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Projeto 'Brincando e Aprendendo: Abordagem Antirracista na Educação Infantil', Manuais, Projetos, Pesquisas de Música

Relato de uma experiência viva realizada no centro municipal de educação infantil estrela dalva, na região de contagem, minas gerais, onde se notou preconceito racial entre crianças de cinco anos. A história conta a intervenção da onu, a construção do cemei, a leitura do livro 'o cabelo de lelê' e as atividades desenvolvidas com as crianças, que resultaram em uma apresentação de capoeira e a formação de uma banda musical 'samba-lelê'.

O que você vai aprender

  • Quais atividades foram desenvolvidas com as crianças no projeto 'Brincando e Aprendendo nos Cabelos de Lelê'?
  • Como as crianças reagiram ao livro 'O Cabelo de Lelê'?
  • Qual foi a motivação para a construção do Centro Municipal de Educação Infantil Estrela Dalva?

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Boto92
Boto92 🇧🇷

4.6

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Projeto: “Brincando e Aprendendo nos Cabelos de Lelê”
7-RELATO DA EXPERIÊNCIA
“A identidade étnica,
Assim como a língua materna,
é elemento de constituição da
criança”.
Diretrizes curriculares
nacionais da Educação infantil
MEC, Brasil.
Esse relato trata de uma experiência vivenciada no Centro Municipal de
Educação Infantil Estrela Dalva por mim, por 24 crianças de 05 anos da turma
C, por funcionários e pela família dessas crianças.
A construção do CEMEI foi uma conquista da comunidade através do
Orçamento Participativo em 2010, pois, não tínhamos nenhuma escola de
educação infantil na região. (anexo 1)
O Centro de Educação Infantil Estrela Dalva (CEMEI Estrela Dalva),
atende crianças de 02 a 05 anos de idade e está localizada na região do
nacional, periferia do município de Contagem em Minas Gerais, um local com
alto índice de violência chegando a ter “toque de recolher” ao morrer um
membro do tráfico local.
Entre os anos de 2011 e 2012 a região foi contemplada com a
intervenção da ONU (organização das Nações Unidas), que através de um
trabalho presencial buscou formar agentes locais objetivando o fortalecimento
da comunidade e sua pacificação.
As crianças pertencem a famílias de pais trabalhador-operários e alguns
com envolvimento no tráfico. Algumas crianças são cuidadas pelas avós ou
vizinhos que se dispõem para tal recebendo uma ajuda financeira que os
pais são assalariados com baixo poder aquisitivo. A maioria dos pais se mostra
participativos a vida escolar dos filhos e são cuidadosos com a escola.
Tudo começa num certo dia do mês de fevereiro, quando ainda estava no
processo de conhecimento da turma e percebi que na “Hora do Brinquedo” as
crianças deixavam de lado as bonecas de cor preta chegando a chutá-las, não
brincando com elas como brincavam com as demais bonecas brancas,e
principalmente, a Barbie.
Constatei em sala de aula a relação de racismo existente entre as crianças.
Algumas crianças nem mesmo se assentavam na mesma mesa onde as
colegas de cor negra se assentavam eas chamavam de “chocolate”. Ouvia
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Projeto: “Brincando e Aprendendo nos Cabelos de Lelê”

7-RELATO DA EXPERIÊNCIA

“A identidade étnica, Assim como a língua materna, é elemento de constituição da criança”. Diretrizes curriculares nacionais da Educação infantil

  • MEC, Brasil.

Esse relato trata de uma experiência vivenciada no Centro Municipal de Educação Infantil Estrela Dalva por mim, por 24 crianças de 05 anos da turma C, por funcionários e pela família dessas crianças.

A construção do CEMEI foi uma conquista da comunidade através do Orçamento Participativo em 2010, pois, não tínhamos nenhuma escola de educação infantil na região. (anexo 1)

O Centro de Educação Infantil Estrela Dalva (CEMEI Estrela Dalva), atende crianças de 02 a 05 anos de idade e está localizada na região do nacional, periferia do município de Contagem em Minas Gerais, um local com alto índice de violência chegando a ter “toque de recolher” ao morrer um membro do tráfico local.

Entre os anos de 2011 e 2012 a região foi contemplada com a intervenção da ONU (organização das Nações Unidas), que através de um trabalho presencial buscou formar agentes locais objetivando o fortalecimento da comunidade e sua pacificação.

