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Processo criativo em propaganda e intertextualidade, Exercícios de Comunicação

reflexão sobre o processo criativo na propaganda em geral e ... Churrascaria Marius, por exemplo, é uma citação do slogan “Porque nós somos.

Tipologia: Exercícios

2022

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Intercom Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação
XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007
1
Processo criativo em propaganda e intertextualidade1
João Anzanello Carrascoza2
Escola Superior de Propaganda e Marketing
Resumo:
Os materiais publicitários são criados por meio da prática de bricolagem exercida
diariamente por redatores e diretores de arte profissionais que atuam em duplas nas
agências de propaganda e são responsáveis pela elaboração das mensagens. No processo
de criação, as duplas se valem de todo tipo de material cultural como ponto de partida,
sobretudo citações de imagens e enunciados fundadores. O presente artigo traz uma
reflexão sobre o processo criativo na propaganda em geral e investiga, em específico, a
intertextualidade, inclusive na forma de ready-made, como método da Criação
publicitária.
Palavras-chave: Processo criativo; publicidade; bricolagem; intertextualidade; ready-
made.
A associação de idéias e a publicidade
O tema da criatividade aplicada ao fazer publicitário vem despertando interesse dos
estudiosos especialmente pelo fato de se exigir dos profissionais de Criação em agências
de propaganda soluções originais full time. As duplas de “criativos”, formadas por um
redator e um diretor de arte modelo de trabalho mais adotado no mundo pelas
corporações que oferecem serviços publicitários , são valorizadas de acordo com seu
talento de gerar idéias inusitadas para a comunicação dos clientes. E, no contexto atual,
não basta ser dotado dessa capacidade. Cabe às duplas produzir idéias em largo volume,
para evitar proposições coincidentes, e ainda fazê-lo com rapidez, obedecendo prazos cada
dia mais exíguos às vezes não mais que algumas horas, desde o momento em que
recebem o pedido de serviço até à veiculação nos mass media.
Há poucas contribuições acadêmicas sobre o assunto e uma pequena bibliografia
que se restringe a abordar brevemente como é o processo de produção de idéias no caso
específico dos publicitários. Seguindo o ponto de vista de Rocha3, definimos esse tipo de
profissional como um bricoleur, já que sua missão é compor mensagens,
1 - Trabalho apresentado no VII Encontro dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação NP Publicidade e Propaganda.
2 - João Anzanello Carrascoza é doutor e mestre em Ciência da Comunicação pela ECA-USP, onde é professor titular no
curso de Publicidade e Propaganda, e docente do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo da
ESPM. E-mail: jcarrascoza@espm.br.
3 - ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e capitalismo. Um estudo antropológico da publicidade. 2. ed., São Paulo:
Brasiliense, 1990. p. 58-59.
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XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007

Processo criativo em propaganda e intertextualidade 1 João Anzanello Carrascoza^2 Escola Superior de Propaganda e Marketing

Resumo: Os materiais publicitários são criados por meio da prática de bricolagem exercida diariamente por redatores e diretores de arte – profissionais que atuam em duplas nas agências de propaganda e são responsáveis pela elaboração das mensagens. No processo de criação, as duplas se valem de todo tipo de material cultural como ponto de partida, sobretudo citações de imagens e enunciados fundadores. O presente artigo traz uma reflexão sobre o processo criativo na propaganda em geral e investiga, em específico, a intertextualidade, inclusive na forma de ready-made , como método da Criação publicitária.

Palavras-chave: Processo criativo; publicidade; bricolagem; intertextualidade; ready- made.

A associação de idéias e a publicidade

O tema da criatividade aplicada ao fazer publicitário vem despertando interesse dos estudiosos especialmente pelo fato de se exigir dos profissionais de Criação em agências de propaganda soluções originais full time. As duplas de “criativos”, formadas por um redator e um diretor de arte – modelo de trabalho mais adotado no mundo pelas corporações que oferecem serviços publicitários –, são valorizadas de acordo com seu talento de gerar idéias inusitadas para a comunicação dos clientes. E, no contexto atual, não basta ser dotado dessa capacidade. Cabe às duplas produzir idéias em largo volume, para evitar proposições coincidentes, e ainda fazê-lo com rapidez, obedecendo prazos cada dia mais exíguos – às vezes não mais que algumas horas, desde o momento em que recebem o pedido de serviço até à veiculação nos mass media. Há poucas contribuições acadêmicas sobre o assunto e uma pequena bibliografia que se restringe a abordar brevemente como é o processo de produção de idéias no caso específico dos publicitários. Seguindo o ponto de vista de Rocha^3 , definimos esse tipo de profissional como um bricoleur , já que sua missão é compor mensagens,

(^1) - Trabalho apresentado no VII Encontro dos Núcleos de Pesquisa em Comunicação – NP Publicidade e Propaganda. (^2) - João Anzanello Carrascoza é doutor e mestre em Ciência da Comunicação pela ECA-USP, onde é professor titular no curso de Publicidade e Propaganda, e docente do Programa de Mestrado em Comunicação e Práticas de Consumo daESPM. E-mail: jcarrascoza@espm.br. (^3) - ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e capitalismo. Um estudo antropológico da publicidade. 2. ed., São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 58-59.

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preferencialmente de impacto, valendo-se dos mais diversos discursos que possam servir ao seu propósito de persuadir o público-alvo. Os “criativos” atuam cortando, associando, unindo e, conseqüentemente, editando informações que se encontram no repertório cultural da sociedade. A bricolagem, assim como o pensamento mítico, é a operação intelectual por excelência da publicidade. Essa posição teórica é também a assumida pelo próprio mercado na figura do publicitário brasileiro mais premiado internacionalmente, Washington Olivetto, que afirma ser o “criativo” um “adequador” de linguagem^4. Como contribuição ao assunto, estudamos um dos métodos de criação mais explorados no cotidiano das agências de propaganda: a associação de idéias^5. Por meio dessa praxis , uma idéia é ligada, mesclada, ou amalgamada, à outra, gerando uma nova informação – a resposta dos profissionais que elaboram os materiais publicitários ao desafio proposto em briefing. Apoiamos nossa argumentação inicialmente em Aristóteles, para quem as idéias podiam ser associadas por semelhança , contraste e contigüidade. O filósofo David Hume acrescentou a essa classificação a associação por causa e efeito e suprimiu a de contraste por julgá-la uma mescla entre a associação por semelhança e contigüidade^6. Recorremos então a exemplos similares dados por Hume para melhor definirmos cada um desses tipos de associação: quando observamos uma paisagem reproduzida num quadro, nossos pensamentos são conduzidos à cena original, o que consiste numa associação por semelhança. Quando se fala sobre um apartamento num determinado edifício, pode-se pensar em outros apartamentos existentes ali; a associação se dá então por contigüidade. E, se pensamos num ferimento, é quase impossível não refletirmos acerca da dor que o acompanha, sendo que a conexão de idéias nesse caso é de causa e efeito. Vejamos em um anúncio – peça mais representativa da publicidade impressa – os diferentes elementos culturais associados que compõem seu texto, aqui entendido como a sua dimensão verbal e visual. A proposição do anúncio, expressa em seu título, é “Use Valisére que o seu candidato vai para o 2º turno” (fig. 1). Para chegar a ela, o redator associou o momento político do país, então às vésperas do segundo turno das eleições para governadores, à idéia de que só uma mulher com roupas íntimas atraentes seria capaz de levar um homem (seu candidato) a uma segunda sessão de sexo na mesma noite (causa e

(^45) - Ver prefácio de Olivetto ao nosso livro Razão e sensibilidade no texto publicitário, São Paulo: Futura, 2004.

  • Conferir o ensaio “Associação de idéias e palavras na propaganda” inserido em nossa obra Redação publicitária – Estudos sobre a retórica do consumo (^6) - HUME, David. “Investigação acerca do entendimento humano”. Trad. Anoar Aiex. In, São Paulo: Futura, 2003. Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 40-41.

XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007 O resultado evidencia como é possível se chegar a soluções criativas em propaganda por meio de simples associação de idéias.

A intertextualidade na bricolagem publicitária

Diante de um job , as duplas de Criação são movidas pelo espírito bricoleur precisamente na hora do brainstorming – prática em que o redator e o diretor de arte lançam livremente idéias para depois aperfeiçoá-las, adequando-as ao pedido de trabalho. Para isso, é vital que tenham um rico background cultural e estejam empenhados constantemente no seu alargamento, buscando no próprio estoque de signos de sua comunidade a matéria-prima para alcançar a solução mais adequada ao problema de comunicação do anunciante. A rotina dos “criativos” exige, pois, que aperfeiçoem a habilidade de combinar os variados discursos por meio do jogo intertextual. Como a mensagem de propaganda visa influenciar um público definido, ainda que formado por um contingente principal e outro secundário, é recomendável o uso, pela dupla de Criação, no processo de bricolagem, de discursos já conhecidos desse target. O objetivo, obviamente, é facilitar a sua assimilação, dando-lhe o que ele de certa forma já conhece, embora haja um trabalho para “vestir” esse conhecimento já apreendido que é a própria finalidade do ato criativo publicitário. Esses materiais culturais, populares ou eruditos, são utilizados como pontos de partida para a criação das peças de propaganda, aparecendo sob a forma de citação direta ou indireta, o que nos leva ao conceito de dialogismo de Bakhtin. Ou seja: um texto sempre dialoga com outros, sendo esse o princípio constitutivo da linguagem^7. A trama de todo texto é, portanto, tecida com elementos de outros textos, revelando nesse cruzamento as posições ideológicas de seu enunciador. E essa tessitura é obtida por meio da citação, da alusão ou da estilização. Assim, vamos desaguar nas paráfrases (quando um texto cita outro para reafirmar suas idéias) e nas paródias (quando um texto cita outro para contestar seu sentido). Há casos em que a paródia se dá apenas no plano verbal, como num premiado anúncio da Igreja Episcopal americana, no qual temos a imagem de Cristo na cruz e o

(^7) - BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1997.

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título “O herói morre no final”, que contradiz a moral de happy end dos filmes hollywoodianos, nos quais é sempre o bandido quem morre no final. Também há casos em que a paródia se estabelece tanto no campo visual quanto no verbal, como no anúncio do detergente Limpol (fig. 3): a imagem traz o garoto- propaganda Carlos Moreno travestido de Che Guevara (associação por semelhança) e o título “Hay que endurecer con la gordura sin perder la ternura con las manos jamás!”, criado a partir da célebre sentença do guerrilheiro “Hay que endurecer sin perder la ternura jamás”. A utilização de paródias se dá também na elaboração do slogan, que finaliza a mensagem verbal do anúncio, assim como o título que a inicia. Um bom exemplo é o das Loções Dove, que se apropria da frase “O sol nasceu para todos”, alterando-a para uma nova assertiva: “O sol nasceu para todas”. Ou seja, para todas as mulheres, uma vez que o produto é direcionado ao público feminino e o visual dessa campanha publicitária traz mulheres cujo corpo não corresponde ao modelo “oficial” de beleza. Outros tantos slogans, construídos a partir de frases, expressões, formas fixas ou padrões lingüísticos comuns ao nosso repertório cultural, podem ser aqui elencados: O slogan da Vasp “A melhor distância entre dois pontos” tem como ponto de partida a sentença matemática “A menor distância entre dois pontos é uma reta”. O slogan dos relógios Dumont, “O primeiro a cada segundo”, trabalha com o universo semântico do produto relógio (“segundo”), e dialoga com um slogan clássico do Repórter Esso, “O primeiro a dar as últimas”. O slogan da rede de livrarias Siciliano, “Ler ou não ser”, parodia o “To be or not to be” shakespeareano. A própria publicidade alimenta o repertório cultural da comunidade com novas proposições, também depois reaproveitadas. O slogan “Porque nós somos carnívoros”, da Churrascaria Marius, por exemplo, é uma citação do slogan “Porque nós somos mamíferos”, do leite Parmalat. Vamos agora nos deter num caso instigante de citação-clichê localizada no plano visual envolvendo distintos contextos culturais. Para isso, selecionamos três cartazes produzidos em diferentes países, embora relativos a causas semelhantes: recrutamento de soldados para o exército americano (fig. 4), alistamento para o serviço militar britânico (fig. 5) e convocação de voluntários para o movimento brasileiro MMDC (fig. 6). A imagem que domina os três cartazes é de um indivíduo de feições austeras, apontando o dedo indicador para o leitor, numa nítida postura coercitiva. Na propaganda

XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007 Imitando o layout e o conceito criativo da campanha da Absolut, os Adbuster criaram anúncios-paródias, como esse, com o título “Absolut AA”, abordando as vítimas do álcool em busca de cura nos Alcóolicos Anônimos (fig. 13). Assim, ao reencenar o passado, por meio da intertextualidade, atualizando-o com um novo sentido que, no entanto não prescinde daquele que lhe deu origem, a publicidade se soma a outros produtos mediáticos que, inegavelmente, vão tecendo a trama das identidades culturais.

O ready-made na criação publicitária

O tema da intertextualidade nos leva obrigatoriamente ao universo do ready-made, do deslocamento de materiais “já prontos” para a moldura da propaganda. O ready-made foi trazido à cena nas artes plásticas por Marcel Duchamp e consistia em separar um objeto de seu contexto original, alterando assim seu significado, ou “retificando-o”^8. Essa intervenção que Duchamp chamava de “assistir”, corresponde, na atividade publicitária, à ação dos redatores e diretores de arte quando deslocam frases e imagens já conhecidas do público para a peça que estão criando. Num anúncio que incorpora um ready-made , a dupla de Criação faz uso, no processo associativo, daquilo que Maingueneau denominou de “enunciados fundadores”, pois já são tesouro da coletividade, gozando do privilégio da intangibilidade. Isso porque esses enunciados “não podem ser resumidos nem reformulados, constituem a própria Palavra, captadas em sua fonte”^9. Dentre os ready-mades de Duchamp, há três mais adequados à nossa discussão do que os lendários “Roda de bicicleta” e “Fonte”. O primeiro deles é “Pliant…de voyage”, no qual temos a capa de uma máquina de escrever, sobre um tampo de madeira, com a marca “Underwood” visível (fig. 14). Das várias interpretações possíveis, uma delas seria o apelo ao público que a palavra “underwood” (debaixo da madeira) suscita: haveria algo para ser visto abaixo da capa. Outra interpretação seria a semelhança da capa com uma saia de mulher e a palavra “underwood” (que poderia ser traduzida também como

(^89) - CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: o engenheiro do tempo perdido. São Paulo: Perspectiva, 2000.

  • MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: Pontes, 1989. p. 100.

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“debaixo da mata”), remetendo aos pêlos pubianos femininos. Não é por acaso que a capa da máquina/saia nos remete ao mundo do consumo e da moda. O segundo ready-made que nos interessa é “Apolinère Enlameled” (fig. 15), uma homenagem ao poeta Guillaume Apollinaire. Duchamp utilizou integralmente um anúncio das tintas Sapolin, colocando, em sua extremidade superior uma tarja escura na qual escreveu “Apolinére Enlameled”. E, na extremidade inferior, inseriu uma espécie de assinatura e a data (1916/1917). É justamente essa “assistência”, não a objetos mas a frases e imagens, que os “criativos”, nas agências de propaganda, vêm fazendo na elaboração de tantos anúncios. Uma das campanhas publicitárias mais polêmicas nos últimos anos foi a da marca Benetton. Algumas de suas peças são legítimos ready-mades. Em uma delas (fig. 16), o seu idealizador, Oliviero Toscani, apropriou-se de uma foto, feita por Thereza Frare, de um doente terminal de AIDS junto à sua família, e apenas sobrepôs num canto dela o logotipo Benetton^10. O terceiro ready-made que selecionamos é “L.H.O.O.Q”, uma provocativa retificação do quadro Mona Lisa (fig. 17). Duchamp toma a obra-prima de Da Vinci e emascula a modelo, colocando-lhe bigode e cavanhaque, e a inscrição “L.H.O.O.Q” (em francês, “elle a chaud au cul”; em português, algo como “ela tem fogo no rabo”). Sem entrar nas especulações surgidas a respeito dessa frase, o que nos importa é o irreverente espírito bricoleur do artista, que a publicidade tem igualmente copiado, sobretudo a partir de imagens “fundadoras”. Incontáveis são os exemplos de anúncios que parodiam a Mona Lisa, como o do amaciante de roupas Mon Bijou (fig. 18), produto da Bom Bril, da mesma campanha do anúncio com a imagem de Che Guevara, citado antes. Uma campanha institucional da Pfizer ilustra o processo criativo do ready-made não apenas como um ponto de partida para peças de publicidade, mas como ponto de chegada de quase toda a sua base discursiva, numa espécie de apropriação por inteiro de um discurso já absorvido socialmente. Todos os anúncios dessa campanha são estruturados a partir da citação completa de diferentes discursos culturais. Um deles tem como matriz a letra da canção “Do seu lado”, do compositor Nando Reis: Faz muito tempo, mas eu me lembro, você implicava comigo.

(^10) - TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p. 59-60.

XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007 Escolhemos uma campanha publicitária clássica da Apple, que se vale do ready- made no campo visual, trazendo fotos divulgadas na imprensa de personalidades de renome mundial, exatamente pelo fato de que pensavam diferente da maioria. Esse pensar diferente (“Think different”) é, então, associado à marca do anunciante. As fotos em questão são retratos consagrados de Picasso, Einstein, Gandhi, Hitchcock, John Lennon e Neil Amstrong, entre outros. Reproduzimos uma delas, a de Gandhi, que correu mundo e tão bem a fragilidade física de um homem que pregava veementemente a filosofia da não-violência (fig. 19). Agora vejamos a “intervenção” feita nessa foto pela publicidade, que apenas a reenquadra e acrescenta a logomarca da Apple e o slogan da campanha (fig. 20). Exemplo bem brasileiro, seguindo essas características, de ancorar a criação publicitária em fotos já consagradas, é a campanha do Instituto Ethos que traz em seus anúncios imagens colhidas pela câmera de Sebastião Salgado, um dos mais importantes fotógrafos documentais do mundo (figuras 21 e 22). Além de transpor para o plano visual dos anúncios as fotos em preto e branco de Salgado, a campanha também expõe como título uma sentença “já pronta”, de cunho religioso cristão, “Filho, um dia isso tudo será seu”. Esta citação da Bíblia^12 ganha um sentido irônico ao ancorar imagens de meninos cortadores de cana (fig. 23) e de urubus sobrevoando montanhas de lixo (fig. 24). Em suma, a freqüente utilização de ready-mades é, sem dúvida, uma das encenações mais interessantes da propaganda no palco da hiper-realidade, multiplicando diariamente os simulacros e fazendo da astúcia intertextual um infinito work in progress.

Referências bibliográficas

BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

CABANNE, Pierre. Marcel Duchamp: o engenheiro do tempo perdido. São Paulo: Perspectiva,

CARRASCOZA, João Anzanello. Redação publicitária – Estudos sobre a retórica do consumo. São Paulo: Futura, 2003.

(^12) - A passagem bíblica referida está no episódio das tentações que o diabo acometeu a Cristo: O diabo o levou a um lugar alto e mostrou-lhe num relance todos os reinos do mundo. E lhe disse: "Eu te darei toda a autoridade e esplendordeles, porque me foram dados e posso dá-los a quem quiser. Então, se me adorares, tudo será teu". LUCAS. BibleGateway.com. Disponível em:http://www.biblegateway.com/passage/?book_id=49&chapter=4&version=36 Acesso em: 17 abr. 2006.

XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de 2007

HUME, David. “Investigação acerca do entendimento humano”. Trad. Anoar Aiex. In Os Pensadores. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 40-41.

MAINGUENEAU, Dominique. Novas tendências em análise do discurso. Campinas: Pontes,

  1. p. 100.

ROCHA, Everardo P. Guimarães. Magia e capitalismo. Um estudo antropológico da publicidade.

  1. ed., São Paulo: Brasiliense, 1990. p. 58-59.

TOSCANI, Oliviero. A publicidade é um cadáver que nos sorri. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. p. 59-60.

Figuras

Figura 1 Figura 2

Figura 3 Figura 4

  • XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de
  • Figura 5 Figura
  • Figura - Figura
  • Figura 9 Figura
  • Figura 11 Figura
    • XXX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação – Santos – 29 de agosto a 2 de setembro de
  • Figura 13 Figura
  • Figura 15 Figura
  • Figura 17 Figura
  • Figura 19 Figura

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Figura 21 Figura 22

Figura 23 Figura 24

Créditos

Figura 1 – Valisére: 15 o^ Anuário do Clube de Criação de São Paulo , p.153. Figura 2 – Zoológico de Buenos Aires: Disponível em: http://www.brainstorm9.com.br/archives/2004/07/115_anos.html#000335 Acesso em: 13 abr.

Figura 3 – Limpol: Gonçalves, Maria Silvia. Leitura intertextual na escola , Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, p. 100. Figura 4 – US Army: Disponível em: http://www.dpto.com.br/chupadas/ch17fra.php Acesso em: 03 jan. 2006. Figura 5 – Exército inglês: Disponível em: http://www.dpto.com.br/chupadas/ch17fra.php Acesso em: 03 jan. 2006. Figura 6 – MMDC: Disponível em: http://www.dpto.com.br/chupadas/ch17fra.php Acesso em: 03 jan. 2006. Figura 7 – Manet: Néret, Gilles. Édouard Manet. Germany Editora Taschen, Tradução: João Bernardo Boléo, 2003. Figura 8 – YSL: Disponível em: http://www.dpto.com.br/chupadas/ch01fra.php Acesso em: 03 abr. 2006. Figura 9 – Women: Disponível em: http://www.dpto.com.br/chupadas/ch01fra.php Acesso em: 03 abr. 2006. Figura 10 – Sabesp: Revista Propaganda , 1986. Figura 11 – Pelourinho: Revista Veja , 6 de abril de 1988. Figura 12 – Absolut: Cartão Postal Multicolecionismo,