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Conclui com um resumo das críticas às suas concepções e uma apresentação sintética do seu legado. Pierre Bourdieu: the theory in practice. This article presents ...
Tipologia: Notas de estudo
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S U M Á R I O : 1. Introdução; 2. Heranças; 3. Metassociologia; 4. Conceitos; 5. A teoria na prática; 6. Crítica e herança.
S U M M A R Y : 1. Introduction; 2. Legacies; 3. Meta-sociology; 4. Concepts; 5. The theory in practice; 6. Critique and legacy.
P A L A V R A S - C H A V E : método; Bourdieu; ciências humanas; ciências sociais.
K E Y W O R D S : method; Bourdieu; human sciences; social sciences.
Este artigo apresenta um programa para aplicação da forma de investigar de Pierre Bourdieu às pesquisas em ciências humanas e sociais. A partir da exposição sobre as suas fontes e práticas epistemológicas, o artigo discute o sistema de conceitos que Bourdieu utiliza e desenvolve um roteiro genérico de pesquisa baseado nas suas inves- tigações. Conclui com um resumo das críticas às suas concepções e uma apresentação sintética do seu legado.
Pierre Bourdieu: the theory in practice This article presents a program for applying Pierre Bourdieu’s investigation meth- ods to human and social sciences research. It begins by presenting their epistemo- logical origins and practices, and then discusses the concept system adopted by Bourdieu and develops a generic research guide based on his investigations. It con- cludes by summarizing the critique of his concepts and by making a synthetic pre- sentation of his legacy.
A obra sociofilosófica de Pierre Bourdieu pode ser entendida como uma teoria das estruturas sociais a partir de conceitos-chave. Nas suas investigações, Bourdieu eri-
ge uma variante modificada do estruturalismo. Ele se esforça para encontrar tramas lógicas ou problemáticas que evidenciem a presença de uma estrutura subjacente ao social. Segue a tradição de Saussure e de Lévi-Strauss, ao aceitar a existência de es- truturas objetivas, independentes da consciência e da vontade dos agentes. Mas deles difere ao sustentar que tais estruturas são produto de uma gênese social dos esquemas de percepção, de pensamento e de ação. Que as estruturas, as representações e as práticas constituem e são constituídas continuamente (Bourdieu, 1987:147). O estruturalismo de Bourdieu se volta para uma função crítica, a do desve- lamento da articulação do social. O método que adota se presta à análise dos mecanismos de dominação, da produção de idéias, da gênese das condutas. A seguir apresento uma síntese operacional deste método. O meu propósito é contri- buir para o desenvolvimento de pesquisas sobre estes temas em campos, como os da ciência da gestão, correlatos ao da sociologia. A compreensão da forma de investigar de Bourdieu apresenta uma dificuldade radical: o seu método não é suscetível de ser estudado separadamente das pesquisas onde é empregado (Bourdieu et al., 1990). Consta do cerne do que ele denominou de “estruturalismo genético” ou construtivista, a convicção de que as idéias, não só epis- temológicas, mas até mesmo as mais abstratas, como as da filosofia, as da ciência e as da criação artística são tributárias da sua condição de produção. Para Bourdieu acredi- tar que existe um método, uma filosofia pura do conceito ou um trabalho científico descarnado não passa de uma “ilusão escolástica” (Dortier, 2002:54). Para escapar a esta ilusão, o que procurei realizar foi uma análise — não uma interpretação — dos conceitos fundamentais e dos passos que Bourdieu seguiu nas suas investigações. Isto foi possível porque o que ele constrói e aperfeiçoa ao longo da vida não é propriamente um método original, mas um sistema de hábitos intelec- tuais que rejeita algumas idéias enquanto absorve outras das escolas de pensamento que fizeram fortuna na segunda metade do século passado.
A formação filosófica, a prática etnológica e a da posterior dedicação à sociologia ancoram Bourdieu à filosofia das ciências, na tradição de Bachelard (1984, 1990, 1996), e ao pensamento de Cassirer (1965, 1972), tanto no que se refere à sua filoso- fia das formas simbólicas, como à sua concepção relacional do conhecimento, e à fenomenologia de Husserl e Merleau-Ponty; trinômio ao qual ele une o modelo es- truturalista de Lévi-Strauss (Bourdieu et al., 1990:10). Mas as suas fontes se esten- dem ao marxismo e ao diálogo intelectual com contemporâneos, como Althusser, Habermas e Foucault.