As crianças pertencem a famílias de pais trabalhador-operários e alguns com envolvimento no tráfico. Algumas crianças são cuidadas pelas avós ou vizinhos que se dispõem para tal recebendo uma ajuda financeira já que os pais são assalariados com baixo poder aquisitivo. A maioria dos pais se mostra participativos a vida escolar dos filhos e são cuidadosos com a escola.

Tudo começa num certo dia do mês de fevereiro, quando ainda estava no processo de conhecimento da turma e percebi que na “Hora do Brinquedo” as crianças deixavam de lado as bonecas de cor preta chegando a chutá-las, não brincando com elas como brincavam com as demais bonecas brancas,e principalmente, a Barbie.

Constatei em sala de aula a relação de racismo existente entre as crianças. Algumas crianças nem mesmo se assentavam na mesma mesa onde as colegas de cor negra se assentavam eas chamavam de “chocolate”. Ouvia

então as seguintes falas: ”Oh, chocolate me empresta o lápis” às vezes eu indagava: por que você não brinca com a Maria (nome fictício) e escutava o seguinte: “Por que ela é chata e diferente”; “Por que ela é chocolate, né professora?” Aí estava evidenciado o racismo em sua forma mais clara e cruel.

Um dia chequei a sala carregando uma boneca preta, a mesma que eles geralmente chutavam na “Hora do Brinquedo”, observei que ficaram olhando para aquela situação sem entender muito bem o que estava acontecendo.

Fiquei com aquela boneca durante todo o horário de aula e cuidava dela. Usava “linguagem do universo infantil como: “Ô nenê não chora”,” Tá com fominha!”, “ Quer colinho!”,“ Quer beijinho!”.

Após alguns minutos as perguntas começaram:“por você está com essa boneca?”, “Ela é sua filhinha?”,Então respondi: “Não, ela é filha da minha amiga.” Nesse momento uma menina negra me fala: “Mas professora ela é chocolate!”. E outra: “Ela é muito feia!”, “Troca de filhinha, professora!”.

Esse foi meu ponto de partida. Paramos a atividade de escrita que estávamos fazendo e os convidei a fazer a “Rodinha de Conversa” (atividade diária ou momentânea conforme a necessidade de avaliarmos atitudes e ações). (anexo 2)

As falas emitidas pelas crianças foram carregadas de preconceitos.

Levá-las a perceber o negro como ser humano e não como “chocolate” (apesar de ser gostoso) de maneira lúdica era meu grande desafio.

Mas, uma questão me atormentava: de onde vinha aquele preconceito tão fortemente inserido em sujeitos tão novos de idade?

Fiz um levantamento nas fichas de matrícula das crianças na escola. Conforme declaração dos pais ou dos responsáveis pelas crianças da turma de 05 anos: 10 crianças eram pardas, 09 brancas, 01 amarela e 04 não declararam acordo filho ou filha.

Na realidade a turma é composta de uma maioria parda, depois negra e não existe nenhuma criança amarela.

Então, num primeiro olhar percebi de onde vinha tanto preconceito.

Era preciso fazer algo. Fiz a leitura das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico-Raciais da Secretaria Especial de políticas de Promoção da Igualdade Racial do MEC, Os Cadernos de Educação Infantil do Município de Contagem e outros aportes teóricos que muito me ajudaram.

Uma curiosidade das crianças, surgida durante esse período de execução do projeto era saber como era o planeta terra. Então, levei o globo terrestre para a sala de aula, (anexo 7) ficaram surpresos ao saber que a terra era daquela forma e que girava, mas percebi que algumas indagações continuavam naquelas cabecinhas, era preciso recursos mais aprimorados, pois, devido à idade trabalhar a compreensão utilizando só o abstrato se torna difícil.

Desejavam saber se a África era muito longe, se podia para ir a pé, queriam saber como os parentes da Lelê chegaram aqui, e também indagações inerentes ao próprio mapa: “O que é esse azul?”, “Por que tantas linhas?”, “Então, a terra é de papel?”, “Onde a gente mora é quadrado?”, “Onde está o planeta terra?”, tais intervenções á leitura cartográfica me deixou surpresa.

O que fazer? Era a indagação com a qual fui dormir naquela noite.

