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Parecer jurídico no que tange à transfusão sanguínea nas testemunhas de Jeová, Manuais, Projetos, Pesquisas de Direito Constitucional

Opinião técnica-jurídica no tocante à transfusão de sangue nas Testemunhas de Jeová, abordando ambas as correntes sobre o assunto, tanto a adotada atualmente pelos Tribunais Superiores (a favor da vida digna), quanto a minoritária (defendendo o direito à vida puro), para no final justificar o meu posicionamento.

Tipologia: Manuais, Projetos, Pesquisas

2018

Compartilhado em 06/05/2020

wellington-kague
wellington-kague 🇧🇷

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AUTOR: WELLINGTON M. KAGUE
PARECER JURÍDICO
EMENTA: PACIENTE CAPAZ E INCONSCIENTE.
RISCO DE VIDA. TESTEMUNHA DE JEOVÁ.
NECESSIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE.
COLISÃO ENTRE DIREITOS CONSTITUCIONAIS:
DIREITO À VIDA X DIREITO À LIBERDADE
RELIGIOSA. PONDERAÇÃO. CRITÉRIO DA
PROPORCIONALIDADE. ART. DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. DIREITO
À VIDA. DIREITO À IGUALDADE. RESOLUÇÃO CFM
2.217/2018. DEVER MÉDICO. VEDADO AO
MÉDICO CEDER À VONTADE DO PACIENTE EM
CASO DE RISCO DE VIDA. PREVALÊNCIA DO
DIREITO À VIDA. SÓLIDA JURISPRUDÊNCIA DOS
TRIBUNAIS PÁTRIOS NESSE SENTIDO.
Trata-se de solicitação de manifestação técnica, formulada pela equipe de
transição da Prefeitura de xxxxxx, sobre a possibilidade ou não de transfusão de
sangue nas testemunhas de Jeová em caso de risco de vida.
Quando do atendimento de rotina aos pacientes do hospital, médicos se
depararam com a situação em que um paciente desacordado e inconsciente,
adepto da religião Testemunhas de Jeová, vítima de acidente de trânsito,
necessita de transfusão de sangue com urgência, sob risco de morte.
Eis a síntese do necessário.
Preambularmente, convém limiar este estudo técnico com apontamentos
conceituais sobre o direito à vida e à liberdade religiosa sob o paradigma da
dignidade da pessoa humana.
Pois bem.
Enfrentando o tema com a argúcia que lhe é peculiar, o ilustre JOSÉ
AFONSO DA SILVA pontifica que o direito à vida transcende o mero critério
biológico, indo além, abrangendo os direitos à existência, à integridade física, à
integridade moral, à vedação da pena de morte e à proibição da tortura. Adiante,
alerta que “Tentou-se incluir na Constituição o direito a uma existência digna.
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AUTOR: WELLINGTON M. KAGUE

PARECER JURÍDICO

EMENTA: PACIENTE CAPAZ E INCONSCIENTE. RISCO DE VIDA. TESTEMUNHA DE JEOVÁ. NECESSIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE. COLISÃO ENTRE DIREITOS CONSTITUCIONAIS: DIREITO À VIDA X DIREITO À LIBERDADE RELIGIOSA. PONDERAÇÃO. CRITÉRIO DA PROPORCIONALIDADE. ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA DE 1988. DIREITO À VIDA. DIREITO À IGUALDADE. RESOLUÇÃO CFM Nº 2.217/2018. DEVER MÉDICO. VEDADO AO MÉDICO CEDER À VONTADE DO PACIENTE EM CASO DE RISCO DE VIDA. PREVALÊNCIA DO DIREITO À VIDA. SÓLIDA JURISPRUDÊNCIA DOS TRIBUNAIS PÁTRIOS NESSE SENTIDO. Trata-se de solicitação de manifestação técnica, formulada pela equipe de transição da Prefeitura de xxxxxx, sobre a possibilidade ou não de transfusão de sangue nas testemunhas de Jeová em caso de risco de vida. Quando do atendimento de rotina aos pacientes do hospital, médicos se depararam com a situação em que um paciente desacordado e inconsciente, adepto da religião Testemunhas de Jeová, vítima de acidente de trânsito, necessita de transfusão de sangue com urgência, sob risco de morte. Eis a síntese do necessário. Preambularmente, convém limiar este estudo técnico com apontamentos conceituais sobre o direito à vida e à liberdade religiosa sob o paradigma da dignidade da pessoa humana. Pois bem. Enfrentando o tema com a argúcia que lhe é peculiar, o ilustre JOSÉ AFONSO DA SILVA pontifica que o direito à vida transcende o mero critério biológico, indo além, abrangendo os direitos à existência, à integridade física, à integridade moral, à vedação da pena de morte e à proibição da tortura. Adiante, alerta que “Tentou-se incluir na Constituição o direito a uma existência digna.

