em Sociologia pela UFC. Mestre em direito pela UFPR. Professora universitária.
Editora responsavel pela Revista Opinião Jurídica
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R E V I S T A O P I N I Ã O J U R Í D I C A (^) 265

O PAPEL DAS DISCIPLINAS

PROPEDÊUTICAS NO ENSINO JURÍDICO:

DESAFIOS E PERSPECTIVAS

ENTREVISTA COM ROBERTO FRAGALE FILHO*

Por Fayga Silveira Bedê**

1) Com a emergência da pós-modernidade, as sociedades têm se tornado hipercomplexificadas, sujeitas a inúmeras variáveis relevantes, em contínua interação, em arranjos que se fazem e se refazem de forma cada vez mais volátil. Como o senhor avalia o papel das disciplinas propedêuticas para o ensino jurídico no contexto pós-moderno?

A formulação da pergunta é contraditória, pois ela articula a carac- terização de uma sociedade pós-moderna, marcada por traços intensos de fragmentação e volatilidade, associados à crescente complexificação da vida, com a atribuição de um papel às disciplinas propedêuticas no âmbito do ensino jurídico. Ora, na medida em que falar em conhecimento propedêutico remete ao seu caráter introdutório, preliminar, preparatório, adjetivar alguns conteú- dos do curso jurídico como propedêuticos significa falar em um saber auxiliar, que alavanca o conhecimento jurídico. Ou seja, estes conteúdos revelam-se acessórios ao “verdadeiro” objeto do conhecimento jurídico. Esse caráter auxi- liar, preparatório para o conhecimento mais completo e aprofundado é, aliás, reforçado pela oferta “intermediária” desses conteúdos. É como se eles consti- tuíssem uma etapa entre o “não-saber” ou o “saber vulgar” e o “saber jurídico”, que seria transmitido quase exclusivamente mediante o estudo da dogmática, cujo objeto diria respeito ao “verdadeiro” Direito. Essa percepção de um saber auxiliar, ao reforçar o caráter disciplinar desse mesmo ensino, termina por fazer pouco caso das possibilidades interdisciplinares presentes em uma oferta mais plural nas faculdades de Direito. Adjetivações à parte, para que servem, então, os conteúdos propedêuticos? Creio que eles são fundamentais para instaurar um diálogo do Direito com outros saberes, para evidenciar os limites das res-

  • Roberto Fragale Filho é doutor em Ciência Política pela Université de Montpellier I (1997). Atualmente, é Professor do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito (PPGSD) da Universidade Federal Fluminense (UFF), do Mestrado Profissional em Poder Judiciário da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ) e Juiz do Trabalho Titular da 1ª Vara do Trabalho de São João de Meriti (RJ). Foi Professor Visitante na University of Illinois at Urbana-Champaign (2006) e na Université Paul Valéry (2009 e 2010). É Coordenador Pedagógico da Escola Judicial do TRT-RJ e Presidente do Conselho Nacional das Escolas de Magistratura do Trabalho (CONEMATRA). É membro do conselho editorial do Comparative Labor Law & Policy Journal. Atua na área de Direito, com ênfase em Direito do Trabalho, Sociologia Jurídica, Ensino Jurídico e Ensino Superior. ** Doutoranda em Sociologia pela UFC. Mestre em direito pela UFPR. Professora universitária. Editora responsavel pela Revista Opinião Jurídica

Entrevista com Roberto Fragale FIlho

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postas normativas. Enfim, esses conteúdos possibilitam evidenciar o processo de hipercomplexificação mencionado em sua pergunta.

2) Professor Fragale, realizei uma pesquisa qualitativa junto a professores de disciplinas propedêuticas em cursos jurídicos, no Ceará e em outros Estados da Federação. A quase totalidade dos informantes pressentia a necessidade de “legitimar” a disciplina durante as primeiras aulas de um novo curso. O senhor também confirma uma maior predisposição dos alunos quanto às disciplinas “dogmáticas” e uma maior refração da parte deles em relação às propedêuticas? Em caso afirmativo, a que fatores o senhor atribui essa tendência?

Não creio que a necessidade de “legitimação” expressada pela pergunta seja uma exclusividade dos professores dos conteúdos propedêuticos. Penso que ela está presente em toda ação docente, que corresponde a um processo con- tínuo, cujo alcance se estende desde o conteúdo até o próprio docente. Nesse sentido, a legitimação referida por sua pergunta traduz, na verdade, um equívoco de percepção, pois ela é a mais completa tradução de uma tentativa docente de ver seu objeto de estudo ser reconhecido pela comunidade acadêmica como um saber auxiliar, porém legítimo, assim como de não ser visto nas faculdades de direito como um meteco, um intruso nas faculdades de direito. Quanto aos alunos, não vislumbro uma maior predisposição ao conteúdo dogmático, mas, tão somente, uma visão equivocada do que pode ser o conhecimento jurídico. Como disse antes, a percepção do conteúdo interdisciplinar como uma etapa inútil, porém necessária para se chegar ao “verdadeiro” conhecimento é reforçada por essa oferta segmentada e introdutória de outros saberes com pouca ou nenhuma conexão com o universo jurídico. Assim, ao invés da oferta disciplinar contribuir para a ruptura da “visão hegemônica do Direito”, ela termina por reforçá-la. É preciso, portanto, romper com esse padrão de oferta e institucionalizar um consistente diálogo de saberes no interior dos cursos jurídicos. Não se trata, contudo, de reforçar ou instituir uma espécie de babel científica. O diálogo requer método e deve, antes de tudo, explicitar que seu ponto de partida é o mundo do ser, ou seja, como as coisas ocorrem. Estudar o receituário normativo, sem olhar para o mundo, é incentivar o desenvolvimento de um autismo jurídico com o qual não podemos, definitivamente, concordar.

3) Metodologicamente falando, que soluções podem ser empregadas para estetizar o espaço da sala de aula, a fim de capturar a atenção dos alunos, dando às disciplinas propedêuticas um novo papel no imaginário dos nossos alunos?

Entrevista com Roberto Fragale FIlho

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interação não se transformem em uma espécie de alforria individual do processo acadêmico. Mas, como ampliar a comunicação? Ora, para além de uma even- tual simplificação da linguagem, creio ser necessário um esforço docente para integrar as novas tecnologias em seu cotidiano. Montar um blog, aliás, não é uma operação tão complicada assim. Difícil é mantê-lo atualizado, repleto de postagens recentes... O uso de outras estratégias comunicativas é também uma boa pista para se pensar o impacto das novas tecnologias. Redes sociais começam a incorporar profissionais acadêmicos e constituem uma importante alavanca para aperfeiçoar a comunicação. Enfim, tecnologicamente, o céu parece ser o limite. Mas, como ele está longe de ser atingido, um bom começo consiste em entender as possibilidades que cada vez mais se fazem disponíveis para a comu- nidade acadêmica e os usos deles q que ela acaba por realizar. Afinal, conhecer nossas práticas – antigas e contemporâneas – é, sem dúvida, o primeiro passo para melhorar o processo comunicativo desenvolvido em nossas salas de aula.