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Este documento analisa a relação entre os parâmetros curriculares nacionais (pcns) e a autonomia das escolas no contexto do plano nacional de educação (pne) no brasil. O autor questiona a possibilidade de escolhas sobre os pcns e sua impacto na formação de cidadãos democráticos. Além disso, discute as condições materiais necessárias para ensino de qualidade e a importância de investimentos públicos na melhoria das redes de ensino.
Tipologia: Esquemas
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Teixeira, Beatriz de Basto - UFJF
O Ministério da Educação e do Desporto (MEC) publicou em 1997 e 1998, respectivamente, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) de 1ª a 4ª séries (BRASIL. MEC, 1997a) e de 5ª a 8ª séries (BRASIL. MEC, 1998), depois de ter divulgado Versão Preliminar do documento em 1995 (BRASIL. MEC, 1995)^1. O documento pretendia oferecer a proposta ministerial para a construção de uma base comum nacional para o ensino fundamental brasileiro e ser uma orientação para que as escolas formulem seus currículos, levando em conta suas próprias realidades, tendo como objetivo do ensino de 1ª a 8ª série a formação para uma cidadania democrática. Várias opiniões se manifestaram de forma crítica em relação ao processo de elaboração dos PCNs. Principalmente se o documento pretendia ser uma base comum nacional para o ensino fundamental, deveria ter contado com amplo processo de discussão na sua elaboração. Qualquer tentativa de enquadramento dos currículos escolares aos padrões postos pelos PCNs mais resultaria na implantação de um currículo nacional, do que na elaboração de projetos pedagógicos adequados à realidade e às expectativas das escolas. Mesmo que os PCNs reconheçam a autonomia da escola e dos professores, terceiro e quarto níveis de concretização do currículo – respectivamente –, quando seu texto é confrontado com o Parecer do Relator Deputado Nelson Marchezan^2 , na Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, apresentando o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.173/1999, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE)^3 , a
(^1) Estão sendo considerados para efeito de análise neste capítulo os Parâmetros Curriculares Nacionais de 1ª a 4ª séries (BRASIL. MEC, 1997a), os de 5ª a 8ª séries (BRASIL. MEC, 1998) e a Versão Preliminar dos PCNs (BRASIL. MEC, 1995). Para facilitar a referência no decorrer deste trabalho, altero neste caso a regra de citações e chamo de PCN1 os Parâmetros de 1ª a 4ª séries e PCN2 os Parâmetros de 5ª a 8ª séries, quando for necessária citação do texto dos documentos. (^2) Nelson Marchezan é deputado federal pelo PSDB-RS (Partido da Social-Democracia Brasileira – Rio Grande do Sul). (^3) “Em 10 de fevereiro de 1998, o Deputado Ivan Valente apresentou no Plenário da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 4.155, de 1998 que "aprova o Plano Nacional de Educação". A construção deste plano atendeu aos compromissos assumidos pelo Fórum Nacional em Defesa da Escola Pública, desde sua participação nos trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte, consolidou os trabalhos do I e do II
possibilidade de escolha ou não dos PCNs torna-se muito remota. Fica posta em risco também a possibilidade de que a autonomia escolar seja exercida no sentido da construção de uma escola democrática (cf. APPLE, BEANE: 1997). E se às escolas democráticas cabe justamente a tarefa de oferecer oportunidades de experimentação de um modo de vida democrático, fica comprometido o próprio objetivo colocado pelos PCNs para o ensino fundamental: a formação para uma cidadania democrática.
Os PCNs e a construção de uma base comum de valores Mesmo considerando-se um meio para que o Estado garanta a todos o acesso aos conhecimentos necessários à presença ativa na sociedade – o que soa como tentativa de estabelecer um currículo uniforme para todo o país, procuram levar em conta as diferenças regionais e culturais no Brasil e livram o processo educacional de ser um instrumento de imposição de um projeto político, qualquer que seja ele (PCN1, v. 1). As diretrizes do MEC não se julgam obrigatórias, nem “princípios atemporais” (PCN1, v. 1: 36). O que interessa ressaltar nessa análise dos PCNs é que parece intenção dessa política do MEC a formulação de uma “base comum nacional”. Aponta conteúdos e capacidades a serem adquiridos pelos alunos ao final do ensino fundamental, resguardando o papel da escola e dos professores. Pretenderia ser o que Nereide Saviani chamou de “base comum nacional (...) que, opondo-se à concepção de Currículo Mínimo, prevê a definição de elementos básicos comuns, a partir de ampla discussão, com a participação, e elaboração conjunta, de todos os interessados no assunto, através de suas organizações” (SAVIANI, 1996: 1). Os PCNs fazem referência a um processo de discussão para sua formulação em que teriam sido consideradas as experiências de reforma curricular acontecidas ou em andamento em vários estados e municípios de capitais brasileiras. Citam o estudo realizado pela Fundação Carlos Chagas (SIQUEIRA, 1995) e criticam as propostas estaduais por terem sido contraditórias entre o que formularam para o ensino fundamental e a
Congresso Nacional de Educação - CONED e sistematizou contribuições advindas de diferentes segmentos da sociedade civil. (...) Em 11 de fevereiro de 1998, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional a Mensagem 180/98, relativa ao projeto de lei que "Institui o Plano Nacional de Educação". Iniciou sua tramitação na Câmara dos Deputados como Projeto de Lei nº 4.173, de 1998, apensado ao PL nº 4.155/98, em 13 de março de 1998” (BRASIL. 2000a, Introdução).