bólica (Dollé, 1998:32), seja mediante coação física, sobre os corpos, seja através da coação espiritual, sobre as consciências (Bourdieu, 2001:203). Do individualismo metodológico, Bourdieu rejeita a idéia de que o fenômeno social é unicamente produto das ações individuais, e que a lógica dessas ações deve ser procurada na racionalidade dos atores. Ele pensa que a formação das idéias é tributária das suas condições de produção. Que os atos e os pensamentos dos agentes se dão sob “constrangimentos estruturais”. Por isso insiste que, na pesquisa, se man- tenha uma “vigilância epistemológica”: o cuidado permanente com as condições e os limites da validade de técnicas e conceitos. As atitudes de repensar cada operação da pesquisa, mesmo a mais rotineira e óbvia, de proceder à crítica dos princípios e à análise das hipóteses para determinar a sua origem lógica (Bourdieu et al., 1990:14). Contra o positivismo (a idéia de que a observação é tanto mais científica quanto mais conscientes e mais sistemáticos forem os métodos de que se serve) Bourdieu sustenta que, em sendo o objeto de estudo um ente que pensa e fala, ele tende a tirar a objetividade da investigação. De que a pesquisa “espontânea”, no sen- tido positivista do termo, tende a obscurecer o fato social (Bourdieu et al., 1990, passim). A sua epistemologia funda-se em um racionalismo aplicado. Para ele, o pos- itivismo é característico das ciências exatas. Uma vez que os fatos sociais têm, tam- bém, um caráter, a observação será tanto mais produtiva quanto melhor articulada é a reflexão lógica que a antecede e mais sistemática for a teoria que predetermina os dados pertinentes e significantes subjetivos (Bourdieu et al., 1990:16). Convicção que não o impede de seguir fielmente os métodos estatísticos básicos de levantamen- to e de análise do social. A epistemologia de Bourdieu implica, antes de tudo, a “objetivação do sujeito objetivizante”, a autoconsciência, o autoposicionamento (Bonnewitz, 2002:5). Ele procura se colocar para além dos modelos existentes e da rigidez de qualquer mode- lo explicativo da vida social. Entende que não se pode compreender a ação social a partir do testemunho dos indivíduos, dos sentimentos, das explicações ou reações pessoais do sujeito. Que se deve procurar o que subjaz a esses fenômenos, a essas manifestações. Bourdieu adota o estruturalismo como método, mais que como teo- ria explanatória (Robbins, 2002:316). Parte de um construtivismo fenomenológico, que busca na interação entre os agentes (indivíduos e os grupos) e as instituições en- contrar uma estrutura historicizada que se impõe sobre os pensamentos e as ações. Esta posição fica clara na crítica que faz ao modelo de condicionamento de classe do marxismo e ao entendimento existencialista de Sartre sobre a liberdade in- dividual. A meio caminho entre as análises marxistas, que fazem da condição de classe uma camisa-de-força, e a perspectiva sartriana do sujeito autodeterminado a partir da tomada de consciência da sua condição de classe, Bourdieu faz das relações entre as condições da existência, a consciência, as práticas e as ideologias a matriz determinante do indivíduo (Bourdieu, 1992b:188-190).
O esquema que leva à análise empírica é sistêmico. Deriva do princípio de que a dinâmica social se dá no interior de um /campo/, um segmento do social, cujos / agentes/, indivíduos e grupos têm /disposições/ específicas, a que ele denomina / habitus /. O campo é delimitado pelos valores ou formas de /capital/ que lhe dão sustentação. A dinâmica social no interior de cada campo é regida pelas lutas em que os agentes procuram manter ou alterar as relações de força e a distribuição das formas de capital específico. Nessas lutas são levadas a efeito /estratégias/ não- conscientes, que se fundam no / habitus / individual e dos grupos em conflito. Os determinantes das condutas individual e coletiva são as /posições/ particulares de todo /agente/ na estrutura de relações. De forma que, em cada campo, o / habitus /, socialmente constituído por embates entre indivíduos e grupos, determina as posições e o conjunto de posições determina o / habitus /.
A lógica aparentemente simples deste referencial demandou, para se manter, a criação de conceitos secundários, que vieram a compor o corpus teórico das investi- gações levadas a efeito por Bourdieu. O método e as análises vão se sofisticando à medida que ele progride nas suas pesquisas e nas lutas ideológicas e teóricas em que se bateu ao longo de sua vida. Apesar da diversidade de fontes, Bourdieu se mantém fiel ao seu próprio modelo. Ele se afasta de Foucault, por exemplo, que realiza aná- lises a partir de relações entre elementos, para se ater ao princípio da estrutura, a de uma arquitetura imanente do mundo social que entende as práticas humanas como sustentadas por sistemas de elementos universais. Mas recusa a “ilusão objetivista” do estruturalismo (Lechte, 2002:60). Ele pensa que as estruturas devem ser analisa- das a partir da prática (Bourdieu, 1992a:227, 1996:157, 2001:193).