Esse conceito de existência digna consubstancia aspectos generosos de natureza material e moral; serviria para fundamentar o desligamento de equipamentos médico-hospitalares, nos casos em que o paciente estivesse vivendo artificialmente (mecanicamente), a prática da eutanásia, mas trazia implícito algum risco como, por exemplo, autorizar a eliminação de alguém portador de deficiência de tal monta que se viesse a concluir que não teria uma existência humana digna. Por esses riscos, talvez tenha sido melhor não acolher o conceito.”^1 (grifo do autor). A contrario sensu , MARCELO NOVELINO leciona que o direito à vida possui uma acepção negativa e outra positiva. Esta representa o direito à existência digna, devendo ser assegurado às pessoas humanas o acesso a bens e utilidades imprescindíveis para que haja condições existenciais mínimas do ponto de vista da dignidade da pessoa humana; aquela consistiria no direito do ser humano de permanecer vivo, de modo que o Estado e os demais particulares não intervenham em sua existência física^2. Válido ressaltar que a liberdade religiosa, assegurada constitucionalmente, pode ser entendida como a liberdade de escolha para crer em um sistema de valores transcendentais, de se orientar segundo dogmas baseados na fé e não na racionalidade estrita, na liberdade de liturgia, do culto propriamente dito, dos locais de prática do culto, de não ser o sujeito inquirido pelo Estado sobre as suas convicções, de não ser prejudicado, de qualquer forma, nas suas relações com o Estado, em razão de sua crença declarada, bem como pode ser visualizada como vedação ao Estado, v.g., proibição da discriminação estatal arbitrária e danosa entre as diversas igrejas^3. Adiante, a liberdade religiosa constitui direito constitucional fundamental inscrito no artigo 5º, inciso VI da CR/88, assim como a vida, garantida no caput do mesmo dispositivo, portanto, são direitos que se encontram em igual patamar hierárquico, ambas com status de norma constitucional. (^1) SILVA, José Afonso Da. Curso de direito constitucional positivo. 37. ed. São Paulo: Malheiros, 2013, p. 200/201. (^2) NOVELINO, Marcelo_. Curso de direito constitucional._ 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2016, p.

(^3) TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016.

privada, ante a recusa na assinatura do termo de consentimento de transfusão de sangue e hemoderivados pela parte, por motivo de crença religiosa. 12. O art. 22 do Código de Ética Médica estabelece que em situação de risco iminente de morte, o consentimento do paciente e/ou familiares é prescindível, sobrelevando-se o valor-matriz vida. 13. Ainda que a liberdade de religião seja expressão da dignidade da pessoa humana, não cabendo ao Estado avaliar o mérito de qualquer crença não é razoável impor ao Poder Público, que ao possibilitar a cirurgia no INCA estava possibilitando a concretização do direito social à saúde dentro de um quadro de escassez de recursos, a responsabilidade pela relativização do direito à vida e pelas despesas da cirurgia realizada pela autora na rede privada. 14. Apelação improvida. (TRF-2 – AC: 01366287020134025101 RJ 0136628-70.2013.4.02.5101, Relator : ALCIDES MARTINS, Data de Julgamento: 21/07/2017, 5º TURMA ESPECIALIZADA). Aliás, o Novo Código de Ética Médica, Resolução CFM nº 2.217/2018, que entrou em vigor em 30 de abril deste ano, traz em seu Capítulo I os princípios fundamentais da profissão médica, dentre eles o primeiro, a seguir: “I - A medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza”. Ora, o médico não pode ter o exercício de sua profissão discriminada de alguma forma, tendo-se em vista a importância da medicina para a manutenção da saúde e da vida humanas. Ainda nos princípios, traz a seguinte previsão: XXI - No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas. Ora, o médico deve atender às escolhas de seus pacientes no tocante aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos, respeitando a sua autonomia privada, todavia, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas, sob pena de o médico, conhecedor da ciência e das melhores técnicas de tratamento e manutenção da saúde e da vida, permitir que o paciente opte por tratamento não reconhecido pela medicina como eficaz e, assim, seja submetido a terapia duvidosa, que, inclusive, possa vir a destruir a sua saúde e vitalidade. Seguindo, o Capítulo II do mesmo diploma traz os direitos dos médicos, dentre eles o de “I - Exercer a medicina sem ser discriminado por questões de

