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Este documento revisa estudos observacionais e intervencionais sobre a substituição de gorduras saturadas por poliunsaturados na redução do risco de doenças cardiovasculares (dcv). Além disso, discute o papel de ácidos graxos monounsaturados (mufa) e poliunsaturados omega-6 e omega-3 na prevenção de dcv. O documento também aborda a importância de considerar a suscetibilidade genética na avaliação do efeito dos macronutrients no risco de diabetes mellitus tipo 2 (dm2).
O que você vai aprender
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
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Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160- DOI: https://doi.org/10.36660/abc.
Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP),^1 São Paulo, SP – Brasil Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE) - Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein (FICSAE),^2 São Paulo, SP – Brasil Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Laboratório de Lípides (LIM10),^3 São Paulo, São Paulo, SP – Brasil Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP),^4 São Paulo, São Paulo, SP – Brasil Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia,^5 São Paulo, São Paulo, SP – Brasil Instituto Nacional de Cardiologia,^6 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Sociedade Campineira de Educação e Instrução,^7 Campinas, SP – Brasil Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ),^8 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP),^9 Campinas, SP – Brasil Ministério da Saúde, Brasília,^10 DF – Brasil Universidade de São Paulo (USP),^11 São Paulo, São Paulo, SP – Brasil Centro Universitário Senac,^12 São Paulo, São Paulo, SP – Brasil Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, Liga de Diabetes,^13 São Paulo, São Paulo, SP – Brasil Santa Casa de Misericórdia de São Paulo,^14 São Paulo, São Paulo, SP – Brasil Núcleo de Alimentação e Nutrição da Sociedade Brasileira de Cardiologia,^15 Rio de Janeiro, RJ – Brasil Hospital do Coração (HCor),^16 São Paulo, São Paulo, SP – Brasil
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160-
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160- Dennys Esper Corrêa Cintra Nada a ser declarado Edna Regina Nakandakare Nada a ser declarado Francisco Antonio Helfenstein Fonseca DECLARAÇÃO FINANCEIRA A - PAGAMENTO DE QUALQUER ESPÉCIE E DESDE QUE ECONOMICAMENTE APRECIÁVEIS, FEITOS A (i) VOCÊ, (ii) AO SEU CÔNJUGE/ COMPANHEIRO OU A QUALQUER OUTRO MEMBRO QUE RESIDA COM VOCÊ, (iii) A QUALQUER PESSOA JURÍDICA EM QUE QUALQUER DESTES SEJA CONTROLADOR, SÓCIO, ACIONISTA OU PARTICIPANTE, DE FORMA DIRETA OU INDIRETA, RECEBIMENTO POR PALESTRAS, AULAS, ATUAÇÃO COMO PROCTOR DE TREINAMENTOS, REMUNERAÇÕES, HONORÁRIOS PAGOS POR PARTICIPAÇÕES EM CONSELHOS CONSULTIVOS, DE INVESTIGADORES, OU OUTROS COMITÊS, ETC. PROVENIENTES DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA, DE ÓRTESES, PRÓTESES, EQUIPAMENTOS E IMPLANTES, BRASILEIRAS OU ESTRANGEIRAS:
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160- Marcelo Heitor Vieira Assad DECLARAÇÃO FINANCEIRA A - PAGAMENTO DE QUALQUER ESPÉCIE E DESDE QUE ECONOMICAMENTE APRECIÁVEIS, FEITOS A (i) VOCÊ, (ii) AO SEU CÔNJUGE/ COMPANHEIRO OU A QUALQUER OUTRO MEMBRO QUE RESIDA COM VOCÊ, (iii) A QUALQUER PESSOA JURÍDICA EM QUE QUALQUER DESTES SEJA CONTROLADOR, SÓCIO, ACIONISTA OU PARTICIPANTE, DE FORMA DIRETA OU INDIRETA, RECEBIMENTO POR PALESTRAS, AULAS, ATUAÇÃO COMO PROCTOR DE TREINAMENTOS, REMUNERAÇÕES, HONORÁRIOS PAGOS POR PARTICIPAÇÕES EM CONSELHOS CONSULTIVOS, DE INVESTIGADORES, OU OUTROS COMITÊS, ETC. PROVENIENTES DA INDÚSTRIA FARMACÊUTICA, DE ÓRTESES, PRÓTESES, EQUIPAMENTOS E IMPLANTES, BRASILEIRAS OU ESTRANGEIRAS:
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160-
ACC - American College of Cardiology Acetil-CoA - acetilcoenzima A AGCC - ácidos graxos de cadeia curta AHA - American Heart Association ALA - ácido alfalinolênico ALP - fosfatase alcalina ALT - alanina aminotransferase AMPK - proteína adenosina monofosfato quinase ApoA-I - apolipoproteína A-I ApoB - apolipoproteína B AST - aspartato aminotransferase AVC - acidente vascular cerebral CE - colesterol éster CETP – do inglês cholesterol estertransfer protein (proteína de transferência de colesterol esterificado) COX 2 - ciclo-oxigenase 2 CPT1- carnitina palmitoil transferase 1 DAC - doença arterial coronária DASH - Dietary Approach to Stop Hypertension DCNT - doenças crônicas não transmissíveis DCV - doença cardiovascular DHA - ácido docosaexaenoico DM2 - diabetes melito tipo 2 DPA - ácido docosapentaenoico DRI - Dietary Reference Intakes EPA - ácidos eicosapentaenoicos ERE - estresse de retículo endoplasmático FMO3 - flavina monoxigenase 3 GGT - gama glutamil transferase GLUT4 - proteína de translocação de glicose- HbA1c - hemoglobina glicada HMG-CoA redutase - hidroximetilglutaril coenzima A redutase IAM - infarto agudo do miocárdio IC - insuficiência cardíaca iNOS - óxido nítrico sintase induzida INSAT - ácidos graxos insaturados IRS1 - substrato 1 do receptor de insulina JNK - quinase c-Jun N terminal LPL - lipoproteína lipase LPS - lipopolissacarídeo MCP - proteína quimioática de monócitos MONO - monoinsaturados NAFLD - do inglês nonalcoholic fatty liver disease (doença hepática gordurosa não alcoólica) NASH - do inglês nonalcoholic steatohepatitis (esteato-hepatite não alcoólica) NHANES - National Health and Nutrition Examination Survey Ômega-9 - ácido oleico PAMPs - padrões moleculares associados a patógenos PCR - proteína C-reativa PGE2 - prostaglandina E POLI - poli-insaturados PPARγ-2 - proliferadores do peroxissomo gama- PURE - Prospective Urban Rural Epidemiology RM - ressonância magnética SAT - ácidos graxos saturados SBC - Sociedade Brasileira de Cardiologia SCD1 - estearoil-CoA dessaturase 1 SNC - sistema nervoso central SQF – síndrome da quilomicronemia familiar SREBP2 - proteína de ligação ao elemento responsivo a esteroides 2 TLRs - receptores Toll-like TMA - trimetilamina TMAO - N-óxido de trimetilamina TXB2 - tromboxano B UCP1 - proteína desacopladora mitocondrial 1 VCT - valor calórico total WHI - Woman’s Health Initiative WHO - World Health Organization γGT - gama-glutamil transpeptidase ω3 - ômega- ω6 - ômega-
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Classe I: condições para as quais há evidências conclusivas ou, na sua falta, consenso geral de que o procedimento é seguro e útil/eficaz. Classe II: condições para as quais há evidências conflitantes e/ou divergência de opinião sobre segurança e utilidade/eficácia do procedimento. Classe IIA: peso ou evidência/opinião a favor do procedimento; a maioria aprova. Classe IIB: segurança e utilidade/eficácia menos bem estabelecida, não havendo predomínio de opiniões a favor. Classe III: condições para as quais há evidências e/ou consenso de que o procedimento não é útil/eficaz e, em alguns casos, pode ser prejudicial.