É neste sentido que o estruturalismo de Bourdieu mais se distancia do estru- turalismo de Lévi-Strauss. Enquanto este deriva o conceito de estrutura de Saussure e entende a prática social como simples execução, para Bourdieu as disposições, so- cialmente constituídas que orientam a ação, têm uma capacidade geradora (Bourdi- eu, 1987:23). Ele considera o sujeito, banido por Lévi-Strauss e por Althusser, tanto como inserido na estrutura quanto como força estruturante de um campo (Bourdieu, 1980:70). A sua concepção de estrutura é dinâmica. É a de um conjunto de relações históricas, produto e produtora de ações, que é condicionada e é condicionante. Deriva da dupla imbricação entre as “estruturas mentais” dos agentes sociais e as estruturas objetivas (o “mundo dos objetos”) constituídas pelos mesmos agentes. As primeiras instituem o mundo inteligível, que só é inteligível porque pensado a partir das segun- das. A reciprocidade da relação estabelece um movimento perpétuo, um sistema gen- erativo autocondicionado — o habitus — que busca permanentemente se reequilibrar, que tende a se regenerar, a se reproduzir.
gel, Mauss, Husserl, Heidegger, Merleau-Ponty...). A definição adotada por Bourdieu foi pensada como um expediente para escapar do paradigma objetivista do estruturalis- mo sem recair na filosofia do sujeito e da consciência. Aproxima-se da noção de Heidegger do “modo-de-ser no mundo”, mas tem características próprias. Para Bour- dieu, o habitus é um sistema de disposições, modos de perceber, de sentir, de fazer, de pensar, que nos levam a agir de determinada forma em uma circunstância dada. As disposições não são nem mecânicas, nem determinísticas. São plásticas, flexíveis. Podem ser fortes ou fracas. Refletem o exercício da faculdade de ser condicionável, como capacidade natural de adquirir capacidades não-naturais, ar- bitrárias (Bourdieu, 2001:189). São adquiridas pela interiorização das estruturas so- ciais. Portadoras da história individual e coletiva, são de tal forma internalizadas que chegamos a ignorar que existem. São as rotinas corporais e mentais inconscientes, que nos permitem agir sem pensar. O produto de uma aprendizagem, de um proces- so do qual já não temos mais consciência e que se expressa por uma atitude “natu- ral” de nos conduzirmos em um determinado meio. O termo habitus , adotado por Bourdieu para estabelecer a diferença com con- ceitos correntes tais como /hábito/, /costume/, /praxe/, /tradição/, medeia entre a es- trutura e a ação. Denota o sistema de disposições duráveis e transferíveis, que funciona como princípio gerador e organizador de práticas e de representações, asso- ciado a uma classe particular de condições de existência. O habitus gera uma lógica, uma racionalidade prática, irredutível à razão teórica. É adquirido mediante a inter- ação social e, ao mesmo tempo, é o classificador e o organizador desta interação. É condicionante e é condicionador das nossas ações. O habitus constitui a nossa maneira de perceber, julgar e valorizar o mundo e conforma a nossa forma de agir, corporal e materialmente. É composto: pelo ethos , os valores em estado prático, não-consciente, que regem a moral cotidiana (difer- ente da ética, a forma teórica, argumentada, explicitada e codificada da moral, o ethos é um conjunto sistemático de disposições morais, de princípios práticos); pelo héxis , os princípios interiorizados pelo corpo: posturas, expressões corporais, uma aptidão cor- poral que não é dada pela natureza, mas adquirida (Aristóteles) (Bourdieu, 1984:133); e pelo eidos , um modo de pensar específico, apreensão intelectual da re- alidade (Platão, Aristóteles), que é princípio de uma construção da realidade funda- da em uma crença pré-reflexiva no valor indiscutível nos instrumentos de construção e nos objetos construídos (Bourdieu, 2001:185). Os habitus não designam simplesmente um condicionamento, designam, si- multaneamente, um princípio de ação. Eles são estruturas (disposições interioriza- das duráveis) e são estruturantes (geradores de práticas e representações). Possuem dinâmica autônoma, isto é, não supõem uma direção consciente nas duas transformações (Bourdieu, 1980:88-89). Engendram e são engendrados pela lógi- ca do campo social, de modo que somos os vetores de uma estrutura estruturada
que se transforma em uma estrutura estruturante. Aprendemos os códigos da lin- guagem, da escrita, da música, da ciência etc. Dominamos saberes e estilos para po- dermos dizer, escrever, compor, inventar. O habitus é infraconsciente. É como uma segunda natureza, parcialmente au- tônoma, já que histórica e presa ao meio. Isto quer dizer que ele nos permite agir em um meio dado sem cálculo ou controle consciente. O habitus não supõe a visada dos fins. É princípio de um conhecimento sem consciência, de uma intencionalidade sem intenção (Bourdieu, 1987:22). É adquirido por aprendizagem explícita ou implícita, e funciona como um sistema de esquemas geradores de estratégias que podem ser objetivamente conformes aos interesses dos seus autores, sem terem sido concebi- das com tal fim (Bourdieu, 1984:119). Ele contém em si o conhecimento