religião, etnia, cor, sexo, orientação sexual, nacionalidade, idade, condição social, opinião política, deficiência ou de qualquer outra natureza.” Assim, não pode o médico no exercício de sua profissão, visando à preservação da vida humana, ter sua atividade limitada ou suprimida por motivo de religião, ainda mais quando a vida do paciente está em risco. De mais a mais, o Capítulo IV da referida Resolução traz o dever do médico de sempre se pautar pela tutela dos direitos humanos, inclusive, veja-se os artigos a seguir: Capítulo IV – Direitos humanos É vedado ao médico: Art. 22. Deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte. (...) Art. 29. Participar, direta ou indiretamente, da execução de pena de morte. O artigo 22 traz importante dever do médico, tornando claro que deve esclarecer ao paciente acerca do procedimento a ser praticado, respeitando a vontade dele, devendo obter o seu consentimento, todavia, traz uma importante exceção, que vai ao encontro da noção de vida supramencionada trazida pelo eminente professor José Afonso da Silva, no sentido de que no caso de risco iminente de morte, deve o médico adotar o procedimento adequado independentemente do consentimento do paciente, até mesmo porque a profissão do médico visa a sempre preservar a saúde e a vida, inclusive. Portanto, a vida deve ser preservada, haja vista, que sem ela, não há direito algum. A propósito, nesse sentido leciona ANDRÉ RAMOS TAVARES que a vida “É o mais básico de todos os direitos, no sentido de que surge como verdadeiro pré-requisito da existência dos demais direitos consagrados constitucionalmente. É, por isto, o direito humano mais sagrado.”^4 e continua nesse sentido afirmando que “(...) cumpre assegurar a todos o direito de simplesmente continuar vivo, permanecer existindo até a interrupção da vida por causas naturais.” 5 Adiante, o professor titular da Faculdade de Direito do Largo São Francisco associa o direito à vida com a dignidade da pessoa humana, (^4) TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 14. Ed. São Paulo: Saraiva, 2016, p.

(^5) Ibidem, p. 427.

proporcionalidade, implícito na Carta Fundamental de 1988. Esta técnica é aplicável ao presente caso, razão pela qual vale a pena discorrer sinteticamente sobre a proporcionalidade, para posterior efetivação da ponderação entre a vida e a liberdade religiosa. Este critério, por alguns denominado princípio, mas aqui entendido como regra, com fulcro nos posicionamentos dos eminentes professores BERNARDO GONÇALVES FERNANDES^8 e VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA^9 , se subdivide em 3 sub-regras para a sua aplicação concreta , in casu , a adequação, a necessidade e a proporcionalidade stricto sensu , sendo que devem ser observadas nessa ordem, tendo-se em vista que a análise da proporcionalidade pode se encerrar nas duas primeiras sub-regras, sem necessidade de se chegar à derradeira. A seguir, uma breve noção das três sub-regras isoladamente consideradas. A sub-regra da adequação, primeira a ser observada, consiste na verificação da medida ou da norma, observando se ela é apta a alcançar o resultado pretendido ou o fim visado, ou ao menos fomentá-lo. Nesse sentido, a lição do professor VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA: Adequado, então, não é somente o meio com cuja utilização um objetivo é alcançado, mas também o meio com cuja utilização a realização de um objetivo é fomentada, promovida, ainda que o objetivo não seja completamente realizado. 10 Adiante, a sub-regra da necessidade pode ser entendida como um dever atribuível ao Estado de modo que adote sempre a medida menos gravosa possível para que alcance um determinado fim. Nesta senda, continua o renomado professor VIRGÍLIO AFONSO DA SILVA ao dizer que Um ato estatal que limita um direito fundamental é somente necessário caso a realização do objetivo perseguido não possa ser promovida, com a mesma intensidade, por meio de outro ato que limite, em menor medida, o direito fundamental atingido.^11 (^8) Ibidem, p. 230-247. (^9) SILVA, Virgílio Afonso da. O proporcional e o razoável, p. 34- (^10) Ibidem, p. 36. (^11) Ibidem, p. 38.

