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Doença de Chagas: Terapias e Desafios em Novos Medicamentos, Esquemas de Parasitologia

doença de chagas- verminoses, ciclo

Tipologia: Esquemas

2019

Compartilhado em 08/11/2019

velosoviviane98
velosoviviane98 🇧🇷

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1. Doença de Chagas
A doença de Chagas, causada pelo Trypanosoma cruzi, foi descoberta em 1909 pelo médico
brasileiro Carlos Chagas (1879-1934) (Andrade et al., 2011; Dias, 2015). A estimativa de
prevalência global desta doença era de 7 milhões de pessoas em 1960, 16-18 milhões em 1990,
9.8 milhões em 2006 e 5-7 milhões em 2010 (Schofield et al., 2006; PAHO, 2010; WHO, 2015).
A drástica queda na sua prevalência observada de 1990 a 2010 foi essencialmente consequencia
do desenvolvimentos de programas transnacionais na América Latina focados na eliminação de
vetores domésticos e triagem de doadores de sangue: Iniciativa do Cone Sul, Iniciativa dos
Países Andinos, Iniciativa da América Central e México e a Iniciativa de Países Amazônicos,
todos com suporte da Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial da Saúde
(OPAS/OMS) (Schofield et al., 2006; Guhl, 2007; Dias, 2009; Moncayo & Silveira, 2009).
A doença de Chagas é transmitida para humanos por vetores triatomíneos, transfusão de sangue
infectado, transmissão oral e congênita e menos comumente por transmissão direta de
reservatórios de T. cruzi, ingestão de carne mal-cozida de animais infectados, transplante de
orgãos e acidentes de laboratório (Deane et al. 1984; Steindel et al., 2008; Altclas et al., 2008;
Dias & Amato-Neto, 2011). Como o sucesso dos programas de controle vetorial e de bancos de
sangue, transmissões congênita (Gebrekristos & Buekens, 2014; Carlier et al., 2015; Álvarez et
al., 2017) e oral (Alarcón-de- Noya et al., 2010; Shikanai-Yasuda & Carvalho, 2012; Goés-
Costa et al., 2017; Silva-dos-Santos et al., 2017) se transformaram em fontes importantes de
novos casos da doença de Chagas. Esta doença, classicamente associada com populações pobres
e rurais, sofreu um processo de urbanização nos anos 70 e 80. A dispersão para a América do
Norte, Europa, Ásia e Austrália foi crescendo continuamente, criando novos desafios
epidemiológicos, econômicos, sociais e políticos (Schmunis, 2007; Schmunis & Yadon, 2010;
Jackson et al., 2014). Análise da prevalência de doença de Chagas em imigrantes da América
Latina revelou uma taxa de infecção de 4,2% na Europa até 2004, com uma grande
heterogeniedade a depender do país de origem (Requena-Méndez et al., 2015, 2017).
Em países não endêmicos, a transmissão da doença de Chagas está associada com a via
congênita, transfusão de sangue e transplante de orgãos (Bern et al., 2011; Rodriguez-Guardado
et al., 2015; Antinori et al., 2017). Nos Estados Unidos da América (EUA) aplicando a
soroprevalência reportada pela OPAS (2006) e assumindo uma taxa de transmissão por grávidas
infectadas 1-5%, Bern & Montgomery (2009) estimaram 300.000 pessoas infectadas e 63-316
casos congênitos de infecção por T. cruzi/ano. Recentemente atualização desta estimativa
revelou um decréscimo de cerca de 20% no número de infecções, sendo que não foram inclusos
imigrantes sem documentação, o que pode levar a cerca de 109.000 casos adicionais (Manne-
Goehler et al., 2016). O CDC (Centers for Disease Control and Prevention) classificou a
doença de Chagas como uma das cinco doenças parasitárias negligenciadas nos EUA (CDC,
2015). Na Europa vivem aproximadamente 3,5 milhões de latinoamericanos, com uma
estimativa de 90.000 indivíduos infectados, estando aproxidamente 50.000 destes na Espanha
(WHO, 2010; Gascon et al., 2010; Antinori et al., 2017; Monge-Maillo et al., 2017).
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  1. Doença de Chagas

