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Preparação Para a Morte, Esquemas de Tradução

Preparação Para a Morte. CONSIDERAÇÕES SOBRE AS VERDADES ETERNAS. Tradução de. CELSO DE ALENCAR. Edição PDF de Fl.Castro - 2002 ...

Tipologia: Esquemas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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S. AFONSO DE LIGÓRIO
Preparação Para a Morte
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS VERDADES ETERNAS
Tradução de
CELSO DE ALENCAR
Edição PDF de Fl.Castro - 2002
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S. AFONSO DE LIGÓRIO

Preparação Para a Morte

CONSIDERAÇÕES SOBRE AS VERDADES ETERNAS

Tradução de

CELSO DE ALENCAR

Edição PDF de Fl.Castro - 2002

DEDICATÓRIA

— À Imaculada e sempre Virgem Maria, — À cheia de graça, — À bendita entre todos os filhos de Adão, — À Pomba, à Rola, a dileta de Deus, — Honra do gênero humano, delícia da Santíssima Trindade, — Habitáculo de amor, — Modelo de humildade, — Espelho de todas as virtudes. — Mãe do belo amor, — Mãe da santa esperança e Mãe de misericórdia, — Advogada dos desgraçados, — Amparo dos fracos, Luz dos cegos e saúde dos enfermos, — Âncora de confiança, — Cidade de refúgio, Porta do céu, — Arca da vida, Íris da paz, Porto de salvação, — Estrela do mar e Mar de doçura, — Intercessora dos pecadores, — Esperança dos desesperados, Socorro dos desamparados, — Consoladora dos aflitos, — Alívio dos moribundos e Alegria do universo:

Um afetuoso e amante servo, ainda que indigno e vil, humildemente dedica esta obra

ADVERTÊNCIA IMPORTANTE

SOBRE O OBJETIVO DESTA OBRA

Pediram-me algumas pessoas que lhes proporcionasse um livro de considerações sobre as verdades eternas e que se destinasse às almas zelosas de sua perfeição e do progresso no caminho da vida espiritual. Outras reclamavam um compêndio de matérias próprias para as prédicas em missões e exercícios espirituais. Para não multiplicar livros, trabalhos e despesas, entendi ser conveniente escrever a obra presente na forma que se vai ler, a fim de que possa servir para ambos os fins. Encontrarão nela os leigos assunto para meditar, por meio de três pontos em que é dividida cada consideração, e, como qualquer desses pontos pode servir para uma meditação completa, adicionei- lhes afetos e súplicas. Rogo ao leitor que se não enfade ao ver que nestas orações se pede continuamente a graça da perseverança e a do amor de Deus, porque estas são as duas graças mais necessárias para alcançar a salvação eterna. A graça do amor divino — disse São Francisco de Sales — é aque- la que contém em si todas as demais, porque a virtude do amor para com Deus traz consigo todas as outras virtudes. Quem ama a Deus é humilde, casto, obediente, mortificado... possui, enfim, as virtudes to- das. Por isso, dizia Santo Agostinho:“Ama a Deus e faze o que quise- res,” pois aquele que ama a Deus evitará a todo transe ofendê-lo e só procurará agradar-lhe em tudo. Quanto à graça da perseverança, é por meio dela que se alcança a salvação eterna. Disse São Bernardo que o céu foi prometido aos que começam a viver santamente, mas que não é dado senão aos que per- severam até ao fim1. Ora, a graça da perseverança, segundo ensinam os Santos Pa- dres, só se concede àqueles que a pedem. Portanto — afirma S. To- más, — requer-se contínua oração para entrar na glória2, segundo o disse antes Nosso Salvador:“Convém orar sempre e não desfalecer” (Lc 18,1). Tal é a causa por que muitos pecadores, ainda que hajam sido perdoados, não perseveram na graça de Deus: alcançam o perdão

apregoava a fama, o talento, a finura, a polidez e a graça desse homem; mas apenas está morto, nem sua lembrança se conserva. Ao ouvir a notícia de sua morte, limitam-se uns a dizer que era homem honrado; outros, que deixou à família grande riqueza. Contris- tam-se alguns, porque a vida do falecido lhes era proveitosa; alegram- se outros, porque vão ficar de posse de tudo quanto tinha. Por fim, den- tro em breve, já ninguém falará nele, e até seus parentes mais próximos não querem ouvir falar dele para não se lhes agravar a dor que sentem. Nas visitas de condolências, trata-se de outro assunto; e, quando al- guém se atreve a mencionar o falecido, não falta um parente que advir- ta: Por caridade, não pronuncies mais o seu nome! Considera que assim como procedes por ocasião da morte de teus parentes e amigos, assim os outros agirão na tua. Os vivos entram no cenário do mundo para desempenhar seu papel e ocupar os lugares dos mortos; mas do apreço e da memória destes pouco ou nada cui- dam. A princípio, os parentes se afligem por alguns dias, mas se conso- lam depressa com a parte da herança que lhes couber e, talvez, parece que até a tua morte os regozija. Naquela mesma casa onde exalaste o último suspiro, e onde Jesus Cristo te julgou, passarão a celebrar-se, como dantes, banquetes e bailes, festas e jogos. E tua alma, onde esta- rá então?

AFETOS E SÚPLICAS

Agradeço-vos, meu Jesus Redentor, o não me terdes deixado morrer quando incorrera no vosso desagrado! Há quantos anos já, me- reci estar no inferno! Se eu tivesse morrido naquele dia, naquela noite, que teria sido de mim por toda a eternidade? Senhor, dou-vos graças por esse benefício. Aceito minha morte em satisfação de meus peca- dos e aceito-a tal qual me quiserdes enviar; mas, já que haveis espera- do até esta hora, esperai mais um pouco ainda. Dai-me tempo de cho- rar as ofensas que vos fiz, antes que chegue o dia em que tereis de julgar-me. Não quero resistir, por mais tempo, ao vosso chamado. Talvez, estas palavras que acabo de ler, sejam para mim vosso último convite! Con- fesso que não mereço misericórdia. Tantas vezes me tendes perdoado, e eu, ingrato, tornei a vos ofender! Senhor, já que não sabeis desprezar nenhum coração que se humilha e se arrepende (Sl 50,19), eis aqui um traidor, que arrependido recorre a vós! Por piedade, não me repilais de vossa presença (Sl 50,13). Vós mesmo dissestes: “aquele que vem a mim, não o desprezarei” (Jo 6,37). É verdade que vos ofendi mais que

os outros, porque mais que os outros fui favorecido por vossa luz e vossa graça. Mas anima-me o sangue que por mim derramastes, e me fez esperar o perdão se me arrepender sinceramente. Sim, Sumo Bem de minha alma, arrependo-me de todo o coração de vos ter despreza- do. Perdoai-me e concedei-me a graça de vos amar para o futuro. Basta de ofensas. Não quero, meu Jesus, empregar o resto de minha vida em injuriar-vos; quero unicamente empregá-la em chorar sem cessar os ultrajes que vos fiz, e em amar-vos de todo o coração. Ó Deus, digno de amor infinito! Ó Maria, minha esperança, rogai a Jesus por mim!

PONTO II

Cristão, para compreenderes melhor o que és — disse São João Crisóstomo —“aproxima-te de um sepulcro, contempla o pó, a cinza e os vermes, e chora”. Observa como aquele cadáver, de amarelo que é, se vai tornando negro. Não tarda a aparecer por todo o corpo uma es- pécie de penugem branca e repugnante. Sai dela uma matéria pútrida, nasce uma multidão de vermes, que se nutrem das carnes. Às vezes, se associam a estes os ratos para devorar aquele corpo, saltando por cima dele, enquanto outros penetram na boca e nas entranhas. Caem a pedaços as faces, os lábios e o cabelo; descarna-se o peito, e em se- guida os braços e as pernas. Quando as carnes estiverem todas consumidas, os vermes passam a se devorar uns aos outros, e de todo aquele corpo só resta afinal um esqueleto fétido que com o tempo se desfaz, desarticulando-se os ossos e separando-se a cabeça do tron- co.“Reduzido como a miúda palha que o vento leva para fora da eira no tempo do estio” (Dn 2,35). Isto é o homem: um pouco de pó que o vento dispersa. Onde está agora aquele cavalheiro a quem chamavam alma e en- canto da conversação? Entra em seu quarto; já não está ali. Visita o seu leito; foi dado a outro. Procura suas roupas, suas armas; outros já se apoderaram de tudo. Se quiseres vê-lo, acerca-te daquela cova onde jaz em podridão e com a ossada descarnada. Ó meu Deus! A que esta- do ficou reduzido esse corpo alimentado com tanto mimo, vestido com tanta gala, cercado de tantos amigos? Ó santos, como haveis sido pru- dentes: pelo amor de Deus — fim único que amastes neste mundo — soubestes mortificar a vossa carne. Agora, os vossos ossos, como pre- ciosas relíquias, são venerados e conservados em urnas de ouro. E vossas belas almas gozam de Deus, esperando o dia final para se unir a vossos corpos gloriosos, que serão companheiros e partícipes da

glória sem fim, como o foram da cruz durante a vida. Este é o verdadei- ro amor ao corpo mortal: fazê-lo suportar trabalhos, a fim de que seja feliz eternamente, e negar-lhe todo prazer que o possa lançar para sem- pre na desdita.

AFETOS E SÚPLICAS

Eis aqui, meu Deus, a que se reduzirá também este meu corpo, por meio do qual tanto vos tenho ofendido: presa dos vermes e da po- dridão! Mas não me aflijo, Senhor; antes me regozijo de que assim se tenha que corromper e consumir-se esta carne que me fez perder a vós, meu Sumo Bem. O que me contrista é ter-vos causado tanto des- gosto, indo à procura de míseros prazeres. Não quero, porém, descon- fiar da vossa misericórdia. Vós esperastes por mim para me perdoar (Is 30,18). E quereis perdoar-me se me arrependo. Sim, arrependo-me, ó Bondade infinita, de todo o meu coração, de vos ter desprezado. Direi com Santa Catarina de Gênova: “Meu Jesus, nunca mais pecarei, nun- ca mais pecarei”. Não quero abusar por mais tempo da vossa paciên- cia. Não quero esperar, meu amor crucificado, para vos abraçar quando me fordes apresentado pelo confessor na hora da morte. Desde já, vos abraço; desde já, vos recomendo minha alma. Como esta minha alma tem passado tantos anos sem amar-vos, dai-me luz e força para que vos ame no resto de minha vida. Não esperarei, não, para amar-vos, até que se aproxime a hora derradeira. Desde já, vos abraço e estreito ao coração, prometendo jamais vos abandonar. Ó Virgem Santíssima, uni-me a Jesus Cristo, alcançando-me a graça de não o perder nunca!

PONTO III

Neste quadro da morte, caro irmão, reconhece-te a ti mesmo, e considera o que virás a ser um dia:“Recorda-te que és pó, e em pó te converterás”. Pensa que dentro de poucos anos, quiçá dentro de al- guns meses ou dias, não serás mais que vermes e podridão. Este pen- samento fez de Jó um grande santo:“À podridão eu disse: tu és meu pai; aos vermes: sois minha mãe e minha irmã”. Tudo se há de acabar, e se perderes tua alma na morte, tudo esta- rá perdido para ti.“Considera-te desde já como morto, — disse São Lourenço Justiniano —pois sabes que necessariamente hás de mor- rer”2. Se já estivesses morto, que não desejarias ter feito por Deus? Portanto, agora que vives, pensa que algum dia cairás morto. Disse

São Boaventura que o piloto, para governar o navio, se coloca na extre- midade traseira do mesmo; assim o homem, para levar a vida boa e santa, deve imaginar sempre o que será dele na hora da morte. Por isso, exclama São Bernardo:“Considera os pecados de tua mocidade e cora; considera os pecados da idade viril e chora; considera as desor- dens da vida presente, e estremece”, e apressa-te em remediá-la pron- tamente. São Camilo de Lélis, ao aproximar-se de alguma sepultura, fazia estas reflexões: Se estes mortos voltassem ao mundo, que não fariam pela vida eterna? E eu, que disponho de tempo, que faço eu por minha alma? Este Santo pensava assim por humildade; mas tu, querido ir- mão, talvez com razão receies ser considerado aquela figueira sem fru- to, da qual disse o Senhor:“Três anos já que venho a buscar frutas a esta figueira, e não os achei” (Lc 13,7). Tu, que há mais de três anos estás neste mundo, quais os frutos que tens produzido? Considera — disse São Bernardo — que o Senhor não procura somente flores, mas quer frutos; isto é, não se contenta com bons propósitos e desejos, mas exige a prática de obras santas. É preciso, pois, que saibas aproveitar o tempo que Deus, em sua miseri- córdia, te concede, e não esperes com a prática do bem até que seja tarde, no instante solene quando te diz:Vamos, chegou o momento de deixar este mundo. Depressa! O que está feito, está feito.

AFETOS E SÚPLICAS

Aqui me tendes, Senhor; sou aquela árvore que há muitos anos merecia ouvir de vós estas palavras: “Cortai-a, pois, para que debalde há de ocupar terreno?” (Lc 13,7). Nada mais certo, porque, em tantos anos que estou no mundo, ainda não dei frutos senão cardos e espi- nhos do pecado. Mas vós, Senhor, não quereis que desespere. Dissestes a todos: aquele que me procurar, achar-me-á (Mt 7,7). Procuro-vos, meu Deus, e quero receber vossa graça. Detesto, de todo o coração, as ofen- sas que cometi e quisera morrer de dor por elas. No passado fugi de vós, mas agora prefiro vossa amizade à posse de todos os reinos do mundo. Não quero mais resistir ao vosso chamamento. Quereis-me todo para vós e sem reserva entrego-me inteiramente. Na cruz, destes-vos todo a mim; todo me dou a vós. Senhor, vós dissestes: “Se pedirdes alguma coisa em meu nome, eu a darei” (Jo 14,14). Meu Jesus, confiado nessa grande promessa, pelo vosso santo nome e pelos vossos méritos, peço a vossa graça e o vosso amor. Fazei que deles se replete minha alma, onde antes morava

muitos reinos da Ásia, ordenou, ao morrer, que, quando transportas- sem seu corpo à sepultura, um soldado precedesse o esquife, levando suspensa de uma lança a mortalha e gritasse: “Eis aqui tudo quanto Saladino leva para a sepultura!” Quando o cadáver de um príncipe desce à sepultura, desfazem-se suas carnes, e nos restos mortais não se conserva indício algum que os distinga dos outros.“Contempla os sepulcros, — disse São Basílio — e não poderás distinguir quem foi o servo e quem o amo”. Na presen- ça de Alexandre Magno, certo dia, Diógenes mostrou-se mui absorvido em procurar alguma coisa entre um montão de ossos humanos. — Que procuras aí? — perguntou Alexandre, com curiosidade. — Procuro — respondeu Diógenes — o crânio do rei Filipe, vosso pai, e não o encontro. Mostrai-me, se o podeis encontrar. Neste mundo todos os homens nascem em condições desiguais, mas a morte os iguala — disse Sêneca. Horácio dizia também que a morte nivela os cetros e os cajados. Numa palavra, quando a morte chega,finis venit, tudo se acaba e tudo se deixa; de todas as coisas deste mundo nenhuma levamos para a tumba.

AFETOS E SÚPLICAS

Senhor, já que me fazeis reconhecer que tudo quanto o mundo estima não passa de fumo e demência, dai-me força para livrar-me dele antes que a morte me arrebate. Infeliz de mim, que tantas vezes, por míseros prazeres e bens terrenos, vos ofendi e perdi a vós que sois o Bem infinito! Ó meu Jesus, médico celestial, volvei os vossos olhos para minha pobre alma; vede as feridas que eu mesmo lhe abri com meus pecados, e tende piedade de mim. Mas, para me curar, quereis também que me arrependa das ofensas que vos fiz. Já que me arrepen- do de coração, curai-me, agora que podeis fazê-lo (Sl 40,5). Esqueci- me de vós; mas vós não me esquecestes, e agora me dais a entender que até quereis olvidar minhas ofensas, se eu as detestar (Ez 18,21). Sim, detesto e aborreço-as mais que todos os males. Esquecei, pois, meu Redentor, as amarguras que vos causei. Doravante, prefiro perder tudo, até a vida, a perder a vossa graça. De que me serviriam, sem ela, todos os bens do mundo? Dignai-vos ajudar-me, Senhor, já que conheceis minha fraqueza. O inferno não deixará de tentar-me; prepara mil assaltos para me redu- zir de novo à condição de seu escravo. Mas vós, meu Jesus, não me abandoneis! Quero ser escravo de vosso amor. Sois meu único Senhor, que me criastes, que me remistes e que me amastes sem limites. Sois

o único que mereceis amor, e só a vós é que eu quero amar.

PONTO II

Achando-se Filipe II, rei de Espanha, às portas da morte, mandou vir seu filho à sua presença e, abrindo o mando real com que se cobria, mostrou-lhe o peito já roído de vermes, dizendo:Príncipe, vede como se morre e como se acabam todas as grandezas deste mundo. Foi com razão que Teodoreto disse quea morte não teme riquezas, nem poder, nem púrpura; e que tanto os vassalos como os príncipesse tornam presa de corrupção. Assim, todo aquele que morre, ainda que seja prín- cipe, nada leva consigo ao túmulo. Toda a sua glória acaba no leito mortuário (Sl 48,18). Refere Santo Antônio que, na morte de Alexandre Magno, excla- mara um filósofo: “Aí está quem ontem calcava a terra aos pés; hoje é pela terra oprimido. Ontem cobiçava a terra inteira; hoje basta-lhe um espaço de sete palmos. Ontem dirigia exércitos inumeráveis através do mundo; hoje uns poucos coveiros o levam ao túmulo”. Mas escutemos, antes de tudo, o que disse o próprio Deus:“Por que se ensoberbece o pó e a cinza?” (Eclo 10,9). Homem, não vês que és pó e cinza, de que te orgulhas? Para que te serve consumir teus anos e teu espírito em ad- quirir grandezas deste mundo? Virá a morte e então se dissiparão to- das essas grandezas e todos os teus projetos (Sl 145,4). Quão preferível foi a morte de São Paulo Eremita, que viveu ses- senta anos em uma gruta, à de Nero, imperador de Roma! Quanto mais feliz a morte de São Félix, simples frade capuchinho, do que a de Henrique VIII, que passou sua vida entre as pompas reais, mas sendo inimigo de Deus! É preciso considerar, porém, que os Santos, para al- cançar morte semelhante, abandonaram tudo: pátria, delícias e quantas esperanças o mundo lhes oferecia, para abraçarem vida pobre e me- nosprezada. Sepultaram-se em vida sobre a terra, para não serem se- pultados no inferno depois da morte. Como, porém, os mundanos po- dem esperar morte feliz, vivendo, como vivem, em pecados, prazeres terrestres e ocasiões perigosas? Deus preveniu os pecadores que na hora da morte o procurarão e não o hão de achar (Jo 7,34). Disse que então já não será tempo de misericórdia, mas sim de justa vingança (Dt 32,15). A razão nos ensina esta mesma verdade, porque, na hora da mor- te, o mundano se achará fraco de espírito, obscurecido e duro de cora- ção pelos maus hábitos que contraiu; as tentações então manifestar- se-ão mais violentas, e ele, que em vida se acostumou a render-se e a

deixar-se vencer, como resistirá naquele transe? Seria necessária uma graça extraordinária e poderosa para lhe transformar o coração. Mas será Deus obrigado a lha conceder? Ou talvez a mereceu pela vida desordenada que levou? E, no entanto, trata-se nessa ocasião da des- dita ou da felicidade eterna. Como é possível, ao pensar nisto, que aquele que crê nas verdades da fé não renuncie a tudo para entregar-se intei- ramente a Deus, que nos julgará segundo nossas obras?

AFETOS E SÚPLICAS

Ah, Senhor! quantas noites passei sem vossa graça! Em que esta- do miserável se achava então a minha alma! Vós a odiáveis, e ela que- ria vosso ódio! Estava condenado ao inferno; só faltava executar a sen- tença. Meu Deus, dignastes aproximar-vos de mim, incitando-me ao perdão. Mas quem me assegurará que agora já me haveis perdoado? Ó meu Jesus, devo viver nesse receio até que venhais julgar-me? Contu- do, a dor que sinto de vos ter ofendido, meu desejo de amar-vos e so- bretudo vossa Paixão, é Redentor meu, dão-me a confiança de que me acho em vossa graça. Arrependo-me de vos ter ofendido, ó Soberano Bem, e amo-vos sobre todas as coisas. Prefiro perder tudo a perder a vossa graça e o vosso amor. Quereis que sinta alegria o coração que vos procura (1Cr 16,10). Detesto, Senhor, as injúrias que vos fiz; inspirai- me confiança e coragem. Não me lanceis em rosto minha ingratidão, que eu mesmo reconheço e detesto. Dissestes que não quereis a morte do pecador, mas que se converta e viva (Ez 33,11). Pois bem, meu Deus, eu renuncio a tudo e me converto a vós: é a vós a quem procuro, a vós a quem eu quero, a vós a quem eu amo sobre todas as coisas. Dai-me vosso amor e nada mais vos peço. Ó Maria, que sois minha esperança, alcançai-me a santa perseve- rança.

PONTO III

David compara a felicidade na vida presente ao sonho de um ho- mem que desperta (Sl 72,20), e, comentando estas palavras, escreve um autor: “Parecem grandes os bens deste mundo; mas, na realidade, nada são, e duram pouco, semelhante ao sonho, que se esvai. O pen- samento de que com a morte tudo se acaba, inspirou a São Francisco de Borja a resolução de dar-se inteiramente a Deus. Incumbiram-no de acompanhar o cadáver da imperatriz Isabel de Granada. Quando abri- ram o ataúde, foi tal o aspecto horrível que ofereceu e o cheiro que

exalou, que afugentou toda a gente. Só São Francisco, guiado pela luz divina, ficou a contemplar nesse cadáver a vaidade do mundo, e olhan- do-o disse: “Sois, então, a minha imperatriz? Sois aquela, diante da qual tantos grandes reverentes te ajoelharam? Isabel, para onde foi vossa majestade, vossa beleza? É assim — concluiu ele de si para consigo — que acabam as grandezas e as coroas do mundo! Não sirvo mais a um senhor que me possa ser roubado pela morte! E desde então se consa- grou inteiramente ao amor do Crucificado, fazendo voto de abraçar o estado religioso quando sua esposa morresse, o que depois efetiva- mente cumpriu, entrando na Companhia de Jesus. Tinha razão, portanto, esse homem desiludido, quando escreveu sobre um crânio humano:“Quem pensa na morte, tudo lhe parece vil”. Quem medita na morte, não pode amar a terra. Por que, entretanto, há tantos desgraçados que amam este mundo? Porque não pensam na morte. Míseros filhos de Adão — diz-nos o Espírito Santo, — por que não arrancais do coração os afetos terrenos, que fazem amar a vaidade e a mentira? (Sl 4,3). O que aconteceu a teus antepassados, sucederá também a ti; eles moraram nesta mesma casa, dormiram nesse mesmo leito, mas já não existiu: o mesmo acontecerá a ti. Entrega-te, pois, a Deus, meu caro irmão, antes que chegue a morte. Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje (Ecl 9,10); porque o dia presente passa e não volta; e amanhã a morte poderia apresentar- se e nada te permitiria fazer. Procura, sem demora, libertar-te do que te afasta de Deus. Rompe, sem tardança, com todo laço que te prende aos bens da terra, antes que a morte os venha arrebatar. Bem-aventu- rados os que, ao morrer, já se acham mortos para as afeições terrenas (Ap 14,13). Estes não temem a morte, antes a desejam e abraçam ale- gremente. Em vez de separá-los dos bens que amam, une-os ao Sumo Bem, que é o único objeto digno de amor e que os tornará eternamente felizes.

AFETOS E SÚPLICAS

Agradeço-vos, meu amado Redentor, o terdes esperado por mim. Que teria sido de mim, se me tivésseis dado a morte quando tão afasta- do de vós me encontrava? Benditas sejam para sempre a misericórdia e paciência com que me tratastes! Rendo-vos sinceras graças pelos dons e luzes com que me enriquecestes. Não vos amava, nem me im- portava então ser amado por vós. Agora, vos amo de todo o coração e a pena que mais me acabrunha é ter desagradado à vossa infinita bon- dade. Atormenta-me esta dor: tormento, entretanto, que é doce, pois

aqueles vestuários já não serão para mim!“Só me resta o sepulcro”. Ah! com que dor profunda há de olhar para os bens terrestres aquele que os amou apaixonadamente! Mas essa mágoa já não valerá senão para aumentar o perigo em que se acha a salvação. A experiência nos tem provado que tais pessoas, apegadas ao mundo, mesmo no leito da morte, só querem que se lhes fale de sua enfermidade, dos médicos que se possam consultar, dos remédios que os aliviem. Mas, logo que se trata da alma, enfadam-se e pedem descansar, porque lhes dói a cabeça e não podem ouvir conversação. Se, por acaso, respondem, é confusamente e sem saberem o que dizem. Muitas vezes, o confessor lhes dá a absolvição, não porque os acha bem preparados, mas porque já não há tempo a perder. Assim costumam morrer aqueles que pen- sam pouco na morte.

AFETOS E SÚPLICAS

Meu Senhor e Deus de infinita majestade! Envergonho-me de apa- recer ante vossa presença. Quantas vezes injuriei vossa honra, prefe- rindo à vossa graça um indigno prazer, um ímpeto de cólera, um pouco de barro, um capricho, um fumo leve! Adoro e beijo vossas santas cha- gas, que vos infligi com meus pecados. Pelas mesmas espero meu per- dão e salvamento. Fazei-me conhecer, ó Jesus, a gravidade da ofensa que cometi, sendo como sois a fonte de todo o bem e eu vos abandonei para saciar-me em águas corruptas e envenenadas. Que me resta de tantas ofensas, senão angústia, remorsos e méritos para o inferno?“Meu pai, não sou digno de chamar-me vosso filho” (Lc 15,21). Não me abandoneis, pai. Verdade é que não mereço a graça de chamar-me vosso filho. Mas morrestes para salvar-me. Dissestes, Senhor: “Convertei-vos a mim e eu me voltarei para vós” (Zc 1,3). Renuncio, pois, a todas as minhas satisfações. Deixo no mundo quantos prazeres se me podem oferecer e me converto a vós. Perdoai-me, pelo sangue que derramastes por mim. Senhor, arre- pendo-me e vos amor sobre todas as coisas. Não sou digno de vos amar, mas vós, que mereceis tanto amor, não desprezeis o amor de um coração que em outro tempo vos desprezava. A fim de que vos amasse, não me deixastes morrer quando me achava em estado de pecado. Quero amar-vos na vida que me resta, e não amar a nada mais que a vós. Assisti-me, meu Deus; dai-me o dom da perseverança e o vosso santo amor. Maria, meu refúgio, recomendai-me a Jesus Cristo.

PONTO II

Exclamava o rei Ezequias:“Minha vida foi cortada como por tece- lão. Quando ainda estava urdindo, ele me cortou” (Is 38,12). Quantas pessoas andam preocupadas a tecer a teia de sua vida, ordenando e combinando com arte seus mundanos desígnios, quando os surpreen- de a morte e rompe tudo! Ao pálido resplendor da última luz todas as coisas deste mundo se obscurecem: aplausos, prazeres, pompas e gran- dezas. Grande segredo o da morte! Sabe mostrar-nos o que não vêem os amantes do mundo. As mais cobiçadas fortunas, os postos mais elevados, os triunfos mais estupendos, perdem todo o seu esplendor considerados à vista do leito mortuário. Convertem-se então em indig- nação contra nossa própria loucura as idéias que tínhamos formado de certa felicidade ilusória. A sombra negra da morte cobre e obscurece até as dignidades régias. Durante a vida, nossas paixões nos apresentam os bens do mun- do de modo mui diferente do que são. A morte, porém, lhes tira o véu e os mostra na sua realidade: fumo, logo, vaidade e miséria. Meu Deus, para que servem depois da morte riquezas, domínio e reinos, quando, ao morrer, temos apenas necessidade de um ataúde de madeira e de uma mortalha para cobrir o corpo? Para que servem honras, se apenas nos darão um cortejo fúnebre ou pomposas exéquias, que de nada nos aproveitarão se a alma está perdida? Para que serve formosura do cor- po, se não restam mais que vermes, podridão espantosa e, pouco de- pois, pó infecto? Ele me reduziu a ser como a fábula do povo, e sou um ludíbrio diante deles (Jó 17,6). Morre um ricaço, um governador, um capitão, e por toda parte sua morte será apregoada. Mas, se viveu mal, virá a ser censurado pelo povo, exemplo da vaidade do mundo e da justiça divina, e escarmento para muitos. Na cova será confundido com os cadáveres dos pobres.“Grandes e pequenos ali estão” (Jó 3,19). De que lhe serviu a galhardia do seu corpo, se agora não passa de um montão de ver- mes? De que lhe valeu a autoridade que possuía, se agora seus restos mortais estão condenados a apodrecer numa vala e a sua alma arroja- da nas chamas do inferno? Oh! que desdita ser para os demais objeto de semelhantes reflexões, e não as haver feito em benefício próprio! Persuadamo-nos, portanto, que, para remediar as desordens da cons- ciência, não é apropriado o tempo da morte, mas sim o da vida. Apressemo-nos a pôr mãos à obra naquilo que então não poderemos fazer. Tudo passa e fenece depressa (1Cor 7,29). Procuremos agir de modo que tudo nos sirva para conquistar a vida eterna.

AFETOS E SÚPLICAS

Ó Deus de minha alma, ó bondade infinita! Tende compaixão de mim, que tanto vos tenho ofendido. Sabia que, pecando, perdia vossa graça, e quis perdê-la. Dizei-me, Senhor, o que devo fazer para recuperá- la. Se quereis que me arrependa de meus pecados, deles me arrepen- do de todo o coração, e tanto que quisera morrer de dor por havê-los cometido. Se quereis que espere o vosso perdão, espero-o pelos mere- cimentos de vosso sangue. Se quereis que vos ame sobre todas as coisas, tudo deixo, renuncio a todos os prazeres que o mundo me pode oferecer, e vos amo mais que todos os bens, ó amabilíssimo Salvador meu! Se quereis, enfim, que vos peça alguma graça, ouso pedir-vos as seguintes: que não permitais vos torne a ofender e que me concedais vos ame verdadeiramente; depois fazei de mim o que quiserdes. Maria, esperança minha, alcançai-me estas duas graças. É de vós que as espero.

PONTO III

Que grande loucura expor-se ao perigo de uma morte infeliz e co- meçar com ela uma eternidade desditosa, por causa dos breves e mi- seráveis deleites desta vida tão curta! Oh, quanta importância tem esse último instante, esse último suspiro, esta última cena! Vale uma eterni- dade de gozos ou de tormentos. Vale uma vida sempre feliz ou sempre desgraçada. Consideremos que Jesus Cristo quis morrer vítima de tan- ta amargura e ignomínia para nos obter morte venturosa. Com este fito nos dirige tantas vezes seu convite, dá-nos suas luzes, nos admoesta e ameaça, tudo para que procuremos concluir a hora derradeira na graça e na amizade de Deus. Até um pagão, Antístenes, a quem perguntaram qual era a maior dita deste mundo, respondeu que era uma boa morte. Que dirá, pois, um cristão, a quem a luz da fé ensina que nesse momento começa a eternidade e se toma um dos dois caminhos, o do eterno sofrimento ou o da eterna alegria? Se numa bolsa metessem dois bilhetes: um com a palavrainferno, outro com a palavraglória, e tivesses que tirar à sorte um deles para seguir imediatamente ao lugar indicado, que precaução não tomarias para tirar o que desse entrada para o céu? Os desgraça- dos, condenados a jogar a vida, como tremem ao estender a mão para lançar os dados, dos quais depende sua vida ou morte. Com que espanto te verás próximo desse momento solene em que poderás dizer a ti mesmo: Deste momento depende minha vida ou

minha morte eterna! Decide-se agora se hei de ser eternamente feliz ou desesperado para sempre. Refere São Bernardino de Sena que cer- to príncipe, ao expirar, dizia atemorizado:Eu, que tantas terras e paláci- os possuo neste mundo, não sei, se morrer esta noite, que mansão irei habitar! Se crês, meu irmão, que hás de morrer, que existe eternidade, que se morre só uma vez, e que, dado este passo em falso, o erro é irreparável para sempre e sem esperança de remédio: por que não te decides, desde o momento em que isto lês, a praticar quanto puderes para te assegurar uma boa morte? Era a tremer que Santo André Avelino dizia: Quem sabe a sorte que me estará reservada na outra vida: salvar-me- ei? Tremia um São Luís Beltrão de tal maneira que, em muitas noites, não lograva conciliar o sono, acabrunhado pelo pensamento que lhe dizia:Quem sabe se te condenarás? E tu, meu irmão, que de tantos pecados és culpado, não tremes? Apressa-te em tomar o remédio opor- tuno; decide entregar-te inteiramente a Deus, e começa, desde já, uma vida que não te aflija, mas proporcione consolo na hora da morte. Dedi- ca-te à oração; freqüenta os sacramentos, evita as ocasiões perigosas e, se tanto for preciso, abandona o mundo para assegurar tua salvação, persuadido de que, quando esta se trata, não há confiança que baste.

AFETOS E SÚPLICAS

Quanta gratidão vos devo, meu amado Salvador! Como pudestes prodigalizar tantos benefícios a um traidor e ingrato para convosco? Criastes-me, e, criando-me, já prevíeis quantas ofensas vos havia de fazer um dia. Remistes-me, morrendo por mim, e, já então, víeis toda a ingratidão com que havia de proceder. Apenas entrando no mundo, afas- tei-me de vós; entreguei-me à morte, à corrupção, mas vós, por vossa graça, me restituístes à vida. Estava cego e me abristes os olhos. Tinha- vos perdido, e fizestes que vos tornasse a encontrar. Era vosso inimigo e me oferecestes vossa amizade. Ó Deus de misericórdia, fazei-me conhecer o muito que vos devo e que chore as ofensas que vos fiz. Vingai-vos de mim, dando-me dor profunda de meus pecados; mas não me castigueis, privando-me de vossa graça e do vosso amor. Ó Pai Eterno, abomino e detesto acima de tudo os ultrajes que fiz. Tende piedade de mim, por amor de Jesus Cristo! Olhai vosso Filho morto na cruz, e desça sobre mim o seu sangue divino para lavar a minha alma. Ó Rei do meu coração,venta o vosso Reino. Estou resolvi- do a repelir toda a afeição que não seja por vós. Amo-vos sobre todas

É mistér, portanto, que não procuremos essa fortuna perecedora, mas a que não tem fim, já que nossas almas são imortais. De que te serviria ser feliz neste mundo, — ainda que a verdadeira felicidade não se pode encontrar numa alma que vive afastada de Deus — se depois tens de ser desgraçado eternamente? Já tens preparado tua casa a teu gosto, mas reflete que cedo terás de deixá-la para ir apodrecer numa cova. Talvez alcançaste uma dignidade que te torna superior aos ou- tros, mas a morte virá e te igualará aos mais vis plebeus deste mundo.

AFETOS E SÚPLICAS

Infeliz de mim, que durante tantos anos só pensei em ofender-vos, ó Deus de minha alma! Passaram-se já esses anos; a minha morte talvez esteja próxima, e não acho em mim senão remorso e arrependi- mento. Ah, Senhor, tivesse eu sempre vos servido! Quão insensato fui! Em tantos anos de vida, não adquiri méritos para a outra vida, mas, ao contrário, me endividei para com a justiça divina! Meu amado Redentor, dai-me agora luz e ânimo para acertar minhas contas. Talvez a morte não esteja longe; quero preparar-me para esse momento decisivo da minha felicidade ou da minha desgraça eterna. Mil graças dou-vos por terdes esperado até agora por mim. Já que me haveis dado tempo para remediar o mal cometido, aqui estou, meu Deus, dizei-me o que desejais que faça por vós. Quereis que me arrependa das ofensas que vos fiz? Arrependo-me delas e as detesto de toda a minha alma. Quereis que empregue em amar-vos os anos e os dias que me restam de vida? Pois bem, assim o farei, Senhor. Ó meu Deus, já no passado mais de uma vez formei esta mesma resolução, mas minhas promessas se converte- ram depois em outros tantos atos de infidelidade. Não, meu Jesus, não quero mostrar-me ingrato a tantos benefícios que me dispensastes. Se agora, pelo menos, não mudar de vida, como é que na hora da morte poderei esperar perdão e alcançar a glória? Tomo, pois, nesta hora, a firme resolução de dedicar-me verdadeiramente ao vosso serviço. Mas vós, Senhor, ajudai-me e não me abandoneis. Já que não me abandonastes quando vos ofendi, espero com maior confiança vosso socorro agora que estou resolvido a sacrificar tudo para vos agradar. Permitir que vos ame, ó Deus digno de infinito amor! Recebei o traidor que, arrependido, se prostra a vossos pés e vos pede misericórdia. Amo- vos, meu Jesus, de todo o meu coração e mais que a mim mesmo. Sou vosso; disponde de mim e de tudo que me pertence, como vos aprouver. Concedei-me a perseverança em vos obedecer; dai-me vosso amor, e fazei de mim o que quiserdes.

Maria, mãe, refúgio e esperança minha, a vós me recomendo; a vós entrego minha alma; rogai a Jesus por mim.

PONTO II

É certo, pois que todos fomos condenados à morte. Todos nasce- mos — disse São Cipriano — com a corda ao pescoço, e a cada passo que damos mais nos aproximamos da morte. Meu irmão, assim como foste inscrito no livro do batismo, assim, um dia, o serás no registro dos mortos. Assim como, às vezes, mencionas teus antepassados, dizen- do:meu pai, meu tio, meu irmão, de saudosa memória, o mesmo dirão de ti teus descendentes. Como muitas vezes tens ouvido planger os sinos pela morte dos outros, assim outros ouvirão que os tocam por ti. Que dirias de um condenado à morte que se encaminhasse ao patíbulo galhofando e rindo-se, olhando para todos os lados e pensando em teatros, festins e divertimentos? E tu, neste momento, não caminhas também para a morte? E em que pensas? Contempla nessas sepultu- ras teus parentes e amigos, cuja sentença já foi executada. Que terror se apodera de um condenado, quando vê seus companheiros penden- tes da forca e já mortos! Observa esses cadáveres; cada um deles diz: “Ontem, a mim; hoje, a ti” (Eclo 38,23). O mesmo te repetem, todos os dias, os retratos de teus parentes já falecidos, os livros, as casas, os leitos, as roupas que deixaram. Que loucura extrema, não pensar em ajustar as contas da alma e não aplicar os meios necessários para alcançar uma boa morte, saben- do que temos de morrer, que depois da morte nos está reservada uma eternidade de gozo ou de tormento, e que desse ponto depende o ser- mos para sempre felizes ou desgraçados! Temos compaixão dos que morrem repentinamente e não se acham preparados para a morte e, contudo, não tratamos de nos preparar, a fim de não nos acontecer o mesmo. Cedo ou tarde, quer estejamos apercebidos, quer de improvi- so, pensemos ou não na morte, ela há de vir; e a toda hora, a cada instante nos vamos aproximando do nosso patíbulo, ou seja da última enfermidade que nos deve tirar deste mundo. Em cada século, as casas, as praças, as cidades enchem-se de novos habitantes. Os antigos estão no túmulo. Assim como para estes passaram os dias da vida, assim virá o tempo em que nem tu nem eu, nem pessoa alguma das que vivemos atualmente, existirá na terra. To- dos estaremos na eternidade, que será, para nós, ou intérmino dia de gozo, ou noite eterna de tormentos. Não há aqui meio termo. É certo, e é de fé que um ou outro destino nos espera.

AFETOS E SÚPLICAS

Meu amado Redentor! Não me atreveria a aparecer diante de vós, se não vos visse pregado à cruz, despedaçado, escarnecido e morto por minha causa. Grande é minha ingratidão, porém maior é ainda vos- sa misericórdia. Muito grandes foram meus pecados, maiores são vos- sos méritos. Em vossas chagas, em vossa morte ponho minha espe- rança. Mereci o inferno desde o primeiro momento do meu pecado e, apesar disso, voltei a ofender-vos mil e mil vezes. E vós, não só me haveis conservado a vida, mas com extrema bondade e amor me oferecestes o perdão e a paz. Como posso recear que me afasteis ago- ra que vos amo, e que não desejo senão vossa graça? Sim, amo-vos de todo o coração, ó meu Senhor, e meu único an- seio é amar-vos. Adoro-vos, e pesa-me de ter-vos ofendido, não tanto porque mereci o inferno, como por ter desprezado a vós, meu Deus, que tanto me amais. Abri, pois, meu Jesus, o tesouro de vossa bonda- de, e acrescentai misericórdia a misericórdia. Fazei com que eu não torne a ser ingrato para convosco e mudai completamente o meu cora- ção, a fim de que seja todo vosso, e inflamado sempre pelas chamas do vosso amor, já que outrora vos menosprezou, preferindo os vis praze- res deste mundo. Espero alcançar o paraíso, para vos amar sempre; e ainda que ali não poderei tomar lugar entre os inocentes, colocar-me-ei ao lado dos penitentes, desejando, entre estes, amar-vos mais que os inocentes. Para glória da vossa misericórdia, veja o céu como arde em vosso amor um pecador que tanto vos ofendeu. Tomo hoje a resolução de entregar- me todo a vós, e de só pensar em vos amar. Ajudai-me com vossa luz e graça, a fim de que cumpra este desejo, inspirado também por vossa bondade. Ó Maria, Mãe da perseverança, alcançai-me a graça de ser fiel à minha promessa!