Uma forma de sanar aquelas dúvidas era usar a internet possibilitando a visualização do planeta terra no universo. Mas muitas crianças não têm computador e internet em casa e na escola dispomos de apenas um computador e não temos acesso à internet.

Então, a diretora da escola levou sua internet móvel e num “cantinho” minúsculo (a diretora do CEMEI não tem uma sala, sua mesa fica num canto da secretaria da escola, sendo dividida por um armário de aço) colocávamos as crianças em pequenos grupos para visualizarem o universo e o planeta terra. Seus olhos brilhavam como estrelas, admirados com aquela visão. (anexo8)

De repente uma criança pergunta: “Professora, tem uma mão que segura a terra?” Expliquei sobre a lei da gravidade tentando utilizar termos do universo infantil.

Algumas curiosidades foram sanadas naquele momento, outras foram colocadas para eles pesquisarem junto com suas famílias, que já tinham sido comunicadas através de um bilhete sobre o projeto que estava sendo desenvolvido com a turma.

As crianças chegaram ansiosas à sala de aula querendo falar o que seus pais tinham lhe contado sobre seus antepassados. Alguns pais se posicionaram como afro descendente, outros ignoraram a descendência e outros poucos falaram a seus filhos para ir tratar de aprender a ler que era melhor!

Dias depois uma criança me chega com fragmentos de mapas do litoral brasileiro evidenciando as invasões o litoral do nordeste e me diz: “Professora, olha o que achei lá em casa num livro, é o mapa da África da Lelê, trouxe para

você!” Me emocionei, pois percebi que aqueles pequenos aprenderam a identificar um mapa. (anexo 9)

Dentre algumas atividades fizemos a escrita do nome com massinha de modelar. Cada criança escreveu seu primeiro nome e usaram o sobrenome: Lelê.Claro que do jeito deles (as), crianças de 05 anos.(anexo10)

Como a curiosidade sobre a África não dava trégua, assistimos ao filme “Kirikou e os animais selvagens”. As crianças adoraram, se identificaram com o personagem, uma criança pequena que interagi com sua comunidade na solução dos conflitos.(anexo 11)

No momento da rodinha para análise do filme surgiram muitos comentários interessantes, como: “Professora, o Kirikou é amigo da Lelê?”, “Ele é muito inteligente.”, O Kirikou é bebê, mas sabe muita coisa, igual à gente, né?”,“ Nossa, ele é amigo dos animais!”, “Aqueles são os animais da África?”, “Eu já vi aqueles animais no zoológico.”, “Kirikou podia vir aqui brincar com a gente e trazer os animais.”.Claro que houve muitos comentários que causavam risadas de todos nós, foi um momento único. Ricas inferências relacionadas ao filme.

Aproveitamos a questão dos animais selvagens e montamos a maquete “Bichos da África”, reutilizando caixas de papelão. Falamos sobre a necessidade de reutilizarmos os materiais e como isso faz bem para gente e para a natureza. (anexo 12)

Foi uma conversa e tanto, começaram a compreender a importância da preservação, conservação e sustentabilidade, e na prática tive que arrumar uma grande caixa para colocar as sucatas (caixas de ovos, embalagens de iogurte, caixas de sapato, rolos base do papel higiênico, latas de massa de tomate e outros) que as crianças começaram a trazer no dia-a-dia e me diziam: “Professora, será que podemos fazer alguma coisa com isso?”. (anexo 13)

Dentre as atividades de artes, construímos duas bonecas representando a Lelê uma onde utilizamos copo descartável, jornal e rococó (anexo 14).

Outra utilizando pratinho de papel e lãs como cabelo, onde logo após a confecção da boneca as crianças puderam fazer vários penteados. Adquirifitas coloridas e terêrês que foram usados para decorar os penteados, foi um show(anexo 15).

Durante a confecção das bonecas as conversas sobre a África, sobre o filme: “Kirikou e os Animais Selvagens”, sobre o livro: “O Cabelo de Lelê”, sobre “cada um ser bonito do jeito que é” (fala de uma criança) permeavam o tempo, num ritmo de poesia, sabedoria, algo mágico, que era alinhavado entre o passado eo presente.

afiado, formatando o tabuleiro para o jogo. Confeccionei as peças coloridas (cores do continente africano). ( anexo 21).

Logo que expliquei para a turma como jogar iniciaram as rodadas de jogos. As crianças estavam entusiasmadas (anexo 22).