A doença de Chagas, causada pelo Trypanosoma cruzi, foi descoberta em 1909 pelo médico brasileiro Carlos Chagas (1879-1934) (Andrade et al., 2011; Dias, 2015). A estimativa de prevalência global desta doença era de 7 milhões de pessoas em 1960, 16-18 milhões em 1990, 9.8 milhões em 2006 e 5-7 milhões em 2010 (Schofield et al., 2006; PAHO, 2010; WHO, 2015). A drástica queda na sua prevalência observada de 1990 a 2010 foi essencialmente consequencia do desenvolvimentos de programas transnacionais na América Latina focados na eliminação de vetores domésticos e triagem de doadores de sangue: Iniciativa do Cone Sul, Iniciativa dos Países Andinos, Iniciativa da América Central e México e a Iniciativa de Países Amazônicos, todos com suporte da Organização Pan-Americana de Saúde/Organização Mundial da Saúde (OPAS/OMS) (Schofield et al., 2006; Guhl, 2007; Dias, 2009; Moncayo & Silveira, 2009).

A doença de Chagas é transmitida para humanos por vetores triatomíneos, transfusão de sangue infectado, transmissão oral e congênita e menos comumente por transmissão direta de reservatórios de T. cruzi, ingestão de carne mal-cozida de animais infectados, transplante de orgãos e acidentes de laboratório (Deane et al. 1984; Steindel et al., 2008; Altclas et al., 2008; Dias & Amato-Neto, 2011). Como o sucesso dos programas de controle vetorial e de bancos de sangue, transmissões congênita (Gebrekristos & Buekens, 2014; Carlier et al., 2015; Álvarez et al., 2017) e oral (Alarcón-de- Noya et al., 2010; Shikanai-Yasuda & Carvalho, 2012; Goés- Costa et al., 2017; Silva-dos-Santos et al., 2017) se transformaram em fontes importantes de novos casos da doença de Chagas. Esta doença, classicamente associada com populações pobres e rurais, sofreu um processo de urbanização nos anos 70 e 80. A dispersão para a América do Norte, Europa, Ásia e Austrália foi crescendo continuamente, criando novos desafios epidemiológicos, econômicos, sociais e políticos (Schmunis, 2007; Schmunis & Yadon, 2010; Jackson et al., 2014). Análise da prevalência de doença de Chagas em imigrantes da América Latina revelou uma taxa de infecção de 4,2% na Europa até 2004, com uma grande heterogeniedade a depender do país de origem (Requena-Méndez et al., 2015, 2017).

Em países não endêmicos, a transmissão da doença de Chagas está associada com a via congênita, transfusão de sangue e transplante de orgãos (Bern et al., 2011; Rodriguez-Guardado et al., 2015; Antinori et al., 2017). Nos Estados Unidos da América (EUA) aplicando a soroprevalência reportada pela OPAS (2006) e assumindo uma taxa de transmissão por grávidas infectadas 1-5%, Bern & Montgomery (2009) estimaram 300.000 pessoas infectadas e 63- casos congênitos de infecção por T. cruzi/ano. Recentemente atualização desta estimativa revelou um decréscimo de cerca de 20% no número de infecções, sendo que não foram inclusos imigrantes sem documentação, o que pode levar a cerca de 109.000 casos adicionais (Manne- Goehler et al., 2016). O CDC (Centers for Disease Control and Prevention) classificou a doença de Chagas como uma das cinco doenças parasitárias negligenciadas nos EUA (CDC, 2015). Na Europa vivem aproximadamente 3,5 milhões de latinoamericanos, com uma estimativa de 90.000 indivíduos infectados, estando aproxidamente 50.000 destes na Espanha (WHO, 2010; Gascon et al., 2010; Antinori et al., 2017; Monge-Maillo et al., 2017).