Por derradeiro, a terceira sub-regra é a proporcionalidade em sentido estrito, que compreende um sopesamento entre a intensidade da restrição ao direito fundamental atingido e a relevância atribuível à implementação do direito fundamental que com ele colide e que serve de fundamento para a medida restritiva. 12 Importante ressaltar que o próprio Supremo Tribunal Federal vem se utilizando dessa técnica para aplicar os direitos fundamentais, conforme, a título ilustrativo, se pode observar nas decisões proferidas nos casos a seguir: RE 181.331, 86.297, ADI 223/DF, ADI 319/DF, ADI 855, HC 71.374, ADI 1158, HC 82.424. 13 Assim, voltando para a analise da colisão entre os direitos fundamentais à vida e à liberdade religiosa, tem-se que a medida em questão é a transfusão sanguínea. Realizando a análise da sub-regra da adequação, a transfusão de sangue se afigura adequada para a promoção da dignidade da pessoa humana, haja vista que é a medida idônea para extinguir o risco de morte ou ao menos fomentar a possibilidade de manutenção da vida, o que nos leva à aferição do próximo critério. Todavia, a análise da adequação pararia por aqui se a medida fosse voltada unicamente ao atendimento da liberdade religiosa do paciente, visto que para as testemunhas de Jeová se afigura inadmissível referida medida. Quanto à necessidade, dentre as possibilidades de posicionamentos a serem adotados, de um lado preza-se pela vida, resguardando-a e assegurando, consequentemente, todos os demais direitos, mesmo que restringindo alguns, e, de outro lado, se garante a liberdade religiosa, não se realizando a transfusão sanguínea, levando o paciente a óbito, realizando-se uma espécie de suicídio assistido, vedado no ordenamento jurídico pátrio, e encerrando-se todos os seus direitos e suas possibilidades de direitos. Portanto, figura como menos gravosa a primeira situação, devendo o médico adotá-la, sob pena de o paciente vir a óbito e extinguirem os seus direitos e todas as suas possibilidades de desenvolvimento como ser humano. (^12) Ibidem, p. 40. (^13) FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 229.

de risco de vida, ainda que testemunha de Jeová, por ser a medida que atende à proporcionalidade constitucional. Nada obstante, decidiu a sexta turma do Superior Tribunal de Justiça, em 02/09/2014, no julgamento do HC 268459 SP 2013/0106116-5, de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura, que: a) na hipótese de ser o paciente incapaz ou estiver inconsciente, a transfusão deve ser realizada, tendo em vista que a vontade dos pais não pode suprir a incapacidade do paciente, bem como também não pode supri-la uma vontade antecipada manifestada por termo escrito pelo próprio paciente no sentido de não ser realizada a transfusão de sangue; b) no caso de estar o paciente com capacidade absoluta, e de forma consciente expressar sua vontade de não passar pelo procedimento, deve a sua manifestação de vontade ser respeitada, atendendo-se à sua autonomia, bem como à liberdade religiosa, ambas lidas à luz da dignidade da pessoa humana. 15 16 (^15) FERNANDES, Bernardo Gonçalves. Curso de direito constitucional. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2017, p. 448. (^16) PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. (1) IMPETRAÇÃO COMO SUCEDÂNEO RECURSAL, APRESENTADA DEPOIS DA INTERPOSIÇÃO DE TODOS OS RECURSOS CABÍVEIS. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. (2) QUESTÕES DIVERSAS DAQUELAS JÁ ASSENTADAS EM ARESP E RHC POR ESTA CORTE. PATENTE ILEGALIDADE. RECONHECIMENTO. (3) LIBERDADE RELIGIOSA. ÂMBITO DE EXERCÍCIO. BIOÉTICA E BIODIREITO: PRINCÍPIO DA AUTONOMIA. RELEVÂNCIA DO CONSENTIMENTO ATINENTE À SITUAÇÃO DE RISCO DE VIDA DE ADOLESCENTE. DEVER MÉDICO DE INTERVENÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. RECONHECIMENTO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. É imperiosa a necessidade de racionalização do emprego do habeas corpus, em prestígio ao âmbito de cognição da garantia constitucional, e, em louvor à lógica do sistema recursal. In casu, foi impetrada indevidamente a ordem depois de interpostos todos os recursos cabíveis, no âmbito infraconstitucional, contra a pronúncia, após ter sido aqui decidido o AResp interposto na mesma causa. Impetração com feições de sucedâneo recursal inominado. 2. Não há ofensa ao quanto assentado por esta Corte, quando da apreciação de agravo em recurso especial e em recurso em habeas corpus, na medida em que são trazidos a debate aspectos distintos dos que outrora cuidados. 3. Na espécie, como já assinalado nos votos vencidos, proferidos na origem, em sede de recurso em sentido estrito e embargos infringentes, tem-se como decisivo, para o desate da responsabilização criminal, a aferição do relevo do consentimento dos pacientes para o advento do resultado tido como delitivo. Em verdade, como inexistem direitos absolutos em nossa ordem constitucional, de igual forma a liberdade religiosa também se sujeita ao concerto axiológico, acomodando-se diante das demais condicionantes valorativas. Desta maneira, no caso em foco, ter-se-ia que aquilatar, a fim de bem se equacionar a expressão penal da conduta dos envolvidos, em que medida teria impacto a manifestação de vontade, religiosamente inspirada, dos pacientes. No juízo de ponderação, o peso dos bens jurídicos, de um lado, a vida e o superior interesse do adolescente, que ainda não teria discernimento suficiente (ao menos em termos legais) para deliberar sobre os rumos de seu tratamento médico, sobrepairam sobre, de outro lado, a convicção religiosa dos pais, que teriam se manifestado contrariamente à transfusão de sangue. Nesse panorama, tem-se como inócua a negativa de concordância para a providência terapêutica, agigantando-se, ademais, a omissão do hospital, que, entendendo que seria imperiosa a intervenção, deveria, independentemente de qualquer posição dos pais, ter avançado pelo tratamento que entendiam ser o imprescindível para evitar a morte. Portanto, não há falar em tipicidade da conduta dos pais que, tendo levado sua filha para o hospital, mostrando que com ela se preocupavam, por convicção religiosa, não ofereceram consentimento para transfusão de sangue - pois, tal manifestação era indiferente para os médicos, que, nesse cenário, tinham o dever de salvar a vida. Contudo, os médicos do hospital,

