











































Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Prepare-se para as provas
Estude fácil! Tem muito documento disponível na Docsity
Prepare-se para as provas com trabalhos de outros alunos como você, aqui na Docsity
Os melhores documentos à venda: Trabalhos de alunos formados
Prepare-se com as videoaulas e exercícios resolvidos criados a partir da grade da sua Universidade
Responda perguntas de provas passadas e avalie sua preparação.
Ganhe pontos para baixar
Ganhe pontos ajudando outros esrudantes ou compre um plano Premium
Comunidade
Peça ajuda à comunidade e tire suas dúvidas relacionadas ao estudo
Descubra as melhores universidades em seu país de acordo com os usuários da Docsity
Guias grátis
Baixe gratuitamente nossos guias de estudo, métodos para diminuir a ansiedade, dicas de TCC preparadas pelos professores da Docsity
Pobreza menstrual é um conceito que reúne em duas palavras um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, vivenciado por meninas e mulheres devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação. É recorrente o total desconhecimento do assunto ou, quando existe algum conhecimento, há a percepção de que este é um problema distante da realidade brasileira. Imagina-se que a pobreza menstrual atinja apenas países que, no senso comum, seriam muito pobres ou mais díspares em termos de desigualdade de gênero que o Brasil.
Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas
1 / 51
Esta página não é visível na pré-visualização
Não perca as partes importantes!
Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF)
REPRESENTANTE DO UNFPA NO BRASIL Astrid Bant
REPRESENTANTE AUXILIAR NO BRASIL Junia Quiroga
Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA)
COORDENAÇÃO EDITORIAL Gabriela Monteiro
AUTORIA Caroline Costa Moraes dos Santos
TEXTOS DE APOIO Angela Roman Julia Alencastro
REVISÃO DE CONTEÚDO E ABORDAGEM Anna Cunha Gabriela Monteiro Gabriela Mora Luana Natielle Basílio e Silva
REVISÃO DE TEXTO Fabiane Guimarães
PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Diego Silva
IMAGEM DE CAPA Freepik
Florence Bauer
REPRESENTANTE ADJUNTA PARA PROGRAMAS DO UNICEF NO BRASIL Paola Babos
4
APRESENTAÇÃO
O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), enquanto agência da ONU para questões de desenvolvimento populacional com foco nas áreas de saú- de sexual, reprodutiva, igualdade de gênero, raça e juventudes, e o Fundo das Na- ções Unidas para a Infância (UNICEF), que trabalha pela garantia dos direitos de cada criança e adolescente, apresentam o Relatório “A Pobreza Menstrual Viven- ciada Pelas Meninas Brasileiras”. Este relatório coloca luz nessa temática ainda en- volta em tabus, escassez de dados e desinformação. Discutir a saúde e os direitos menstruais publicamente é um dos compromissos do UNFPA e do UNICEF na resposta à pobreza menstrual, que afeta negativamente parte importante das pes- soas que menstruam no país - como retrata este relatório. O tema explicita as vin- culações entre a dignidade menstrual e o exercício dos direitos à água e saneamen- to adequados na escola e em casa. Os dados apresentados demonstram como, no Brasil, crianças e adolescentes que menstruam têm seus direitos à escola de quali- dade, moradia digna, saúde, incluindo sexual e reprodutiva violados, quando seus direitos à água, saneamento e higiene não são garantidos nos espaços em que con- vivem e passam boa parte de suas vidas. A partir de dados do IBGE - por meio da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE) e Pesquisa de Orçamentos Familia- res (POF) - e de extensa revisão bibliográfica, o Relatório traz um cenário preo- cupante com relação aos direitos menstruais, marcado pelas históricas desigualda- des de gênero, raça, região e classe social, agravadas em tempos de crise sanitária e econômica. Como o documento descreve, a pobreza menstrual se refere a inúmeros de- safios de acesso a direitos e insumos de saúde. Estes desafios representam, para meninas, mulheres, homens trans e pessoas não binárias que menstruam, aces- so desigual a direitos e oportunidades, o que contribui para retroalimentar ciclos transgeracionais de inequidades de gênero, raça, classe social, além de impactar ne- gativamente a trajetória educacional e profissional. Enquanto fenômeno multidimensional e transdisciplinar, a pobreza menstrual exige estratégias de enfrentamento igualmente complexas e multissetoriais, que se relacionam aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e ao Programa de Ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento/CIPD e que devem compreender ações no âmbito das políticas de educação, saúde e sa- neamento básico. Para o Fundo de População das Nações Unidas e o Fundo das Nações Unidas para a Infância, olhar para a pobreza menstrual sob a perspectiva da garantia dos direitos menstruais é fundamental para perseguir os compromissos da CIPD e dos ODS e contribuir para a promoção da saúde e dos direitos sexuais e reproduti- vos, do direito à água e saneamento, da equidade de gênero e da autonomia cor- poral, condições para que todas as pessoas que menstruam desenvolvam seu ple- no potencial.