Trabalhar com jogos nos traz possibilidades diversas de observar, analisar e intervir na construção do processo ensino-aprendizagem, assim como, nas atitudes e comportamentos, utilizando das regras, combinados e posturas éticas.

A “Rodinha de Conversa” feita logo após cada atividade norteava o trabalho. Avaliávamos o que estava bom o que precisava melhorar e o que iríamos conhecer adiante.(anexo 23)

Estava chegando a hora do encerramento do projeto precisava pensar numa atividade que marcasse o seu final e que resumisse aquele trabalho desenvolvido com tamanha intensidade.

Lembrei que durante uma “Rodinha de Conversa”, uma criança tinha citado que seu irmão era capoeirista, então, eu e a diretora da escola entramos em contato com uma instituição de educação integral, vizinha do CEMEI, denominada Educarte que atende crianças e adolescente no horário extraescolar e tem oficina de capoeira.

Pronto estava convidada e confirmada à apresentação de capoeira no CEMEI Estrela Dalva para todas as turmas. Estabeleceu-se mais uma parceria, além de valorizarmos uma atividade do meio onde convivemos.

Mas estava faltando algo onde as próprias crianças pudessem apresentar. Então, lembrei-me da música. Ela sempre encanta e embala nossos sonhos.

A escolha da música a ser cantada na apresentação foi feita pelas crianças. A cantiga “samba-Lelê”, teve unanimidade no processo de escolha e uma criança ainda completou: ”Professora a nossa banda pode chamar samba- Lelê, acho que a Lelê (da história) ia gostar muito.” Eram sensacionais as inferências feitas continuamente ao texto e o vínculo estabelecido com a personagem do livro.

Convidei o porteiro da escola para me ajudar nos ensaios e confecção de alguns instrumentos uma vez que é percursionista num grupo de pagode local e poderia muito nos ajudar, pois, a música teria um ritmo afro, generosamente ele aceitou participar nesse desafio.

Começamos os preparativos: convites para os pais, confecção dos instrumentos utilizando latinhas de bebidas, latas de tinta, rolos base de papel toalha e grãos, roupas e acessórios.(anexo 24)

As crianças pintaram os instrumentos musicais com as cores da África, com a ajuda do porteiro da escola e um adolescente que cumpri medida sócio- educativa no CEMEI. (anexo 25)

A diretora da escola confeccionou um lindo mural que serviria de fundo para as apresentações. (anexo 26)

Certo dia uma das crianças chega à sala e me diz: “Professora, trouxe um presente para a você, fiz em casa e meu pai me ajudou!” e me entregou um papel oficio verde dobrado feito envelope de carta escrito com cores coloridas no lado externo: ”AMOR DESENHO DAFRICA” e ao abrir o envelope estava desenhado grafismo africano com cores fortes, conforme eles tinham aprendido em aulas anteriores, chorei emocionada e tive que mostrar para toda a escola.(anexo 27)

Interessante que apenas uma criança da turma não iria poder participar da apresentação devido a não autorização dos pais sob a alegação de serem evangélicos. Então, conversei com a mãe que autorizou a menina tocar um instrumento, mas não a deixou dançar.

Os ensaios ocorreram normalmente sob a regência do nosso parceiro porteiro.Eeu ensaiava a dança. (anexo 28)

Chegou o dia da culminância do projeto. Teríamos em parceria com o Educarte a apresentação do grupo de capoeira e a apresentação da banda “Samba-Lelê” formada pelas crianças da turma do infantil 5c.

Era uma euforia só. Vesti daqui... Maquia dali, algumas mães vieram ajudar. As meninas estavam com cachos ou tranças nos cabelos,lindas. (anexo

A apresentação da capoeira foi excepcional, todos gostaram e interagiram. A mestra de capoeira permitia que as crianças, mesmo as menores, jogassem capoeira com os capoeiristas. (anexo 30)

Chegou a hora da apresentação da banda “Samba-Lelê”, todos entusiasmados. Tinha um grupo que iria tocar e outro que iria dançar. (anexo

No momento da apresentação a mãe daquela menina que não poderia dançar por motivo religioso me abordou e falou: “Professora, você deixa minha filha dançar? está tudo muito bonito”, Novamente me emocionei, não pelo

Adriana de Cássia Marinho Santos