  1. Nifurtimox e benznidazol

O tratamento etiológico para a doença de Chagas está restrito a duas drogras nitroheterocíclicas introduzidas nos anos 60-70: benznidazol (Bz, LAFEPE e Abarax/ELEA) e nifurtimox (Nif, LAMPIT/Bayer) (Fig. 1). Bz foi produzido até 2003 pela Roche (Rochagan® e Radanil®), quando sua manufatura foi transferida para uma companhia farmacêutica ligada ao governo brasileiro, o Laboratório Farmacêutico do Estado de Pernambuco (Lafepe). O medicamento foi preparado com o princípio ativo doado pela Roche até 2011, quando sua produção foi interrompida em decorrência da não aprovação de Boas Práticas de Fabricação (Manne et al., 2012), sendo retomada após certificação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA, Brasil). Na Argentina, a produção foi iniciada pelo laboratório privado Elea (Abarax®), através de uma associação com o Ministério da Saúde e com a Organização Não Governamental Fundación Mundo Sano. Atualmente, a organização Médicos sem Fronteira (MSF) adquire um comprimido manufaturado pelo Lafep of US$ 0,21 USD enquanto a OPAS paga US$ 0,48 pelo produto da Elea (Pinheiro et al., 2017). Bz foi recentemente aprovado pelo FDA nos EUA (US Food and Drug Administration) para uso em crianças de 2 a 12 anos, sendo este o primeiro tratamento para doença de Chagas aprovado nos EUA (FDA, 2017). A produção de Nif (Bayer HealthCare) foi interrompida nos anos 80 devido a questões de demanda no Brasil, mas com os resultados de ensaios clínicos positivos para o tratamento da tripanosomíase africana humana (Alirol et al., 2013), sua produção foi retomada em 2000 na fábrica da Bayer em El Salvador (Ilopango Bayer). A combinação de Nif com eflornitina (NECT) como tratamento de primeira linha para o estágio CNS da infecção por T. brucei gambiense foi aprovada para uso clínico e incluída na Lista de Medicamentos Essenciais da OMS. Bayer, seu único produto, garantiu seu fornecimento até 2019 e está também desenvolvendo uma nova formulação visando um tratamento mais individualizado (Bayer HealthCare, 2017).

Figura 1: Medicamentos utilizadas no tratamento etiológico da doença de Chagas: (a) benznidazol; e (b) nifurtimox.

Os resultados obtidos com Nif e Bz variam de acordo com a fase da doença, o período e dose do tratamento, a idade e a origem geográfica dos (Coura & De Castro, 2002). As duas

publicação do genoma de T. cruzi (El-Sayed et al., 2005), permitindo a geração de parasitos transgênicos expressando β-galactosidase (cepa Tulahuen lacZ) (Buckner et al., 1996), proteína tandem tomato fluorescente ou luciferase de vagalume (cepas Y luc e Brazil luc) para ensaios com parasitos íntegros (Hyland et al., 2008; Canavaci et al., 2010; Andriani et al., 2011); e (iv) quarta fase com o aumento do número de programas de desenvolvimento de medicamentos envolvendo uma rede de pesquisadores, organizações não-governamentais e companias farmacêuticas (Chatelain & Ioset, 2011; Jakobsen et al., 2011). Os avanços das tecnologias de triagem ressultaram em uma mudança de tragens baseadas no alvo para fenotípicas (Gilbert et al., 2011; Salomão et al., 2016), e o desenvolvimento de HTS, tecnologia high-throughput e HCS, high-content (Bettiol et al., 2009; Engel et al., 2010; Keenan et al., 2013; Peña et al., 2015; Alonso-Padilla et al., 2015) estão permitindo uma avaliação rápida de um grande número de bibliotecas de compostos (Ferreira et al., 2016). Além dissso, o desenvolvimento de T. cruzi bioluminescente permite a análise individual da infecção em camundongo vivo experimentalmente infectado (Hyland et al., 2008; Andriani et al., 2011; Calvet et al., 2014; Lewis et al., 2015; Francisco et al., 2015). Moraes & Franco (2016) avaliaram que as principais campanhas de HTS testaram mais de 2,5 milhões de compostos.

Atualmente, duas abordagens têm sido muito empregadas no desenvolvimento de fármacos para doenças negligenciadas: reposicionamento e combinação. Novos usos para medicamentos conhecidos constituem uma abordagem excelente uma vez que os perfis de segurança e farmacocinéticas já foram otimizados para uso humano e questões ligadas à manufatura e armazenamento já avalidados (Aubé, 2012; Kaiser et al., 2015). Nos últimos anos, o reposicionamento corresponde a 30% de produtos cmo medicamentos e vacinas aprovadas pelo FDA (Jin & Wong, 2014). Combinação entre medicamentos permite a redução de doses e de tempo de tratamento, além de reduzir efeitos colaterais e desenvolvimento de resistência nos parasitos. Estudos in vivo utilizando modelos de infecção murina aguda demostraram que a combinação de fármacos ou de candidatos, mesmo se não leva a uma cura parasitológica, pode reduzir a carga parasitária, taxa de mortalidade e lesões teciduais (Maldonado et al., 1993; Urbina et al., 1993a).