Com todo o respeito, a despeito de reconhecer o dever do médico de realizar a transfusão sanguínea em caso de incapacidade absoluta do paciente que corre risco de vida, posição proporcional, criticável o restante da corrente assumida pelo Tribunal da Cidadania, sendo de difícil sustentação, haja vista que, segundo o referido acórdão, nem os representantes legais do paciente e nem a própria manifestação de vontade deste reduzida por termo escrito, pode suprir o seu consentimento oral no sentido de impedir a realização da transfusão sanguínea. Seguindo, se extrai da referida decisão que, se o paciente estiver com capacidade absoluta, ele poderá manifestar a sua vontade no sentido e não realizar o referido procedimento, e tal manifestação deve ser atendida pelo médico, em respeito à liberdade religiosa e à autonomia da vontade. Esta última regra também não deve prevalecer, com a devida vênia, em vista do já exposto, por ofender diversos dispositivos e princípios constitucionais, como a segurança jurídica, a isonomia, o direito à vida, a harmonia do ordenamento jurídico e a proporcionalidade. Vale a pena ressaltar que no caso concreto da mencionada decisão, havia uma jovem de 13 anos como paciente internada, em estado precário de saúde em virtude da doença anemia falciforme. Em virtude disso era necessária a realização da transfusão sanguínea, que foi imediatamente rechaçada pelos pais, tendo em vista que eram testemunhas de Jeová, tendo a mãe, inclusive, dito que preferia ver a filha morta do que ver realizado tal procedimento, em razão da suposta impureza que dele decorreria. Os médicos atenderam à autonomia da vontade dos pais, representantes legais da paciente, e não realizaram a transfusão, vindo a paciente, consequentemente, a falecer. Adiante, a Sexta Turma do Sodalício da Cidadania isentou os pais da falecida de toda e qualquer responsabilidade pela sua morte, e imputaram os fatos exclusivamente aos médicos, sob o fundamento de que os médicos teriam o dever de realizar a transfusão de sangue mesmo contra a vontade da família da incapaz, desrespeitando a autonomia da vontade dos pais e cumprindo a ética médica. Ora, claro está a insegurança jurídica e o crendo que se tratava de medida indispensável para se evitar a morte, não poderiam privar a adolescente de qualquer procedimento, mas, antes, a eles cumpria avançar no cumprimento de seu dever profissional. 4. Ordem não conhecida, expedido habeas corpus de ofício para, reconhecida a atipicidade do comportamento irrogado, extinguir a ação penal em razão da atipicidade do comportamento irrogado aos pacientes. (STJ - HC 268459 SP 2013/0106116-5, Relator: Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Data de Julgamento: 02/09/2014, T6 – SEXTA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/10/2014)