PONTO III

A morte é certa. Tantos cristãos sabem-no, o crêem, o vêem e, entretanto, vivem no esquecimento da morte como se nunca tivessem de morrer! Se depois desta vida não houvesse nem paraíso nem infer- no, seria possível pensar menos na morte do que se pensa atualmen- te? Daí procede a má vida que levam. Meu irmão, se queres viver bem, procura passar o resto dos teus

dias sem perder de vista a morte. Quanto aprecia com acerto as coisas e dirige suas ações sensatamente aquele que as aprecia e dirige pela idéia de que deve morrer! (Ecl 41,3). A lembrança da morte — disse São Loureço Justiniano — desprende o coração de todas as coisas terrenas2. Todos os bens do mundo se reduzem a prazeres sensuais, riquezas e honras (1Jo 2,16).. Aquele, porém, que considera que em breve não será mais que ó e que, em baixo da terra, servirá de pasto aos vermes, despreza todos esses bens. Foi efetivamente pensando na morte que os santos desprezaram os bens terrestres. Por este motivo, São Carlos Borromeu conservava sobre sua mesa um crânio humano; tinha a morte continuamente dian- te dos olhos. O cardeal Barônio tinha gravado no anel esta inscrição: “Memento mori”: Lembra-te que tens de morrer. O venerável Pe. Juvenal Ancina, bispo de Saluzzo, gravara numa caveira estas palavras:“Fui o que és; serás o que sou”. Um santo ermitão, a quem perguntaram na hora da morte por que se mostrava tão contente, respondeu:Tantas vezes tive a morte diante dos olhos, que agora, quando se aproxima, não vejo coisa nova. Que loucura seria a de um viajante que só cuidasse de ostentar luxo e grandezas nas localidades por onde teria de passar, sem pensar sequer que depois teria de viver miseravelmente no lugar onde durante toda a sua vida ia residir? E não será igualmente demente aquele que procura ser feliz neste mundo, onde são poucos os dias que tem de passar, e se arrisca a ser desgraçado no outro, onde viverá eternamen- te? Quem pede emprestado um objeto, pouca afeição lhe pode ter, por- que sabe que em breve o tem de restituir. Os bens da terra são todos dados de empréstimo; é, pois, grande loucura tomar-lhes afeição, por- que dentro de pouco tempo temos de abandoná-los. A morte de tudo nos privará. Todas as nossas propriedades e riquezas acabar-se-ão com o último suspiro, com o funeral, com o trajeto ao túmulo. A casa que mandaste construir passará às mãos de outrem; o túmulo será morada do teu corpo até ao dia do juízo, depois do qual passará ao céu, ou ao inferno, onde tua alma já lhe terá precedido.

AFETOS E SÚPLICAS

Tudo, portanto, se há de acabar para mim na hora da morte? Nada me restará, meu Deus, senão o pouco que fiz por vosso amor. Que estou esperando? Que a morte venha e me encontre no estado miserá- vel de culpas em que me acho atualmente? Se morresse neste momen- to, bem inquieto ficaria, e bem aflito quanto à vida passada. Não, meu

Assim, pois, cristão, quando o demônio te provoca a pecar, pretextanto que amanhã confessarás, dize-lhe: Quem sabe se não será hoje o último dia da minha vida? Se esta hora, se este momento, em que me apartasse de Deus, fosse o último para mim, de modo que já não restasse tempo para reparar a falta, que seria de mim na eternida- de? Quantos pobres pecadores tiveram a infelicidade de ser surpreen- didos pela morte ao recrearem-se com manjares intoxicados e foram precipitados no inferno?“Assim como os peixes caem no anzol, assim são colhidos os homens pela morte num momento ruim”. (Ecl 9,12). O momento ruim é exatamente aquele em que o pecador ofende a Deus. Diz o demônio que tal desgraça não nos há de suceder; mas é preciso responder-lhe: E se suceder, que será de mim por toda a eternidade?

AFETOS E SÚPLICAS

Senhor, não é este o lugar em que me devia achar agora, mas sim no inferno, tantas vezes merecido por meus pecados. Mas São Pedro me adverte que“Deus nos espera com paciência e amor, não querendo que ninguém se perca, mas que todos se convertam à penitência” (2Pd 3,9). Por isso, meu Deus, tivestes paciência extremada para comigo e me suportastes. Não quereis que me perca, mas que, arrependido e penitente, me converta a Vós. Sim, meu Senhor, retorno a vós, prostro- me a vossos pés e peço misericórdia. Para me perdoardes, Senhor, é preciso grande e extraordinária misericórdia (Sl 51,3), porque vos ofen- di com pleno conhecimento do que fazia. Outros pecadores também vos ofenderam, mas não dispunham das luzes que me outorgastes. Apesar disso, mandais que me arrependa de minhas culpas e espere o vosso perdão. Pesa-me, meu querido Redentor, de todo o coração de vos ter ofendido e espero o perdão pelos merecimentos de vossa Pai- xão. Ó meu Jesus, que sois inocente, que quisestes morrer qual réu na cruz e derramar todo o vosso sangue para lavar minhas culpas!Ó san- gue inocente, lavai as culpas de um penitente! Ó Pai Eterno, perdoai- me por amor a Cristo Jesus! Atendei-lhe as súplicas agora que, como meu advogado, intercede por mim. O perdão, porém, não me basta, ó Deus digno de amor infinito; desejo ainda a graça de amar-vos. Amo- vos, ó Soberano Bem, e vos ofereço para sempre meu corpo, minha alma, minha vontade, minha liberdade. Doravante, não só quero evitar as ofensas graves, mas também as mais leves, e fugir de toda a má ocasião. Livrai-me, por amor de Jesus, de toda ocasião em que possa ofender-vos. Livrai-me do pecado, e castigai-me depois como quiserdes. Aceito todas as enfermidades, dores e perdas que vos aprouver enviar-

me, contanto que não perca vosso amor e vossa graça. Prometestes dar tudo que vos for pedido (Jo 16,24). Rogo-vos que me concedais somente a perseverança e o vosso amor. Ó Maria, Mãe de misericórdia, rogai por mim, que confio em vós!

PONTO II

O Senhor não nos quer ver perdidos. Por isso, com ameaça de castigo, não cessa de advertir-nos que mudemos de vida.“Se não vos converterdes, vibrará sua espada” (Sl 7,13)1. Vede — disse em outra parte — quantos são os desgraçados que não quiseram emendar-se, e a morte repentina os surpreendeu quando não esperavam, quando vi- viam despreocupados, julgando terem ainda muitos anos de vida (1Ts 5,3). Disse-nos também:“Se não fizerdes penitência, todos haveis de perecer”. Por que tantos avisos do castigo antes de infligi-lo, senão por- que quer que nos corrijamos e evitemos morte funesta. Quem dá aviso para que nos acautelemos, não tem a intenção de matar-nos — disse Santo Agostinho. É mister, pois, que preparemos nossas contas antes que chegue o dia do vencimento. Se durante a noite de hoje devesses morrer, e ficas- se decidida assim a tua salvação eterna, estarias bem preparado? Quan- to não darias, talvez, para obter de Deus a trégua de mais um ano, um mês, um dia sequer! Por que agora, já que Deus te concede tempo, não pões em ordem tua consciência? Acaso não pode ser este teu último dia de vida?“Não tardes em te converter ao Senhor, e não o adies, porque sua ira poderá irromper de súbito e no tempo da vingança te perderás” (Ecl 5,7). Para salvar-te, meu irmão, deves abandonar o pe- cado. E se algum dia hás de abandoná-lo, por que o não deixas desde já? (Santo Agostinho). Esperas, talvez, que chegue a morte? Mas esse instante não é tempo do perdão, senão da vingança.“No tempo da vin- gança, te perderás”. Se alguém te deve soma considerável, tratas de assegurar o pa- gamento por meio de obrigação escrita, firmada pelo devedor; dizes: Quem sabe o que pode suceder? Por que, então, deixas de usar da mesma precaução, tratando-se da alma, que vale muito mais que o dinheiro? Por que não dizes também: quem sabe o que pode ocorrer? Se perderes aquela soma, não estará ainda tudo perdido e ainda que com ela perdesses todo o patrimônio, ficaria a esperança de o poder recuperar. Mas se, ao morrer, perdesses a alma, então, sim, tudo esta- ria irremediavelmente perdido, sem esperança de recobrar coisa algu- ma. Cuidas em arrolar todos os bens de que és possuidor, com receio

de que se percam quando sobrevier morte repentina. E se esta morte imprevista te achasse na inimizade para com Deus? Que seria de tua alma na eternidade?