e o reconhecimento das /regras do jogo/ em um campo determinado. O habitus funciona como esquema de ação, de percepção, de reflexão. Presente no corpo (gestos, posturas) e na mente (formas de ver, de clas- sificar) da coletividade inscrita em um campo, automatiza as escolhas e as ações em um campo dado, “economiza” o cálculo e a reflexão. O habitus é o produto da ex- periência biográfica individual, da experiência histórica coletiva e da interação entre essas experiências. Uma espécie de programa, no sentido da informática, que todos nós carregamos. O habitus é relativamente autônomo: encontra-se entre o inconsciente-condi- cionado e o intencional-calculado. Não é destino: preserva uma margem de liber- dade ao agente, não, certamente, a liberdade do sujeito sartriano, mas a liberdade conferida pelas regras dominantes no campo em que se insere. Ele contém as poten- cialidades objetivas, associadas à trajetória da existência social dos indivíduos, que tendem a se atualizar, isto é, são reversíveis e podem ser aprendidas. Todo agente, indivíduo ou grupo, para subsistir socialmente, deve participar de um jogo que lhe impõe sacrifícios. Neste jogo, alguns de nós nos cremos livres, outros determinados. Mas, para Bourdieu, não somos nem uma coisa nem outra. So- mos o produto de estruturas profundas. Temos, inscritos em nós, os princípios gera- dores e organizadores das nossas práticas e representações, das nossas ações e pensamentos. Por este motivo Bourdieu não trabalha com o conceito de sujeito. Pref- ere o de agente. Os indivíduos são agentes à medida que atuam e que sabem, que são dotados de um senso prático, um sistema adquirido de preferências, de classifi- cações, de percepção (Bourdieu, 1996:44). Os agentes sociais, indivíduos ou gru- pos, incorporam um habitus gerador (disposições adquiridas pela experiência) que variam no tempo e no espaço (Bourdieu, 1987:19). Do berço ao túmulo absorvemos (reestruturamos) nossos habitus , condicionando as aquisições mais novas pela mais antigas. Percebemos, pensamos e agimos dentro da estreita liberdade, dada pela lógi- ca do campo e da situação que nele ocupamos.
são os interesses específicos, os investimentos econômicos e psicológicos que ele solicita a agentes dotados de um habitus e as instituições nele inseridas. O que de- termina a vida em um campo é a ação dos indivíduos e dos grupos, constituídos e constituintes das relações de força, que investem tempo, dinheiro e trabalho, cujo retorno é pago consoante a economia particular de cada campo (Bourdieu, 1987:124). Os campos resultam de processos de diferenciação social, da forma de ser e do conhecimento do mundo. Como tal, cada campo cria o seu próprio objeto (artísti- co, educacional, político etc.) e o seu princípio de compreensão. São “espaços estru- turados de posições” em um determinado momento. Podem ser analisados independentemente das características dos seus ocupantes, isto é, como estrutura ob- jetiva. São microcosmos sociais, com valores (capitais, cabedais), objetos e interess- es específicos (Bourdieu, 1987:32). O conceito de campo é fruto do “estruturalismo genético” de Bourdieu. Um estruturalismo que se detém na análise das estruturas ob- jetivas dos diferentes campos, mas que as estuda como produto de uma gênese, isto é, da incorporação das estruturas preexistentes (Bourdieu, 1987:24). Os campos são mundos, no sentido em que falamos no mundo literário, artístico, político, religioso, científico. São microcosmos autônomos no interior do mundo social. Todo campo se caracteriza por agentes dotados de um mesmo habitus. O campo estrutura o habitus e o habitus constitui o campo (Bourdieu, 1992b:102-103; Dortier, 2002:55). O habi- tus é a internalização ou incorporação da estrutura social, enquanto o campo é a exte- riorização ou objetivação do habitus (Vandenberghe, 1999:49). Como espaço relacional, a estrutura do campo designa uma exterioridade (o que não é o campo), e uma interioridade mútua: os agentes e instituições que ex- istem e subsistem pela diferença, isto é, como ocupantes de posições relativas na es- trutura (Bourdieu, 1996:48). A nossa posição em um campo determina a forma como consumimos não só as coisas, mas também o ensino, a política, as artes. Determina, igualmente, a forma como as produzimos e acumulamos (Bourdieu, 1984:210). O campo é um espaço de relações objetivas entre indivíduos, coletividades ou institu- ições, que competem pela dominação de um cabedal específico (Bourdieu, 1984:197). A posição é a face objetiva do campo que se articula com a face subjeti- va, a disposição. A posição é causa e resultado do habitus do campo. Conforma e in- dica o habitus da classe e da subclasse em que se posiciona o agente. Por definição, o campo tem propriedades universais, isto é, presentes em to- dos os campos, e características próprias. As propriedades de um campo, além do habitus específico, são a estrutura, a doxa , ou a opinião consensual, as leis que o re- gem e que regulam a luta pela dominação do campo. Aos interesses postos em jogo Bourdieu denomina “capital” — no sentido dos bens econômicos, mas também do conjunto de bens culturais, sociais, simbólicos etc. Como nos confrontos político ou econômico, os agentes necessitam de um montante de capital para ingressarem no