Um melhor conhecimento da bioquímica de T. cruzi e diversas abordagens pré-clínicas permitiram a identificação de alvos do parasito como, por exemplo: metabolismo de esteróis, DNA, cisteino protease, síntese de nucleotídeos e via de salvage de purinas, dihidofolato redutase, gliceraldeído-3-fosfato desidrogenase, glicose-6-fosfato desidrogenase e metabolismo de pirofosfato. Para revisões sobre alvos em T. cruzi, por favor, veja Bahia et al. (2014a), Duschak (2016), Rodriguez et al. (2016), Sanchez-Sanchez et al. (2016), Salomão et al. (2016), Menna-Barreto & De Castro (2017), Salomão & De Castro (2017), Sueth-Santiago et al. (2017), Field et al. (2017) e Sales-Junior et al. (2017). Com base na literatura recente, nos encontramos entre os compostos mais promissores em estudos pré-clínicos, compostos azólicos e não- azólicos atuando sobre C14α-esterol desmetilase (CYP51), derivados fenoxifenoxietilcianato atuando sobre esqualeno sintase (SQ), diferentes compostos especialmente tiazóis atuando sobre cisteino protease, ligantes de DNA e nitrocompostos, mais especificamente, nitrotriazóis.

3.1. C14α-esterol desmetilase (CYP51) inhibitors: Esta enzima citocromo P450 calisa a remoção do grupo metila em C14, levando ao acúmulo de 14α-metil esteróis. Como em fungos, haja vista que o T. cruzi requer ergosterol endógeno, enzimas do metabolismo de esterol vem sendo estudadas há mais de 20 anos como alvos potencias de novos fármacos (Urbina, 2009; Buckner & Urbina, 2012; Macedo-Silva et al., 2015; Bermudez et al., 2016). A maioria dos estudos sobre inibidores de CYP51 envolve o reposicionamento de azóis, originalmente desenvolvidos como antifúngicos (Lepsheva et al., 2007, 2008; Yu et al., 2015). Azol é uma classe de compostos heterocíclicos de nitrogênio; aqueles com 2, 3 e 4 átomos de N são denominados, respectivamente, imidazóis, triazóis e tetrazóis. Diferentes azóis mostraram atividade in vitro e in vivo sobre T. cruzi (Urbina, 2009; Lepsheva et al., 2011; Urbina & McKerrow, 2015).

Posaconazol (SCH56592, Noxafil, Schering-Plough) e ravuconazole (RAV, Eisai Co.) (Figs. 2a,b) têm um amplo espectro de atividade antifúngica e são de um modo geral bem tolerados por humanos (Morris et al., 2009; Peyton et al., 2015). Posaconazol apresentou uma inibição potente da síntese de ergosterol em T. cruzi, induzindo altas percentagens de cura parasitológica em modelos agudos e crônicos da infecção, mesmo no caso de cepas do parasito resistente a Bz e em animais imunosuprimidos (Urbina et al., 1998; Molina et al., 2000; Urbina, 2009). Posaconazol também foi utilizado no tratamento de paciente chagásico crônico com lupus eritematoso sistêmico, com PCR negativo 12 meses pós-tratamento, enquanto Bz induziu uma redução, porém não eliminação de parasitos circulantes (Pinazo et al., 2010). Ravuconazol levou a altos percentuais de cura parasitológica em animais em fase aguda, com exceção daqueles infectados com cepa Bz-resistente (ex. Colombiana) e em modelos crônicos (Urbina et al., 2003a), enquanto que em modelo canino agudo, apresentou apenas efeito supressivo (Diniz et al., 2010).

Figura 2: Inibidores azólicos de TcCYP51: (a) posaconazol; (b) E1224; (c) VNI (Lepesheva et al., 2010); (d) VFV (Lepesheva et al., 2015); (e) VT-1161 (Hoekstra et al., 2015).

Tanto posaconazol quanto E1224, um pró-medicamento de ravuconazol (DNDi, 2013) foram submetidos a estudos clíncios de fase II em pacientes crônicos, utilizando como parâmetro de sucesso de tratamento a negativação do PCR. Brevemente: (a) Chagasazol (NCT01162967, Espanha) após 40 semanas do tratamento com posaconazol levou a 10-20% de PCR negativo, enquanto o valor correspondente para Bz foi de 94% (Molina et al., 2014); (b) Stopchagas (NCT01377480, América Latina) avaliou posaconazol, Bz, sua combinação com pergentagens