AFETOS E SÚPLICAS

Ah! meu Redentor, derramastes todo o vosso sangue, destes a vida para salvar minha alma, e eu, quantas vezes a perdi, confiando em vossa misericórdia! Abusei de vossa bondade para vos ofender; mere- ci, por isso, que me deixásseis morrer e precipitásseis no inferno. Estamos, pois, como que numa competição. Vós usando piedade comi- go, eu vos ofendendo; vós a correr para mim; eu fugindo de vós; vós, dando-me tempo para reparar o mal que pratiquei, eu, valendo-me des- se tempo para acrescentar injúria a injúria. Senhor, fazei-me conhecer a grandeza das ofensas que vos fiz, e a obrigação que tenho de amar- vos. Ah! meu Jesus! Como podeis amar-me ao ponto de ir à minha procura, quando eu vos repelia? Como cumulastes de tantos benefíci- os a quem de tal modo vos ofende? De tudo isto vejas quando desejais não me ver perdido. Arrependo-me de ter ultrajado a vossa infinita bon- dade. Aceitai, pois, esta ovelha ingrata que volta a vossos pés. Recebei- a e ponde-a aos ombros para que não fuja mais. Não quero apartar-me de vós, mas amar-vos e pertencer-vos inteiramente. E desde que seja vosso, gostosamente aceitarei qualquer trabalho. Que desgraça maior poderia afligir-me do que viver sem vossa graça, afastado de vós, que sois meu Deus e Senhor, que me criou e que morreu por mim? Ó mal- ditos pecados, que fizestes? Induzistes-me a ofender a meu Salvador, que tanto me amou. Assim como vós, meu Jesus, morrestes por mim, assim deverei eu morrer por vós. Morrestes pelo amor que me tendes. Eu deverei morrer de dor por vos ter desprezado. Aceito a morte como e quando vos aprouver enviá-la. Mas, já que até agora pouco ou nada vos hei amado, não quisera morrer assim. Dai-me vida para que vos ame antes de morrer. Para isso, renovai meu coração, feri-o, inflamai-o com o vosso santo amor. Atendei-me, Senhor, por aquela ardentíssima caridade que vos fez morrer por mim. Amo-vos de toda a minha alma. Não permitais que vos perca. Dai-me a santa perseverança. Dai-me o vosso amor. Maria Santíssima, minha Mãe e meu refúgio, sede minha advogada!

PONTO III

“Estai preparados” — O Senhor não disse que nos preparemos ao aproximar-se a morte, mas queestejamos preparados. No transe da morte, nesse momento cheio de perturbação, é quase impossível pôr em ordem uma consciência embaraçada. Isto nos diz a razão. Nesse sentido Deus também advertiu-nos, dizendo que não virá então perdo- ar, mas vingar o desprezo que fizéssemos da sua graça (Rm 12,19). “Justo castigo — disse Santo Agostinho — para aquele que não quis salvar-se quando pôde; agora, quando quer, não o pode”2. Dirá todavia alguém: Quem sabe? talvez nesse momento me converta e me salve. Mas quem é tão néscio e se lança num poço dizendo: Quem sabe? atirando-me, talvez fique com vida e não morra? Ó meu Deus, que é isto? Quanto o pecado cega o espírito e faz perder até a razão! Quando se trata do corpo, os homens falam como sábios, e como loucos, quan- do se trata da alma. Meu irmão, quem sabe se esta reflexão que lês será o último aviso que Deus te envia? Preparemo-nos sem demora para a morte, a fim de que não nos encontre de improviso. Santo Agostinho disse que o Se- nhor nos oculta a última hora da vida com o fim de que todos os dias estejamos preparados para morrer (Hom. XIII). São Paulo nos previne que devemos procurar a salvação não só temendo mas tremendo (Fl 2,12). Conta Santo Antonino que certo rei da Sicília, para manifestar a um particular o grande medo com que se sentava no trono, o fez sentar à mesa com uma espada suspensa sobre sua cabeça por um fio delga- do, de sorte que o convidado, vendo-se nessa terrível situação, mal podia levar à boca uma migalha de alimento. Todos estamos em seme- lhante perigo, já que dum instante para outro pode cair sobre nós a espada da morte, resolvendo o negócio da eterna salvação. Trata-se da eternidade.“Se a árvore cair para o norte ou para o sul, em qualquer lugar onde cair aí ficará” (Ec 11,3). Se na morte nos achar- mos na graça de Deus, qual não será a alegria da alma vendo que tudo está seguro, que já não pode perder a Deus e que, para sempre, será feliz? Mas, se a morte surpreende a alma em estado de pecado, que desespero se apoderará do pecador ao dizer: “Então erramos” (Sb 5,6), e para minha desgraça já não há remédio em toda a eternidade! Foi este receio que fez exclamar o Beato P. M. Ávila, apóstolo da Espanha, quando lhe anunciaram a aproximação da morte:“Oh! se tivesse um pouco mais de tempo para me preparar para a morte!” Foi por isso que o abade Agatão, ainda que morresse depois de haver exercido a peni- tência durante muitos anos, dizia:“Que será de mim? Quem conhece

para vencer suas más inclinações. Como é que um moribundo, que teve quase sempre a consciência manchada, poderá fazer facilmente uma conversão verdadeira, no meio dos sofrimentos, das dores de cabeça e da confusão da morte? Digo conversãoverdadeira, porque então não bastará dizer e prometer com os lábios, mas será preciso que palavras e promessas saiam do fundo do coração. Ó Deus, que confusão e susto os do pobre enfermo que se descuida de sua consciência, quando se vir oprimido pelo peso dos pecados, do temor do juízo, do inferno e da eternidade! Que confusão e angústia produzirão nele tais pensamen- tos, quando se achar desfalecido, a mente obscurecida, e entregue às dores da morte já próxima! Confessar-se-á, prometerá, chorará, pedirá perdão a Deus, mas sem saber o que faz. Nesse caos de agita- ção, de remorso, de agonia e ansiedade, passará à outra vida. Diz com razão um autor que as súplicas, as lágrimas e promessas do pecador moribundo são comparáveis às do indivíduo que se vê as- saltado por um inimigo que lhe aponta o punhal ao peito e o ameaça de morte. Infeliz quem cai de cama na inimizade de Deus, e dali passa para a eternidade!

AFETOS E SÚPLICAS

Ó chagas de Jesus, vós sois a minha esperança! Desesperaria do perdão de minhas culpas e da salvação eterna, se não vos mirasse como fonte de graça e misericórdia, por meio da qual Deus derramou todo o seu sangue, a fim de purificar minha alma de tantas faltas come- tidas. Adoro-vos, pois, ó sacrossantas chagas! e em vós confio. Detesto e amaldiçoo mil vezes os prazeres indignos com que ofendi a meu Re- dentor e miseravelmente perdi sua amizade. Contemplando-vos renas- ce minha esperança, e se encaminham para vós as minhas afeições. Ó amantíssimo Jesus, mereceis que todos os homens vos amem de todo o coração; e, apesar de que eu tanto vos haja ofendido e des- prezado vosso amor, vós me haveis suportado e até convidado a procu- rar o perdão. Ah, meu Salvador, não permitais que vos torne a ofender e que me condene. Que tormento sofreria no inferno à vista do vosso sangue e dos atos de misericórdia que por mim fizestes! Eu vos amo, Senhor, e quero amar-vos sem cessar. Dai-me a perseverança; desenraizai do meu coração todo o amor que não seja o vosso e infundi em minha alma o firme desejo e a verdadeira resolução de não amar no futuro senão a vós, ó meu Sumo Bem. Ó Maria, Mãe amorosa, guiai-me até Deus, e fazei que seja todo seu antes de morrer!

PONTO II

Não uma só, senão muitas serão as angústias que hão de afligir o pobre pecador moribundo. Ver-se-á atormentado pelos demônios, por- que estes terríveis inimigos empregam nesse transe todos os seus es- forços para perder a alma que está prestes a sair desta vida. Sabem que lhes resta pouco tempo para apoderar-se dela e que, escapando- se agora, jamais será sua (Ap 12,12). Não estará ali apenas um só, mais muitos demônios hão de rodear o moribundo para o perder. Dirá um: “Nada temas, que te restabelecerás”. Outro exclamará: “Tu, que durante tantos anos foste surdo à voz de Deus, esperas agora que ele tenha misericórdia de ti?” “Como — intervém outro — poderás reparar os danos que fizeste, restituir as reputações que prejudicaste?” Outro, enfim, dirá: “Não vês que todas as tuas confissões foram nulas, sem contrição, sem propósito? Como podes agora renová-las?’ Por outro lado, o moribundo se verá rodeado por suas culpas. Es- tes pecados, como outros tantos verdugos — disse São Bernardo, acer- car-se-ão dele e lhe dirão: “Somos a tua obra, e não te deixaremos. Acompanhar-te-emos à outra vida, e contigo nos apresentaremos ao eterno Juiz”. Quisera então o moribundo desembaraçar-se de tais inimi- gos, mas para consegui-lo seria preciso detestá-los e converter-se de Deus de todo o coração. O espírito, porém, está coberto de trevas, e o coração endurecido.“O coração duro será oprimido de males no fim; e quem ama o perigo, nele perecerá” (Eclo 3,27)1. Afirma São Bernardo que o coração, obstinado no mal durante a vida, se esforçará, no momento da morte, para sair do estado de con- denação; mas não chegará a livrar-se dele, e, oprimido por sua própria malícia, terminará a sua vida no mesmo estado. Tendo amado o peca- do, amava também o perigo da condenação. É por isso justamente que o Senhor permitirá que ele pereça nesse perigo, no qual quis viver até à morte. Santo Agostinho disse que aquele que não abandona o pecado antes que o pecado abandone a ele, dificilmente poderá na hora da morte detestá-lo como é devido, pois tudo o que fizer nessa emergên- cia, o fará obrigadamente. Quão infeliz é o pecador obstinado que resiste à voz divina! O ingrato, ao invés de se entregar e enternecer à voz de Deus, se endure- ce mais e mais, à semelhança da bigorna sob os golpes do martelo (Jó 41,15). Para seu justo castigo, achar-se-á neste estado, na hora da morte, às portas da eternidade.“O coração duro será oprimido de males no fim”. Por amor às criaturas — disse o Senhor — os pecadores me volta- ram as costas. À hora da morte recorrerão a Deus, e Deus lhes dirá

“Agora recorreis a mim? Pedi socorro às criaturas, já que foram elas os vossos deuses” (Jr 2,27). Deste modo falar-lhe-á o Senhor, porque, mesmo que a Ele se dirijam, não será com verdadeira disposição de se converterem. Dizia São Jerônimo que ele tinha por certo, pois a experi- ência lho manifestara, que não alcançaria bom fim aquele que até ao fim houvesse levado vida má2.

AFETOS E SÚPLICAS

Socorrei-me e não me abandoneis, amado Salvador meu! Vejo minha alma ferida pelos pecados; as paixões me violentam, oprimem- me os maus hábitos. Prostro-me a vossos pés. Tende piedade de mim e livrai-me de tantos males.“Em vós, Senhor, esperei; não seja confundi- do eternamente” (Sl 30,2). Não permitais que se perca uma alma que em vós confia (Sl 73,19). Pesa-me de vos ter ofendido, ó infinita Bonda- de! Confesso que hei cometido muitas faltas, mas a todo custo quero emendar-me. Se não me ajudardes, porém, com vossa graça, estarei perdido. Recebei, Senhor, este rebelde que tanto vos ultrajou. Refleti que vos custei o sangue e a vida. Pelos merecimentos de vossa paixão e morte, recebei-me em vossos braços e dai-me a santa perseverança. Estava já perdido, e me chamastes. Já não quero resistir, e me consa- gro a vós. Prendei-me ao vosso amor, e não permitais que me perca, perdendo de novo vossa graça. Jesus meu, não o permitais! Não o permitais, ó Maria, Rainha de minha alma; enviai-me a mor- te, e ainda mil mortes, mas que não perca de novo a graça do vosso divino Filho!

PONTO III

Caso digno de admiração! Deus não cessa de ameaçar o pecador com o castigo de uma morte infeliz. “Virá um dia em que me invocarão e então já não os atenderei” (Pr 1,28).Esperam, porventura, que Deus dê ouvidos a seu clamor quando estiver na desgraça? (Jó 27,9).Rir-me-ei de sua morte e escarnecerei de sua miséria (Pr 1,26). “Rir-se Deus significa não querer de usar de misericórdia” (São Gregório). “A mim pertence a vingança, e eu lhes darei a paga a seu tempo, quando seu pé resvalar” (Dt 32,15). O mesmo ameaça o Senhor em outros lugares da Escritura, e, não obstante, os pecadores vivem tão tranqüilos e seguros, como se Deus lhes houvesse prometido o perdão e o paraíso na hora da morte. É verdade, sempre que o pecador se converter Deus prometeu perdoar. Mas não disse que o pecador se

converterá no transe da morte. Pelo contrário, repetiu muitas vezes que aquele que vive em pecado, em pecado morrerá (Jo 8,21-24) e que, se na morte o procurar, não o encontrará (Jo 7,34). É mister, pois, procurar a Deus, enquanto o podemos encontrar (Is 55,6), porque virá tempo em que já não será possível encontrá-lo. Pobres pecadores! pobres cegos que se contentam com a esperança de se converter na hora da morte, quando já não o poderão fazer! Disse Santo Ambrósio:“Os ímpios não aprenderão a praticar o bem, senão quando já não é tempo”. Deus quer que todos os homens se salvem; mas castiga os pecadores obstinados. Se infeliz, em estado de pecado, fosse acometido repentinamente por mal violento e perdesse os sentidos, que compaixão não inspiraria a todos os que o vissem morrer sem sacramentos e sem sinal de contrição! E que contentamento teriam todos se ele, voltando a si, pe- disse a absolvição, fazendo atos de arrependimento! Mas, não é um louco aquele que, tendo tido tempo de por em ordem a sua consciência, permanecesse no pecado, ou voltasse a pecar, expondo-se assim ao perigo de ser surpreendido pela morte quando, talvez, não pudesse arrepender-se? Espantamo-nos ao ver morrer alguém de repente, e, contudo, quantas pessoas se expõem voluntariamente ao perigo de morrer assim, estando em pecado! Peso e balança são os juízos do Senhor” (Pr 16,11). Não fazemos caso das graças que o Senhor nos dá; mas Ele as conta e mede, e quando as vê desprezadas até ao limite que fixa sua justiça, abandona o pecador no pecado, e o deixa morrer neste estado. Desgraçado da- quele que difere a conversão até ao último dia! Como diz Santo Agosti- nho: “Penitentia, quae ab infirmo petitur, infirma est”3. E São Jerônimo dizia que, cem mil pecadores que teimam viver no pecado até a morte, apenas um só se salvará no momento supremo5. São Vicente Ferrer afirmava que a salvação de um desses pecadores seria um milagre maior que a ressurreição de um morto6. Que arrependimento se pode esperar na hora derradeira de quem viveu amando o pecado até àquele instante? Conta Belarmino que, assistindo a um moribundo e tendo-o exortado a fazer o ato de contrição, lhe respondeu o enfermo que não sabia o que era contrição, lhe respondeu o enfermo que não sabia o que era contrição. Tratou Belarmino de lho explicar, mas disse-lhe o doente: “Padre, não compreendo, nem estou agora capaz de entender essas coisas”. E nesse estado faleceu, “dando visíveis sinais de sua condenação”, segundo o testemunho escrito de Belarmino. É para o pecador justo castigo — disse Santo Agostinho — o esquecer-se de si próprio na morte, depois de ter esquecido a Deus durante a vida7. O Apóstolo dá-nos este aviso: “Não vos enganeis, de Deus não se