campo e, inconscientemente, fazem uso de estratégias que lhes permitem conservar ou conquistar posições, em uma luta que é tanto explícita, material e política, como travada no plano simbólico e que coloca em jogo os interesses de conservação (a re- produção) contra os interesses de subversão da ordem dominante no campo. O campo é um espaço estruturado de posições (postos) que podem ser analisa- dos, como no estruturalismo em geral, independentemente das características dos seus ocupantes. Mas, ao contrário do estruturalismo de Saussure e Lévi-Strauss, as posições na estrutura do campo são, em parte, determinadas pelos seus ocupantes e correspon- dem a um estado não-permanente de relações de força (Bourdieu, 1984:113 e segs.). A estrutura do campo é dada pelas relações de força entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições que lutam pela hegemonia no interior do campo, isto é, o monopólio da autoridade que outorga o poder de ditar as regras, de repartir o capital específico de cada campo. A forma como o capital é repartido dispõe as relações in- ternas ao campo, isto é, dá a sua estrutura (Bourdieu, 1984:114). Todo campo desenvolve uma doxa , um senso comum, e nomos , leis gerais que o governam. O conceito de doxa substitui, dando maior clareza e precisão, o que a teoria marxista, principalmente a partir de Althusser, denomina “ideologia”, como “falsa consciência” (Bourdieu e Eagleton, 1996:267). A doxa é aquilo sobre o que todos os agentes estão de acordo. Bourdieu adota o conceito tanto na forma platôni- ca — o oposto ao cientificamente estabelecido —, como na forma de Husserl (1950) de crença (que inclui a suposição, a conjectura e a certeza). A doxa contempla tudo aquilo que é admitido como “sendo assim mesmo”: os sistemas de classificação, o que é interessante ou não, o que é demandado ou não (Bourdieu, 1984:82). Já o nomos congrega as leis gerais, invariantes, de funcionamento do campo. A evolução das sociedades faz com que surjam novos campos, em um processo de diferenciação continuado. Todo campo, como produto histórico, tem um nomos dis- tinto. Por exemplo, o campo artístico, instituído no século XIX, tinha como nomos : “a arte pela arte”. Tanto a doxa como o nomos são aceitos, legitimados no meio e pelo meio social conformado pelo campo. Todo campo vive o conflito entre os agentes que o dominam e os demais, isto é, entre os agentes que monopolizam o capital específico do campo, pela via da violência simbólica (autoridade) contra os agentes com pretensão à dominação (Bourdieu, 1984:114 e segs.). A dominação é, em geral, não-evidente, não-explícita, mas sutil e violenta. Uma violência simbólica que é julgada legítima dentro de cada campo; que é inerente ao sistema, cujas instituições e práticas revertem, inexoravelmente, os ganhos de todos os tipos de capital para os agentes dominantes. A violência simbóli- ca, doce e mascarada, se exerce com a cumplicidade daquele que a sofre, das suas vítimas. Está presente no discurso do mestre, na autoridade do burocrata, na atitude do intelectual. Por exemplo, as pesquisas de opinião constituem uma violência simbóli- ca, pela qual ninguém é verdadeiramente responsável, que oprime e rege as linhas
t o capital cultural, que compreende o conhecimento, as habilidades, as infor- mações etc., correspondente ao conjunto de qualificações intelectuais produzi- das e transmitidas pela família, e pelas instituições escolares, sob três formas: o estado incorporado, como disposição durável do corpo (por exemplo, a forma de se apresentar em público); o estado objetivo, como a posse de bens culturais (por ex- emplo, a posse de obras de arte); estado institucionalizado, sancionado pelas insti- tuições, como os títulos acadêmicos;
t o capital social, correspondente ao conjunto de acessos sociais, que compreende o relacionamento e a rede de contatos;
t o capital simbólico, correspondente ao conjunto de rituais de reconhecimento so- cial, e que compreende o prestígio, a honra etc. O capital simbólico é uma sínte- se dos demais (cultural, econômico e social).
As formas de capital são conversíveis umas nas outras, por exemplo o capital econômico pode ser convertido em capital simbólico e vice-versa (Bourdieu, 1984:114).
A posição relativa na estrutura é determinada pelo volume e pela qualidade do capital que o agente detém (Bourdieu, 1992b:72). Por exemplo, o capital cultural é a herança, transmitida pela escola (Bourdieu e Passeron, 1964). Um outro exemplo: contra a idéia de “cultura de massa”, Bourdieu entende que a prática e a apreciação artística são marcadas pelo pertencimento a uma classe (Bourdieu, 1979); que as lutas pelo reconhecimento são uma dimensão basilar da vida social. Tais lutas compreen- dem a acumulação de uma forma particular de capital, a honra — no sentido da reputa- ção, do prestígio — e obedecem a uma lógica específica de acumulação de capital simbólico, como capital fundado no conhecimento e no reconhecimento (Bourdieu, 1987:33).