Nível A: dados obtidos a partir de múltiplos estudos randomizados de bom porte, concordantes e/ou de metanálise robusta de estudos clínicos randomizados. Nível B: dados obtidos a partir de metanálise menos robusta, a partir de um único estudo randomizado ou de estudos não randomizados (observacionais). Nível C: dados obtidos de opiniões consensuais de especialistas.
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A relevância da dieta na gênese das doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) encontra-se bem documentada na literatura.^1 O conjunto dessas doenças é considerado um dos mais importantes problemas de saúde pública da atualidade e responde por aproximadamente 71% da mortalidade mundial.^2 No Brasil, em 2016, as DCNT foram associadas a 74% do total de mortes, com destaque para doenças cardiovasculares (DCV).^3 A qualidade e a quantidade dos alimentos, em particular as fontes de gorduras, influenciam tanto a patogênese quanto a prevenção das DCV. Diretrizes e posicionamentos sobre o consumo de gorduras vêm sendo elaboradas há mais de 50 anos, tendo sido a American Heart Association (AHA), pioneira na elaboração deste documento.^4 Nas últimas décadas, órgãos governamentais e sociedades médicas internacionais, tais como World Health Organization (WHO), United States Government, Institute of Medicine of USA, European Food Safety Authority, entre outros, têm se empenhado na elaboração de documentos fundamentados em estudos de alto rigor científico.^5 No Brasil, a primeira Diretriz sobre o consumo de gorduras foi publicada em 2013 pela Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC).^6 Os primeiros trabalhos, publicados nos anos 1950, mostraram que o aumento do consumo de gorduras se associava significativamente a maior prevalência da aterosclerose.^4 Os estudos preliminares baseavam-se na análise de dados populacionais a partir da utilização de inquérito alimentar, em que se avaliava o efeito da quantidade e dos tipos de ácidos graxos saturados (SAT) e insaturados (INSAT) sobre a mortalidade e a DCV. Assim, a primeira recomendação quanto ao consumo de gorduras estabeleceu limite máximo de 30% do valor calórico total da dieta na forma de gorduras, e recomendou redução no consumo de SAT.^4 As diretrizes subsequentes publicadas pela AHA^5 e as orientações do Dietary Guidelines for Americans 2015-2020^7 mantiveram a mesma linha para a prevenção cardiovascular, recomendando limite máximo de 35% do valor calórico total (VCT) da dieta, podendo variar conforme o perfil lipídico de cada indivíduo. Além disso, recomendam-se ingestão de no máximo 10% do VCT para SAT, estímulo ao consumo de INSAT e ausência de ácidos graxos trans da dieta. Desse modo, ao recomendar dietas com menor conteúdo de gordura (low-fat) , a American Heart Association, na verdade, tem como objetivo propor a adequação de seu consumo. Esta indicação se baseou no fato de que o consumo de gordura pela população americana, ao longo das últimas décadas, era muito elevado (36% a 46% do VCT), e foi associado ao aumento de risco cardiovascular. Adicionalmente, apenas para indivíduos hipercolesterolêmicos, o American College of Cardiology
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160- (ACC) e a AHA8,9^ recomendam limite de 5% a 6% das calorias na forma de SAT. Neste mesmo sentido, a diretriz europeia para o controle das dislipidemias, 2019 ESC/EAS Guidelines for the management of dyslipidaemias: lipid modification to reduce cardiovascular risk ,^10 recomenda limite do consumo de SAT (< 7% do VCT) e de gorduras totais (< 35% do VCT). As investigações na área da Nutrição apresentam muitos resultados controversos, em virtude da inconsistência observada nos protocolos quanto ao tempo de estudo, população estudada, tamanho da amostra e tipo de nutriente utilizado como comparação.^10 A substituição das calorias provenientes de SAT por poli-insaturados (POLI) e monoinsaturados (MONO) diminui o risco cardiovascular,^11 enquanto resultado oposto é observado quando SAT são substituídos por carboidratos refinados como o açúcar.^12 Além disso, os SAT podem ser encontrados em ampla diversidade de alimentos, que variam em estrutura e composição, tais como carnes, leite, óleos e alimentos industrializados. O fato de os SAT se apresentarem em emulsões de gordura como no leite, ou em matriz sólida de óleo de palma com açúcar, como observado em biscoitos industrializados, deve induzir efeitos distintos sobre os lípides plasmáticos.^13 Outro ponto importante que pode interferir na análise do papel dos ácidos graxos é o padrão alimentar no qual se inserem. Ácidos graxos SAT podem se associar a efeitos deletérios do ponto de vista cardiovascular, quando inseridos em um contexto de dieta rica em açúcares e pobre em fibras, ao passo que, no contexto de padrão alimentar saudável, seu impacto negativo pode ser menor.^14 Embora, de forma genérica, SAT se associe a maior risco cardiovascular, é importante salientar que nem todos os ácidos graxos SAT elevam a concentração plasmática de colesterol e do risco cardiovascular.^11 Além disso, diversos estudos mostram que o aumento do seu consumo pode induzir aumento do HDLc.^11 No entanto, essa informação deve ser vista com cautela, uma vez que essas partículas de HDL se enriquecem com proteínas inflamatórias, podendo diminuir a sua funcionalidade e prejudicar alguma etapa do transporte reverso de colesterol.^15 As diretrizes internacionais apontam para importância do seguimento de padrões alimentares saudáveis, como o Padrão Mediterrâneo16-18^ e a dieta DASH ( Dietary Approach to Stop Hypertension ).^19 O Guia Alimentar para a Populacão Brasileira^20 também evidencia a importância do seguimento de padrões alimentares saudáveis e enfatiza que simplesmente estudar os nutrientes de forma isolada não esclarece por completo a influência da alimentação na saúde. Explica ainda que os benefícios devem ser atribuídos menos a um alimento individualmente, e mais ao conjunto que integra o padrão alimentar. Como ponto comum, todos esses documentos enfatizam a importância da adequação calórica, inclusão de grãos, frutas, hortaliças e redução de carboidratos refinados, especialmente os açúcares. Com relação às gorduras, recomendam que se priorize o consumo de MONO e POLI, acrescido de um limite de ingestão de saturados, o que converge para as orientações da AHA^9 quanto ao perfil lipídico recomendado para uma dieta saudável. De acordo com dados recentes do estudo National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES) , houve redução do consumo de carboidratos refinados e ácidos graxos SAT pela população americana. Apesar disso, essa população ainda extrapola a quantidade recomendada desses nutrientes.^21 Com relação ao Brasil, não existem dados suficientes para análise detalhada quanto à evolução do consumo percentual de gorduras. No entanto, resultados importantes da última POF/IBGE, 2019^22 que comparou o período de 2017-2018 a 2002-2003, mostraram diminuição significativa nas despesas domiciliares com óleos e gorduras. Além disso, essa pesquisa mostrou redução do consumo de leguminosas (grãos). Esse levantamento também mostrou que quase um terço da população se alimenta fora do domicílio, o que aumenta a chance do consumo de alimentos em lanchonetes, os quais apresentam baixa qualidade nutricional, por seu baixo teor de fibras, vitaminas e alta concentração de gorduras e carboidratos refinados. Apesar de ter havido pequeno aumento nas despesas domiciliares com frutas, os dados da Pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção de Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (VIGITEL) mostram que apenas 24,4% da população consome frutas e hortaliças em quantidades recomendadas pelo Ministério da Saúde^3 e que 32% da população consome diariamente carnes com alto teor de gorduras. Além disso, alimentos ultraprocessados que têm baixo valor nutricional, como biscoitos recheados, são aqueles que mais contribuem com o consumo de SAT e açúcar (IBGE). O Brasil fez parte dos 195 países que foram incluídos no estudo Global Burden of Disease Study 2017 ,^1 cujo principal objetivo foi avaliar o impacto da alimentação sobre morbidade e mortalidade associadas às doenças crônicas não transmissíveis. Entre as principais causas de mortalidade cardiovascular atribuídas à dieta, destacam-se o alto consumo de sódio e gorduras trans e o baixo consumo de frutas, hortaliças, grãos e alimentos fontes de ácidos graxos POLI. Nesse estudo, o principal fator de risco alimentar associado à mortalidade e morbidade cardiovascular no Brasil foi o baixo consumo de grãos, que, em nossa população, é representado principalmente pelo feijão. De fato, dados levantados por ambos os estudos, VIGITEL e POF, enfatizam que houve redução no consumo de feijão, que, além de fazer parte da cultura alimentar brasileira, integra padrão alimentar saudável, por apresentar reduzido conteúdo lipídico e significante quantidade de fibras. Apesar do impacto deletério de trans sobre o risco cardiovascular, estudo recente conduzido no Brasil revela que um quinto dos alimentos empacotados ainda são preparados com este ácido graxo.^23 Além disso, outros alimentos consumidos em lanchonetes em substituição às refeições, tais como salgados fritos ou assados, folhados, tortas, entre outros, são frequentemente preparados com trans. Nesse sentido, a dieta praticada atualmente por parte dos brasileiros contraria as atuais recomendações internacionais sobre o seguimento de padrões alimentares saudáveis.
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160- também revelou aumento da concentração plasmática de CT, LDLc e HDLc.^46 Neste estudo, os autores mostraram que houve linearidade entre o consumo de SAT e a elevação dos lípides plasmáticos quando se comparou o maior quintil de consumo (> 11,2% do VCT) ao menor (< 4,03% VCT). Importante salientar que os SAT elevam todas as classes de lipoproteínas, mas a elevação observada no HDL pode não ser suficiente para suplantar os efeitos deletérios do LDL sobre o risco cardiovascular.^47 Os diferentes SAT exercem efeitos diversos no perfil lipídico e, portanto, no risco cardiovascular. Quando comparado ao carboidrato, o mirístico (C14:0) é o que mais aumenta as concentrações de CT e LDLc, seguido de palmítico (C16:0) e ácido láurico (C12:0), efeito não observado com o ácido esteárico.^11 Isso se deve ao fato de o esteárico ser rapidamente convertido a oleico no fígado, pela estearoil-CoA dessaturase 1 (SCD1).^48 Já em relação ao HDLc, os ácidos graxos mirístico, láurico e palmítico elevam suas concentrações quando se avalia a substituição isocalórica de carboidratos.^11 A ação dos SAT sobre o colesterol plasmáticos ocorre por diferentes mecanismos. Em 1969, Spritz e Mishkel^49 demonstraram que, em virtude de sua cadeia carbônica retilínea, os ácidos graxos SAT podem ser empacotados no centro das lipoproteínas, permitindo que estas carreiem maior quantidade de colesterol.^49 Posteriormente, demonstrou- se que o SAT, em associação com colesterol, é capaz de reduzir atividade, proteína e RNAm do receptor de LDL,50,51^ prejudicando assim o clearance das partículas de LDL.52,53^ Além disso, o consumo de SAT eleva o RNAm da hidroximetilglutaril coenzima A redutase (HMG-CoA redutase), fosfomevalonatoquinase e lanosterolsintase – enzimas importantes na via de síntese do colesterol.^54 Estudo realizado nas coortes do Nurses’ Health Study (NHS) (1984-2012) e Health Professionals Follow-up Study (HPFS) (1986-2010) demonstrou que a substituição isocalórica de 1% das energias provenientes de láurico, palmítico ou esteárico por POLI ou MONO reduziu o risco de doença coronariana.^55 Esse efeito está associado ao impacto dos INSAT nos lípides plasmáticos, que reduz as concentrações de LDLc, podendo reduzir também as concentrações de HDLc.^56 Estudo de metanálise demonstrou que, para cada 1% de substituição das calorias proveniente de SAT por POLI, há redução das concentrações plasmáticas de CT, LDLc, HDLc, apolipoproteína A-I (ApoA-I) e apolipoproteína B (ApoB). Quando a substituição isocalórica é feita por MONO, observam-se reduções nos lípides plasmáticos mais modestas, porém significativas, nas concentrações de CT, LDLc, HDLc e ApoB.^11 Revisão de estudos observacionais e de intervenção concluiu que a substituição de SAT por POLI reduz LDLc e, assim, o risco de DCV.^57 Estudo de coorte prospectivo envolvendo 84.628 mulheres e 42.908 homens evidenciou que a substituição isocalórica de saturados (5% VCT) por carboidratos complexos foi associada à redução de 11% no risco de doença coronariana.^58 Por outro lado, o estudo de intervenção Woman’s Health Initiative (WHI), que avaliou o efeito da redução do consumo de gorduras e aumento no consumo de vegetais, frutas e grãos no desfecho cardiovascular, não observou efeito da dieta na redução no risco cardiovascular (CV).^59 No entanto, a redução do LDLc alcançada com a intervenção foi pequena, assim como a diminuição no consumo de saturados (apenas 2,9% comparado ao controle). A redução no consumo total de gordura reduziu também o consumo de MONO E POLI.^59 Observou-se ainda que a substituição isocalórica de SAT por carboidratos, reduz CT, LDLc, HDLc, ApoA-I e ApoB.^11 Duas importantes metanálises que avaliaram ensaios clínicos apontaram efeito neutro dos MONO sobre a concentração plasmática de lípides.60,61^ Mais recentemente, outra revisão sistemática, a qual realizou análise de regressão em estudos de intervenção, demonstrou que a substituição de 1% das calorias provenientes de SAT pelo equivalente calórico em MONO reduziu significativamente as concentrações plasmáticas de CT, LDLc e HDLc.^11 Por outro lado, a substituição isocalórica de carboidratos por MONO eleva as concentrações de HDLc, efeito que diminui com o aumento da insaturação do ácido graxo.^62 Demonstrou-se ainda que dieta rica em MONO (20% do VCT) reduziu a concentração plasmática de CT, LDLc, LDL pequenas, LDLox e HDLc.^63 Em outro estudo, conduzido em indivíduos com sobrepeso, o aumento no consumo de MONO (de 7% para 13% do VCT) também contribuiu para redução de CT e LDLc, mas sem alteração no HDLc.^64 Em linhas gerais, o consumo adequado de MONO tem mostrado efeito positivo sobre o metabolismo lipídico com efeitos contrários aos observados SAT. Já se demonstrou que a substituição de 1% das calorias provenientes de SAT por ω6 reduz o CT em 2 mg/dL, enquanto o impacto no HDLc é mínimo.^56 Importante metanálise de estudos epidemiológicos observacionais apontam para o efeito redutor de colesterol pelo ω6 quando consumidos em substituição a ácidos graxos SAT e trans em humanos.^56 Foi demonstrado que a substituição de 10% das calorias provenientes dos ácidos graxos SAT pelo ω6 se associa à redução de 18 mg/dL no LDLc, impacto maior que o observado com reposição isocalórica de carboidratos. Além disso, a concentração plasmática elevada de ω6 se associou à redução da razão CT/HDLc.^56 O aumento no consumo de ω6 foi associado à pequena redução na concentração plasmática de CT, e pouco ou nenhum efeito foi observado nas concentrações de HDLc ou LDLc. Portanto, evidências não são suficientes para se propor suplementação de ω6 na prevenção cardiovascular primária e secundária.^65 Com relação aos ácidos graxos ω3, os resultados de uma revisão sistemática mostraram dados inconsistentes do efeito de ALA sobre o colesterol plasmático.^66 Metanálise de estudos randomizados não observou influência significativa da suplementação com ALA sobre CT e LDLc, tendo efeito mínimo sobre o HDLc (redução de 0,4 mg/dL).^67 Já o DHA se associou com elevação do LDLc,^66 e o mesmo resultado foi observado com a suplementação com óleo de peixe.^68 Essa elevação do colesterol é provavelmente atribuída à diminuição da expressão do SREBP-2, que regula a síntese do receptor de LDL,69,70^ induzida de forma dose-dependente pelo DHA. Outro estudo demonstrou que dietas enriquecidas com ALA ou com EPA/DHA não promoveram alteração no perfil lipídico quando se comparou à dieta rica em
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160- MONO.^71 Resultado semelhante foi observado quando se avaliou o efeito de óleo enriquecido com EPA, DHA e ALA.^72 Nesse estudo, observou-se efeito benéfico sobre os lípides plasmáticos apenas no período inicial ( wash in ), no qual os indivíduos que consumiam dieta rica em saturados foram submetidos à dieta rica em MONO.^72 É importante enfatizar que, ao analisar o efeito dos ácidos graxos ω 3 sobre a colesterolemia, deve-se considerar o tipo de comparação feita no estudo, uma vez que os INSAT, quando utilizados em substituição a dietas ricas em SAT, promovem efeitos benéficos; por outro lado, a suplementação mostra resultados distintos. Entre os ácidos graxos, o trans apresenta maior efeito aterogênico, por sua robusta ação sobre a colesterolemia.^73 Importante metanálise^56 de estudos randomizados evidenciou as ações deletérias desses ácidos graxos sobre as concentrações plasmáticas de CT, LDLc e VLDLc. Além disso, o trans apresenta efeito adverso adicional por reduzir as concentrações plasmáticas de HDLc em comparação aos saturados.74-77^ A redução do HDLc se deve ao aumento do catabolismo de ApoA-I.74,75^ Adicionalmente, os ácidos graxos trans elevam a atividade da proteína de transferência de colesterol esterificado (CETP; cholesterol ester transfer protein ), proteína envolvida na transferência de colesterol éster (CE) e triglicérides (TG) entre as lipoproteínas do plasma, enriquecendo de CE as partículas ricas em ApoB. Por outro lado, as partículas de HDL tornam-se mais ricas em TG, favorecendo o seu catabolismo.^78 Outra ação deletéria de trans é a redução do clearance das partículas contendo ApoB100, elevando a sua concentração no plasma^75 o que contribui com a formação de partículas de LDLs pequenas e densas que são mais aterogênicas.^79 Metanálise de estudos randomizados e controlados mostrou que a cada 1% do consumo de energia na forma de trans em substituição isocalórica a SAT, MONO e POLI, aumentou tanto a relação CT/HDL quanto a razão ApoB/ApoA-I.^80 Dessa forma, reconhecendo o seu impacto negativo no perfil lipídico, as diretrizes nacionais e internacionais recomendam sua exclusão da dieta.7,8,
Os ácidos graxos exercem ações distintas sobre a trigliceridemia, por modularem os fatores de transcrição envolvidos na síntese de enzimas lipogênicas envolvidas na produção de ácidos graxos. Os SAT são capazes de modular genes envolvidos na síntese de lípides. Já se demonstrou que os SAT induzem a expressão hepática do PGC-1β (peroxisome proliferator-activated receptor gamma coactivator 1β ), que, por sua vez, ativa o SREBP ( regulatory element-binding proteins ), fator de transcrição envolvido na transcrição de genes das enzimas lipogênicas como a Acetil-CoA carboxilase-1 (ACC) e da ácido graxo sintase (FAS),^81 relacionados com a síntese de ácidos graxos, favorecendo maior produção de TG.^54 Além disso, SAT aumenta o processamento do SREBP e sua translocação para o núcleo da célula, induzindo a transcrição de genes-alvo.^82 Revisão sistemática publicada pela WHO^11 revelou que, a cada 1% de substituição das calorias proveniente de SAT por POLI ou MONO, observa-se redução na concentração plasmática de TG (0,88 mg/dL e 0,35 mg/dL, respectivamente). Já a substituição de SAT por carboidratos aumentou a concentração plasmática de TG em 0,97 mg/dL.^11 Por outro lado, sabe-se que os ácidos graxos POLI estão envolvidos na redução da concentração plasmática de triglicérides por bloquear o SREBP – efeito mais pronunciado pelos ácidos graxos da série ω3.^83 Com relação à ação do ALA sobre a trigliceridemia, estudo em animais experimentais observou efeito nulo a discreto com o uso da linhaça.^84 Em humanos, resultados de revisão sistemática demonstraram que o efeito redutor no TG se deve ao consumo de grandes quantidades de óleo de linhaça.^66 Metanálise de 14 ensaios randomizados e controlados não observou influência significativa da suplementação com ALA sobre as concentrações plasmáticas de TG.^67 De forma semelhante, o aumento no consumo de ω6 não foi associado à redução das concentrações plasmáticas de TG.^65 Estudos clínicos mostram que a suplementação com 2 a 4 g/dia de EPA e DHA pode reduzir a concentração plasmática de TG entre 25% e 30%.66,85,86^ A suplementação com EPA ou DHA por 4 semanas em indivíduos saudáveis reduziu a as concentrações pós-prandiais de TG, ApoB48 e ApoB (16%, 28% e 24%, respectivamente), possivelmente em razão do aumento da atividade da lipoproteína lipase (LPL).^87 Uma das razões pelas quais os ácidos graxos POLI reduzem a trigliceridemia está relacionada com sua capacidade de reduzir a expressão e a atividade de SREBP1.^81 Em modelos animais e in vitro , tanto EPA quanto DHA diminuem SREBP1, reduzindo a expressão de enzimas lipogênicas.88,89, A capacidade dos ácidos graxos ω3 em reduzir TG parece ser dose-dependente, com reduções de cerca de 5% a 10% para cada 1 g de EPA/DHA consumido ao dia, sendo maior nos indivíduos com concentrações basais mais elevadas de TG.91- (^93) Estudo realizado com indivíduos com valores limítrofes ou elevados de TG que receberam óleo de krill de 1 a 4 g/dia, por 6 semanas, mostrou redução das concentrações plasmáticas de TG (18,6 a 19,9 mg/dL). Já na suplementação com 0,5 g/ dia, a redução de TG foi de 13,3 mg/dL.^36
5.1. Saturados Apesar das importantes ações biológicas que desempenham, o alto consumo de SAT tem efeito deletério no metabolismo de lípides e risco cardiovascular,94,95^ pois elevam as concentrações plasmáticas de LDLc, um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento de aterosclerose e, consequentemente, DCV.^11 Extensa revisão sistemática conduzida pela Biblioteca Cochrane, em 2015, mostrou que a diminuição do consumo de saturados reduziu em 17% os eventos cardiovasculares, comparado com a dieta habitual.^96 Além disso, análise de um subgrupo de estudos da mesma metanálise que avaliou a substituição de SAT por POLI mostrou redução de 27% nos eventos cardiovasculares. Por essa razão, as recomendações nutricionais para redução do risco cardiovascular contemplam redução do consumo de SAT.
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160- Mediterrânea suplementada com 50 g/d de azeite de oliva extravirgem ou 30 g/d de frutas oleaginosas, ambos comparados com aqueles que consumiam dieta com menor conteúdo de gorduras (30% do VCT). Os resultados mostraram que ambos os grupos apresentaram menos eventos cardiovasculares (RR = 0,83).^17 Resultados semelhantes também foram observados com o consumo de azeite de oliva nos estudos NHS (1980-2010, n = 84.628 indivíduos, HR = 0,85), Health Professional Follow-up Study (1986-2010, n = 42.908, HR = 0,85), Alpha-Tocopherol, Beta-Carotene Cancer Prevention Study (ATBC) (RR = 0,92) e EPIC Study (HR = 0,87).^113 Um dos braços do estudo EPIC, conduzido na população holandesa, mostrou risco aumentado para doença isquemica cardíaca associado ao consumo de MONO (HR = 1,30).^106 Entretanto, cabe ressaltar que, nesse estudo, os autores identificaram importantes fatores de confusão capazes de interferir na compreensão final do desfecho, pois não diferenciaram ácidos graxos MONO na forma cis e trans.^106 A revisão dos estudos publicados pelo grupo da Cochrane mostrou que a eficácia da substituição de SAT por MONO sobre eventos cardiovasculares é incerta em virtude do pequeno número de estudos incluídos.^96 Já o Guia Alimentar para Americanos^7 afirma que a substituição de SAT por MONO foi associada com redução de risco cardiovascular, embora as evidências não tenham sido tão fortes. Estudo de coorte publicado posteriormente mostrou que a substituição de 5% das calorias na forma de SAT por MONO reduziu em 15% o risco CV.^58 5.4. Ácidos Graxos Poli-insaturados (Ômega-6) Com relação aos efeitos dos INSAT da série ω6 sobre o risco cardiovascular, estudos clínicos randomizados e observacionais fornecem evidências de que a substituição ao redor de 5% a 10% VCT sob a forma de saturados e carboidratos refinados (como açúcar, pão branco, arroz branco) por ω6 reduz o risco de DCV, sem evidências clínicas de eventos adversos.114-117^ Já a substituição de 1% do VCT oriundo de SAT por ω6 tem sido associada à redução de 2% a 3% na incidência de doença coronariana.94,118^ Esse benefício ainda pode estar subestimado em razão da grande quantidade de ácidos graxos SAT em alguns alimentos que também são fontes ω6. Importante revisão sistemática, que avaliou estudos de coorte prospectivos e ensaios clínicos randomizados envolvendo indivíduos em prevenção primária e secundária, mostrou que o consumo de ω6 não se associou a menor risco de doença arterial coronariana, ao contrário do que foi observado para a ingestão de peixes ou ω3 marinho.^93 De fato, vários estudos mostram que a redução nos desfechos cardiovasculares é menor com a substituição dos ácidos graxos SAT por ω6 do que quando comparada à substituição pelo conjunto ω6 e ω3.^119 A biblioteca Cochrane publicou revisão com ensaios clínicos que avaliaram o efeito do consumo de ω6 na prevenção primária de DCV e concluiu que o consumo de ácidos graxos ω6 (linoleico, gama-linolênico, di-homo- gamalinolênico e araquidônico) não interferiu nos marcadores lipídicos e de pressão arterial; entretanto, nenhum dos trabalhos avaliou desfechos clínicos.65,120^ Em revisão mais recente, também conduzida pela biblioteca Cochrane, na qual se avaliou o efeito da suplementação com ω6 em fatores de risco (pressão arterial, perfil lipídico e adiposidade) e desfecho cardiovascular (mortalidade geral, mortalidade cardiovascular e eventos cardiovasculares). Foi observado pouco ou nenhum benefício das intervenções com ω6 sobre a mortalidade total (RR = 1,00; IC = 0,88 a 1,12), mortalidade cardiovascular (RR = 1,09; IC = 0,76 a 1,55) e eventos cardiovasculares (RR = 0,97; IC = 0,81 a 1,15).^65 De modo semelhante, o consumo de ω6 não foi associado ao menor risco de eventos cardíacos e cerebrovasculares (RR = 0,84; IC = 0,59 a 1,20) e AVC (RR = 1,36; IC = 0,45 a 4,11). Entretanto, foi observada discreta redução no risco para infarto agudo do miocárdio (IAM) com o aumento no consumo de ω6 (RR = 0,88; IC = 0,76 a 1,02).^65 A maior concentração plasmática de ω6 associou-se a menor risco de eventos cardiovasculares, AVC isquêmico e mortalidade cardiovascular, conforme os resultados de recente estudo que analisou os dados de 30 estudos prospectivos, totalizando 68.659 participantes.^121 Nessa publicação, os autores reiteram os benefícios cardiovasculares do consumo do ω6. 5.5. Ácidos Graxos Poli-insaturados (Ômega-3 Marinho) Os ácidos EPA e DHA têm sido investigados quanto ao seu potencial na redução do risco cardiovascular. Os mecanismos propostos para os benefícios cardiovasculares incluem redução de marcadores inflamatórios e da agregação plaquetária, melhora da função endotelial, redução da pressão arterial e redução da trigliceridemia.122-124^ Os ácidos graxos ω3 de origem marinha, DHA e EPA exercem inúmeros efeitos sobre diferentes aspectos fisiológicos e do metabolismo, o que pode influenciar a chance de desenvolvimento de DCV. Apesar de evidências antigas sugerirem efeito protetor de peixes e dos ácidos graxos ω3 de origem marinha sobre eventos cardiovasculares, sobretudo em indivíduos que já apresentavam DCV,125-127^ os estudos mais recentes não mostraram benefícios da suplementação com ω3 em sujeitos que já haviam apresentado manifestações de doença aterosclerótica.128-130^ Uma das possíveis razões relaciona-se com o perfil da população estudada, especialmente no que se refere ao uso mais frequente de medicamentos sabidamente protetores (p. ex., estatinas, betabloqueadores, inibidores da enzima de conversão da angiotensina - ECA), ao controle mais agressivo dos fatores de risco tradicionais e ao maior número de procedimentos de revascularização nos estudos mais contemporâneos. Dessa forma, questiona-se se os ácidos graxos ω3 podem trazer reais benefícios adicionais quando o paciente é manejado de acordo com as recomendações atuais. Questões envolvendo forma, dose e tempo de suplementação também podem ser levantadas. Nos estudos Alpha Omega^128 e SU.FOL.OM3,^130 a dose de EPA+DHA (400 a 600 mg/dia) pode ter sido insuficiente para se observar benefício clínico. Recente metanálise de ensaios clínicos randomizados e controlados avaliou a associação entre consumo de EPA+DHA e risco de DAC. Nesse estudo, foi conduzida metanálise de estudos prospectivos de coorte para verificar associação entre consumo de EPA+DHA e risco de DAC. Entre esses estudos, houve benefício significante apenas nas populações de maior risco, incluindo aqueles com hipertrigliceridemia. Os resultados dos estudos prospectivos de coorte mostraram
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160- significativa redução de risco de qualquer evento coronário quanto maior o consumo de EPA+DHA. Assim, o consumo de EPA+DHA parece associado à redução de risco de eventos coronários com maior benefício em populações de maior risco nos estudos controlados randomizados.^131 No entanto, os dados para diferentes formulações de ω3 e as populações estudadas parecem contribuir para os resultados. Dois recentes estudos controlados mostraram dados contraditórios, porém houve diferenças na dose e na formulação de ω3 utilizada. O estudo ASCEND (A Study of Cardiovascular Events in Diabetes),^132 que avaliou 15. pacientes com DM, sem evidências de DCV, não demonstrou diferenças significantes entre aqueles que consumiram 1,0 g de EPA+DHA e os que receberam placebo. Revisão realizada pela Cochrane incluiu 79 ensaios clínicos, abrangendo 1.120.059 indivíduos com seguimento de 12 a 72 meses, e mostrou que EPA, DPA e DHA tiveram pouco ou nenhum efeito na mortalidade total (RR = 0,98; IC = 0,90 a 1,03), mortalidade cardiovascular (RR = 0,95; IC = 0,87 a 1,03) e eventos cardiovasculares (RR = 0,99; IC = 0,94 a 1,04).^133 Já no estudo Reduction of Cardiovascular Events with Icosapent Ethyl – InterventionTrial (REDUCE-IT)^134 em pacientes de alto risco com triglicérides elevados, em uso de estatinas, o risco de eventos isquêmicos, incluindo morte cardiovascular, foi significantemente menor naqueles que receberam 2 g de icosapenta-etil éster 2 vezes/dia (dose total de 4 g/dia), em comparação aos que receberam placebo. De um total de 8.179 pacientes (70,7% em prevenção secundária) seguidos por 4,9 anos (mediana), houve redução de 25% no risco do desfecho primário composto (HR, 0,75; IC 95%: 0,68 a 0,83; P < 0,001) dos desfechos secundários-chave (HR, 0,74; IC 95%: 0,65 a 0,83; P < 0,001) e de eventos pré-especificados, incluindo mortalidade cardiovascular (HR, 0,80; IC 95%: 0,66 a 0,98; P = 0,03). Houve, no entanto, maior taxa de hospitalizações por fibrilação atrial ou flutter no grupo recebendo EPA, sem diferenças no risco de sangramento. Vale ressaltar, contudo, que o Icosapent Ethyl não é um ácido graxo de origem alimentar, e sua indicação, em doses farmacológicas, é feita a critério médico. Desta forma, embora exista consenso de que o consumo regular de peixes ricos em ácidos graxos ω3 deva fazer parte de uma dieta saudável, ainda não há recomendação segura para a suplementação de cápsulas de óleo de peixe. Isso se deve ao fato de o assunto ainda estar cercado por controvérsias, fomentadas por resultados conflitantes de estudos clínicos. Em modelos experimentais de aterosclerose em camundongos, vários estudos relatam que óleo de peixe e EPA atenuam o processo aterosclerótico, embora o mesmo não tenha sido demonstrado em outras condições experimentais.135-140^ Alguns estudos populacionais sugerem associação inversa entre consumo de peixe ou ácido graxo ω3 marinho e marcadores de aterosclerose subclínica, como espessura médio-intimal de carótida e calcificação coronariana, embora tal relação pareça ser sutil.141-143^ Em um ensaio randomizado com pacientes com DAC, a suplementação com aproximadamente 1,5 g/dia de ácido graxo ω3 por 2 anos provocou menos progressão e mais regressão da aterosclerose coronariana, medida por angiografia invasiva quantitativa, em relação ao uso de placebo, embora as diferenças tenham sido pequenas.^144 No entanto, em outro estudo, a suplementação não modificou a evolução da aterosclerose carotídea avaliada por ultrassonografia,^145 o que contrasta com os resultados do estudo randomizado proposto por Mita et al.,^146 no qual EPA altamente purificado (1,8 g/dia) atenuou a progressão do espessamento médio-intimal de carótida em diabéticos.^146 É possível também que o ácido graxo ω3 exerça papel protetor de eventos cardiovasculares através da modulação das características da placa aterosclerótica, tornando-a mais estável. Um estudo randomizado com pacientes aguardando endarterectomia de carótida, a suplementação com óleo de peixe mostrou que os ω3 rapidamente se incorporam à placa aterosclerótica e podem induzir modificações compatíveis com um perfil menos vulnerável a fenômenos de ruptura e instabilização,^147 observação consistente com achados experimentais.^139 5.5.1. Efeitos sobre Doença Vascular Periférica A despeito da extensa investigação sobre os efeitos dos ácidos graxos ω3 na melhora da função vascular, seus efeitos nos desfechos cardiovasculares em indivíduos com doença arterial periférica são menos descritos. Metanálise que incluiu 5 estudos com o total de 396 indivíduos, publicados entre 1990 e 2010, foi conduzida para avaliar essa questão.148- Em indivíduos com doença vascular periférica, não existem evidências suficientes para a recomendação de ácidos graxos ω3 na redução de eventos cardiovasculares maiores, necessidade de revascularização ou amputação, melhora da dor às caminhadas ou melhora da qualidade de vida.^153 5.5.2. Efeitos sobre Arritmias Cardíacas e Morte Súbita Estudos experimentais mostraram efeitos antiarrítmicos do ω3, atribuídos especialmente a um efeito direto sobre canais iônicos.^154 Outros mecanismos relatados incluem modulação do tônus autonômico (melhora da variabilidade da frequência cardíaca), redução da frequência cardíaca basal e limitação da arritmia de reperfusão.^154 Esses efeitos podem explicar os resultados benéficos dos ácidos graxos ω3 sobre a prevenção de morte súbita observada em alguns estudos. Vários estudos observacionais sugeriram que os ácidos graxos ω3 podem exercer proteção particular contra morte súbita, sobretudo nos pacientes com IAM. Esse efeito benéfico foi também verificado na subanálise do ensaio randomizado GISSI-Prevenzione,^155 mas não no mais recente, OMEGA.^129 Essa hipótese também foi verificada em pacientes portadores de cardiodesfibrilador implantável. Os resultados foram inconsistentes, sugerindo desde discreto efeito benéfico do ω 3 na redução de arritmias ventriculares graves nesse subgrupo de pacientes^156 até um efeito pró-arrítmico em alguns pacientes.^157 Devido aos resultados conflitantes, foram avaliados dados de metanálise, com total de 32.919 participantes incluídos em 9 estudos. Desses, 16.465 pacientes receberam ω3 e 16. receberam placebo. Houve redução não significativa do risco de morte súbita cardíaca ou arritmias ventriculares com os ácidos graxos ω3 (OR = 0,82 [IC 95%: 0,60 a 1,21], p = 0,21).^158 Outra revisão avalia os resultados de estudos com ω3 nas arritmias cardíacas ventriculares e na morte súbita cardíaca,
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160- de trans aumentou a 13% a mortalidade total, quando se comparou o maior ao menor quintil de consumo.^180 Essa ação deletéria do trans sobre o risco cardiovascular pode ser atribuída a sua ação sobre o aumento do LDLc e diminuição dos transportadores ABCA1 e ABCG1, responsáveis pelo efluxo de colesterol dos macrófagos para as ApoA-I e HDL, respectivamente.^183
A disfunção endotelial é um dos eventos iniciais na gênese da DCV e decorre principalmente da redução da produção e/ou disponibilidade de óxido nítrico (NO) e um desequilíbrio entre fatores vasodilatadores e vasoconstritores derivados do endotélio.184,185^ Fatores de risco cardiovascular como LDL oxidada, dislipidemia, hipertensão, hiperglicemia, hiperinsulinemia e tabagismo podem induzir ativação endotelial, a qual induz aumento da produção de citocinas, quimiocinas e espécies reativas de oxigênio (ROS), reduzindo a capacidade de vasodilatação dependente de NO. Além disso, há aumento da permeabilidade endotelial, facilitando a passagem de LDLs para a camada subendotelial, em que estas podem sofrer modificação, por oxidação ou glicação, e deflagrar resposta inflamatória, levando as células endoteliais a expressarem moléculas de adesão e produzirem mediadores que promoverão quimiotaxia de células inflamatórias, ativação de plaquetas e proliferação e migração de célula muscular lisa (CML), contribuindo para a gênese da aterosclerose.186, Por outro lado, o NO é capaz de reduzir a expressão de mediadores inflamatórios e moléculas de adesão por células endoteliais, e de diminuir a reatividade vascular, prevenindo a vasoconstrição no local da lesão.188, Já se demonstrou que dieta rica em gordura reduz a ativação da via de AMPK-Akt-PI3K-eNOS em células endoteliais levando à disfunção endotelial.185,190,191^ Em animais experimentais, o consumo de dieta hiperlipídica, por 6 semanas, aumentou a concentração plasmática de citocinas pró-inflamatórias e reduziu as concentrações de adiponectina, além disso, reduziu a produção de NO e promoveu disfunção endotelial.^192 Os ácidos graxos SAT, sobretudo o palmítico, ativam resposta inflamatória e estresse oxidativo, que prejudicam a integridade do endotélio e causam disfunção endotelial. Os ácidos graxos SAT são capazes de ativar o fator de transcrição NF-κB que controla vias de sinalização inflamatória e do estresse oxidativo^193 e, com isso, induzir disfunção endotelial, por meio do aumento de ROS e da secreção de citocinas pró-inflamatórias, como IL-6 e TNF-α.194, Estudo em células endoteliais demonstrou que o ácido palmítico é capaz de inibir a ativação dependente de insulina da óxido nítrico sintase endotelial (eNOS), reduzindo assim a produção de NO, efeito que foi mediado pela ativação de PTEN (homólogo da fosfatase e tensina deletado no cromossomo 10); tal fosfatase, quando ativada, reduz a fosforilação de proteína quinase B (AKT).^196 Em outro estudo, o tratamento de células endoteliais com ácido palmítico diminuiu a produção de NO, por reduzir a fosforilação de IRS-1, AKT e eNOS mediada pela insulina. Esse efeito foi dependente do aumento da ativação de IKK-β mediada pelo palmítico.^197 O ácido graxo saturado é capaz de promover inflamação e estresse do retículo em diferentes tipos celulares.69,193,194,198,199^ Em fibroblastos cardíacos, o ácido palmítico ativou vias inflamatórias e induziu disfunção mitocondrial e estresse do reticulo endoplasmático, levando ao aumento da produção de ROS e ativação da via do inflamassoma, efeito que foi mitigado pela presença de EPA.^198 Em célula muscular lisa, o ácido palmítico é capaz de induzir apoptose por meio da ativação de TLR4, aumento da produção de ROS e aumento da expressão de caspase 3 e caspase 9.^199 Em macrófagos, os ácidos graxos SAT são capazes de aumentar conteúdo de receptores LOX e, com isso, aumentar a captação de LDL modificadas, levando ao aumento da produção de ROS e estresse do retículo, efeitos que foram corrigidos pela adição de INSAT ao meio.^193 Em células endoteliais, o tratamento com ácido palmítico induziu disfunção endotelial, reduziu fosforilação em eNOS e AMPK e, com isso, a produção de NO. Ainda, palmítico induziu aumento de ROS, óxido nítrico sintase induzida (iNOS) e apoptose, ações que foram atenuadas com a incubação concomitante com EPA.^194. O consumo habitual de dieta rica em ácidos graxos SAT foi associado com alteração da função endotelial em indivíduos jovens com sobrepeso.^200 Por outro lado, estudos de intervenção, em que se avaliou o efeito da ingestão aguda de gordura saturada sobre a função endotelial, são ainda controversos. O estudo DIVAS, realizado em indivíduos com risco cardiovascular moderado, não observou efeito da substituição isocalórica, por 16 semanas, de ácidos graxos SAT por MONO ou ácido linoleico na função endotelial, marcadores inflamatórios e de resistência insulínica. Entretanto, observou-se redução nas concentrações plasmáticas de CT e LDLc e E-selectina.^201 No estudo DIVA-2, que avaliou, em mulheres pós-menopausa, o efeito agudo de refeições hiperlipídicas na função endotelial e em marcadores de risco CV, não foi observada diferença no impacto dos diferentes ácidos graxos sobre marcadores de função endotelial.^202 Os ácidos graxos SAT, sobretudo o palmítico, ativam resposta inflamatória e estresse oxidativo, que prejudicam a integridade do endotélio e causam disfunção endotelial. A s u p l e m e n t a ç ã o d e ó l e o d e p e i x e m e l h o r a significantemente a função endotelial em vasos de resistência, quando medida no antebraço.^123 Em estudo comparado a placebo, a complacência vascular sistêmica melhorou após 3 g de DHA ou de EPA.^203 Os mecanismos propostos relacionam-se com a incorporação dos ω3 em fosfolípides de membrana, modificando a complacência vascular.^68 Atenuação do aumento da rigidez vascular relacionada à idade em pacientes com dislipidemia e da distensibilidade das artérias carótidas também é um mecanismo proposto.^204 A disfunção do endotélio está intimamente associada à inflamação da parede vascular. Os efeitos da suplementação com ácido graxo ω3 marinho sobre a função endotelial in vivo , em humanos, são controversos. Uma análise de 33 ensaios de intervenção sugere que os ácidos graxos ω3 de origem marinha podem melhorar a função endotelial em sujeitos dislipidêmicos com sobrepeso e em diabéticos, embora os resultados sejam conflitantes em pacientes com DCV e inconsistentes em indivíduos saudáveis.^63
Izar et al. Arq Bras Cardiol. 2021; 116(1):160- Estudo em células endoteliais mostrou que ácido elaídico pode causar morte celular através da ativação da via das caspases,^205 bem como ativação do NF-κB por meio do aumento da produção de ROS, o que culminou na elevação da expressão de VCAM-1 e ICAM-1 e maior adesão de leucócitos.^206 Corroborando esses resultados, estudo em humanos relatou aumento das concentrações plasmáticas de E-selectina e proteína C-reativa (PCR) com o consumo de trans.^207 Observou-se também que o aumento do consumo de trans elevou as concentrações plasmáticas de E-selectina, VCAM e ICAM, em 730 mulheres que faziam parte do NHS_._^208 Estudo em células endoteliais que investigou o efeito de ácidos graxos trans na ativação do NF-kB mostrou que o ácido elaídico induziu fosforilação de IkB medido pelo aumento das concentrações de IL-6.^209 Além disso, promoveu diminuição tanto da produção de NO como da sinalização da insulina e, ainda, promove sinalização pró-inflamatória e morte celular.^210 6.1. Pressão Arterial Em estudos de intervenção dietética em pacientes com sobrepeso, indivíduos que consumiram uma porção de peixe por dia apresentaram diminuição da pressão arterial sistólica e diastólica, sendo esta redução ainda maior quando associada ao programa de perda de peso, mesmo ajustada para outras covariáveis.^211 Uma metanálise realizada nos anos 1990 concluiu que o efeito da suplementação com ácidos graxos ω3 sobre a pressão arterial é dose-dependente, sendo eficaz a partir de 3,0 g/ dia, com redução da pressão arterial sistólica (0,66 mmHg) e diastólica (0,35 mmHg)/g de ω3 consumido.^212 Em outra metanálise com 36 ensaios clínicos randomizados, a suplementação com óleo de peixe (dose mediana 3,7 g/dia) mostrou reduzir a pressão arterial sistólica em 2,1 mmHg e a diastólica em 1,6 mmHg.^213 Esses resultados modestos podem ser explicados pelo baixo grau de pureza e baixas concentrações nas formulações utilizadas. Já outros estudos com doses baixas (1,6 g de DHA e 0,6 g de EPA) não demonstraram benefícios na pressão arterial, possivelmente relacionados às baixas doses utilizadas. Em pacientes de alto risco, como aqueles em hemodiálise, 4 meses de suplementação com 2 g de ω3 se associaram a menor pressão arterial sistólica (-9 mmHg) e diastólica (-11 mmHg), comparado ao óleo de oliva.^214 Metanálise com pacientes com DM demonstrou que suplementação com ω3 reduziu em 1,8 mmHg a pressão diastólica.^215 Theobald et al.^216 também evidenciaram redução da pressão arterial com o consumo de baixas doses de ω3.^216 Entretanto, quando se avalia os índices de função endotelial ou rigidez arterial, os dados são conflitantes entre os estudos.216, Revisão sistemática e metanálise conduzida por Schwingshackl et al.^218 investigou o impacto dos MONO no metabolismo lipídico, pressão arterial e eventos cardiovasculares. Os resultados demonstraram que dietas com conteúdo de MONO acima de 12% em relação ao valor calórico total da dieta apresentaram efeito benéfico apenas sobre a pressão arterial diastólica e sistólica. Além dos benefícios observados no perfil lipídico,^219 o padrão Mediterrâneo também melhora a pressão arterial^220 e confere proteção adicional sobre o estresse oxidativo,^221 marcadores de inflamação^222 e disfunção endotelial.^112 Nesse sentido, nota-se que benefícios adicionais à saúde foram conferidos por outras substâncias, de forma independente ao ácido graxo MONO. Para tais substâncias, não há por enquanto recomendação de consumo específico determinado. Portanto, há poucas evidências sobre o papel protetor dos MONO na proteção à hipertensão arterial sistólica e função endotelial para que se possam propor recomendações específicas. 6.2. Acidente Vascular Cerebral A elevação da pressão arterial é o principal fator de risco de AVC. Em relação ao consumo saturados, alguns estudos observaram pouco ou nenhum efeito sobre o risco de AVC.12,96,223,224^ No estudo Women Health Initiative, que acompanhou mulheres por cerca de 8 anos, a redução no consumo de saturados não reduziu o risco de AVC.^59 Por outro lado, outros estudos de coorte, como Japan Collaborative Cohort Study for Evaluation of Cancer Risk (JACC Study), que acompanhou por 14 anos 58.453 japoneses,^225 e também o estudo PURE^102 observaram associação inversa entre o consumo de SAT e risco de AVC. Estudo de metanálise encontrou associação inversa entre consumo de SAT e risco de AVC apenas para homens asiáticos e com índice de massa corporal (IMC) < 24, mostrando que fatores como etnia, gênero e peso corporal influenciam na associação entre ácidos graxos SAT e risco de AVC.^226 Assim, até o momento, não há evidências robustas para recomendar a redução de ácidos graxos SAT na prevenção do risco de AVC.^96 Estudos randomizados utilizando ácidos graxos ω3 como EPA, DHA e o docosapentaenoico (C20: [DPA]) reduziram fatores de risco e mecanismos para eventos cardiovasculares incluindo hipertensão arterial, hiperlipidemia, disfunção endotelial,213,227,228^ sugerindo seu papel protetor na DCV. Entretanto, o impacto desses ácidos graxos no AVC isquêmico ainda é controverso. Estudos observacionais demonstraram associações inversas entre o relato de consumo de ácidos graxos ω3 na dieta e AVC isquêmico,^229 o que não se confirmou em metanálise de ensaios clínicos randomizados com a suplementação de ácidos graxos ω3.^227 No entanto, os dados de metanálise foram provenientes de estudos de suplementação de curta duração, com pacientes de alto risco e, em geral, com AVC prévio, em que o AVC não era um desfecho predeterminado. Com isso, não se pode generalizar tais resultados a populações em prevenção primária.^230 Além disso, o AVC isquêmico pode estar relacionado com doença aterotrombótica ou cardioembólica, cujos mecanismos fisiopatológicos são distintos.^231 O DHA pode reduzir o risco de AVC aterotrombótico, por reduzir disfunção endotelial e aterosclerose, enquanto EPA e DPA podem ter maior impacto no AVC cardioembólico, por seus efeitos na coagulação e na fibrilação atrial.^232 Além disso, quase todos os estudos com ω3 e risco de AVC avaliaram o consumo autorreferido desses ácidos graxos na dieta, não sendo possível diferenciar o tipo de ácido graxo consumido.