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Polifonia e Paródia em 'Teoria do Medalhão' de Machado de Assis: Confronto com Balzac, Manuais, Projetos, Pesquisas de Literatura

Uma análise literária sobre o conto 'teoria do medalhão' de machado de assis, publicado em 1881, e o romance le père goriot de balzac. O artigo discute a polifonia e a paródia presentes no conto machadiano, onde o pai zeloso sugere ao filho que abandone seus ideais e se torne um 'medalhão' para se tornar importante na sociedade. A análise contrapõe o conto machadiano a le père goriot, onde as personagens de balzac mostram a rastignac que os ideais provincianos devem ser substituídos pela ambição e pelo cálculo. O documento também discute a importância da voz na literatura e a observação de machado de assis sobre a criação de personagens em obras de dostoiévski, rabelais e cervantes.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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CLARABOIA: Revista do Curso de Letras da UENP, Jacarezinho–PR, n. 1/1, p. 112-120, jan./jun. 2014.
Polifonia, Carnavalização E Paródia Na “Teoria Do
Medalhão”, De Machado De Assis: Confronto Com Le
Père Goriot, De Balzac
POLYPHONY,
CARNAVALIZATION
AND
PARODY
IN
THE
“TEORIA
DO
MEDALHÃO”,
BY
MACHADO
DE
ASSIS:
CONFRONTATION
WITH
LE
PÈRE
GORIOT,
BY
BALZAC
Daniela CALLIPO
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RESUMO: Em “Teoria do Medalhão”, escrito por Machado de Assis em 1881, um pai zeloso
resolve dar bons conselhos a seu filho que acaba de completar 21 anos. Servindo-se de um
discurso pertencente à ideologia oficial dos oitocentos, ou seja, aquela instituída pela hegemonia
dominante, inclusive na França de Balzac, o pai sugere ao filho que abandone seus ideais,
utilizando máscaras e anulando seus pensamentos e gostos, a fim de se tornar um verdadeiro
Medalhão. O diálogo que se estabelece entre ambos é permeado de ironia e humor, pois o pai faz
um discurso aparentemente sábio, mas que, na realidade, é vazio e tolo, levando a pensar nas
noções de paródia e carnavalização de Bakhtin. Além disso, ao construir seu conto em forma de
diálogo, Machado de Assis transfere a palavra às personagens, num cruzamento de vozes que leva
a pensar em “embriões” de polifonia. Este trabalho visa, portanto, fazer uma leitura bakhtiniana
do conto machadiano, contrapondo-o ao romance Le Père Goriot, de Balzac.
PALAVRAS-CHAVE: Conto machadiano. Polifonia. Carnavalização. Paródia. Le Père Goriot
ABSTRACT: In the short story “Teoria do Medalhão”, written by Machado de Assis in 1881, a
zealous father decides to give good advices to his son who just turned 21 years old. Using a
speech that represents the official ideology of the eighteenth century, created by the dominant
hegemony, including the France of Balzac’s time, the father suggests that the son abandons his
ideals, using masks and annulling his thoughts and tastes to become a true Medalhão. The dialogue
that is established between both of them is surrounded by irony and humor, because the father
makes an apparently wise speech, which is, actually, empty and fool, leading to think about the
concepts of parody and carnavalization by Bakhtin. Besides that, when he built a story in dialogue
form, Machado de Assis transfers the word to the characters, in a crossing of voices that makes
us think about “embryos” of polyphony. This work aims to make a bakhtiniana reading of the
machadiano short story, “Teoria do Medalhão” in opposition to the novel Le Père Goriot by
Balzac.
KEY-WORDS: Short story of Machado. Polyphony. Carnavalization. Parody. Le Père Goriot
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Doutora em Literatura Francesa pela Universidade de São Paulo. Professora de Língua e Literatura Francesa na
Unesp/Assis. Endereço eletrônico: danielacallipo@gmail.com
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Polifonia, Carnavalização E Paródia Na “Teoria Do

Medalhão”, De Machado De Assis: Confronto Com Le

Père Goriot, De Balzac

POLYPHONY, CARNAVALIZATION AND PARODY IN THE “TEORIA DO MEDALHÃO”, BY MACHADO DE ASSIS: CONFRONTATION WITH LE PÈRE GORIOT, BY BALZAC