No interior do campo dá-se uma dinâmica de concorrência e dominação, deri- vada das estratégias de conservação ou subversão das estruturas sociais. Em todo campo a distribuição de capital é desigual, o que implica que os campos vivam em permanente conflito, com os indivíduos e grupos dominantes procurando defender seus privilégios em face do inconformismo dos demais indivíduos e grupos. As es- tratégias mais comuns são as centradas: na conservação das formas de capital; no in- vestimento com vistas à sua reprodução; na sucessão, com vistas à manutenção das heranças e ao ingresso nas camadas dominantes; na educação, com os mesmos propósitos; na acumulação, econômica, mas, também, social (matrimônios), cultural (estilo, bens, títulos) e, principalmente, simbólica ( status ). A conotação que Bourdi- eu dá ao termo /estratégia/ não é a de um cálculo cínico pela maximização de util- idades, mas a da relação infraconsciente entre um habitus e um campo. Por terem
nascido de um mesmo princípio, as estratégias podem dar a impressão de serem produto do cálculo, sem que tenham sido de modo algum calculadas, e de terem algo de sistemático sem que decorram de uma intenção de sistematicidade (Bourdieu, 1987:127, 2005:178). Como espaço social, isto é, como estrutura de relações gerada pela distri- buição de diferentes espécies de capital, todo campo pode ser dividido em regiões menores, os subcampos, que se comportam da mesma forma que os campos. A dinâmica dos campos e dos subcampos é dada pela luta das classes sociais, na tenta- tiva de modificar a sua estrutura, isto é, na tentativa de alterar o princípio hi- erárquico (econômico, cultural, simbólico...) das posições internas ao campo. As classes ou frações sociais dominantes são aquelas que impõem a sua espécie de cap- ital como princípio de hierarquização do campo. Não se trata, no entanto, de uma luta meramente política (o campo político é um campo como os outros), mas de uma luta, a maioria das vezes inconsciente, pelo poder. O campo do poder é uma espécie de “metacampo” que regula as lutas em todos os campos e subcampos. A sua config- uração determina, em cada momento, a estrutura de posições, alianças e oposições, tanto internas ao campo, quanto entre agentes e instituições do campo com agentes e instituições externos. O direito de entrada no campo é dado pelo reconhecimento dos seus valores fundamentais, pelo conhecimento das regras do jogo, isto é, da história do campo, e pela posse do capital específico. Os agentes aceitam os pressupostos cognitivos e valorativos do campo ao qual pertencem. Cada campo tem um sistema de filtragem diferente: um agente dominante em um campo pode não o ser em outro. A admissão no campo requer: a posse de diferentes formas de capital, o cacife ( enjeux ) na quan- tidade e qualidade do que conta na disputa interna e que constitui a finalidade, o propósito, do jogo específico; e as disposições, inclinações e aprendizados, que con- formam o habitus do campo. O campo é caracterizado pelas relações de força resultantes das lutas internas e pelas estratégias em uso. Sejam estratégias defensivas ou subversivas. Mas, tam- bém, pelas pressões externas. Os campos se interpenetram, se inter-relacionam. Por exemplo, o campo escolar e o campo social são distintos, mas não independentes. Do campo escolar, que é orientado para a sua própria reprodução, emanam os trabal- hadores, os intelectuais, os agentes do campo social, com as suas orientações partic- ulares (Bourdieu, 1987:56). A homologia estrutural entre os campos faz com que seja possível, por exemplo, que a produção cultural influencie a hierarquia simbóli- ca e que esta contribua para a conservação ou para a subversão da ordem política. Os campos são articulados entre si, não só pela interpenetração dos efeitos dos confli- tos, mas pela contaminação das idéias, que criam homologias, como a do “mercado da arte” (Bonnewitz, 2002:55).
pré-formados, de modo a desvelar os objetos sociais, o conjunto de relações que ex- plicam a lógica interna do campo. A realidade empírica é concebida como um reflexo analógico das relações en- tre elementos de uma estrutura teórica, isto é, hipotética. O modelo levado a campo é constituído por proposições teóricas que devem ser testadas. O que se quer encontrar são os habitus , a doxa , as “leis sociais” que regem um campo, como, por exemplo, a da reprodução do habitus pela educação formal. Tais leis, como vimos, são “ nomos ”, de- rivam do uso, do costume, têm validade espaço-temporal, são estabelecidas e susten- tadas por quem delas se beneficia: os agentes e as instituições dominantes (Bourdieu, 1984:45-46). Bourdieu segue, em linhas gerais, o protocolo de investigação estruturalista, mas tem como fundamento epistemológico o “materialismo racional” de Bachelard (1990), que preconiza a elaboração prévia do modelo teórico das “estruturas nou- menais ” ( noumeno sendo a intuição intelectual, pura ou derivada da sensibilidade, o pensamento pensado, por oposição ao fenômeno, o manifesto) e a experimentação como realização ou atualização do fenômeno. Propõe um percurso epistemológico que vai “do racional ao real” e não do “real ao geral”. Entende que o real é racional- izado como atualização de uma teoria. Ele desenvolve seu trabalho em etapas que se superpõem, mas que podem ser explicitadas separadamente:
t marcação de um segmento do social com características sistêmicas (campo);
t construção prévia do esquema das relações dos agentes e instituições objeto do estudo (posições);
t decomposição de cada ocorrência significativa, característica do sistema de posições do campo ( doxa, illusio. ..);
t análise das relações objetivas entre as posições no campo (lógica);
t análise das disposições subjetivas ( habitus );
t construção de uma matriz relacional corrigida da articulação entre as posições (estrutura);
t síntese da problemática geral do campo.
Tendo como referência estas etapas, vamos seguir o desenrolar do processo investigativo de Bourdieu. De início devemos proceder a uma ruptura com o sabido e o generalizado. Bourdieu procura evitar as armadilhas da pretensão do conhecimento do fato social e
do conhecimento de suas determinações pelos atores e testemunhas. Por isso, na mar- cação do campo a ser investigado devemos buscar o máximo possível de autonomia. Devemos evitar o que Bourdieu (2001) denomina “falácia escolástica”, a reificação da teoria, a descrição de discursos e práticas teóricas como se fossem discursos e práticas efetivas. Devemos procurar construir explicações fundadas sobre variáveis não imedi- atamente notadas pelos indivíduos, cujas percepções são deturpadas política, social e institucionalmente pela família, pela escola, pelo Estado. Precisamos evitar, como na fenomenologia: a pretensão de conhecer o fato social e a sua determinação pelos seus atores e testemunhas; e deixar-nos levar pela representação dominante (Bourdieu, 1992b:186). Bourdieu discute longamente o “ habitus sociológico”, as disposições do pes- quisador na aplicação de princípios abstratos em pesquisa empírica. A sua preocu- pação diz respeito às condições do conhecimento, à reflexividade, isto é, ao fato de que todo conhecimento é condicionado pelo habitus. Ele leva em conta que a per- cepção do empírico é distorcida não só pelo habitus dos agentes, mas pelo nosso próprio habitus. Por este motivo, ao seguir Bourdieu, o que previamente devemos buscar é a análise das nossas próprias disposições, de modo a alcançar a universali- dade mediante a identificação e a crítica da produção intelectual em que se dá a pes- quisa. Devemos proceder a uma tarefa prévia, da auto-elucidação sobre o terreno em que vamos atuar. Pelo menos desde Weber tem-se a idéia de que a correção do viés do observa- dor deve ser feita pelo autoposicionamento em relação ao objeto do estudo, de for- ma que seja possível a terceiros interpretar os seus resultados, corrigindo a influência dos valores dóxicos. Mas Bourdieu vai mais longe. Ele critica em Weber a extrapolação dos tipos ideais. Ao impor categorias rígidas a situações que deveriam ser entendidas a partir de categorias autoconstituídas (caso da religião), Weber não atenta para o fato de que seus tipos são produto do sistema no qual eles operam, mais do que instrumentos autônomos. São uma imposição arbitrária extrínseca sobre fenômenos que possuem significados intrínsecos. Dessa crítica, Bourdieu deriva a idéia de que a análise da lógica das interações deve ser subordinada à análise das es- truturas objetivas nas quais as interações são significantes para os atores, a conduta dos agentes devendo ser entendida em termos do campo em que ela se exerce (Rob- bins, 2002:317). Descrendo da suficiência do esforço de auto-isenção, propõe, para corrigir o viés do habitus sociológico, três artifícios: a interpretação dos pontos de vista a partir da origem e da posição do pesquisador (uma “sociologia da sociolo- gia”); o recurso à interpretação das relações objetivas (dados e informações mensu- ráveis, a “objetivação da objetivação”); e a coletivização do processo de pesquisa (Maton, 2003:57). O cuidado com a reflexividade é essencial ao método porque Bourdieu partilha a posição construtivista de Saussure e do estruturalismo em geral, de que o ponto de
representação, Bourdieu pretende teorizar o mundo social tal como ele é (Bourdieu, 1984:75). Na decomposição de cada ocorrência significativa da característica do cam- po, seguimos o modelo, estruturalista, em que se constroem as relações objetivas — econômicas, lingüísticas etc. — tanto da prática, como das representações da prática do campo. Mas precisamos ter em conta que o modelo que vai verificado e corrigido tem a função de explicar a realidade. É um modelo do real, que não se deve con- fundir com a realidade do modelo. Bourdieu quer escapar do realismo da estrutura sem abrir mão da sua objetividade (Bourdieu, 1980:27 e segs.). Primeiro porque, por definição, o modelo não pode dar conta da complexidade infinita do real; segundo porque ele será retificado pelo experimento, pela parte empírica da pesquisa. O que devemos buscar são homologias estruturais entre a posição dos agentes e institu- ições, mediante o recorte da sua posição relativa e da estrutura de relações objetivas entre as posições: concorrência, autoridade, poder, legitimidade etc. Nesse ponto Bourdieu costuma dirigir sua atenção para o habitus , mais pre- cisamente para a análise da gênese do habitus dos agentes, o que lhe permite um quadro de referência que evita tanto o psicologismo (o sujeito particular) como o logicismo (o sujeito desencarnado). Principalmente ele procura encontrar o princí- pio de diferenciação que constitui o campo (Bourdieu, 1996:49-50). Por exemplo, identificando a doxa — o que é tido como socialmente garantido ou “natural” no campo —, verificando a possibilidade de uma heterodoxia, isto é, do questionamen- to e da desnaturalização da doxa pelo surgimento de uma doxa alternativa, e investi- gando a existência de uma ortodoxia, uma reação à heterodoxia, uma estratégia acionada pelas forças dominantes em um campo no sentido de cristalizar uma doxa (Bourdieu e Eagleton, 1996). Este tipo de análise destina-se a situar o objeto no inte- rior do campo de que faz parte, o que compreende um duplo movimento: estabelec- er a posição dos agentes que produziram o objeto; e estabelecer a posição do objeto no campo considerado (Bourdieu, 1992b:186). A análise das relações objetivas entre as posições (o “espaço das posições”), a “lógica” do campo, se desvela mediante a explanação da vida social, mas não pela concepção dos seus participantes (com perguntas do tipo “o que você pensa so- bre...”) e sim pela interpretação das causas estruturais que escapam à consciência. Isto se faz mediante análises estatísticas das correlações no desvelamento das estru- turas profundas. Mas Bourdieu vai mais além, até um segundo nível, o das relações entre relações. Por exemplo, em La distinction (Bourdieu, 1979:293 e segs.), ao anal- isar as diferentes frações da classe dominante — a antigüidade da família como membro da burguesia, o peso do capital econômico, cultural, simbólico, as variantes do gosto como determinantes do sentido da posição de classe — ele demonstra co- mo, a partir de um dado volume e uma dada estrutura de capital, é possível fazer variar o parâmetro, de forma a indicar a posição no espaço social de grupos que vão
desde a fração dominante da classe dominante (burguesia industrial) até a fração dominada da classe dominada (operários não-qualificados). Essas classes são objeti- vamente relacionadas à posição social, segundo três dimensões, duas espaciais e uma temporal: volume do capital detido pelo agente, isto é, o conjunto dos recursos econômicos, sociais, culturais e simbólicos utilizáveis pelo agente para conservar sua posição; estrutura do capital, isto é, a composição do capital global segundo o peso relativo das diferentes espécies de capital; e a trajetória social do agente (o seu passado, o seu presente e o seu futuro potencial), indicada ao longo dos eixos espaci- ais. Ao utilizar técnicas de levantamento, Bourdieu tem presente que a propensão para responder é diferenciada. Tende a decrescer proporcionalmente à hierarquia so- cial (mulheres, pobres...) e profissional (operários não-qualificados, lavradores...) que as opiniões pessoais (“na sua opinião...”) são viciadas pela doxa do campo. Além disso, as análises estatísticas pressupõem a autonomia das variáveis indepen- dentes e dependentes, o que não ocorre nas populações e amostras internas ao cam- po, nele, as variáveis representativas das posições e das funções estando, por definição, relacionadas. Deve-se corrigir, portanto, a tendência de tomar a iden- tidade nominal das variáveis, assumindo que seus efeitos são lineares e esquecendo que cada variável da rede de relações influencia todas as outras (Vandenberghe, 1999:46). É o que faz Bourdieu (1989:19 e segs.) quando critica as formas escolares de classificação a partir de tabelas sobre a origem social dos laureados ou de dados sobre a profissão dos avós e a freqüência a concertos, para demonstrar como o siste- ma se reproduz (1989:342 e segs.) ou, ainda, o tratamento dos dados que utiliza para demonstrar como a fração dominante da sociedade escolhe seus herdeiros (Bourdieu e Passeron, 1964). Ao seguir Bourdieu, tratamos de ir a terreno, proceder a observações, a entre- vistas, fazer levantamentos e análises estatísticas de questionários, mas sempre a partir de um quadro referencial que vai sendo corrigido, aperfeiçoado e retomado. Em suas análises, ele adota o processo hipotético-dedutivo, que consiste em concluir, a partir de hipóteses, o que é logicamente necessário sobre um objeto. Um processo (análise indu- tiva) em que a validade da relação entre a hipótese e a conclusão deverá ser confirma- da ou infirmada empiricamente. Nesse ponto ele não inova: segue Durkheim, ao tratar o fato social como coisa, e conduz investigações sobre o terreno, confrontando as suas hipóteses com a realidade. Utiliza hipóteses numeráveis e controláveis, que devem im- plicar uma teoria sistemática do real, mas que não podem imputar os pressupostos à decifração dos dados. As suas hipóteses constituem um “protocolo de teste projetivo” da teoria (Bourdieu et al., 1990:82 e segs.). Contra a idéia da amostra espontânea do positivismo, Bourdieu trata o empíri- co, desde o recorte do real a ser examinado até a formulação das questões, a partir de uma teorização prévia. A opção que faz não é entre o empiricismo puro e o racional-