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PAULO CESAR MALVEZZI FILHO Máquinas de massacre, Notas de aula de Máquinas

Máquinas de massacre: A produção da morte e da sobrevivência no ... do Amazonas, Sérgio Fontes, a intenção era evitar “um Carandiru 2”.12 ... de Haximu.

Tipologia: Notas de aula

2022

Compartilhado em 07/11/2022

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E
CIÊNCIAS HUMANAS
PAULO CESAR MALVEZZI FILHO
Máquinas de massacre:
A produção da morte e da sobrevivência no Compaj
GUARULHOS
2021
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E

CIÊNCIAS HUMANAS

PAULO CESAR MALVEZZI FILHO

Máquinas de massacre: A produção da morte e da sobrevivência no Compaj GUARULHOS 2021

PAULO CESAR MALVEZZI FILHO

Máquinas de massacre: A produção da morte e da sobrevivência no Compaj Dissertação apresentada à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia. Linha de pesquisa: Política, Conhecimento e Sociedade. Orientador: Prof. Dr. Edson Luis de Almeida Teles. GUARULHOS 2021

PAULO CESAR MALVEZZI FILHO

Máquinas de massacre: A produção da morte e da sobrevivência no Compaj Aprovação: 29/04/2021. Prof. Dr. Edson Luis de Almeida Teles Universidade Federal de São Paulo Prof. Dr. Vladimir Pinheiro Safatle Universidade de São Paulo Prof. Dr. Acá cio Augusto Sebastiã o Jú nior Universidade Federal de São Paulo Dissertação de conclusão de curso apresentada à Universidade Federal de São Paulo como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia. Linha de pesquisa: Política, Conhecimento e Sociedade. Orientador: Prof. Dr. Edson Luis de Almeida Teles.

Aos mortos e sobreviventes desta pátria dos massacres.

Os homens não melhoram e matam-se como percevejos. Os percevejos heroicos renascem. Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado. E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio. (Carlos Drummond de Andrade, em “O Sobrevivente”)

RESUMO

Esta dissertação examina as políticas contemporâneas de produção da morte e da sobrevivência a partir do evento conhecido como o Massacre do Compaj. Para entender a trama complexa das relações de poder que atravessam esse episódio, buscou-se construir um conceito operativo de massacre, em articulação com os conceitos de biopolítica, vida nua, o maquinismo e o estado de exceção. As ferramentas teóricas utilizadas se encontram na vasta obra de Giorgio Agamben, em necessário diálogo com outras epistemologias e saberes. A conclusão central da pesquisa é que o massacre foi e permanece sendo uma tecnologia fundamental para a constituição e organização da sociedade brasileira, cuja função não se resume apenas ao fazer morrer, mas, também, ao fazer sobreviver. Palavras-chave: Massacre do Compaj; Máquina; Vida nua; Biopolítica; Políticas da morte; Sobrevivência; Giorgio Agamben.

SUMÁRIO

  • INTRODUÇÃO ....................................................................................…....................
  • CAPÍTULO 1. Memorial de um massacre ...............................................................1
  • 1.1 Cenas de um massacre anunciado………………................................................
  • 1.2 Réplicas e tréplicas: Os crimes de janeiro ..................…..................................…
  • 1.3 Um debate sobre o abismo: Narrativas e reações ao massacre......…................
  • amazonenses.............................................................…................…………………… 1.4 Do castelo “dórico-lombardo” à “espinha de peixe”: Breve história das prisões
    • 1.4.1 O primeiro grande passo..…......................................……………………3
    • 1.4.2 O segundo grande passo…………………………………………………...
  • CAPÍTULO 2. Uma genealogia dos massacres ..........................................…........
  • 2.1 Do açougue à política: Considerações sobre o conceito de massacre........…....5
  • 2.2 Massacre, sacrifício e antropofagia................................……………………….....6
  • 2.3 A guerra justa e os expulsos da humanidade.............………...............................6
  • 2.4 Sine ira ac studio : A emergência dos massacres administrativos..................…..
  • 2.5 Nas fronteiras da violência estatal……................................................................
  • 2.6 O corpo massacrado…………….……..................................................................
  • 2.7 Párias entre párias………………...…….....................................................
  • CAPÍTULO 3. As máquinas de massacre……..................................................…..
  • 3.1 Máquinas, dispositivos e o novo governo das subjetividades........................…..9
  • 3.2 A máquina de massacre...............................................................………………
    1. 3 Nuremberg às avessas...............................................................………………..10
  • 3.4 O campo como espaço de massacre..................................................………….10
    1. 5 Devir-sobrevivente……...............................................................………………..
  • CONCLUSÃO …...................................................................................................…12
  • REFERÊNCIAS .......….............................................................................................

10

INTRODUÇÃO

Em 2015, quando ainda exercia a função de assessor jurídico da Pastoral Carcerária (PCr)^1 , visitei algumas unidades prisionais no estado do Amazonas. Ao longo de 30 dias de viagem, indo de Manaus à região do Alto Solimões, na fronteira com a Colômbia, pude conhecer uma grande variedade de estabelecimentos penais, dialogar com presos, gestores, membros do sistema de justiça e, assim, ter um pequeno vislumbre da realidade carcerária amazonense. Em uma das unidades da capital^2 , me deparei com um cenário um tanto incomum. Nos pavilhões e celas, a maioria dos presos parecia receosa em falar dos problemas da unidade, por mais evidentes que fossem. Até questões como educação, saúde e trabalho no estabelecimento pareciam tabus. Ao insistir nos temas, fui alertado por uma liderança entre os detentos que eu deveria me ater apenas às dúvidas jurídicas; todas as demais questões eles próprios tratariam diretamente com a direção do estabelecimento. Já nas celas do “seguro”^3 , destinadas principalmente aos presos da facção Primeiro Comando da Capital (PCC), o cenário mudou radicalmente. Em pouco (^1) Ocupei a função de maio de 2014 até dezembro de 2018. Sobre a Pastoral Carcerária: “A PCr, busca ser a presença de Cristo e de sua Igreja no mundo dos cárceres, caracterizado pela superlotação, condições insalubres e tortura sofrida pelas pessoas privadas de liberdade. Portanto, em seu trabalho de atendimento religioso às pessoas presas os/as agentes pastorais promovem um serviço de escuta e acolhimento, anunciam a Boa Nova, contribuem para o processo de iniciação à vida cristã e para a vivência dos sacramentos, e atuam no enfrentamento às violações de direitos humanos e da dignidade humana que ocorrem dentro do cárcere, pois ‘todo processo evangelizador envolve a promoção humana (Doc. Aparecida, p. 399)’. Assim, a evangelização concretiza - se de forma integral, seguindo as orientações da Igreja: ‘As profundas diferenças sociais, a extrema pobreza e a violação dos direitos humanos (…) são des afios lançados à evangelização’ (PUEBLA, 90, 19 95, p. 108)”. (PASTORAL CARCERÁRIA, 2019, s/n). Ver mais em: http://bit.ly/2se0AlQ. Acesso em: 4 de dez. 2019. (^2) Dado o conteúdo delicado do que foi tratado nesta visita (inclusive com potencial impacto para a segurança dos agentes pastorais locais), não foi feito nenhum registro formal dela. Há apenas um relatório, não disponibilizado ao público. Por isso, considerei apropriado manter em sigilo o nome do estabelecimento e a data exata da visita. Porém, todas as questões observadas e relatadas pelos presos foram levadas ao conhecimento de algumas autoridades do sistema de justiça com competência para dar os devidos encaminhamento. Uma delas, ao ouvir o meu relato, apenas me respondeu que “não recebia recado d e facção”. (^3) As celas de “seguro” são espaço s nos estabelecimentos prisionais destinados aos presos que não têm convívio com a maioria da população encarcerada. Em regra, são locais precaríssimos, que abrigam presos de facções minoritárias, acusados de crimes sexuais, endividados com o tráfico ou desafetos de lideranças.

12 importante ressaltar a situação dos presos dos chamados "seguros". (MNPCT, 2016, p.18) Um massacre, portanto, não era apenas uma possibilidade; era o resultado lógico, previsível e necessário diante das políticas prisionais postas em marcha, do acirramento da rivalidade entre os grupos de presos e do agenciamento desses conflitos pelo Estado. O próprio Governo Federal admitiu para a imprensa que, desde a Olimpíada do Rio de Janeiro, tinha conhecimento das tensões crescentes entre as facções prisionais.^6 No dia 1º de janeiro de 2017, menos de dois anos após a minha visita, enquanto muitos ainda celebravam a chegada do ano novo, um grupo de presos tomou o controle do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, e assassinou brutalmente 56 outros detentos. Quase todos os que estavam nas celas de “seguro”, mencionadas pelo MNPCT, foram mortos, esquartejados, decapitados ou carbonizados. O episódio, que ficou conhecido como Massacre do Compaj, foi imediatamente sucedido por outras ações igualmente violentas. Nos dias e semanas subsequentes, outras chacinas, assassinatos, rebeliões e tentativas de fuga ocorreram em diversas unidades prisionais pelo país, deixando um número incalculado de vítimas e imagens brutais, que circularam pelas redes sociais – a maioria feitas pelos próprios presos. Entre esses crimes de janeiro^7 , destacam-se os massacres da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), em Roraima, com 33 mortos, e da Penitenciária Estadual de Alcaçuz, no Rio Grande do Norte, que deixou, ao menos, 26 vítimas. É a partir dessa experiência e desses eventos brutais que a presente pesquisa parte e se desenrola. Uma tragédia produzida e anunciada, cada vez mais esquecida e perdida na memória — apesar da sua atualidade —, mas que considero um evento determinante para compreendermos as dinâmicas atuais de gestão da vida e da morte no Brasil contemporâneo. (^6) Ver mais em: http://bit.ly/2tdcb57. Acessado em: 12 de jan. 2020. (^7) Uso o termo crimes de janeiro apenas para me referir ao conjunto de massacres ocorridos no período, no ano de 2017. Esse não é um termo utilizado correntemente e destaco a problemática de redução do episódio ao conceito de “crime”. De toda forma, acredito que nomenclatura cumpre a função de dar fluidez a leitura, sem a necessidade de repetição de termos, além de estabelecer um diálogo direto com os notórios crimes de maio , de 2006, que é um dos mais conhecidos ciclos de massacre da história recente do país.

13 As dificuldades para avançar com este projeto foram inúmeras. Além da escassa bibliografia sobre o episódio, costuma-se dar foco exagerado aos conflitos entre facções e às explicações de cunho gerencial do fenômeno. Outro problema é que praticamente inexistem relatos de sobreviventes e os processos judiciais e administrativos sobre o caso são quase todos inacessíveis ou sigilosos. Para tentar driblar esses obstáculos, fiz dezenas de pedidos de acesso à informação e realizei inúmeras pesquisas processuais, mas que resultaram num conjunto ainda insuficiente de informações. A maioria desses achados foram organizados no Capítulo I e complementados com fontes de imprensa e outros materiais de pesquisa. Ainda que a questão da memória não tenha sido articulada como um eixo de investigação e elaboração teórica, rememorar os fatos, não deixar que eles se percam e nem que sejam unicamente narrados sob a perspectiva do Estado e seus gestores, tornou-se um dos impulsos centrais desta pesquisa. Assim, espero que esse material, ainda que insuficiente, possa contribuir para outras pesquisas e análises sobre o episódio. Outra dificuldade encontrada foi trabalhar sobre um evento cujos desdobramentos ainda estavam ocorrendo. Enquanto esta dissertação era escrita, novos massacres foram produzidos nas prisões de Manaus — dessa vez como resultado de uma disputa entre membros da própria FDN — e em Altamira, no Pará, em 2019, que somados resultaram em mais de uma centena de mortos. Os processos e investigações seguiram e seguem tendo novos andamentos. Em janeiro de 2020, depois de quase três anos de espera, a Defensoria Pública finalmente propôs Ação Civil contra o estado do Amazonas, exigindo, entre outras medidas, o pagamento de indenização aos familiares de presos mortos no Compaj. Por sua vez, o processo criminal que apura as responsabilidades pelas 56 mortes no Complexo Prisional, também segue em tramitação, sem perspectiva de conclusão. Os autos são sigilosos, assim como as audiências, resultando que poucas informações são publicizadas e o acesso ao público é completamente obstaculizado. Da parte da imprensa, inexiste repercussão relevante sobre o andamento do processo e sequer foi possível identificar grupos de pressão da sociedade civil que ainda disputam os rumos do julgamento. No Capítulo I, também busco apresentar brevemente o contexto histórico do sistema prisional amazonense, para mostrar como a violência, a morte e a

15 Assim, o sobrevivente do massacre emerge como uma figura-limite, que materializa as políticas de precarização da vida, de exclusão e de governo de contingentes populacionais crescentemente pauperizados. Dessa forma, a vida pode, por fim, tornar-se um suplemento de vida, perpetuamente marcada e constantemente ameaçada por novas violências e pela extinção iminente. Mas nessa figura aviltada também reside uma ambiguidade constitutiva e um potencial insondável de resistência. Como tantos sobreviventes do sistema prisional já demonstraram – como Jocenir (201 6 ), André Du Rap (ZENO, 2002) e Luiz Alberto Mendes (2009) – é possível reivindicar essas experiências e mobilizá-las contra a própria máquina que as produz. Afinal, aquele que supera os processos de degradação e morte prova que algo sempre pode restar e resistir; que toda vida está à mercê da sobrevivência, mas que toda sobrevivência pode, também, se tornar um viver mais humano e verdadeiro. Por fim, tomo a liberdade de fazer um breve registro sobre a atual situação em que nos encontramos. O que sempre me marcou em relação ao Massacre do Compaj não foi apenas a brutalidade das mortes ou o sentimento de impotência (ou mesmo de derrota) diante de uma tragédia anunciada, que acompanhei e vi se desenrolar lenta e previsivelmente. O que verdadeiramente me chocou no episódio foi a nossa capacidade manifesta, como sociedade ou nação, de naturalizar o absurdo e a barbárie desses eventos. Afinal, pessoas sob a custódia do Estado — que tinha por obrigação garantir a vida e integridade física delas — foram esquartejadas, evisceradas e pavorosamente torturadas. As imagens disso foram transmitidas quase que em tempo real por meio das redes sociais e aplicativos de mensagens e depois exibidas em rede nacional. E, apesar disso, placas tectônicas não se moveram na política do país. Houve, talvez, quatro semanas de escândalo público, anúncios de crises e parcas medidas emergenciais. Porém, passada a tormenta e pacificada as prisões, tudo voltou à uma pavorosa normalidade. Um silêncio e esquecimento resignado tomou tudo e todos. Pior, parece que uma espécie de barreira psicológica foi superada, de tal forma que massacres do tipo se tornaram mera rotina, indignos até de escândalos passageiros. O Massacre do Compaj foi a prova cabal da nossa terrível capacidade coletiva de conviver intimamente com o horror extremo e com a barbárie, sem

16 qualquer abalo ou questionamento relevante. As instituições democráticas podem seguir funcionado “normalmente”, mesmo quando nada mais é normal e todos os limites possíveis e imagináveis foram arrasados. Uma capacidade que hoje em dia podemos ver em pleno exercício, tão claramente como o dia. Enquanto escrevo as últimas linhas dessa dissertação, centenas de milhares de pessoas já foram mortas pela Covid- 19. Uma pandemia potencializada enormemente pelas desastrosas políticas do Governo Federal, que empurrou populações inteiras para o abate – especialmente aquelas historicamente marginalizadas. Estamos sendo massacrados dia após dia, nos despedindo de pessoas amadas sem sequer podermos experimentar o luto e não há sinais de que placas tectônicas estejam se movendo na política nacional. Estamos, verdadeiramente, num mundo em dissolução, agarrados a esperanças passadas e sem perspectivas de futuro. E, em muitos sentidos, o Massacre do Compaj foi o prenúncio desses tempos de horror e banzo, desse abismo da história que devemos atravessar, seja para finalmente viver ou apenas seguir sobrevivendo.

18 Com a portaria dominada, o grupo de rebelados teve, primeiramente, acesso à área chamada de “Seguro P3”, que abrigava cinco presos em duas pequenas celas. Eram detentos especialmente vulneráveis em razão da natureza dos crimes imputados a eles (crimes sexuais ou outras práticas moralmente reprovadas pela população carcerária), por serem ex-policiais ou parentes de policiais. Todos foram mortos. Dois deles, que estavam na primeira cela, foram baleados e tiveram seus corpos mutilados e desmembrados. Os três que estavam na segunda cela correram para o banheiro, mas foram encurralados e assassinados. Seus corpos foram encontrados carbonizados. Em seguida, o grupo se dirigiu à área conhecida como “ Seguro PCC”, onde se encontravam 26 presos integrantes – ou considerados como integrantes – do Primeiro Comando da Capital (PCC). Desse total, apenas quatro escaparam com vida, se escondendo nos dutos de escoamento de água ou no forro da unidade. Os fatos transcorridos no Seguro PCC foram amplamente registrados pelos próprios presos e divulgados nas redes sociais. Três vídeos foram juntados aos autos do processo e utilizados pelo Ministério Público para instruir a peça de acusação. No primeiro, denominado “ 20170101_170944”, com 1’17” de duração, é possível ver três corpos decapitados no chão gramado e presos armados com facas, terçados e estoques. Um deles tenta cortar a perna de uma das vítimas e depois escreve com sangue a frase “FDN PORRA”, no muro. Outro arranca um olho de um dos presos mortos e comemora brincando com o globo ocular. Em determinado momento, escuta-se alguém dizendo: “Isso vai acontecer ainda mais em outras cadeias. Quem a gente pegar é sal”. Nesse local, as vítimas que não foram mortas baleadas no momento da incursão foram assassinadas a pauladas e facadas. Muitos dos corpos foram carbonizados. Num segundo vídeo, denominado “20170101_171416”, de apenas 6”, é possível ver alguns dos corpos sendo carregados, provavelmente para a quadra do Pavilhão 3. No terceiro e ú ltimo vídeo, “WhatsApp Video 2017 - 01 - 31 at 11.38.42”, com 1’52” de duração, um preso é esquartejado e mutilado por outro. Nas imagens, um homem abre com facilidade o tórax de uma das vítimas (com ajuda de uma grande faca de cabo branco), arranca o coração dele e joga o órgão num balde com outros pedaços humanos. O autor do vídeo brinca com os cadáveres, balançando os braços de um homem decapitado, e mostra outros corpos destroçados e queimados.

19 Paralelamente aos fatos ocorridos no “Seguro PCC”, parte dos presos rebelados se dirigiu para as celas de inclusão, onde se encontravam presos “não faccionados”, recém-ingressos no estabelecimento ou que não tinham bom convívio com o restante da população encarcerada. Grande parte do ocorrido nesta área do Compaj foi registrado pelo circuito interno de câmeras de segurança. Assim que os presos da inclusão tomaram conhecimento da rebelião tentaram bloquear o acesso às suas celas incendiando colchões, lençóis e roupas junto ao portão de entrada. Nesse meio-tempo, alguns internos fugiram por grades serradas na Cela 4. Eles haviam preparado a rota de fuga com antecedência, pois sabiam que poderiam ser vítimas de uma ação do tipo. O fogo deteve os rebelados por algum tempo, mas, por volta das 16h30, as chamas se extinguiram e o portão foi arrombado. Os que ainda estavam no local foram levados para a quadra do Pavilhão 3, onde alguns foram cruelmente assassinados, e outros, torturados. Seus poucos pertences (ventiladores, televisores, peças de roupa, antenas de televisão, geladeira, entre outros objetos) também foram tomados pelo grupo rival. Dos 42 presos que estavam nas celas de inclusão, 20 foram mortos. A maioria dos sobreviventes foi poupada, pois eram “irmãos da bênção” (presos que organizavam atividades religiosas), além de duas notáveis exceções: uma das vítimas foi reconhecida e salva por um amigo de longa data, que parecia ter influência entre os rebelados; outra foi “apenas” torturada, mas poupada por ter HIV — não há maiores explicações sobre este ponto, mas, provavelmente, os presos temiam serem contaminados durante a execução. Pouco antes do fim do massacre, às 16h55, a violência chegou até o fundo do presídio, mais precisamente entre o gradil e o muro externo. Nessa área, as câmeras de vigilância captaram cerca de 13 presos tentando uma fuga desesperada. Eram os detentos que haviam conseguido escapar pela grade serrada na Cela 4 da Inclusão. Perseguido e encurralado, o grupo de presos foi rapidamente cercado pelos rebelados e assassinados a tiros, estocadas, pauladas e pedradas. Além do registro feito pelo circuito interno de filmagem da prisão, os detentos amotinados também fizeram seus próprios vídeos, identificado na denúncia pelo título “WhatsApp Vídeo 2017 - 01 - 31 at 13.04.17”. A gravação, com duração de aproximadamente 1’50”, foi amplamente divulgada nas redes sociais e mostra o resultado da matança, decapitações e esquartejamentos nos fundos do Compaj. O