Daniela CALLIPO^1

RESUMO: Em “Teoria do Medalhão”, escrito por Machado de Assis em 1881, um pai zeloso resolve dar bons conselhos a seu filho que acaba de completar 21 anos. Servindo-se de um discurso pertencente à ideologia oficial dos oitocentos, ou seja, aquela instituída pela hegemonia dominante, inclusive na França de Balzac, o pai sugere ao filho que abandone seus ideais, utilizando máscaras e anulando seus pensamentos e gostos, a fim de se tornar um verdadeiro Medalhão. O diálogo que se estabelece entre ambos é permeado de ironia e humor, pois o pai faz um discurso aparentemente sábio, mas que, na realidade, é vazio e tolo, levando a pensar nas noções de paródia e carnavalização de Bakhtin. Além disso, ao construir seu conto em forma de diálogo, Machado de Assis transfere a palavra às personagens, num cruzamento de vozes que leva a pensar em “embriões” de polifonia. Este trabalho visa, portanto, fazer uma leitura bakhtiniana do conto machadiano, contrapondo-o ao romance Le Père Goriot , de Balzac.

PALAVRAS-CHAVE: Conto machadiano. Polifonia. Carnavalização. Paródia. Le Père Goriot

ABSTRACT: In the short story “Teoria do Medalhão”, written by Machado de Assis in 1881, a zealous father decides to give good advices to his son who just turned 21 years old. Using a speech that represents the official ideology of the eighteenth century, created by the dominant hegemony, including the France of Balzac’s time, the father suggests that the son abandons his ideals, using masks and annulling his thoughts and tastes to become a true Medalhão. The dialogue that is established between both of them is surrounded by irony and humor, because the father makes an apparently wise speech, which is, actually, empty and fool, leading to think about the concepts of parody and carnavalization by Bakhtin. Besides that, when he built a story in dialogue form, Machado de Assis transfers the word to the characters, in a crossing of voices that makes us think about “embryos” of polyphony. This work aims to make a bakhtiniana reading of the machadiano short story, “Teoria do Medalhão” in opposition to the novel Le Père Goriot by Balzac.

KEY-WORDS: Short story of Machado. Polyphony. Carnavalization. Parody. Le Père Goriot

(^1) Doutora em Literatura Francesa pela Universidade de São Paulo. Professora de Língua e Literatura Francesa na Unesp/Assis. Endereço eletrônico: danielacallipo@gmail.com

O conto “Teoria do Medalhão”

“Teoria do Medalhão” foi publicado na primeira página do jornal carioca Gazeta de Notícias em 18 de dezembro de 1881 e republicado, no ano seguinte, na coletânea intitulada Papéis Avulsos. O conto tem apenas duas personagens: o pai e seu filho Janjão, que acaba de comemorar seu aniversário com um “modesto jantar”. Após a partida do último conviva, o pai anuncia que deseja ter uma conversa “séria” com o filho que acaba de completar 21 anos. Manda-o fechar a porta, abrir a janela, sentar-se e ouvir com atenção quais são as expectativas paternas em relação a ele. O conto foi objeto de excelentes estudos: em “Janjão e Maquiavel: a ‘Teoria do Medalhão’”, Villaça (2008) aponta a profundidade dessas páginas machadianas que levam o leitor a refletir acerca de um “quadro mais grave, mais dramático, no qual a graça, sem desfazer-se completamente, dá presença a mazelas que entre nós já se institucionalizaram” (2008, p. 37). O pesquisador analisa a importância da alusão feita a O príncipe , de Maquiavel, no final do conto, demonstrando que ela reforça os procedimentos a serem adotados para se chegar ao poder. Em “A Paideia inversa: ‘Teoria do Medalhão’ de Machado de Assis”, Montesini (2010) estuda a intertextualidade estabelecida entre o conto e a Mitologia Clássica. Para a pesquisadora, o conto representa uma inversão irônica da educação dos jovens na Antiguidade Clássica, que primava pela paideia ; ou seja, pela formação de um homem ético, que vivesse e morresse com dignidade e honra, “sendo capaz de respeitar a si e ao outro” (2010, p. 334). Os conselhos que o pai oferece a Janjão no dia de seu aniversário representam, de fato, o oposto da ética, da dignidade e da honra. Ele não lhe passa valores morais, mas lhe transmite uma fórmula para obter sucesso: “o meu desejo é que te faças grande e ilustre, ou pelo menos, notável, que te levantes acima da obscuridade comum” (ASSIS, 1998, p. 328) Como é preciso, porém, ter um ofício “para a hipótese de que os outros falhem”, aconselha-o a tornar-se “medalhão”. Se esses valores transmitidos podem surpreender, porque se opõem à ética, eles se aproximam, entretanto, daqueles estabelecidos pela burguesia no século XIX no Brasil e na Europa, como se pode observar em três romances franceses do período: Le Rouge et le Noir (1830)^2 , de Stendhal, Le Père Goriot (1834) e Illusions Perdues (1843), ambos de Honoré de Balzac. Os protagonistas desses romances, Julien Sorel, Eugène de Rastignac e Lucien de Rubempré

(^2) Ver, a esse respeito, o excelente estudo de SILVA, Maria Elvira Lemos da. A Representação do arrivismo social nos romances Le Rouge et le Noir de Stendhal e A Mão e a Luva de Machado de Assis. Dissertação de Mestrado. São Paulo: USP,

Vautrin propõe um assassinato a Rastignac, que recua, horrorizado, diante de tal infâmia. Mas conclui que o pensionista burguês havia dito “cruamente” o que a viscondessa havia explicado de forma sutil: era preciso deixar seus princípios de lado para triunfar em Paris. O romance de Balzac critica o materialismo da sociedade oitocentista, carregando nos tons sombrios e no desfecho trágico de Goriot. Rastignac, entretanto, já aprendera sua “lição” e, apesar de lamentar a morte do homem que representava para ele a paternidade, lança o célebre desafio a Paris: “A nous deux maintenant” (BALZAC, 1871, p. 410). Servindo-se de um narrador onisciente e intruso, Balzac constrói um romance monofônico, no qual a intenção é transmitir uma mensagem moralizadora: “Em sua análise vigorosa, ele sintetiza uma crítica à política, à falta de sentimentos humanitários e ao modelo de educação ao homem de seu tempo” (MANTOVANI, 2005, p. 103). Em “Teoria do Medalhão”, o tema é o mesmo daquele apresentado por Balzac em seu romance; contudo, o diálogo que se estabelece entre pai e filho é permeado de ironia e humor, pois o progenitor faz um discurso aparentemente sábio, mas que, na realidade, é vazio e tolo, levando a pensar nas noções de paródia e carnavalização de Bakhtin. Além disso, ao construir seu conto em forma de diálogo, Machado de Assis transfere a palavra às personagens, num cruzamento de vozes que poderia caracterizar a “Teoria do Medalhão” como obra com características polifônicas.

“Embriões” de polifonia

Bakhtin desenvolveu a noção de polifonia a partir dos romances de Dostoiévski, o criador do romance polifônico , um gênero romanesco novo, que não podia ser enquadrado em nenhum esquema conhecido até então. O escritor russo, ao construir suas personagens, teria colocado sua concepção filosófica em um segundo plano, recobrindo-a com a voz do herói, que possuiria uma “autoridade ideológica” e uma “perfeita independência”, passando a ser compreendido como autor de suas próprias concepções e não como objeto da visão artística de Dostoiévski (BAKHTIN, 1970, p. 31). No romance polifônico, a personagem não deveria ser a porta-voz da ideologia de seu criador, mas ter um ponto de vista particular sobre o mundo e sobre si mesmo, pois o importante seria não apenas saber o que a personagem representa no mundo, mas o que o mundo representa para a personagem e o que ela representa para si mesma (BAKHTIN, 1970, p. 82). Instaura-se, desse modo, a noção de consciência de si ; ou seja, as características da personagem, sua profissão, seu aspecto espiritual e mesmo físico tornam-se objeto de sua própria reflexão. Assim, a parte

descritiva da personagem, anteriormente compreendida como um momento de definição na narrativa que emanava do autor, passa a ser um momento de autodefinição. O herói, portanto, nunca representa o autor, rompendo a unidade monológica do mundo artístico e tornando-se relativamente livre e autônomo. Parece possível vislumbrar “embriões” da polifonia na “Teoria do Medalhão” de Machado de Assis, da mesma forma que Bakhtin observou nas obras de Shakespeare, Rabelais e Cervantes. Ao comentar o estudo de Lounatchrski sobre os precursores^3 de Dostoiévski no domínio da polifonia, o filósofo argumenta:

Il nous semble que A.V. Lounatcharski a raison, dans la mesure où l’on trouve effectivement dans les drames de Shakespeare certains éléments, certains embryons, de la polyphonie. Shakespeare, Rabelais, ainsi que Cervantes, Grimmelshausen et d’autres encore, appartiennent à ce courant de la littérature européenne où ont lentement mûri les germes de la polyphonie, et que Dostoiévski est venu couronner. (BAKHTIN, 1970, p. 69)

“Teoria do Medalhão” é um conto construído em forma de diálogo direto, sem a presença, portanto, de um narrador. As personagens não são apresentadas ao leitor, que tem acesso somente à conversa que se inicia após o jantar:

 Estás com sono?  Não, senhor.  Nem eu; conversemos um pouco. Abre a janela. Que horas são?  Onze.  Saiu o último conviva do nosso modesto jantar. Com que, meu peralta, chegaste aos teus vinte e um anos. Há vinte e um anos, no dia 5 de agosto de 1854, vinhas tu à luz, um pirralho de nada, e estás homem, longos bigodes, alguns namoros ...  Papai ... (ASSIS, 1998, p. 328)

Por meio do diálogo, sabe-se o horário em que a conversa se inicia, a data de nascimento de Janjão, pormenores da aparência física do rapaz e de sua vida pessoal. Ouvem-se as vozes de Janjão e de seu pai, o que leva a pensar em “pluralidade de vozes autônomas”, já que elas não representam, de forma alguma, o ponto de vista de Machado de Assis e sim se manifestam como “consciências independentes e distintas” (BAKHTIN, 1970, p. 32-33). Além disso, Janjão e seu pai não servem de porta-vozes da filosofia machadiana. É bem verdade que o diálogo estabelecido entre pai e filho parece um “monólogo autoritário”, como bem apontou Villaça (2008). Mas as interrupções de Janjão ocorrem, quer seja para discordar do pai, quer seja

(^3) Lounatcharski refere-se a Shakespeare e Balzac em De la pluralité des voix chez Dostoiévski. (APUD BAKHTIN, 1970, p. 68)

acabo como vês, sem outra consolação e relevo moral, além das esperanças que deposito em ti” (ASSIS, 1998, p. 329). Nota-se, por meio do diálogo encetado pelo pai, que os conselhos dados a Janjão não possuem nada de enobrecedor. Não é esse o tipo de conselho que se dá a um filho que alcança a maioridade e o qual se deseja preparar para a vida, para o mundo. Normalmente, pais ensinam seus filhos a serem honestos, dignos, confiáveis. O pai de Janjão, ao contrário, deseja ver o filho “acima da obscuridade comum”, e tenta convencê-lo a pensar exclusivamente na importância que poderá adquirir na sociedade em que vivem, sociedade esta que prioriza as aparências, a publicidade conquistada por meio de “pequenos mimos, confeitos, almofadinhas”. Ele chama a D. Quixote um “ilustre lunático” ao desejar fazer-se conhecido graças a ações heroicas ou custosas:

O verdadeiro medalhão tem outra política. Longe de inventar um Tratado científico da criação dos carneiros , compra um carneiro e dá-o aos amigos sob a forma de um jantar, cuja notícia não pode ser indiferente aos seus concidadãos. (ASSIS, 1992, p. 334)

Outro ponto a destacar é o elemento cômico, ausente em Le Père Goriot , de Balzac. Nesse romance, o leitor pode chegar às lágrimas, revoltando-se com a indiferença e o egoísmo das filhas de Goriot. No conto machadiano, apesar do diálogo ser aparentemente sério, ele é permeado de ideias absurdas que levam ao riso: quando o pai sugere a Janjão que siga a “carreira” de Medalhão, o rapaz duvida de sua própria capacidade. Mas a explicação paterna o convence: ele é naturalmente “dotado da perfeita inópia mental”, ou seja, da pobreza de ideias:

 Tu, meu filho, se não me engano, pareces dotado da perfeita inópia mental, conveniente ao uso deste nobre ofício. Não me refiro tanto à fidelidade com que repetes numa sala as opiniões ouvidas numa esquina, e vice-versa, porque esse fato, posto indique certa carência de ideias, ainda assim pode não passar de uma traição de memória. Não, refiro-me ao gesto correto e perfilado com que usas expender francamente as tuas simpatias ou antipatias acerca do corte de um colete, das dimensões de um chapéu, do ranger ou calar das botas novas. (ASSIS, 1992, p. 330) No entanto, as ideias podem surgir, porque são “espontâneas e súbitas”. É preciso refreá- las com um regime “debilitante”: “ler compêndios de retórica, ouvir certos discursos, etc.” (ASSIS, 1992, p. 330). O passeio nas ruas também pode ser útil, sobretudo se ele não andar desacompanhado, pois “a solidão é oficina de ideias”. O cúmulo da exposição do pai ocorre quando ele sugere ao filho que tome cuidado com livrarias e só as frequente para comentar os

boatos do dia, as anedotas da semana, “um contrabando, uma calúnia”; ou seja, para conversar, e não comprar livros. Outra sugestão paterna é a de que, ao cair de um carro, “sem outro dano, além do susto, é útil mandá-lo dizer aos quatro ventos, não pelo fato em si, que é insignificante, mas pelo efeito de recordar um nome caro às afeições gerais” (ASSIS, 1992, p.330). Finalmente, o último aspecto da literatura carnavalizada a ser analisado é a paródia, considerada por Bakhtin um elemento inseparável da sátira menipeia. Na sua origem, o conceito significa “canto paralelo” ou “contra canto” e tem como uma de suas características a inversão irônica. Para o filósofo russo, “toute chose a sa parodie, c’est-à-dire son aspect comique, car tout renaît et se renouvelle à travers la mort” (BAKHTIN, 1970, p. 175). O título do conto, “Teoria do Medalhão” é uma desconstrução paródica de textos científicos, morais, religiosos ou elevados, pois “teoria” remete a estudo, ao resultado de análise séria e refletida, enquanto “medalhão” é o sujeito desprovido de talento, lançado a posições importantes devido às amizades, ao dinheiro e/ou à publicidade. Além disso, a conversa estabelecida entre um pai e seu filho que acaba de completar 21 anos é uma inversão irônica do diálogo ideal que deveria ser mantido entre o progenitor, exemplo de comportamento, e o rapaz, que se lança para a vida; ou seja, da paideia , como bem apontou Montesini (2010). A paródia que leva ao riso não deve, entretanto, escamotear o sentido do conto: para triunfar na sociedade carioca oitocentista, é preciso usar máscaras, reprimir as ideias, seguir a ideologia dominante.

Se o uso do termo “medalhão” e o teor paradoxal do discurso supõem um tom de escárnio, convém, mais uma vez, não esgotar a leitura no seu efeito de riso e paródia. Como o alienista, o medalhão traz em si o carisma da autoridade, é a voz sempre igual da soberania e dos seus validos; e se o candidato ao galarim da fama deve reprimir e suprimir afetos ou ideias espontâneas, é porque a vida social média tampouco tolera que se mostre a cara por um minuto sequer. A mascarada é séria. (BOSI, 1992, p. 94)

Servindo-se, portanto, de um discurso pertencente à ideologia oficial do oitocentos, ou seja, aquela instituída pela hegemonia dominante, o pai sugere ao filho que abandone seus ideais, anulando seus pensamentos e gostos, a fim de se tornar um verdadeiro Medalhão. O mesmo ocorre em Le Père Goriot de Balzac: Madame de Beauséant e Vautrin mostram a Rastignac que os ideais provincianos ligados à família, à honestidade e ao trabalho devem ser substituídos pela ambição e pelo cálculo. A diferença entre o conto e o romance baseia-se nas vozes que se manifestam nessas obras: em “Teoria do Medalhão”, as vozes das personagens apresentam independência na estrutura da obra e são equipolentes, enquanto em Le Père Goriot elas se tornam