5
INTRODUÇÃO
Pobreza menstrual é um conceito que reúne em duas palavras um fenômeno complexo, transdisciplinar e multidimensional, vivenciado por meninas e mulhe- res devido à falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que te- nham plena capacidade de cuidar da sua menstruação. É recorrente o total desco- nhecimento do assunto ou, quando existe algum conhecimento, há a percepção de que este é um problema distante da realidade brasileira. Imagina-se que a po- breza menstrual atinja apenas países que, no senso comum, seriam muito pobres ou mais díspares em termos de desigualdade de gênero que o Brasil. Já para o ce- nário brasileiro, com esforço, eventualmente lembramos da situação de mulheres encarceradas, mas não se observa a situação de meninas brasileiras que vivem em condições de pobreza e vulnerabilidade mesmo nas grandes metrópoles, privadas de acesso a serviços de saneamento, recursos para a higiene e até mesmo do conhe- cimento sobre o próprio corpo. O desconhecimento sobre o cuidado da saúde menstrual pode afetar mesmo as pessoas que não estão em situação de pobreza. Elas podem enfrentar a falta de pro- dutos para a adequada higiene menstrual por considerarmos o absorvente como um produto supérfluo ou ainda porque, em geral, meninas de 10 a 19 anos não decidem sobre a alocação do orçamento da família, sobrando pouca ou nenhuma renda para ser utilizada para esse fim, i.e., a compra de produtos e insumos que ajudem a garantir a dignidade menstrual. Além disso, não falar sobre a menstruação já é um jeito de falar sobre ela. A omissão demonstra preconceitos perpetuados no dia a dia. Não nomear a mens- truação usando no lugar eufemismos como “estar naqueles dias”, “estar de chico”, “regras”, significa tornar invisível um fenômeno fisiológico e recorrente, além de alimentar mitos e tabus extremamente danosos às mulheres, meninas e pessoas que menstruam de maneira geral. São muitas imposições culturais a partir do momen- to que uma pessoa menstrua pela primeira vez. Diz-se que ela “agora é mulher”, ordena-se que “feche as pernas” e se comporte como “mocinha”, não reconhecen- do que essas meninas ainda são crianças e não deveriam ser expostas a crenças tão limitadoras e restritivas, expondo-as a tabus e sentimentos de vergonha. Esse pro- cesso de envergonhamento pode restringir a participação em atividades esportivas, bem como limitar as brincadeiras e a convivência com seus amigos, atos simples e tão importantes para o desenvolvimento da criatividade, coordenação motora, per- cepção espacial, socialização, entre outras competências importantes. É evidente que entraves para acessar direitos menstruais representam barreiras ao completo desenvolvimento do potencial das pessoas que menstruam. Por isso, é fundamental que se investigue mais profundamente o tamanho do impacto econô- mico na vida delas, que pode gerar reflexos ao longo da vida adulta. Faz-se urgen- te entender, ainda, a importância das perdas econômicas (ou não ganhos) implica- das, não só para elas como para toda a sociedade. Além das questões econômicas, garantir a dignidade menstrual vai ao encontro da garantia dos direitos sexuais e reprodutivos, sendo também uma maneira de assegurar o direito à autonomia cor- poral e à autodeterminação para as meninas, meninos trans e pessoas não binárias que menstruam. A privação desses direitos como caracterizada pela pobreza mens-
7
METODOLOGIA
O ponto de partida deste trabalho é a definição de menina, utilizada como o recorte de gênero e etário dos nossos dados e das análises realizadas. O Es- tatuto da Criança e do Adolescente – ECA estabelece que criança é o indivíduo que tem até 12 anos de idade incompletos, enquanto adolescentes, por sua vez, são indivíduos entre 12 e 18 anos. Nos casos expressos em lei, aplica-se excepcional- mente o ECA às pessoas entre 18 e 21 anos. No nosso estudo, entretanto, consi- deraremos a faixa etária de 10 a 19 anos de acordo com o padrão estabelecido pela Organização Mundial da Saúde – OMS e utilizado da mesma forma em incontá- veis outros trabalhos. Além do recorte de gênero e também do grupo etário analisado neste traba- lho, será fundamental a identificação de diferentes recortes nos dados que avaliem outras desigualdades tais como a raça, classe social, renda familiar, dentre outros. Nos interessa também entender a realidade das meninas que menstruam, escola- rizadas ou não, e como essas são afetadas pela dificuldade de acesso a seus direi- tos menstruais. Os dados analisados aqui foram adquiridos diretamente por meio dos portais oficiais do IBGE ou de outros órgãos responsáveis diretamente pela realização do levantamento de dados. Após download dos dados, esses foram processados princi- palmente por meio do software estatístico e de análise de dados Stata versão 15.1. Utilizamos o comando svy para a incorporação do desenho amostral utilizado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em suas pesquisas, empre- gando o fator de expansão disponibilizado nas respectivas bases de dados para a realização do estudo no universo da população brasileira a partir dos dados coleta- dos e apresentados nas amostras. Para tal, como uma etapa que se inicia antes do tratamento de dados e acom- panha todas as demais etapas deste trabalho, realizamos uma extensa revisão bi- bliográfica, apesar de não a esgotar, englobando artigos publicados em periódicos, livros e, mesmo a chamada grey literature , que representa uma parcela extensa do volume total de trabalhos sobre a pobreza menstrual. É importante frisar aqui que, embora seja possível encontrar um número considerável de estudos normativos e qualitativos, raríssimas são as fontes de dados quantitativos, que, quando encon- tradas (à exceção de fontes oficiais tais como as do IBGE), são cifras em que não é possível confirmar a fonte, ou que não conseguimos verificar a metodologia em- pregada para a obtenção do dado final, ou ainda cuja amostra é muito pouco re- presentativa das meninas e mulheres da população brasileira. Assim, um dos principais objetivos do presente estudo é apontar a urgência de termos não só mais estudos produzidos sobre a pobreza menstrual com um olhar mais quantitativo, mas também sobre a necessidade da coleta de mais dados refe- rentes à pobreza menstrual. A única pesquisa que continha um dado referente ao absenteísmo atribuído diretamente a problemas menstruais para meninas, poden- do ser dismenorreia e não necessariamente pobreza menstrual, era a Pesquisa Na- cional de Saúde – PNS de 2013, no entanto, esse dado foi perdido na pesquisa mais recente, PNS 2019.
8
Ainda incluso na etapa de revisão bibliográfica, realizamos o estudo dos ma- nuais e notas técnicas disponibilizados pelos institutos de pesquisa, mantendo em observância às possibilidades e limitações dos dados disponíveis. Como aqui nos- so objeto de estudo está centrado em meninas entre 10 e 19 anos, com preocupa- ção particular sobre a influência da ausência de infraestrutura, insumos e infor- mação para o cuidado da saúde menstrual, nos debruçamos principalmente sobre a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE. Além de analisar o comporta- mento e as condições das meninas enquanto estudantes, utilizamos também bases de dados que buscam analisar as meninas fora do ambiente escolar, como possibi- litam a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), ambas do IBGE. A seguir, descreveremos brevemente alguns pontos abor- dados nas principais bases de dados utilizadas no presente estudo.
A Pesquisa Nacional de Saúde de 2013 realizada pelo IBGE, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), coletou informações sobre o desempenho do sistema nacional de saúde para a população, bem como sobre as condições de saúde dos brasileiros. A PNS foi composta por três questionários: o domiciliar, o relativo a todos os moradores do domicílio, e o individual, esse último respondi- do por morador do domicílio maior de 18 anos selecionado aleatoriamente entre todos os elegíveis, com o objetivo de analisar doenças crônicas não transmissíveis, estilo de vida e acesso ao atendimento médico. Em 2013, entrevistou 60.202 do- micílios, sendo que dentro desse universo tivemos, por exemplo, 33.715 mulheres respondendo sobre a idade da primeira menstruação. Outro ponto relevante para o nosso estudo que foi pesquisado pela PNS 2013 diz respeito ao motivo de saúde principal para o afastamento das atividades habi- tuais (“trabalhar, ir à escola, brincar, ou afazeres domésticos, etc.”), inclusive de- vido a problemas menstruais, nos 14 dias que antecederam a pesquisa. Porém, na pesquisa mais recente, a PNS 2019, o dado sobre afastamento das atividades em virtude de problemas menstruais foi agregado a outras questões de natureza gine- cológica/obstétrica como gravidez e parto, de forma que perdemos os dados exclu- sivos sobre questões menstruais.
Investigamos também os microdados provenientes da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE 2015 conduzida pelo IBGE. As condições das esco- las no que diz respeito as suas características físicas, adoção de práticas educativas e políticas educacionais, além do contexto de segurança dos arredores, são apenas alguns dos alvos de estudo da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar – PeNSE. A pesquisa possui como objetivo investigar informações que permitam conhe- cer e dimensionar os fatores de risco e proteção à saúde dos adolescentes. O es- tudo sondou duas amostras independentes de estudantes: a Amostra 1, escolares que cursavam o 9o ano do ensino fundamental (102.072 alunos na amostra), e a Amostra 2, com estudantes regularmente matriculados do 6o ano do ensino fun- damental à 3a série do ensino médio (16.556 alunos na amostra). Em ambas as amostras, são alunos matriculados e frequentando a escola regularmente. A coleta
10
Para fins de divulgação da POF, o IBGE admite o uso da palavra família como equivalente à unidade de consumo, unidade básica de investigação da pesquisa. Assim, eventualmente também utilizaremos o termo família nesse contexto. A partir do perfil de consumo das famílias e seus rendimentos, a POF é utili- zada para calcular a importância de um determinado produto na cesta de bens e serviços consumidos pelos brasileiros. Assim, os índices de inflação gerados pelo IBGE, como IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) e INPC (Índice Na- cional de Preços ao Consumidor), levam em consideração a estrutura orçamentá- ria posta pela POF, inclusive a informação sobre a despesa com absorventes. No futuro, será particularmente interessante acompanhar a evolução da inflação para os absorventes nos estados em que já estão em efeito os projetos de lei que redu- zem a tributação sobre esses produtos. Na POF 2017-2018, as variáveis analisadas são, por exemplo, o sexo da pes- soa de referência; idade e sexo do grupo de interesse – nesse caso, meninas de 10 a 19 anos –, a raça ou etnia, faixa de renda, domicílio em região urbana ou rural, insegurança alimentar das pessoas do domicílio. No que se refere ao domicílio, in- vestigamos questões de infraestrutura como presença de banheiro na casa, banhei- ro com chuveiro, esgotamento sanitário, rede de abastecimento de água, coleta de lixo. Quanto ao consumo, investigamos os gastos da unidade de consumo com ab- sorventes, informação indisponível em todas as bases de microdados pesquisadas, incluindo a Pesquisa Nacional de Saúde, à exceção da POF. A partir de dados da POF, descobrimos ainda que mais de 8,7 milhões de me- ninas vivem em uma unidade de consumo em que foi relatada a compra de absor- vente, mesmo que descrita no formulário de outra pessoa na casa. Embora o gasto com absorventes deva ser registrado no formulário de despesa individual, o con- sumo deles pode ser compartilhado pelas pessoas da família. Uma das evidências que nos leva a pensar sobre isso é o relato de compra de absorventes no formulário de despesa individual imputado a homens. Além disso, as notas técnicas apontam que, no caso de menores de 10 anos, a aquisição de produtos de uso pessoal deve ser declarada por um adulto juntamente ao consumo individual desse responden- te. Adicionalmente, ainda verificamos a variável que informa se a menina realiza as próprias compras, mesmo que não tenha rendimentos próprios, o que se verifi- ca com o aumento da idade. Procederemos, então, com a análise de dados não só a partir do reporte individual da menina, como também do gasto com absorven- tes agregado ao nível de unidade de consumo. A POF 2017-2018 apresentou uma amostra de 14 mil crianças e adolescentes brasileiras do sexo feminino na faixa etária de 10 a 19 anos, o que representa uma população de quase 15,5 milhões de meninas. Entre os principais temas que inves- tigaremos através dessa base de microdados, podemos citar: características socioe- conômicas das meninas, presença de banheiros com sanitário e chuveiro de uso exclusivo dos moradores do domicílio ou compartilhados, acesso a serviços como água encanada, esgotamento sanitário, energia elétrica, que podem ser compara- dos às percepções subjetivas sobre o padrão de vida familiar e condições da mora- dia, também disponíveis na pesquisa.
11
A POBREZA MENSTRUAL E
FATORES RELACIONADOS
A pobreza menstrual é um fenômeno complexo, multidimensional e transdis- ciplinar caracterizado principalmente pelos seguintes pilares:
Quando não há acesso adequado aos produtos de higiene menstrual, é ampla- mente reportado por diversas pesquisas em várias regiões do mundo que meninas e mulheres fazem uso de soluções improvisadas para conter o sangramento mens- trual com pedaços de pano usados, roupas velhas, jornal e até miolo de pão. Outra face do problema, para além dos meios improvisados, diz respeito à situação em que meninas e mulheres não conseguem realizar de três a seis trocas diárias de ab- sorventes, conforme a indicação de ginecologistas, permanecendo com o mesmo absorvente por muitas horas, seja porque o custo dos absorventes exerce um peso importante no orçamento das famílias mais pobres (que em vários casos enfren- tam algum grau de insegurança alimentar), seja porque o item é considerado su- pérfluo mesmo quando existe algum espaço orçamentário que acomodaria a com- pra de uma quantidade maior do produto, ou ainda nos casos em que a menina ou mulher está institucionalizada e tem o seu acesso aos produtos menstruais con- trolado, para citar apenas alguns fatores. Como consequência desse insuficiente ou inadequado manejo da menstruação podem ocorrer diversos problemas que variam desde questões fisiológicas, como alergia e irritação da pele e mucosas, infecções urogenitais como a cistite e a candi- díase, e até uma condição que pode levar à morte, conhecida como Síndrome do Choque Tóxico. Do ponto de vista de saúde emocional, a pobreza menstrual pode causar desconfortos, insegurança e estresse, contribuindo assim para aumentar a
13
nada e esgotamento sanitário, por exemplo, como em algumas regiões das favelas ou das pessoas em situação de rua, que ficariam impossibilitadas de utilizar solu- ções reutilizáveis em virtude da impossibilidade de higienização adequada desses produtos para uso futuro. Portanto, mais um desafio para enfrentarmos a pobre- za menstrual é conhecermos as condições em que as pessoas que menstruam estão inseridas, não existindo, portanto, uma solução única para o problema. Aqui, re- forçamos também que é importante incorporar todas as soluções disponíveis para o cuidado menstrual adequado, entendendo que necessidades e contextos diferen- tes exigem, é claro, manejos diferentes. Para isso, é indispensável conhecer profundamente as vantagens e limitações de cada produto. Por exemplo, o coletor menstrual é um produto reutilizável, durá- vel, que diminui o já mencionado descarte de plásticos de uso único, dentre outros muitos benefícios, mas apresenta a limitação de que é necessário um ótimo conhe- cimento sobre a própria anatomia, não só pelo local da inserção, mas também pelo conhecimento da altura do colo do útero. Além disso, é preciso testar várias do- bras e descobrir qual a mais adequada; saber avaliar se o coletor se abriu adequada- mente e se está posicionado corretamente para evitar desconfortos e vazamentos. Ou seja, é necessário autoconhecimento e informação para a utilização mais efi- caz, o que é bastante difícil para crianças ou jovens que acabaram de ter a menarca. Outro ponto é que a vilanização do produto descartável com o discurso de proteção ao meio ambiente desconsidera as necessidades de menstruantes que vi- vem em situação de vulnerabilidade, em que não há acesso à água limpa para a hi- gienização adequada dos reutilizáveis, seja um produto de tecido ou mesmo do co- letor, e pode penalizar as pessoas com mais tempo gasto para o manejo menstrual, uma vez que é preciso lavar o protetor ou calcinha menstrual. Desconsiderar essas peculiaridades pode contribuir para negar o acesso aos direitos menstruais. Além disso, conforme aponta a Dra. Marni Sommer em um guia de 2017 para gerencia- mento de crises humanitárias, é importante conhecer também as preferências das pessoas que menstruam para a formulação de políticas públicas, de forma a aten- der suas necessidades da forma mais adequada possível. Além da estigmatização de algumas formas de coletores ou absorventes mens- truais, outros fatores, quando mal abordados, podem atrapalhar o enfrentamen- to da pobreza menstrual. Podemos citar como exemplo que muitas das biblio- grafias disponíveis, inclusive as publicadas em periódicos muito bem avaliados entre os pares, tendem a repetir argumentos biologizantes que reforçam estereó- tipos de gênero extremamente prejudiciais às pessoas que menstruam. Com base nesses trabalhos, a conduta de políticas públicas, políticas sociais e mesmo a con- duta clínica dos médicos repete preconceitos e contribui para que pessoas que menstruam se sintam inferiorizadas. A forma como se fala da menstruação relacio- nando-a frequentemente à síndrome pré-menstrual (mais conhecida como tensão pré-menstrual, a TPM) assume como patológico os sentimentos e insatisfações de menstruantes, colocando-os como uma doença que deve ser medicada e não insa- tisfações que devem ser compreendidas e solucionadas.
14
WASH é um acrônimo do inglês para water, sanitation, hygiene : água, sanea- mento e higiene, fatores apontados como fundamentais principalmente durante o período menstrual. Nesse estudo, investigamos variáveis relacionadas a esses te- mas nas bases da PeNSE, principalmente relacionada à experiência de menstruar na escola, e POF, relacionada à experiência de menstruar em casa. Algumas condições são necessárias para o manejo saudável da menstruação: ter acesso rápido a banheiros adequados para trocar o produto menstrual utiliza- do para absorção do fluxo; um local para descarte dos produtos menstruais usa- dos; sabão e água, de preferência encanada, para higiene das mãos e corpo. Sem acesso a essas condições básicas, menstruantes podem ter sua saúde, mobilidade e dignidade afetadas. A garantia de acesso a sanitários seguros, limpos e apropriados durante a mens - truação é essencial para prevenir infecções e outras questões de saúde gerados pelo uso contínuo de um mesmo produto menstrual. Um caso que é relatado na litera- tura de pobreza menstrual é o das meninas ou mulheres que retêm a urina por pe- ríodos prolongados por não dispor de condições para se higienizar durante a mens- truação, o que pode causar, dentre outras questões de saúde, infecções urinárias. Do ponto de vista de saúde emocional, a ausência de boas condições para o cuidado da saúde menstrual pode causar desconforto, insegurança e estresse, e contribuir para aumentar a discriminação e estigmatização. Além disso, a busca por banheiros, especialmente quando estão distantes, em áreas isoladas, mal ilumi- nadas ou em regiões consideradas perigosas, pode constituir um perigo à integrida- de física da mulher, expondo-a ao risco de ser vítima de violência sexual. Segundo revisão bibliográfica sobre o tema, incluindo o relatório da WaterAid, os sanitários públicos adaptados às pessoas que menstruam devem respeitar os se- guintes aspectos:
- Segurança: o banheiro deve possuir tranca e garantir a privacidade (com cabines individuais, reforçadas e de material opaco); deve ainda estar lo- calizado em um local seguro, indicado por placas, com entradas separadas para banheiros de homens e mulheres, e com boa iluminação. - Higiene: água e sabão, papel higiênico, acesso a produtos menstruais, gan- chos ou prateleiras para que os pertences não fiquem em contato com a contaminação do chão, espelhos, meios para lavar e/ou eliminar produtos menstruais, evitando o descarte de absorventes no vaso sanitário que re- sultam em entupimento. - Acessibilidade: ser alcançável por meio de um caminho acessível e dispor de ao menos uma cabine acessível a todos as pessoas. - Disponibilidade: contar com cabines suficientes para evitar filas longas, estar aberto quando necessário. - Manutenção: contar com bons planos de gestão, limpeza e manutenção.
Essas condições serão investigadas nas bases de dados da PeNSE 2015 e POF 2017-2018, dentro das limitações dessas bases. Por exemplo, a PeNSE coletou in-
POBREZA MENSTRUAL NO BRASIL: DESIGUALDADES E VIOLAÇÕES DE DIREITOS
16
ERRADICAÇÃODA POBREZA FOME ZEROE AGRICULTURA SUSTENTÁVEL
SAÚDEBEM-ESTARE QUALIDADEEDUCAÇÃO DE
DE GÊNEROIGUALDADE^ E SANEAMENTOÁGUA POTÁVEL^ ENERGIA LIMPAE ACESSÍVEL
INDÚSTE INFRAESTRUTURARIA, INOVAÇÃO CIDADESCOMUNIDADESE SUSTENTÁVEIS
CONSUMOPRODUÇÃOE RESPONSÁVEIS
AÇÃO CONTRA AMUDANÇA GLOBAL DO CLIMA
VIDA NAÁGUA VIDATERRESTRE PAZ, JUSTIÇAINSTITUIÇÕESE EFICAZES
PARCERIAS E MEIOSDE IMPLEMENTAÇÃO
REDUÇÃO DASDESIGUALDADES
TRABALHO DEE CRESCIMENTOCENTE ECONÔMICO
ERRADICAÇÃODA POBREZA FOME ZEROE AGRICULTURA SUSTENTÁVEL
SAÚDEBEM-ESTARE QUALIDADEEDUCAÇÃO DE
DE GÊNEROIGUALDADE^ E SANEAMENTOÁGUA POTÁVEL^ ENERGIA LIMPAE ACESSÍVEL
INDÚSTE INFRAESTRUTURARIA, INOVAÇÃO CIDADESCOMUNIDADESE SUSTENTÁVEIS
CONSUMOPRODUÇÃOE RESPONSÁVEIS
AÇÃO CONTRA AMUDANÇA GLOBAL DO CLIMA
VIDA NAÁGUA VIDATERRESTRE PAZ, JUSTIÇAINSTITUIÇÕESE EFICAZES
PARCERIAS E MEIOSDE IMPLEMENTAÇÃO
REDUÇÃO DASDESIGUALDADES
TRABALHO DEE CRESCIMENTOCENTE ECONÔMICO
FOME ZEROE AGRICULTURA SUSTENTÁVEL
SAÚDEBEM-ESTARE QUALIDADEEDUCAÇÃO DE
E SANEAMENTOÁGUA POTÁVEL^ ENERGIA LIMPAE ACESSÍVEL
CIDADESCOMUNIDADESE SUSTENTÁVEIS
CONSUMOPRODUÇÃOE RESPONSÁVEIS
VIDA NAÁGUA VIDATERRESTRE PAZ, JUSTIÇAINSTITUIÇÕESE EFICAZES
REDUÇÃO DASDESIGUALDADES
E CRESCIMENTOTRABALHO DECENTE ECONÔMICO
SAÚDEBEM-ESTARE QUALIDADEEDUCAÇÃO DE
ENERGIA LIMPAE ACESSÍVEL
CIDADESCOMUNIDADESE SUSTENTÁVEIS
CONSUMOPRODUÇÃOE RESPONSÁVEIS
VIDATERRESTRE PAZ, JUSTIÇAINSTITUIÇÕESE EFICAZES
E CRESCIMENTOTRABALHO DECENTE ECONÔMICO
ERRADICAÇÃODA POBREZA FOME ZEROE AGRICULTURA SUSTENTÁVEL
SAÚDEBEM-ESTARE QUALIDADEEDUCAÇÃO DE
DE GÊNEROIGUALDADE^ E SANEAMENTOÁGUA POTÁVEL^ ENERGIA LIMPAE ACESSÍVEL
INDÚSTE INFRAESTRUTURARIA, INOVAÇÃO CIDADESCOMUNIDADESE SUSTENTÁVEIS
CONSUMOPRODUÇÃOE RESPONSÁVEIS
AÇÃO CONTRA AMUDANÇA GLOBAL DO CLIMA
VIDA NAÁGUA VIDATERRESTRE PAZ, JUSTIÇAINSTITUIÇÕESE EFICAZES
PARCERIAS E MEIOSDE IMPLEMENTAÇÃO
REDUÇÃO DASDESIGUALDADES
TRABALHO DEE CRESCIMENTOCENTE SAÚDEE ECONÔMICO BEM-ESTAR QUALIDADEEDUCAÇÃO DE
ENERGIA LIMPAE ACESSÍVEL
CIDADESCOMUNIDADESE SUSTENTÁVEIS
CONSUMOPRODUÇÃOE RESPONSÁVEIS
VIDATERRESTRE PAZ, JUSTIÇAINSTITUIÇÕESE EFICAZES
E CRESCIMENTOTRABALHO DECENTE ECONÔMICO
SAÚDEBEM-ESTARE QUALIDADEEDUCAÇÃO DE
ENERGIA LIMPAE ACESSÍVEL
CIDADESCOMUNIDADESE SUSTENTÁVEIS
CONSUMOPRODUÇÃOE RESPONSÁVEIS
VIDATERRESTRE PAZ, JUSTIÇAINSTITUIÇÕESE EFICAZES
E CRESCIMENTOTRABALHO DECENTE ECONÔMICO
17
RESULTADOS
Após encontrar as bases de dados que traziam informações sobre a experiência das brasileiras quanto à menstruação, uma das nossas primeiras investigações foi tentar entender a distribuição por idades das meninas que já menstruam. Esse co- nhecimento é fundamental para identificarmos a faixa de idade em que as meni- nas já estariam sujeitas à pobreza menstrual, seja com condições desfavoráveis tan- to na escola quanto em casa.
MENARCA. Essa análise pode ser feita a partir dos dados da PNS 2013. A mé- dia de idade no momento da ocorrência da primeira menstruação para as mulhe- res brasileiras foi de 13 anos, com quase 90% das mulheres tendo essa primeira experiência entre 11 e 15 anos de idade. A menarca ocorre entre 8 e 12 anos para quase 42% das mulheres e, portanto, antes da idade, na média, da menarca entre as brasileiras. Só 1% das mulheres relataram que menstruaram pela primeira vez após os 17 anos.
MENSTRUANDO DURANTE A VIDA ESCOLAR. Considerando as estatísticas descritivas acima para a idade da primeira menstruação, nota-se que, se estiverem cursando a série adequada para a idade, quase 90% das meninas passarão entre 3 a 7 anos da sua vida escolar menstruando. Conhecer esses números é de suma im- portância para a formulação de políticas públicas que permitam a permanência das meninas no âmbito escolar, garantindo os direitos menstruais para essas estudantes.
Para avaliar a experiência de escolares quanto a menstruar na escola, investiga- mos variáveis sobre a infraestrutura da escola que dizem respeito às perguntas so- bre a presença de banheiros na escola, banheiros separados por sexo, presença de pias ou lavatórios disponíveis para utilização após o uso do banheiro; todos em
19
Ao compararmos as grandes regiões do país, notamos que proporcionalmente a cada 10 meninas da região Sudeste que não tem papel higiênico disponível, exis- tem 23 na mesma condição na região Centro-Oeste. E ainda usando a região Su- deste como referência, o risco relativo de que uma menina da região Norte não te- nha este insumo nos banheiros da escola é de impressionantes 271% a mais.
PIAS E SABÃO. Outro aspecto importante sobre a infraestrutura diz respeito à higiene das mãos após o uso do banheiro, ao que encontramos que quase 652 mil meninas (6% do total) não possuem acesso a pias ou lavatórios em condi- ções de uso em suas escolas. Verificamos também a disponibilidade de outro pro- duto de suma importância, o sabão, que completa o conjunto WASH na PeNSE. O dado impressiona: são mais de 3,5 milhões de meninas que estudam em esco- las que não disponibilizam sabão para que os escolares lavem as mãos após o uso do banheiro, dentre as quais, 62,6% são pretas e pardas: 2,25 milhões de meni- nas. Essa proporção de meninas sem acesso a sabão na escola se mantém em 1 em cada 3 meninas para cada uma das grandes regiões do país, sendo um pouco maior no Norte e no Centro-Oeste.
CONDIÇÕES WASH. Ao agruparmos as informações anteriores relativas às es- colas, observamos que mais de 4 milhões de meninas (38,1% do total das estu- dantes) frequentam escolas com a privação de pelo menos um desses requisitos mínimos de higiene. Essas condições, avaliadas pelas variáveis que indicam a dis- ponibilidade na escola de banheiros em condições de uso, com a presença de pias ou lavatórios, papel higiênico e sabão, estão completamente ausentes nas escolas em que estudam quase 200 mil alunas diariamente e que não podem contar com nenhum item de higiene básica investigado no seu ambiente escolar, onde comu- mente passam grande parte do seu dia. Dito de outra forma: quase 200 mil alu- nas estão totalmente privadas de condições mínimas para cuidar da sua mens- truação na sua escola.
20
Em relação aos estados, encontramos que nos estados de Roraima, Mato Gros- so, Acre, Espírito Santo, Pará, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e no Distrito Fe- deral mais da metade das alunas do 9º ano estão ao menos parcialmente desaten- didas quanto a pelo menos um dos itens investigados para a higiene pessoal nas escolas. Quanto a estar totalmente desassistida, os estados com maiores percen- tuais são Acre (5,74%), Maranhão (4,80%), Roraima (4,13%), Piauí (4,00%) e Mato Grosso do Sul (3,61%).