No caso concreto, a menor autora não detém capacidade civil para expressar sua vontade. A menor não possui consciência suficiente das implicações e da gravidade da situação pata decidir conforme sua vontade. Esta é substituída pela de seus pais que recusam o tratamento consistente em transfusões de sangue. Os pais podem ter sua vontade substituída em prol de interesses maiores, principalmente em se tratando do próprio direito à vida. A restrição à liberdade de crença religiosa encontra amparo no princípio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada à preservar à saúde da autora: é necessária porque em face do risco de vida a transfusão de sangue torna-se exigível e, por fim ponderando-se entre vida e liberdade de crença, pesa mais o direito à vida, principalmente em se tratando não da vida de filha menor impúbere. Em consequência, somente se admite a prescrição de medicamentos alternativos enquanto não houver urgência ou real perigo de morte. Logo, tendo em vista o pedido formulado na inicial, limitado ao fornecimento de medicamentos, e o princípio da congruência, deve a ação ser julgada improcedente. Contudo, ressalva-se o ponto de vista ora exposto, no que tange ao direito à vida da menor. (TRF-4 – AC: 155 RS 2003.71.02.000155-6, Relator: VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Data de Julgamento: 24/10/2006, TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 01/11/2006 PÁGINA 686) Compartilhando de entendimento semelhante, cite-se a decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no seguinte recurso de apelação cível: INDENIZATÓRIA - Reparação de danos - Testemunha de Jeová - Recebimento de transfusão de sangue quando de sua internação - Convicções religiosas que não podem prevalecer perante o bem maior tutelado pela Constituição Federal que é a vida - Conduta dos médicos, por outro lado, que se pautou dentro da lei e ética profissional, posto que somente efetuaram as transfusões sanguíneas após esgotados todos os tratamentos alternativos - Inexistência, ademais, de recusa expressa a receber transfusão de sangue quando da internação da autora - Ressarcimento, por outro lado, de despesas efetuadas com exames médicos, entre outras, que não merece acolhido, posto não terem sido os valores despendidos pela apelante - Recurso não provido. (TJSP - 3ª Câmara de Direito Privado - Apelação Cível nº 123.430-4 - Sorocaba - Rel.: Des. Flávio Pinheiro. Julgamento: 07/05/2002). Por derradeiro, válido mencionar, nesse sentido, a decisão do Tribunal de Justiça do RS: Carece de interesse processual o hospital ao ajuizar demanda no intuito de obter provimento jurisdicional que determine à paciente que se submeta à transfusão de sangue. Não há necessidade de

intervenção judicial, pois o profissional de saúde tem o dever de, havendo iminente perigo de vida, empreender todas as diligências necessárias ao tratamento da paciente, independentemente do consentimento dela ou de seus familiares. Recurso desprovido. (TJ-RS – AC: 70020868162 RS, Relator: Umberto Guaspari Sudbrack, Data de Julgamento: 22/08/2007, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 28/08/2007) (grifei) CONCLUSÃO Diante dos esclarecimentos acima esposados, conclui-se que: (a) a transfusão sanguínea é medida adequada, necessária e proporcional stricto sensu para assegurar a correta aplicação da Constituição da República de 1988 no caso da colisão entre os direitos fundamentais à vida e à liberdade religiosa, devendo o médico promover a vida e assegurá-la, mesmo que a transfusão venha a restringir em parte a crença do paciente (b) a jurisprudência majoritária pátria se pauta pelo atendimento do dever médico de prezar pela autonomia da vontade do paciente, SALVO em caso de risco de vida (art. 22 do Código de Ética Médica), portanto, a transfusão de sangue é medida que se afigura proporcional em caso de risco de vida, ainda que em paciente testemunha de Jeová, e, assim, é de rigor a implementação do referido procedimento médico em respeito a diversos dispositivos e princípios constitucionais, como a segurança jurídica, a isonomia, o direito à vida, a harmonia do ordenamento jurídico e a proporcionalidade. Eis o que me parece, que, diga-se, não possui efeito vinculante. Dracena, xx de maio de 2019. xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx OAB/SP n.º REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFIAS