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Neurociência: Receptores Glutamatérgicos e Suas Funções na Atividade Neuronal, Notas de aula de Neurociência

Este documento discute os receptores glutamatérgicos, sua importância na atividade neuronal normal e patológica, as diferentes subunidades e propriedades desses receptores, além de outros neurotransmissores envolvidos na modulação sináptica. O texto também aborda estudos moleculares e experimentais que contribuíram para o entendimento desses processos.

O que você vai aprender

  • Como os estudos moleculares ajudaram no entendimento dos receptores glutamatérgicos?
  • Quais são as principais descobertas experimentais sobre os receptores glutamatérgicos?
  • Quais outros neurotransmissores interagem com os receptores glutamatérgicos?
  • Quais são as diferentes subunidades de receptores glutamatérgicos e quais são suas propriedades?
  • Como os receptores glutamatérgicos influenciam a atividade neuronal normal e patológica?

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

Tucano15
Tucano15 🇧🇷

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Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica
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Princípios básicos
de neurociências
Parte I
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Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica 17

Princípios básicos

de neurociências

Parte I Parte I

Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica 19

Biologia celular e

molecular do neurônio

A. Kimberley McAllister, Ph.D.

W. Martin Usrey, Ph.D.

Arnold R. Kriegstein, M.D., Ph.D.

Stephen Rayport, M.D., Ph.D.

M

uitos transtornos neuropsiquiátricos podem ser relacio- nados a aberrações em mecanismos do desenvolvimen- to neural. Nos estágios iniciais do desenvolvimento cerebral, interações celulares representam a força dominante no esta- belecimento de conexões no cérebro. À medida que os circui- tos se formam, os neurônios individuais, bem como suas co- nexões, são refinados de um modo dependente da atividade, direcionados por sua atividade intrínseca e pela competição por fatores tróficos. Em um estágio mais maduro, a experiên- cia torna-se a força dominante ao dar forma às conexões neu- ronais e ao regular sua eficácia. No cérebro maduro, esses mecanismos relacionados ao desenvolvimento neural são con- trolados de maneira diferente e medeiam a maioria dos pro- cessos plásticos (Black, 1995; Kandel e O’Dell, 1992). Os trans- tornos neuropsiquiátricos originados de problemas no desenvolvimento cerebral inicial são provavelmente gerados intrínseca ou geneticamente, enquanto os surgidos durante estágios mais tardios são provavelmente relacionados à expe- riência. Na senescência, processos neurodegenerativos podem desconectar circuitos neurais por mecanismos de desenvolvi- mento neural empregados erroneamente. A experiência é tão importante no ajuste fino das cone- xões neurais, que experiências aberrantes — particularmente durante os períodos críticos do desenvolvimento — podem dar origem ou exacerbar transtornos neuropsiquiátricos. Por exemplo, a oclusão monocular ou o estrabismo em animais jovens ocasiona uma conectividade patológica permanente no sistema visual (Hubel et al., 1997). Em humanos, falhas na visão conjugada durante a infância resultam em perda visual permanente. Alterações similares, porém mais sutis, ocorrem na infância, durante o aprendizado. A partir de trabalhos rea- lizados em sistemas nervosos simples de animais, tais como a lesma marinha Aplysia (Kandel, 1989), sabe-se que alterações em conexões sinápticas codificam a memória. Aqui, também, experiências anormais podem alterar permanentemente o pa- drão da conectividade neuronal. No cérebro humano, estudos de imagem começam a revelar alterações regionais na ativida- de cerebral que ocorrem após o aprendizado, sugerindo alte-

rações na força das conexões neuronais (Pantev et al., 1998; Sadato et al., 1996). Atualmente, pode-se demonstrar que al- guns transtornos neuropsiquiátricos funcionais apresentam um impacto direto sobre a estrutura cerebral; por exemplo, o transtorno de estresse pós-traumático tem sido associado a alterações no tamanho do hipocampo (Bremner et al., 1995). Neste capítulo, focalizaremos primeiro a função celular dos neurônios e, a seguir, o modo como se desenvolvem. O ritmo dos avanços recentes nos deixa confiantes de que, em um futuro não muito distante, será possível intervir durante os estágios iniciais do desenvolvimento para corrigir aberra- ções no crescimento e na diferenciação neuronais, ou mais tardiamente para corrigir a sinalização neuronal, dessa forma conseguindo tratamentos revolucionários para os transtornos neuropsiquiátricos.

FUNÇÃO CELULAR DOS NEURÔNIOS

Cada neurônio no cérebro recebe sinais de milhares de neurônios, os quais, por sua vez, enviam informações a milha- res de outros neurônios. Enquanto a atividade em neurônios sensoriais periféricos pode representar pequenos pedaços de informação, a atividade das redes dos neurônios no sistema nervoso central (SNC) representa a informação sensorial inte- grada e associativa. Os neurônios do SNC podem ser vistos como parte de uma associação celular dinâmica que troca sua participação de uma rede para outra na medida em que a in- formação é utilizada em tarefas variadas. A sofisticação dessas redes depende tanto das propriedades dos próprios neurônios quanto dos padrões e da força de suas conexões.

Composição celular do cérebro

As células cerebrais compreendem dois tipos principais: os neurônios e a glia. Os neurônios são o substrato para a maior parte do processamento de informações, enquanto se acre- dita classicamente que a glia desempenha o papel de suporte.

Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica 21

ronais; são estabilizados por proteínas associadas aos micro- túbulos. Os microtúbulos são os principais componentes do citoesqueleto do dendrito, enquanto os neurofilamentos são os principais componentes do citoesqueleto axonal. Os neu- rofilamentos são muito mais estáveis do que os microtúbulos. Os neurofilamentos agregam-se patologicamente na doença de Alzheimer, formando os emaranhados neurofibrilares. Os filamentos de actina, juntamente com várias proteínas que se ligam à actina, formam uma densa rede concentrada logo abaixo da membrana celular, a qual fornece a força motora para a plasticidade da estrutura axônica e dendrítica. Além de seu essencial papel estrutural, o citoesqueleto medeia o tráfego intracelular de proteínas e de organelas ao axônio e aos dendritos (Burack et al., 2000). Assim, defeitos no citoes- queleto causam devastadores danos neuronais; prejuízos no transporte axonal e dendrítico não apenas interferem na si- nalização neuronal, como freqüentemente resultam em morte celular.

Excitabilidade neuronal

Os neurônios são capazes de transmitir informação por- que são elétrica e quimicamente excitáveis. Essa excitabilidade é conferida por várias famílias de canais iônicos que são seletiva- mente permeáveis a íons específicos e regulados por voltagem (canais ativados por voltagem), por ligação com o neurotrans- missor (canais ativados por ligantes) ou por pressão ou estira- mento (canais ativados mecanicamente) (Hille, 1992). Em geral, os canais iônicos neuronais conduzem íons através da mem- brana citoplasmática de forma extremamente rápida — 100 milhões de íons podem passar através de um único canal iônico em um segundo. Esse intenso fluxo de corrente provoca rápi- das alterações no potencial de membrana e é a base para o po- tencial de ação, o mecanismo biofísico para passagem de infor- mação dentro dos neurônios, e para respostas sinápticas rápidas, o substrato para transferência de informação entre os neurôni- os. Como seria esperado, diversas doenças devastadoras resul- tam de defeitos nos canais iônicos. Por exemplo, na paralisia periódica hipercalêmica, a rigidez e a fraqueza muscular que se seguem ao exercício são causadas por uma mutação pontual nos canais iônicos de Na+^ ativados por voltagem; a ataxia episó- dica resulta de várias mutações pontuais em um canal de K+ ativado por voltagem retificador tardio, e a miastenia grave re- sulta de um ataque imunológico aos receptores de acetilcolina nicotínicos (Koester e Siegelbaum, 2000). Canais ativados por ligantes costumam ser alvo de drogas psiquiátricas e anestési- cos, bem como de neurotoxinas. Os neurotransmissores liberados por um neurônio (a cé- lula pré-sináptica) em uma sinapse ativam receptores (canais ativados por ligantes) em dendritos de um outro neurônio (a célula pós-sináptica) e induzem o fluxo iônico através da mem- brana. Os sinais elétricos resultantes espalham-se passivamente por certa distância, freqüentemente atingindo o corpo celular dessa maneira. Além das condutâncias passivas, mecanismos regenerativos localizados, similares àqueles que dão origem ao potencial de ação (discutido mais adiante nesta seção), ampli- ficam os sinais que entram no dendrito, potencializando-os de modo que atinjam o corpo celular (Eilers e Konnerth, 1997; Yuste e Tank, 1996). No corpo celular, esses sinais sinápticos combinam-se e, se forem suficientes, despolarizam o segmen- to inicial do axônio, ou o hilo axonal, parte do axônio mais próxima ao corpo celular e que apresenta o menor limiar para ativação. Quando o nível do limiar de despolarização é atingi-

do, o potencial de ação é iniciado. O potencial de ação é uma onda elétrica que se propaga ao longo do axônio. Nos termi- nais axonais, essa onda desencadeia um influxo de cálcio (Ca 2+^ ), o que leva à exocitose dos neurotransmissores das vesículas sinápticas em áreas especializadas, chamadas de zonas ativas. O neurotransmissor liberado atravessa a fenda sináptica e ati- va receptores na densidade pós-sináptica nos dendritos da célula pós-sináptica. Por fim, esse fluxo de informação atinge células efetoras, principalmente fibras motoras que medeiam o movimento e que, portanto, geram comportamentos. A habilidade dos neurônios de gerar um potencial de ação deriva da presença de fortes gradientes iônicos ao longo da membrana; o sódio (Na+) e o cloreto (Cl–) são altamente con- centrados do lado de fora da membrana, enquanto o potássio (K+) é altamente concentrado do lado de dentro. Esses gradien- tes são gerados por uma ação contínua das bombas da mem- brana, as quais obtêm energia da hidrólise de adenosina trifos- fato (ATP). Também na membrana estão os canais iônicos ativados por voltagem, que regulam o fluxo dos íons Na+, K+^ e Ca2+^ através da membrana. Em repouso, os canais de K+^ e Cl– estão abertos, de modo que os gradientes de K+^ e Cl–^ determi- nam o potencial de membrana, fazendo com que a célula seja negativa do lado de dentro, com valores que variam entre –50 e –75 mV. Entretanto, se a membrana é despolarizada, ultrapas- sando o potencial limiar para a geração de um potencial de ação, os canais de Na+^ ativados por voltagem abrem-se rapidamente. Devido ao fato de que o influxo de Na+^ despolariza a membra- na, isso confere uma propriedade regenerativa — uma vez que o potencial limiar é atingido, o aumento no influxo de Na+^ leva à despolarização, o que abre mais canais de Na+, aumentando, por sua vez, ainda mais o influxo de Na+, e assim consecutiva- mente. Portanto, uma vez que o limiar é atingido, o potencial de membrana sobe muito rapidamente para +50 mV. O potencial de membrana permanece despolarizado apenas por um tempo de cerca de um milissegundo, já que os canais de Na+^ apresen- tam uma inativação dependente de tempo (Figura 1–2). Ao mesmo tempo, canais de K+^ dependentes de voltagem, os quais também são ativados pela despolarização, mas em uma veloci- dade mais baixa, aumentam sua permeabilidade (Figura 1–2). Devido ao fato de o íon K+^ fluir a favor do seu gradiente de concentração para fora da célula, juntamente com a redução na corrente de Na+, ocorrerá a repolarização da membrana. Dessa forma, o potencial de membrana atinge seu pico a um nível de despolarização determinado pelo gradiente de Na+^ e então ra- pidamente retorna ao potencial de repouso, determinado pelo gradiente de K+. Uma vez repolarizada, a inativação do Na+^ ter- mina (o tempo que isso leva para acontecer indica o período refratário do neurônio — um breve período no qual o limiar para disparar um potencial de ação é elevado — )e então a célu- la pode disparar novamente. A propriedade regenerativa do potencial de ação não ape- nas serve para amplificar os potenciais limiares (sua principal função nos dendritos), mas também para dar capacidade de sinalização a longas distâncias ao axônio (Figura 1–3). Quan- do o potencial de membrana atinge seu pico, sob o comando do aumento da permeabilidade ao Na+, regiões adjacentes do axônio tornam-se suficientemente despolarizadas, de maneira que são levadas, por sua vez, ao limiar, e geram um potencial de ação. À medida que segmentos axonais sucessivos são des- polarizados, o potencial de ação é conduzido com grande ve- locidade ao longo do axônio. Isso é potencializado pela mieli- nização, que aumenta várias vezes a velocidade de condução, pois restringe o fluxo de corrente necessário para a condução

para disparar um potencial de ação é elevado — ) e então a célu- la pode disparar novamente.

22 Yudofsky & Hales

Figura 1–2 A abertura de canais iônicos dá origem ao potencial de ação. O potencial de ação é composto primariamente de duas correntes: a de sódio (Na+^ ) e a de potássio (K +^ ). Uma vez que o neurônio atinge o limiar para o disparo do potencial de ação, canais de sódio dependentes de voltagem abrem-se, dando início à rápida corrente de entrada de Na+^ e à rápida fase de aumento no potencial de ação. Em seguida, os canais de Na +^ , que são rapidamente inativados em potenciais despolarizados, encurtam a duração da corrente de Na +^ e, portanto, contribuem para a fase de queda no potencial de ação. A corrente de saída de K+^ também contribui para a fase de queda do potencial de ação, já que os canais de K +^ são lentos para abrir, mas permanecem abertos por mais tempo do que os de Na +^. Abreviações: E (^) Na e EK = potenciais reversos para Na +^ e K +^ , respectivamente. Fonte: Reeditada de Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM: Principles of Neural Science , 4ª edição. New York, Mcgraw-Hill, 2000, p.158. Utilizada com permissão.

do potencial de ação aos espaços localizados entre os segmen- tos da mielina — aos nódulos de Ranvier (Figura 1–3). Devido às suas características de “tudo-ou-nada” e à sua habilidade em ser conduzido por longas distâncias, o potencial de ação confere ao neurônio um mecanismo de sinalização digital de alta qualidade. Embora a informação integrada por um neurônio venha da entrada sináptica, a maneira como o neurônio processará essa informação depende de suas propriedades intrínsecas (Lli- nás, 1988). Muitos neurônios no SNC possuem a capacidade de gerar seus próprios padrões de atividade na ausência de en- trada de informação sináptica, disparando a uma taxa regular (disparo marca-passo) ou em grupamentos de picos (disparo em rajada) (McCormick e Bal, 1997). Essa atividade endógena é comandada por canais iônicos especializados, os quais apre- sentam dependência de voltagem e tempo próprios, periodica- mente levando o segmento inicial do axônio ao seu limiar. Es- ses canais podem ser modulados pelo potencial de membrana da célula ou por sistemas de segundos-mensageiros. Além dis- so, neurônios do SNC podem ser alterados profundamente na maneira como respondem a um dado estímulo sináptico em função de pequenas alterações no potencial de repouso (Llinás e Jahnsen, 1982; Sherman, 1996) (Figura 1–4). Por exemplo, um neurônio talâmico dispara como marca-passo quando estimu- lado a partir de níveis levemente despolarizados, enquanto dis- para em rajadas de pontecial de ação quando estimulado a par- tir de níveis hiperpolarizados. Alterações nos níveis de

segundos-mensageiros também podem afetar profundamente a atividade ou a propriedade de resposta dos neurônios, levan- do a um repertório ainda maior de funcionamento de neurôni- os individuais. Portanto, estímulos sinápticos podem não ape- nas evocar uma resposta em um neurônio pós-sináptico, mas também dar forma a padrões de disparo intrínsecos, fazendo com que a célula altere de um modo de atividade a outro, ou modulando respostas a outros estímulos sinápticos.

Sinalização entre neurônios

Os neurônios comunicam-se uns com os outros em locais especializados de grande proximidade de aposição da membra- na chamados sinapses. O protótipo de sinapse axodendrítica conecta um terminal axônico pré-sináptico a um dendrito pós- sináptico. Esse arranjo é típico para neurônios de projeção que transmitem informação de uma região a outra do cérebro. Em contrapartida, interneurônios de circuitaria local interagem com neurônios vizinhos. Enquanto os interneurônios podem apre- sentar conexões axodendríticas e axossomáticas, eles também podem formar vários outros tipos de contatos sinápticos que aumentam de forma significativa sua sofisticação funcional (Fi- gura 1–5). Em alguns casos, dendritos podem fazer contatos sinápticos com dendritos (conexões dendrodendríticas), ou cor- pos celulares com corpos celulares (conexões somatossomáti- cas), formando circuitos neurais locais que transmitem infor- mação sem disparar o potencial de ação. Axônios podem formar sinapse em terminais axônicos de outros axônios (conexões axo- axônicas) e modular a liberação de neurotransmissores medi- ante a inibição ou a facilitação pré-sináptica. Alguns neurônios podem funcionar como interneurônios e como neurônios de projeção, sendo o exemplo mais importante os neurônios GABAérgicos (ácido γ-aminobutírico, GABA) mediais espinho- sos do estriado, os quais constituem aproximadamente 95% dos neurônios dessa região (A.D. Smith e Bolam, 1990). Uma minoria das conexões locais é mediada por sinapses elétricas, que não requerem neurotransmissores químicos. As sinapses elétricas são formadas por canais compostos de mul- tissubunidades, chamados de junções comunicantes, os quais ligam o citoplasma de células adjacentes (Bennett et al., 1991), permitindo que pequenas moléculas e íons carregando sinais elétricos fluam diretamente de uma célula a outra. Sinapses elétricas conectam dendritos ou corpos celulares de células adjacentes do mesmo tipo, tipicamente dendritos a dendritos ou corpos celulares a corpos celulares. A capacidade de passa- gem de pequenas moléculas entre as células, incluindo segun- dos-mensageiros, é importante durante o desenvolvimento em- brionário para estabelecer gradientes morfogênicos (Dealy et al., 1994) e durante o desenvolvimento inicial do cérebro para regular a proliferação celular e estabelecer padrões de conecti- vidade (Kandler e Katz, 1995). No SNC maduro, sinapses elé- tricas agem para sincronizar a atividade elétrica de grupos de neurônios e mediar a transmissão de alta freqüência de sinais (Bennett, 1977; Brivanlou et al., 1998; Tamas et al., 2000). As células gliais também são conectadas por junções comunican- tes que ligam essas células, formando um grande sincício e fornecendo avenidas para propagação intercelular de sinais quí- micos mediados por pequenas moléculas e por íons, tais como o Ca 2+^ (S.J. Smith, 1994). A importância das junções comuni- cantes para a função das células gliais é enfatizada pelo fato de que a forma ligada ao X da doença de Charcot-Marie- Tooth é causada por uma simples mutação no gene da cone- xina necessário para a formação das junções comunicantes

24 Yudofsky & Hales

Figura 1–4 Propriedades intrínsecas determinam as respostas neuronais. Muitos neurônios do SNC respondem de formas diferentes aos mesmos estímulos, dependendo do seu nível de despolarização. Painel A. Neurônios talâmicos geram espontaneamente disparos de potencial de ação, resultantes da interação entre uma corrente marca-passo e uma corrente de Ca2+. A despolarização desses neurônios altera seu disparo para um modo tônico. Painel B. Disparos de potenciais de ação a uma maior resolução de tempo a partir do traçado do Painel A. Painel C. Maior resolução de tempo das correntes do modo tônico do painel A. Abreviações: I (^) h e I (^) T = as correntes através de canais ativados pela hiperpolarização e por canais de cálcio do tipo T, respectivamente. Fonte: Reeditada de McCormick DA: “Membrane Potential and Action Potential”, em Fundamental Neuroscience. Editado por Zigmond MJ, Bloom FE, Landis SC, et al., San Diego, CA, Academic Press, 1999, p.150. Utilizada com permissão.

entre as células de Schwann (revisado em Schenone e Man- cardi, 1999). A maioria das conexões sinápticas no SNC é mediada por neurotransmissores químicos. Embora as sinapses químicas sejam mais lentas do que as elétricas, permitem a amplificação do sinal, podem ser inibitórias ou excitatórias, são suscetíveis a uma ampla faixa de modulação e podem modular as ativida- des de outras células através da liberação de transmissores que ativam cascatas de segundos-mensageiros. Existem duas clas- ses principais de neurotransmissores no sistema nervoso: pe- quenas moléculas transmissoras e neuropeptídeos. Em geral, as pequenas moléculas transmissoras medeiam a transmissão sináptica rápida, são armazenadas em vesículas sinápticas pe- quenas e claras e incluem o glutamato, o GABA, a glicina, a acetilcolina, a serotonina, a dopamina, a norepinefrina, a epi- nefrina e a histamina. Os mecanismos celulares e moleculares de liberação dessas vesículas sinápticas serão descritos em se- guida. Em contrapartida, os neuropeptídeos representam uma grande família de neurotransmissores que modulam a trans- missão sináptica, são armazenados em grandes vesículas den-

sas e incluem a somatostatina, os hormônios liberadores hi- potalâmicos, as endorfinas, as encefalinas e os opióides. É in- teressante notar que as pequenas moléculas transmissoras e os neuropeptídeos são freqüentemente liberados pelo mesmo neurônio e podem agir em conjunto sobre o mesmo alvo (Hökfelt et al., 1984). As pequenas moléculas transmissoras são armazenadas em grânulos claros e pequenos delimitados por membrana, denominados de vesículas sinápticas (Figura 1–6). Cada vesí- culas sináptica contém vários milhares de moléculas de neu- rotransmissores. Quando um potencial de ação pré-sináptico invade a região terminal, canais de Ca 2+^ dependentes de volta- gem são ativados (Figuras 1–6 e 1–7). O subseqüente influxo de Ca 2+^ provoca um grande aumento na concentração de Ca 2+ próximo à zona ativa, o que promove a fusão da vesícula si- náptica e a liberação do neurotransmissor, a qual é chamada de exocitose. O neurotransmissor então se difunde em uma curta distância pela fenda sináptica e se liga aos receptores pós-sinápticos. A dinâmica e a modulação da transmissão si- náptica são fundamentais para alterações nas conexões sináp-

Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica 25

Figura 1–5 Modos de intercomunicação neuronal. Painel A. Diferentes padrões de conexão ditam como a informação flui entre os neurônios. Na divergência sináptica, um neurônio (a) pode disseminar informação a várias células pós-sinápticas (b-f) ao mesmo tempo. Alternativamente, no caso da convergência sináptica, um único neurônio (d) pode receber estímulos de vários neurônios pré- sinápticos (a-c). Na inibição pré-sináptica, um neurônio (b) pode modular o fluxo de informação entre dois outros neurônios (de a para c ) por influenciar a liberação de neurotransmissores pelos terminais do neurônio pré-sináptico, de maneira inibitória (como mostrado) ou facilitatória. Painel B. Os neurônios podem modular suas próprias ações. Em uma inibição por pró-alimentação, a célula pré-sináptica (a) pode ativar diretamente a célula pós-sináptica (b) e, ao mesmo tempo, modular seus efeitos através da ativação de uma célula inibitória (c ), a qual, por sua vez, inibe a célula b. Na inibição recorrente (a informação flui de acordo com a indicação das setas), uma célula pré-sináptica (a) ativa uma célula inibitória (b ), que faz um contato sináptico de volta com a mesma célula, limitando a duração de sua atividade. Abreviações: pa = potencial de ação; il = inibição lateral; ir = inibição recorrente. Fonte: Adaptada de Shepherd GM, Koch C: “Introduction to Synaptic Circuits”, em The Synaptic Organization of the Brain. Editado por Shepherd GM. New York, Oxford University Press, 1990, p.3-31. Utilizada com permissão.

ticas responsáveis pelo aprendizado e pela memória tanto em situações normais quanto patológicas. A maquinaria molecu- lar (Figura 1–8) da transmissão sináptica está agora sendo com- preendida (Scheller, 1995; Sudhof, 1995). É interessante notar que várias neurotoxinas potentes agem diretamente nessa maquinaria (ver a seguir). A transmissão sináptica compreen- de uma seqüência complexa de eventos pré e pós-sinápticos. Seis eventos principais estão envolvidos no ciclo da vesícula sináptica (Figura 1–7):

  1. As vesículas ficam ancoradas em zonas ativas antes de sua liberação por exocitose.
  2. Ocorre a preparação ou priming quando as vesículas fi- cam prontas para responder ao aumento do Ca 2+^ intrace-

lular (as potentes neurotoxinas botulínica e tetânica blo- queiam a transmissão sináptica ao causar proteólise de moléculas-chave envolvidas na preparação).

  1. Desencadeada pelo influxo de Ca+2^ , ocorre então a fusão/ exocitose em menos de 1 milissegundo, liberando o neu- rotransmissor na fenda sináptica.
  2. O processo de endocitose recupera a membrana das vesí- culas sinápticas.
  3. As vesículas sinápticas são novamente preenchidas com neurotransmissor, um processo direcionado por um gra- diente ácido intravesicular ou por um gradiente de volta- gem.
  4. As vesículas sinápticas preenchidas são transportadas de volta à zona ativa, completando o ciclo.

A duração da atividade do neurotransmissor em geral é limitada por vários mecanismos que rapidamente removem o neurotransmissor liberado da fenda sináptica. Em primeiro

Figura 1–6 Micrografias eletrônicas de sinapses químicas. Junções neuromusculares do músculo sartório de rã foram rapidamente congeladas milissegundos após tratamento com potássio para aumentar a transmissão sináptica. Painel A. As vesículas sinápticas estão agrupadas em duas zonas ativas (setas), as quais são os sítios onde as vesículas podem fundir-se com a membrana plasmática e liberar o neurotransmissor. Painel B. Após a estimulação, padrões ômega de vesículas em processo de liberação do neurotransmissor são visíveis. Fonte: Reeditada de Zucker RS, Kullmann DM, Bennett M: “Release of Neurotransmitters” em Fundamental Neuroscience. Editado por Zigmond MJ, Bloom FE, Landis SC et al., San Diego, CA, Academic Press, 1999, p.156. Utilizada com permissão.

Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica 27

Figura 1–8 Eventos moleculares na ancoragem e fusão das vesículas sinápticas. Um conjunto coordenado de proteínas está envolvido no posicionamento das vesículas na membrana pré-sináptica e no controle da liberação pela fusão com a membrana. Painel A. Muitas das proteínas das vesículas sinápticas que foram recentemente clonadas integram esse processo. Algumas dessas proteínas interagem com o citoesqueleto para posicionar as vesículas no terminal, enquanto outras são proteínas integrais ao processo de fusão. Além disso, várias dessas proteínas das vesículas sinápticas são alvos para neurotoxinas que funcionam influenciando a liberação de neurotransmissores. Painel B. A teoria atual de como as vesículas sinápticas fundem-se com a membrana e liberam neurotransmissores é chamada de hipótese SNARE. Tanto as vesículas sinápticas quanto a membrana plasmática expressam proteínas específicas que medeiam a ancoragem e a fusão: v-SNAREs (vesículas sinápticas) e t-SNAREs (membrana plasmática). As vesículas são trazidas para próximo da membrana por meio de interações entre a VAMP (sinaptobrevina), a sintaxina e a SNAP-25. A proteína de fusão sensível à N -etilmaleimida (FSN) liga-se ao complexo, facilitando a fusão. O influxo de cálcio é necessário para estimular a fusão, mas o sítio preciso de ligação para o cálcio e os eventos exatos que levam à fusão permanecem indefinidos. Painel C. A estrutura cristalizada do complexo de fusão, mostrada aqui, é consistente com a hipótese SNARE. Abreviações: BoNT = toxina botulínica; TeNT = toxina tetânica. Fonte: Adaptada de Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM: Principles of Neural Science , 4ª edição. New York, Mcgraw-Hill, 2000, p.271-273. Utilizada com permissão.

28 Yudofsky & Hales

Jaber et al., 1997). Os tricíclicos bloqueiam a recaptação de se- rotonina e noradrenalina, enquanto os ISRSs, como seu nome sugere, bloqueiam seletivamente a recaptação de serotonina. Outros antidepressivos mais novos bloqueiam o mecanismo de inibição por retroalimentação da liberação, aumentando, assim, os níveis sinápticos de serotonina. A cocaína previne a recapta- ção de dopamina e serotonina, enquanto a anfetamina retarda a recaptação de dopamina e serotonina, além de também induzir a liberação de dopamina (Ramamoorthy e Blakely, 1999; Saun- ders et al., 2000). Estudos moleculares também têm sugerido que a ligação da cocaína e a recaptação da dopamina ocorrem em sítios distintos do transportador, indicando a possibilidade de que a ação da cocaína poderia ser bloqueada com sucesso, sem impedir o processo de recaptação normal (Kitayama et al., 1992). Camundongos modificados geneticamente nos quais o transportador de dopamina está ausente apresentam uma im- portante persistência da dopamina sináptica, como se estivessem permanentemente sob o efeito de psicoestimulantes; os psico- estimulantes não têm efeito sobre esses animais, confirmando que o transportador de dopamina é essencial para a ação dessas drogas (Giros et al., 1996). O MPTP é captado seletivamente pelo transportador de dopamina (Javitch e Snyder, 1984) e en- tão provoca um aumento no estresse oxidativo, levando à mor- te dos neurônios dopaminérgicos e à doença de Parkinson in- duzida pela droga (Przedborski e Jackson-Lewis, 1998).

Respostas pós-sinápticas rápidas

A ação de um neurotransmissor depende das proprieda- des dos receptores pós-sinápticos ao qual ele se liga. Os re- ceptores pós-sinápticos ativados por neurotransmissores di- videm-se em duas classes: receptores ionotrópicos e metabotrópicos (discutidos na seção a seguir). Os receptores ionotrópicos são diretamente acoplados a um canal iônico; esses receptores sofrem uma mudança conformacional que abre o canal quando há a ligação do neurotransmissor. Isso resulta em despolarização, dando origem a um potencial exci- tatório pós-sináptico, ou em hiperpolarização, dando origem a um potencial inibitório pós-sináptico. A junção neuromuscu- lar é o protótipo de uma sinapse excitatória; a ligação simultâ- nea de duas moléculas de acetilcolina abre um canal no recep- tor que é permeável a Na +^ e a K+^ (Karlin e Akabas, 1995). Isso resulta em uma forte despolarização da membrana pós-sináp- tica mediada pelo influxo de Na +^ (e modulada pelo efluxo de K+), levando a um potencial de ação que evoca a contração na fibra motora. Canais ativados por ligantes são encontrados em sinapses, tais como a junção neuromuscular, onde a ativação rápida e confiável da célula pós-sináptica é necessária. Na jun- ção neuromuscular, a resposta pós-sináptica é suficientemen- te forte, de maneira que existe uma tradução de um-para-um das variações de voltagem do neurônio motor para as varia- ções de voltagem da fibra muscular, assegurando, portanto, uma contração muscular confiável. Diferentemente da junção neuromuscular, os neurônios do SNC funcionam em redes dinâmicas, nas quais geralmente nenhuma célula individual possui uma conexão sináptica tão forte com outra célula, de forma que possa atingir sozinha o seu limiar. Em vez disso, grupos de neurônios — ativados em conjunto — convergem em um neurônio pós-sináptico para gerar múltiplos potenciais pós-sinápticos. Esses potenciais po- dem somar-se em regiões do neurônio pós-sináptico (soma- ção espacial), caso ocorram suficientemente próximos, a tem- po de provocar o disparo do neurônio pós-sináptico. Como

regra, canais rápidos ativados por ligante medeiam o fluxo de informação, representando padrões de informação sensorial e associações entre modalidades sensoriais, responsáveis por representações centrais que, em última análise, darão origem a respostas motoras. No SNC, receptores glutamatérgicos me- deiam a maioria das transmissões excitatórias rápidas; o GABA e a glicina são os neurotransmissores inibitórios mais co- muns.

Receptores glutamatérgicos

Os receptores glutamatérgicos são divididos em três tipos gerais: receptores N -metil- D -aspartato (NMDA), receptores ionotrópicos não-NMDA, e receptores glutamatérgicos me- tabotrópicos (Dingledine et al., 1999; Hollmann e Heinemann, 1994). Os receptores glutamatérgicos são todos proteínas multiméricas, em geral compostas de quatro subunidades. Os receptores NMDA são formados de combinações das subuni- dades NR1 e NR2; a subunidade NR1 é universalmente ex- pressa em neurônios, enquanto a subunidade NR2, a qual pode ser de vários subtipos, é expressa heterogeneamente durante o desenvolvimento e também entre os diferentes tipos de neu- rônios, dando origem a diferentes propriedades de resposta (Schoepfer et al., 1994). Os receptores NMDA despolarizam a célula pela abertura de canais que permitem principalmente a entrada de Ca2+^ na célula (MacDermott et al., 1996). A propri- edade mais fascinante dos receptores NMDA é que seu canal iônico costuma estar bloqueado pelo íon Mg2+^ em potenciais de membrana mais negativos do que –40 mV (Mayer et al., 1994). Como resultado, no potencial de repouso da maioria dos neurônios, o canal do receptor NMDA encontra-se obs- truído. Para a corrente fluir pelos canais NMDA, o glutamato deve ligar-se ao receptor e a membrana deve ser despolarizada simultaneamente para deslocar o Mg 2+. Esse duplo requeri- mento representa o papel único dos receptores NMDA em processos tão variados como a sinaptogênese, o aprendizado e a memória e até mesmo a morte celular. É provável que os receptores NMDA sejam essenciais para o desempenho ade- quado de funções psiquiátricas; camundongos transgênicos com a expressão reduzida dos receptores NMDA apresentam comportamentos similares àqueles vistos em pacientes com esquizofrenia (Mohn et al., 1999). Os receptores glutamatérgicos não-NMDA são dividi- dos em: receptores ácido α-amino-3-hidróxi-5-metilisoxa- zol-4-propiônico (AMPA) e receptores kainato, com base em suas afinidades por esses análogos glutamatérgicos. Os re- ceptores AMPA são formados a partir de combinações de subunidades GluR1 a GluR4, e os receptores kainato, por combinações de subunidades GluR5 a GluR7, além das su- bunidades KA1 e KA2. A complexidade dos tipos dos possí- veis receptores glutamatérgicos aumenta ainda mais pela exis- tência de conformações flip e flop das subunidades de GluR a GluR4 e das modificações pós-transducionais do RNAm do receptor glutamatérgico (Puchalski et al., 1994; Seeburg, 1996; Sommer et al., 1990). Receptores não-NMDA geral- mente estão acoplados a canais iônicos que permitem a en- trada de Na +^ e não de Ca 2+^ através da membrana. A subuni- dade GluR2 do canal iônico do receptor AMPA é responsável pelo bloqueio da passagem de Ca +2^. Recentemente, foram identificados neurônios que expressam receptores AMPA, nos quais a subunidade GluR2 está ausente, permitindo, dessa for- ma, a passagem do Ca +2, bem como do Na +, pelo canal (Geiger et al., 1995). Neurônios que expressam tais receptores AMPA

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permeáveis ao Ca 2+^ podem ser particularmente vulneráveis à morte celular por excitoxicidade em certos estados patológi- cos.

Receptores GABAérgicos

Potenciais inibitórios pós-sinápticos no cérebro são me- diados principalmente por receptores GABAérgicos. Várias classes de receptores GABAérgicos foram identificadas. Re- ceptores do tipo GABAA são ionotrópicos e formam canais seletivos ao Cl–^ que medeiam a inibição sináptica rápida no cérebro. Receptores do tipo GABAB são metabotrópicos, ten- dem a ser de ação mais lenta e desempenham um papel mo- dulatório; costumam ser encontrados em terminais pré-sináp- ticos, onde inibem a liberação de transmissores. Os receptores GABAA são membros da superfamília do receptor nicotínico da acetilcolina (DeLorey e Olsen, 1992; Schofield et al., 1990). O complexo receptor-canal GABAA é composto de uma mis- tura de cinco subunidades das famílias α, β, γ e ρ. Isso dá ori- gem a receptores com propriedades variadas, dependendo da composição específica de subunidades do receptor. Já que a maioria das famílias de subunidades apresenta múltiplos sub- tipos, alguns dos quais podem sofrer fusão no RNA, existe um potencial para uma extraordinária diversidade na função do receptor GABAA. As seqüências de RNAm para subunidades múltiplas ou individuais dos receptores podem ser injetadas em oócitos ou em células de mamíferos sob cultura, e as propriedades das combinações de subunidades do receptor expressas sub- seqüentemente podem ser definidas. Essa técnica tem de- monstrado como as propriedades de um receptor GABA (^) A particular depende da composição de subunidades, bem como das interações entre estas. Mutações direcionadas a sítios específicos têm sido aplicadas no sentido de localizar os sí- tios de ligação de ligantes específicos nas subunidades do receptor. A subunidade α, por exemplo, possui um sítio de ligação para benzodiazepínicos (Pritchett et al., 1989). As ações clínicas dos benzodiazepínicos, como também de outras duas classes de drogas depressoras do SNC, os barbitúricos e os esteróides anestésicos, parecem estar relacionadas com sua habilidade de ligarem-se aos receptores GABA (^) A, aumentan- do o fluxo de íons através do receptor (Callachan et al., 1987; Choi et al., 1981; MacDonald e Barker, 1978; Majewska et al., 1986). Os canais individuais GABA (^) A não permanecem continuamente abertos na presença de GABA; em vez disso, abrem-se e fecham-se. Os benzodiazepínicos aumentam a corrente GABAérgica por aumentarem a freqüência das aber- turas do canal, sem alterar o tempo de abertura ou a condu- tância (Study e Barker, 1981). Os barbitúricos prolongam o tempo de abertura do canal sem alterar a freqüência de aber- turas ou a condutância (MacDonald et al., 1989; Mathers e Baker, 1981). Os esteróides, tais como a androsterona e a preg- nenolona, aumentam o tempo e a freqüência das aberturas (Twyman e MacDonald, 1992). Independentemente dos di- ferentes mecanismos de ação, cada uma dessas drogas au- menta a transmissão GABAérgica, a qual é responsável pelas propriedades anticonvulsivantes compartilhadas pelas três. Na verdade, eles podem diretamente contrabalançar uma de- ficiência de GABA originada pela redução no número de transportadores de GABA no córtex epileptogênico, o que pode ser a etiologia da epilepsia (During et al., 1995). Mais recentemente, foi demonstrado que anestésicos gerais, bem como o álcool, agem através da ligação ao receptor GABA (^) A (e

também aos receptores da glicina) (Mascia et al., 2000; Mihic et al., 1997).

Receptores metabotrópicos

Efeitos modulatórios a longo prazo geralmente são me- diados por receptores metabotrópicos. Esses receptores não- conectados a canais regulam a função celular através da ati- vação de proteínas G, que se conectam a cascatas de segundos-mensageiros. Embora existam outros receptores não-conectados a canais que também são catalíticos, no SNC apenas os receptores conectados à proteína G são encontra- dos. Na verdade, a maioria dos neurotransmissores e neuro- moduladores exercem seus efeitos através da ligação a recep- tores conectados à proteína G. Estes receptores G são assim chamados porque são ligados intracelularmente a proteínas regulatórias ligantes de guanosina trifosfato (GTP). As proteí- nas G são formadas por um complexo de três proteínas liga- das à membrana (Gαβγ); quando o receptor é ativado, a subuni- dade α (Gα) liga-se à GTP e dissocia-se do complexo de subunidades β e γ (Gβγ). Tanto Gα quanto Gβγ podem desenca- dear eventos subseqüentes. As proteínas G ativadas apresen- tam um tempo de vida que vai de segundos a minutos; a Gα é auto-inativada pela hidrólise da GTP ligada, após o que é rea- gregada com Gβγ, retornando ao estado de repouso. A conti- nuação da ligação do neurotransmissor ao receptor pode rei- niciar o ciclo. As proteínas G são a primeira conexão nas cascatas sina- lizadoras que podem ativar diretamente proteínas quinases — enzimas que fosforilam proteínas celulares (Walaas e Green- gard, 1991) — ou aumentar o Ca2+^ intracelular, ativando indi- retamente as quinases (Figura 1–10) (Ghosh e Greenberg, 1995). As proteínas sofrem alterações conformacionais quan- do são fosforiladas, o que pode levar a sua ativação ou inativa- ção. As proteínas afetadas podem incluir canais da membrana, elementos do citoesqueleto e reguladores de transcrição da expressão gênica. Dessa forma, as ações modulatórias media- das por segundos-mensageiros controlam a maioria dos pro- cessos celulares. O potencial para amplificação, combinado com a divergência e a convergência de sinais, fornece o mecanismo básico para alterações duradouras na função neuronal, espe- cialmente para mecanismos essenciais ao aprendizado e à me- mória e ao desenvolvimento. As três principais cascatas de se- gundos-mensageiros envolvendo proteínas G e suas interações com Ca 2+^ estão esquematizadas na Figura 1–10. Uma vez que esses receptores da proteína G são alvos para muitas drogas terapêuticas ou drogas de abuso, o enten- dimento de suas regulações é de extrema importância clínica. Recentemente, avanços importantes têm sido feitos no senti- do de definir os mecanismos que medeiam a sub-regulação de receptores conectados a proteínas G (Tsao e Von Zastrow, 2000). A sub-regulação de receptores é geralmente induzida por sua ativação prolongada, levando à internalização dos mes- mos. Por exemplo, a ativação prolongada de receptores dopa- minérgicos do tipo D 1 em neurônios estriatais pela injeção de agonistas in vivo causa a rápida internalização deles (Dumartin et al., 1998). A internalização desses receptores é mediada por mecanismos altamente específicos, tanto dependentes quanto independentes da dinamina (Vickery e Zastrow, 1999). A de- terminação dos mecanismos que acarretam a sub-regulação de receptores da proteína G pode identificar alvos para o de- senvolvimento de novas classes de drogas úteis para a mani- pulação terapêutica da sinalização de tais receptores. Por exem-

Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica 31

Figura 1–10 Principais vias de sinalização intracelular em neurônios. A união de ligantes com seus receptores ativa três vias sinalizadoras principais através de proteínas G. Painel A. No sistema adenosina monofosfato cíclico (AMPc), uma proteína G medeia o acoplamento de um ligante à ativação da adenil ciclase. Isso, por sua vez, irá gerar AMPc, que se liga nas unidades regulatórias (R) da proteína quinase dependente de AMPc (PKAc), liberando as subunidades catalíticas (C). Essas, por sua vez, ativarão os elementos responsáveis das proteínas de ligação do AMPc (CRB), que se ligam aos elementos responsivos do AMPc (CRE) e regulam a expressão gênica depois de terem sido fosforiladas (P). Painel B. No sistema do fosfolipídeo inositol, a proteína G ativa a fosfolipase C (PLC), que hidrolisa os fosfolipídeos de membrana para produzir dois segundos-mensageiros: o diacilglicerol (DAG) e o inositol trifosfato (IP 3 ). O IP 3 desencadeia a liberação de Ca 2+^ pelo retículo endoplasmático (RE). O Ca 2+, por sua vez, faz a translocação da proteína quinase C (PKC) para a membrana celular, onde ela é ativada pelo DAG. Por se conectar à membrana com a ativação, a PKC pode ser especialmente importante na modulação dos canais de membrana. Também é mostrada outra ação do Ca2+: a ativação da proteína quinase dependente de Ca2+/calmodulina, que, quando ativada, fosforila outros conjuntos de proteínas. O Ca 2+^ liberado dos estoques intracelulares pode agir de forma semelhante ao Ca2+, que entra a partir do lado de fora da célula (não-mostrado); entretanto, devido ao fato de as células regularem os níveis de Ca 2+^ de forma muito estrita, os aumentos na concentração de Ca2+^ costumam ser muito localizados. Painel C. No sistema do ácido araquidônico, as proteínas G podem acoplar-se à fosfolipase A 2 (PLA 2 ), formando ácido araquidônico pela hidrólise de fosfolipídeos de membrana. O ácido araquidônico funciona como um segundo-mensageiro propriamente dito ou como um precursor da via da lipoxigenase, originando uma família de segundos-mensageiros permeáveis à membrana. A via da ciclooxigenase é importante principalmente fora do cérebro, na produção de prostaglandinas. Abreviações: ATP = adenosina trifosfato; HPETE = Ácido Hidro-peróxi-eicosa-tetraenóico; PI = Fosfatidil-inositol. Fonte: Painel A. Reeditado de Lodish H, Berck A, Zipursky L, et al.,: Molecular Cell Biology , 3ª Edição. New York, Scientific American Books, 1995; Painéis B e C adaptados de Kandel ER, Schwartz JH, Jessell TM: Principles of Neural Science , 4ª Edição. New York, McGraw-Hill, 2000. Utilizada com permissão.

plo, camundongos mutantes nos quais a proteína β-arrestina 2 está ausente não desenvolvem tolerância a opióides (Bohn et al., 1999). As ações mais lentas dos receptores metabotrópicos são responsáveis pela alteração na excitabilidade neuronal e pelo fortalecimento das conexões sinápticas, freqüentemente refor-

çando vias neurais envolvidas no aprendizado (Bailey et al., 2000). A ativação desses receptores em geral não altera o po- tencial de membrana. Em vez disso, a ligação ao receptor ativa cascatas de segundos-mensageiros que podem alterar de for- ma considerável as propriedades de resposta de outros recep- tores. Na retina, por exemplo, a dopamina parece mediar a

Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica 33

náptica, onde produzem seus efeitos, o NO difunde-se através da membrana a células adjacentes pré ou pós-sinápticas e ati- va a guanilil ciclase, aumentando os níveis de guanosina 3’,5’- monofosfato cíclico (GMPc), que, por sua vez, desencadeia a produção de outros mensageiros intracelulares. O NO, bem como o monóxido de carbono (CO) e o ácido araquidônico, os quais apresentam papéis similares, podem coordenar alte- rações pré e pós-sinápticas na plasticidade sináptica (O’Dell et al., 1994). A excitoxicidade provocada pela ativação excessi- va dos receptores glutamatérgicos do tipo NMDA parece ser mediada, em parte, pelo NO (Dawson et al., 1993).

Modulação sináptica no aprendizado e na

memória

Segundos-mensageiros aumentam muito a gama de res- postas que um neurônio pode apresentar a um estímulo si- náptico. Eles ativam quinases que podem amplificar e prolon- gar sinais mediante a fosforilação de outras proteínas. As proteínas fosforiladas permanecem ativas — freqüentemente por um período muito mais longo do que um agonista perma- nece ligado ao receptor — até que sejam defosforiladas por proteínas fosfatases. Já que os segundos-mensageiros desen- cadeiam grande número de funções celulares, a ativação de um único receptor pode ativar uma resposta celular coorde- nada envolvendo vários sistemas. Isso pode incluir a modula- ção da transcrição genômica dependente da atividade, levando a alterações duradouras na função celular. O aprendizado e a memória requerem alterações a curto e a longo prazo em si- napses individuais entre neurônios.

Aprendizado simples em Aplysia

Investigações utilizando o molusco marinho Aplysia cali- fornica têm sido fundamentais para o entendimento atual dos mecanismos celulares do aprendizado e da memória. O Prê- mio Nobel em Fisiologia e Medicina do ano de 2000 foi dado a Eric Kandel por esse trabalho. As alterações no comporta- mento da Aplysia podem ser relacionadas a alterações em co- nexões sinápticas individuais, uma vez que seu sistema nervo- so é composto de relativamente poucos neurônios que podem ser identificados de animal para animal (Kandel e Hawkins, 1992). A Aplysia exibe um comportamento defensivo simples — o reflexo de retirada do sifão — o qual mostra várias formas elementares de aprendizado. A estimulação leve na pele do si- fão que recobre as brânquias leva a seu reflexo de retirada. Se um choque é aplicado em sua cauda, o reflexo mostra sensibi- lização: a estimulação subseqüente do sifão elicia um reflexo mais intenso. Se a estimulação do sifão é emparelhada com o choque na cauda, o animal desenvolve um aprendizado asso- ciativo manifestado por um aumento na resposta reflexa a uma leve estimulação do sifão. A Aplysia aprende que uma leve es- timulação no sifão prediz um choque em sua cauda. Estímulos sensibilizantes na cauda ativam neurônios se- rotonérgicos facilitadores que fazem sinapse com terminais de neurônios sensoriais. A serotonina liberada produz facilitação pré-sináptica pela ativação da adenil ciclase via ligação com a proteína G; a AMPc liga-se às subunidades regulatórias da proteína quinase dependente de AMPc, liberando suas subu- nidades catalíticas, as quais fosforilam uma classe de canais de K +^ dependentes de voltagem (canais S-K +^ ), inativando-os. Devido ao fato de que uma menor corrente de K+^ é evocada, a membrana permanece despolarizada por um pouco mais de

tempo com dado potencial de ação, há maior influxo de Ca2+ e, portanto, mais transmissor é liberado. O aprendizado asso- ciativo parece ser devido à ativação de um neurônio facilitador logo após a ativação do neurônio sensorial. O influxo de Ca 2+ desencadeado pela alteração de voltagem no terminal do neu- rônio sensorial e os sistemas de segundos-mensageiros ativa- dos pela serotonina, quando ativados ao mesmo tempo, pro- duzem um aumento na atividade da quinase C (Braha et al., 1990). Isso é chamado de aumento da facilitação pré-sináptica dependente da atividade e fornece a detecção de coincidências inerentes ao aprendizado associativo (Figura 1–12). Em todas essas formas de aprendizado associativo, os mecanismos en- volvem modificação covalente de proteínas preexistentes, prin- cipalmente por fosforilação. Em contrapartida, a memória de longa duração requer alterações na transcrição gênica. Os mesmos mecanismos que medeiam a sensibilização de curta duração também iniciam a formação da memória de longa duração. Na sensibilização de longa duração, assim como na de curta duração, a memória é codificada por um fortalecimento das sinapses sensório-mo- toras. Ocorre um aumento na liberação de transmissores, e canais S-K+^ são fechados, levando a um aumento do influxo de Ca 2+. A serotonina e a AMPc são o primeiro e o segundo mensageiros, e um conjunto característico de proteínas é fos- forilado (Sweatt and Kandel, 1989). Para a memória de longa duração, no entanto, existe uma necessidade absoluta de trans- crição gênica e de síntese de novas proteínas. A AMPc afeta a transcrição gênica por ligar-se à proteína de ligação do ele- mento responsivo da AMPc (CREB), a qual então se liga a sítios regulatórios no DNA conhecidos como elemento res- ponsivo da AMPc. Dessa forma, a injeção de CREB exógeno bloqueia a sensibilização de longa duração, mas não a de curta (Dash et al., 1990). O CREB, por sua vez, induz a transcrição de ubiquitina, a qual leva à clivagem da subunidade regulató- ria da proteína quinase dependente de AMPc, prolongando a ativação da quinase (Hedge et al., 1993). Finalmente, as altera- ções desencadeadas por estimulações repetidas na cauda, a ativação de interneurônios facilitatórios, a aplicação de sero- tonina ou a injeção de AMPc resultam em alterações estrutu- rais específicas (Glanzman et al., 1990), envolvendo o cresci- mento de novos processos e aumentando o número e o tamanho das sinapses. Essas alterações morfológicas são me- diadas, em parte, por moléculas de adesão celular similares àquelas que desempenham papel crucial na formação do sis- tema nervoso (Bailey et al., 1992). Portanto, alterações de cur- ta duração na força sináptica transformam-se em alterações estruturais duradouras, orquestradas por interações entre sis- temas de segundos-mensageiros, que, por sua vez, induzem a transcrição gênica.

Potenciação de longa duração no SNC de mamíferos

No SNC de mamíferos, um aumento similar na força si- náptica ocorre no hipocampo quando certas sinapses são esti- muladas brevemente a uma alta freqüência; esse aumento dura de dias a semanas no animal intacto (Bliss e Lomo, 1973). Já que essa potenciação de longa duração (LTP) ocorre em regiões cerebrais essenciais para a codificação da memória — o hipo- campo e o córtex cerebral — acredita-se que a LTP seja um processo sináptico crucial para a formação da memória. Os três principais circuitos sinápticos do hipocampo apresentam LTP, cada um com mecanismos distintos, embora similares. Nas sinapses mais estudadas, que ocorrem entre neurônios da

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Figura 1–12 Os detectores de coincidência molecular. Painel A. No reflexo de retirada do sifão da Aplysia , o toque no sifão, que leva ao influxo de Ca2+, e o choque na cauda, que leva à estimulação da adenilil ciclase, podem, juntos, induzir uma ativação da adenilil ciclase e uma liberação de neurotransmissor maiores, levando a uma facilitação da eficácia sináptica. Painel B. No hipocampo, a potenciação de longa duração resulta da ativação coincidente de receptores do tipo N -metil-D-aspartato (NMDA-R) e da despolarização pós-sináptica. Abreviações: AMPA-R = receptores do tipo ácido α- amino-3-hidróxi-5-metilisoxazol-4-propiônico; GTP = guanosina trifosfato; 5-HT = 5-hidróxi-triptamina; 5-HT-R = receptor de 5-HT; LTP = potenciação de longa duração, Ca (^) i2+^ = cálcio interno; G (^) s = proteína G; αs = subunidade α. Fonte: Reeditada de Bourne HR; Nicoll R: “Molecular Machines Integrate Coincident Synaptic Signals”. Neuron 10 (suppl.): 65-75, 1993. Utilizada com permissão.

região CA3 e neurônios piramidais da região CA1 (Figura 1– 13), a LTP é iniciada pelo influxo de Ca 2+^ no neurônio pós- sináptico (Figuras 1–12B e 1–13). O glutamato liberado pelos neurônios da região CA3 age em receptores NMDA e não- NMDA. Entretanto, apenas os disparos de alta freqüência (que desencadeiam a LTP) ativam um número suficiente de recep- tores AMPA para provocar uma despolarização pós-sináptica significativa, capaz de liberar o bloqueio dependente da volta-

gem dos receptores NMDA pelo Mg2+. Os receptores NMDA facilitam o influxo de Ca 2+^ na espinha dendrítica pós-sinápti- ca (Murphy et al., 1994; Petrozzino et al., 1995), o que inicia um aumento na força sináptica. Já que o Ca 2+^ não flui pelo canal do receptor NMDA, a menos que o neurotransmissor esteja ligado e que a membrana pós-sináptica esteja simulta- neamente despolarizada, o receptor NMDA age como um de- tector de coincidências (Figura 1–12). Os mecanismos celulares responsáveis pela expressão da LTP têm sido foco de intensa investigação — parecem envol- ver um aumento na liberação de neurotransmissores e/ou no número e/ou na sensibilidade dos receptores pós-sinápticos (Malenka e Nicoll, 1999). Embora haja um crescente apoio para a visão de que o locus da expressão da LTP seja pós-sináp- tico (descrito a seguir), também existem evidências convin- centes de que a LTP envolve um aumento na liberação de neu- rotransmissores pelos terminais pré-sinápticos (Stevens e Sullivan, 1998; Stevens e Wang, 1995). Nesse caso, surge a questão de como eventos pós-sinápticos desencadeados pela ativação de receptores NMDA poderiam levar a alterações na liberação pré-sináptica de neurotransmissores. Um segundo- mensageiro retrógrado, que poderia se difundir através da si- napse e agir nos terminais pré-sinápticos, seria necessário (O’Dell et al., 1994; Schuman e Madison, 1991; Zhuo et al., 1993). Vários experimentos indicam que o NO ou o CO são capazes de conduzir tal sinal retrógrado, difundindo-se da pós- sinapse aos sítios pré-sinápticos mais próximos, ativando a guanilil ciclase para induzir uma elevação no GMPc do termi- nal pré-sináptico. Tal aumento na transmissão sináptica de- pendente da LTP foi visualizado diretamente (Malgaroli et al., 1995). O aumento na liberação de neurotransmissores tam- bém é dependente de Ca2+^ , implicando em um detector de coincidência pré-sináptico (Zhuo et al., 1994). Além desses gases difusíveis, foi demonstrado recentemente que uma fa- mília de fatores de crescimento chamados neurotrofinas agem como sinais retrógrados que facilitam o fortalecimento sináp- tico de longa duração, incluindo a LTP (McAllister et al., 1999). Ao longo dos últimos anos, grande número de evidências tem dado suporte para o locus pós-sináptico para expressão da LTP (Malinow et al., 2000). Existem atualmente dois meca- nismos que favorecem o aumento da eficácia sináptica pós- sinapticamente: 1) alteração na sensibilidade de receptores glu- tamatérgicos já existentes e 2) adição de receptores AMPA a sinapses funcionalmente silenciosas. A elevação nos níveis de Ca2+^ pós-sináptico devido à transmissão sináptica de alta fre- qüência ativa várias quinases que são cruciais para a LTP e a memória: a quinase dependente de Ca 2+/calmodulina II (Ca- mKII), a proteína quinase C (PKC) e a proteína quinase A. Essas quinases fosforilam GluR1, uma subunidade do recep- tor AMPA, aumentando a sensibilidade desses receptores; o bloqueio dessa fosforilação inibe a expressão da LTP (H.K. Lee et al., 2000). Em concordância com o papel crítico das quinases na LTP, camundongos deficientes em CamKII apre- sentam LTP reduzida, bem como déficits no aprendizado es- pacial (Bach et. al., 1995). Técnicas utilizando knockout de ge- nes, pelas quais animais mutantes são gerados com deficiência em determinado gene e então acasalados com homozigotos para eliminar completamente dada proteína, mostraram que outras quinases também são necessárias para a LTP (Mayford e Kandel, 1999). Por exemplo, camundongos knockout para a quinase Fyn apresentam deficiência de LTP em CA1. Ao tes- tarem-se substratos para a quinase Fyn, foi demonstrado que há uma deficiência na fosforilação da tirosina quinase de ade-

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al., 1994), as memórias de informações irrelevantes podem ser eliminadas, e as memórias duradouras podem ser finamente sintonizadas. A regulação da força sináptica pode ser também relacionada ao ritmo teta predominante no hipocampo. A es- timulação na freqüência teta produz LTP, enquanto estimula- ções mais lentas associadas a aumentos mais moderados nos níveis de Ca 2+^ levam a LTD. A freqüência teta parece estar sob controle colinérgico, sugerindo um mecanismo através do qual a acetilcolina pode modular a memória (Huerta e Lisman, 1993). De maneira mais geral, Llinás e colaboradores argu- mentaram que o ritmo teta medeia a integração tálamo-corti- cal e que distúrbios nesse ritmo estariam associados a prejuí- zos mentais em uma série de transtornos neuropsiquiátricos (Llinás et al., 1999).

DESENVOLVIMENTO NEURONAL

Como os neurônios são capazes de modificar a força de suas conexões de acordo com a experiência, refletem apenas uma fração dos mecanismos utilizados durante o desenvolvi- mento do SNC (Figura 1–14). Se as modificações sinápticas no adulto se assemelham ou utilizam mecanismos que ocor- rem durante o desenvolvimento, outras formas de plasticida- de podem existir no adulto, que são vestígios dos processos ocorridos durante o desenvolvimento. Por exemplo, durante o desenvolvimento, certos neurônios sofrem a morte celular pro- gramada geneticamente, conhecida como apoptose, a qual parece desencadear um processo de competição por um ou mais fatores de sobrevivência. Transtornos neuropsiquiátricos podem resultar de ativações aberrantes de tais mecanismos (Nijhawan et al., 2000). Em doenças neurodegenerativas ad- quiridas ou genéticas, um programa de morte celular pode ser ativado inapropriadamente em uma população celular especí- fica. Em doenças das mais variadas, tais como doença de Alzhei- mer, de Huntington, esclerose amiotrófica lateral, epilepsia e acidente vascular cerebral (AVC), neurônios específicos são seletivamente vulneráveis à apoptose, reproduzindo, portanto, um mecanismo normalmente utilizado durante o desenvolvi- mento cerebral. Outros transtornos, como o autismo, podem ser explicados por uma falha, durante o desenvolvimento, no processo de morte celular programada (Piven et al., 1995). Vários problemas inerentes ao desenvolvimento resultam de crescimento ou migração aberrantes de neurônios ou de de- feitos na formação sináptica. Por exemplo, a esquizofrenia pode resultar da falha dos neurônios dopaminérgicos mesocorti- cais ao realizarem conexões sinápticas apropriadas com neu- rônios do córtex frontal (Weinberger e Lipska, 1995) ou da migração aberrante dos neurônios corticais (Akbarian et al., 1993). Esses dois defeitos podem ser relacionados pela obser- vação de que a dopamina desempenha papel importante tanto na migração quanto na diferenciação neuronal (Todd, 1992). Em conseqüência, o conhecimento dos mecanismos ineren- tes ao desenvolvimento é fundamental para se conhecer a etio- logia de doenças neuropsiquiátricas.

Nascimento e migração

Os neurônios e a glia têm origem em zonas proliferativas que revestem o tubo neural embrionário no estágio da dobra- dura dos segmentos da cabeça e da expansão das cavidades ventriculares. Superficialmente, as células neuroepiteliais pro- liferativas nessas zonas parecem similares, mas, à medida que

Figura 1–14 Estágios do desenvolvimento neuronal e sua modulação. Em cada estágio, o neurodesenvolvimento é regulado por fatores ambientais locais e, em fases mais tardias, também pela atividade. Essa forma de arranjo permite à plasticidade acomodar as variações individuais que são intrínsecas e as que dependem da experiência. Devido à inter-relação de fatores intrínsecos e associados à experiência, existem múltiplos pontos em que alterações patológicas podem alterar o resultado final de maneira sutil ou mais evidente. Fonte: Rayport S, Kriegstein AR: “Cellular and Molecular Biology of the Neuron”, em The American Psychiatric Press Textbook of Neuropsychiatry , 3ª edição. Editado por Yudofsky SC, Hales RE. Washington, DC, American Psychiatric Press, 1997, p. 19. Utilizada com permissão.

o desenvolvimento ocorre, elas geram o mais diverso número de tipos celulares distintos fenotípica, molecular e quimica- mente de todos os órgãos do animal adulto, todos organizados na mais complexa estrutura encontrada em organismos vivos. A posição precisa e a conectividade dessa miríade de tipos ce- lulares são essenciais para o funcionamento do organismo como um todo. O modo como os neurônios chegam a suas localizações corretas e formam conexões apropriadas ainda não está com- pletamente entendido. Teoricamente, o destino específico de cada célula poderia ser determinado de forma intrínseca ape- nas por sua linhagem histórica, conforme parece ser o caso de certos invertebrados, tais como o verme Caenorhabditis elegans (Kenyon, 1986). Entretanto, estudos de linhagens em verte- brados demonstraram que fatores ambientais locais influen- ciam de maneira significativa o fenótipo, a localização e a co- nectividade final de neurônios individuais (Lumsden e

Neuropsiquiatria e neurociências na prática clínica 37

Krumlauf, 1996; Rubenstein et al., 1998). Os sinais molecula- res que influenciam o destino celular são diversos e regulados pelo desenvolvimento, incluindo fatores difusíveis e molécu- las de reconhecimento de superfície celular.

Determinação

Os estágios iniciais do desenvolvimento do SNC envol- vem uma série de passos indutivos nos quais fatores difusíveis produzidos pelos tecidos vizinhos desencadeiam padrões es- pecíficos de expressão gênica no tecido neural. O processo de desenvolvimento do SNC se inicia com a indução do ectoder- me neural durante a gastrulação, desencadeada pela liberação de um fator indutor a partir da mesoderme adjacente (Ham- burger, 1969). Uma vez que a placa neural esteja formada, um padrão de diferenças regionais emerge sob o controle de fato- res difusíveis ou de fatores de indução mediados pelo contato, produzidos pelos tecidos adjacentes. Por exemplo, em embri- ões de galinhas, a notocorda induz o desenvolvimento da lâ- mina do assoalho através de um sinal dependente do contato celular e desencadeia a seguir a produção de neurônios moto- res pela liberação de um fator difusível (Placzek et al., 1993; Yamada et al., 1993). A formação de um padrão adequado da placa neural provavelmente envolve a interação de múltiplos fatores indutores de várias fontes, os quais estabelecem dife- renças regionais ao longo dos eixos ântero-posterior, médio- lateral e dorsoventral (Ruiz i Altaba, 1994). No desenvolvimento cerebral inicial, o eixo neural é divi- dido em compartimentos. A segmentação é um princípio de organização antigo e amplamente distribuído, expresso em todos os embriões e evidente no plano corporal de muitos in- vertebrados. Recentemente, foram identificados genes que governam o desenvolvimento de segmentos específicos do corpo. Por exemplo, a identidade dos segmentos do plano cor- poral de um inseto e do rombencéfalo de mamíferos é contro- lada pela expressão de uma família de genes de identidade de segmentos, conhecidos coletivamente como homeobox ou ge- nes Hox (Maconochie et al., 1996). Os genes Hox codificam fatores de transcrição que, por sua vez, regulam outros genes que determinam o desenvolvimento exclusivo de cada segmen- to. Além disso, podem alterar a identidade de segmentos cor- respondentes em insetos e vertebrados e induzir o desenvolvi- mento de segmentos supranumerários quando inseridos artificialmente em embriões (Rijli et al., 1993). Em um exem- plo notável da conservação evolucionária, homólogos dos ge- nes Hox de insetos foram encontrados em todos os vertebra- dos, inclusive em humanos (McGinnis e Krumlauf, 1992); foi ainda possível substituir, com sucesso, um gene de polaridade de segmento da mosca-das-frutas por um gene homólogo, co- nhecido como sonic hedgehog , encontrado no peixe-zebra (Krauss et al., 1993). À medida que o desenvolvimento conti- nua, novos compartimentos são originados, e segmentos são progressivamente subdivididos. A segmentação no sistema nervoso de vertebrados é claramente visível na medula espinal e também nos padrões segmentados dos rombômeros no rom- bencéfalo em desenvolvimento (Lumsden e Krumlauf, 1996; Tanabe e Jessell, 1996). À primeira vista, o prosencéfalo não apresenta a aparência segmentada das regiões mais caudais do SNC, mas é organizado de maneira segmentada, e, pelo me- nos, 30 genes Hox, expressos regionalmente, já foram identifi- cados no prosencéfalo de camundongos (Rubenstein et al., 1998). Esses estudos demonstram que o eixo neural embrio- nário é dividido em um padrão preciso de segmentos, com

delimitações que restringem a mistura intersegmental das cé- lulas neuroepiteliais e comprometem suas descendentes a um destino segmental particular.

Proliferação

À medida que a neurogênese ocorre, as células precurso- ras neuroepiteliais nas zonas proliferativas que revestem os ventrículos cerebrais dividem-se para produzir os neurônios corticais. Em uma dada região do córtex, neurônios que com- partilham a mesma data de nascimento geralmente seguem o mesmo padrão de diferenciação e formam a população celular da mesma camada cortical. Apesar disso, influências epigené- ticas múltiplas estão envolvidas na determinação do destino final de cada neurônio individual. Estudos de linhagens com retrovírus de replicação incompetente têm sido usados para mapear os destinos de descendentes de células precursoras corticais individuais. Descendentes clonais marcados às vezes incluem células amplamente dispersas que formarão a popu- lação de diferentes regiões cerebrais e que ocupam múltiplas camadas corticais (Grove et al., 1993; Mione et al., 1994; C. Walsh e Cepko, 1993). De maneira similar, resultados de ex- perimentos com camundongos quiméricos contradizem os estritos mecanismos de dependência da linhagem para espe- cificação regional ou laminar (Crabdall e Herrup, 1990; Fishell et al., 1990; Goldowitz, 1989). Entretanto, células corticais real- mente se destinam a uma disposição laminar no momento de sua divisão celular final, antes de migrarem para fora da zona proliferativa. Em experimentos com transplantes heterocrô- nicos, McConnell (1988) transplantou células da zona ventri- cular de um embrião, no qual as células destinadas para as camadas mais profundas estavam sendo geradas, a cérebros de hospedeiros mais velhos, onde células destinadas para as camadas superficiais estavam sendo geradas, desafiando-as a alterarem seu destino laminar. As células conseguiam adotar um destino laminar apropriado ao hospedeiro se transplanta- das antes, mas não depois, da última rodada de divisão celular. As células neuroepiteliais podem alterar sua atividade pro- liferativa em resposta a fatores de sinalização local, inclusive a aminoácidos neurotransmissores. Durante estágios iniciais do desenvolvimento cortical, células progenitoras na zona ven- tricular já expressam subtipos específicos de receptores para os neurotransmissores GABA e glutamato (LoTurco et al., 1991, 1995). Durante os estágios mais tardios da corticogêne- se, a ativação desses receptores por neurotransmissores libe- rados endogenamente inibe a síntese de DNA e diminui o número de células precursoras que estão entrando na fase de síntese de DNA do ciclo celular (LoTurco et al., 1995). Algu- mas evidências também sugerem que certos fatores de cresci- mento podem regular a neurogênese. Por exemplo, receptores para o fator de crescimento básico do fibroblasto são expres- sos em células neuroepiteliais embrionárias (Reid et al., 1990), e o fator de crescimento básico do fibroblasto estimula a divi- são celular de precursores neuronais (Gensburger et al., 1987). Os circuitos neuronais que regulam a atividade de populações de células precursoras no SNC estão começando a ser explo- rados.

Migração

Após terem completado suas divisões celulares finais, os neurônios migram para posições definitivas, guiados por si- nais físicos e químicos (Figura 1–15). No córtex, por exemplo,