especialistas, técnicos e professores, através de pareceres inclusive, a Associação reclama da impossibilidade de dar um parecer mais elaborado, em virtude do limitado prazo de que dispôs para uma consulta a seus membros (ANPEd, 1996: 85). Concorda com os autores acima citados quanto ao fato de que a elaboração dos PCNs não se apoiou na experiência já acumulada no Brasil em estudos e reformas curriculares. A ANPEd demonstra essa preocupação principalmente porque considera que existe muita polêmica, entre os educadores, quanto à necessidade da definição de uma base comum nacional ou de currículo mínimo para a educação brasileira. O MEC, em sua homepage , apresenta os PCNs de 1ª a 4ª séries, em sua versão final, como tendo sido elaborados (...) a partir das práticas curriculares vigentes dos sistemas estaduais e municipais de educação, dos dados sobre o desempenho dos alunos e da experiência curricular de outros países. Durante dois anos, em 1995 e 1996, a proposta foi exaustivamente examinada por educadores, autoridades de ensino e organismos especializados. Desse trabalho, resultaram nada menos que 700 pareceres. A partir deles, os documentos originais puderam ser referidos, chegando-se, assim, à versão atual (BRASIL. MEC, 1999a). Quanto aos PCNs de 5ª a 8ª séries, estes figuram na Rede (BRASIL. MEC, 1999b) como resultado de um processo de consulta a especialistas e instituições a quem foram solicitados 443 e 1327 pareceres, respectivamente, sobre os documentos de 5ª a 8ª séries. Interessante registrar que retornaram ao Ministério 210 pareceres de especialistas e 335 institucionais, 47% e 25%, respectivamente, dos solicitados em cada caso^4. Esses são percentuais muito baixos de resposta, considerando a magnitude do assunto em questão. Talvez outras instituições e pesquisadores tenham tido as mesmas dificuldades que as apontadas pela ANPEd (1996) e por CUNHA (1996) em devolver seus pareceres. O parecer da ANPEd sobre a Versão Preliminar dos PCNs afirma ainda que “os PCNs são [por um lado] excessivamente genéricos quanto à definição de objetivos e conteúdos, e por outro verifica-se que, em determinados momentos, as formas de
(^4) Fazendo um paralelo com as pesquisas realizadas com questionários enviados pelo correio, este instrumento de pesquisa “não pode ser usado para uma amostra representativa de toda a população” em função de que uma parte considerável da população não pode ou não quer responder a um questionário. “Os grupos ‘não pode’ e ‘não quer’ distorcem a amostra numa direção conhecida , mas num grau desconhecido. Como os estudos com questionários com uma base de população bem grande mostraram que as percentagens de respostas variam de 20 a mais ou menos 70 por cento, é claro que este tipo de distorção da amostra pode ser fatal para a validade do estudo” (GOODE; HATT, 1979: 222-223).
operacionalização são bastante detalhadas, não contemplando as diversas realidades e culturas regionais e locais” (ANPEd, 1996: 87-88). José Mário AZANHA (s/d), também sobre a Versão Preliminar (BRASIL. MEC, 1995) chega a apontar no documento um aspecto de “comunicação de verdades”, quando o documento prefere a concepção construtivista de aprendizagem e ensino a outras. Observando as opiniões acima referidas, da ANPEd e de José Mário AZANHA, e concordando com o fato de que os aspectos por elas mencionados realmente estão presentes no documento ministerial e permanecem presentes em sua versão final, cabe perguntar a que mesmo vieram os PCNs. Enquanto os PCNs, por um lado, exigem o esclarecimento de alguns conceitos presentes no documento, essenciais quando se pensa numa educação para a cidadania democrática; por outro, indicam um método que produziria os resultados almejados com o ensino fundamental. (“Método seguro de ensinar tudo a todos”?) Uma certa “indeterminação” pode ser proveitosa enquanto um “espaço” para adequação da proposta ministerial aos projetos das escolas e de negociação, se considerarmos que programas políticos são também “textos” (ver SACRISTÁN, 1998: 91-95). Já o “dirigismo” pode indicar a tentativa de imposição de certos pontos de vista aos partícipes do processo educacional – o que não estaria de acordo com a idéia de se construir escolas democráticas ou uma base comum nacional. No que diz respeito mais propriamente à “educação para a cidadania”, os PCNs elegeram “a cidadania como eixo vertebrador da educação escolar” e admitem que isso implica tratar de valores (PCN1, v. 8: 25). Afirmam que A escola não muda a sociedade, mas pode, partilhando esse projeto com segmentos sociais que assumem os princípios democráticos, articulando-se a eles, constituir-se não apenas como espaço de reprodução mas também como espaço de transformação. (...) A concretização desse projeto passa pela compreensão de que as práticas pedagógicas são sociais e políticas e de que não se trata de educar para a democracia – para o futuro. Na ação mesma da educação, educadores e educandos estabelecem uma determinada relação com o trabalho que fazem (ensinar e aprender) e a natureza dessa relação pode conter (em maior ou menor medida) os princípios democráticos (PCN1, v. 8: 25-26, grifos meus). O trecho acima citado é extremamente significativo quando se avalia os PCNs enquanto possível orientação para a formulação do currículo de uma escola democrática. Quando a proposta é formar cidadãos que ainda hoje, nas suas relações dentro da própria
O Parecer da Conselheira Regina Alcântara de Assis, em outro momento, orienta que (...) para elaborar suas propostas pedagógicas, as Escolas devem examinar, para posterior escolha, os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Propostas Curriculares de seus Estados e Municípios, buscando definir com clareza a finalidade de seu trabalho, para a variedade de alunos presentes em suas salas de aula. Tópicos regionais e locais muito enriquecerão suas propostas, incluídos na Parte Diversificada, mas integrando-se à Base Nacional Comum (BRASIL.MEC.CNE, 1998a: 11, grifo meu).
A Conselheira da Câmara de Educação Básica do CNE, em entrevista ao Jornal do Brasil, é ainda mais enfática em definir o papel dos PCNs e esclarece o que seriam Diretrizes Curriculares Nacionais: As diretrizes definem uma política de Estado, que não depende das gestões de governo. Os parâmetros são uma decisão de política educacional da atual administração que pode persistir ou não. As diretrizes são obrigatórias, os parâmetros não. Mas esperemos que as redes públicas tenham maturidade para avaliar esses parâmetros e aperfeiçoá-los. As diretrizes saíram do Conselho Nacional de Educação, que é um órgão de Estado e não de governo (ASSIS, 1999: 1).
Depreende-se das citações acima que os PCNs têm a pretensão de serem uma base nacional comum para o ensino fundamental, mas são a proposta do MEC. Poderão ser considerados na elaboração dos projetos pedagógicos das escolas, assim como outros “parâmetros” construídos nas várias instâncias da Federação. E esse entendimento é reforçado pelo Parecer CEB 04/1998 em outro trecho, onde afirma que “embora os Parâmetros Curriculares propostos e encaminhados às escolas pelo MEC sejam Nacionais, não têm, no entanto, caráter obrigatório, respeitando o princípio federativo de colaboração nacional. De todo modo, cabe à União, através do próprio MEC o estabelecimento de conteúdos mínimos para a chamada Base Nacional Comum” (BRASIL.MEC.CNE, 1998a: 7, grifos meus). Parece claro, portanto, que os PCNs – a partir de seu próprio texto e do Parecer CEB 04/1998 – são uma proposta do MEC para a construção de uma base comum nacional, o que se daria pela articulação com outras propostas curriculares de escolas, estados e municípios. Respeitar-se-iam as escolhas dos sistemas educacionais dos vários níveis da Federação e a autonomia das escolas, conforme o Artigo 15º da Lei nº 9.394/1996. E isto significa respeitar, inclusive, o direito de que os PCNs não sejam utilizados pelas escolas na
elaboração de seus projetos pedagógicos. A autonomia escolar garante, desde que a instituição se responsabilize por isso, a não aceitação de uma proposta ou outra que não lhe for conveniente ou adequada ao desenvolvimento de um processo educativo condizente com as necessidades da população que atende, observadas as normas comuns e as de seu sistema de ensino (Lei nº 9.394/1996, Art. 12º). Mas esse autonomia sobre a qual dispõe a Lei, e reconhecida pelos PCNs e pelo Parecer CEB 04/1998, cai por terra quando são observados outros instrumentos da legislação educacional, em nível federal. O Decreto nº 3.276, de 6 de dezembro de 1999, da Presidência da República – que dispõe sobre a formação em nível superior de professores para atuar na educação básica, e dá outras providências – prescreve que Art. 5o^ O Conselho Nacional de Educação, mediante proposta do Ministro de Estado da Educação, definirá as diretrizes curriculares nacionais para a formação de professores da educação básica. (...). § 2o^ As diretrizes curriculares nacionais definidas para formação dos professores devem assegurar formação básica comum, distribuída ao longo do curso, tendo como referência os parâmetros curriculares nacionais, sem prejuízo de adaptações às peculiaridades regionais, estabelecidas pelos sistemas de educação (BRASIL, 1999, grifos meus).
Por decreto, os PCNs começam a cumprir um de seus objetivos: orientar a formação de professores. “Sem prejuízo de adaptações às peculiaridades regionais”, todas as instituições de formação de professores terão que utilizar os Parâmetros como referência na instrução dos futuros profissionais do magistério. Exercício de autonomia, que poderia ser até mesmo a recusa aos PCNs como conteúdo para a formação de professores, vira, nesse caso, descumprimento da Lei. O que antes parecia facultativo começa a ser obrigatório. E assim, via formação de professores, é assegurada a “chegada” dos PCNs às escolas, quando os professores forem utilizar na sala de aula as habilidades adquiridas durante sua preparação para a docência. A possibilidade de escolha ou não dos PCNs torna-se ainda mais remota quando se considera o Parecer do Relator Deputado Nelson Marchezan, na Comissão de Educação, Cultura e Desporto da Câmara dos Deputados, apresentando o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.173/1999, apensado ao Projeto de Lei nº 4.155/1998, que aprova o Plano Nacional de Educação (PNE). Entre as metas estabelecidas para o ensino fundamental figuram:
Nacional de Educação, dos Conselhos Estaduais de Educação e, quando for o caso, dos Conselhos Municipais de Educação (BRASIL. MEC, 2000: 32). E as metas acima citadas para o ensino fundamental, no Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.173/1998, guardam até uma certa ironia se confrontadas. As escolas terão cinco anos para construir banheiros, oferecer merenda, arrumar janelas, enfim, oferecer infra- estrutura básica. Terão dez anos para montar bibliotecas, adquirir carteiras (mobiliário), materiais pedagógicos e um equipamento de xerox, por exemplo. No entanto, em três anos deverão ter elaborado projetos pedagógicos com base nos PCNs, que requerem todas essas condições materiais para que suas orientações possam resultar em ensino de qualidade. Primeiro faz-se o projeto, depois constróem-se as condições para sua execução e nesse meio tempo ele vira letra morta, motivo de frustração para professores, pais e alunos, e tudo fica do mesmo jeito, ou pior, do que sempre foi. A prevalecer o que está disposto nos dois textos legais acima citados – o Decreto nº 3.276/1999 e o Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.173/1998 –, o papel dos PCNs como uma orientação para a formulação dos currículos escolares ou proposta do MEC para a formação de uma base comum nacional vira “promessa não cumprida”^6. Por que, em escolas que não gozam de autonomia – ainda que relativa, dificilmente se constrói um projeto educacional com a fisionomia dos que nela atuam, e onde esse projeto não pode ser articulado dificilmente se empreende uma educação democrática. Será descumprida a promessa da autonomia das escolas e também a prometida formação para uma cidadania democrática, objetivo do ensino fundamental posto pelos PCNs, se for aprovado o Plano Nacional de Educação com a redação da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. A necessidade de que seja construído um consenso na formulação e aplicação de uma base comum nacional parece condição essencial para o sucesso do processo educacional por ela orientado. É fundamental estarmos de acordo quanto à importância do desenvolvimento de um sentimento de solidariedade, de respeito mútuo, de igualdade para que formemos cidadãos que pautem sua ação na sociedade por princípios democráticos. E isso não se faz “por decreto”.
(^6) Referência a Norberto Bobbio (1986: 22-33) quando comenta o fracasso da educação para a cidadania em transformar súditos em cidadãos ( apud BENEVIDES, 1996), uma das seis “promessas” que a “democracia real” não teria cumprido.
PNE confirma existência de um lado “perverso” nos PCNs? Apresentando como objetivo maior do ensino fundamental a formação do cidadão, os PCNs afirmam que vieram apenas cumprir o que estava disposto na LDB, Lei 9.394/96. Entretanto, essa Lei não sugere a existência de parâmetros curriculares nacionais. A lei que rege a educação no país (Lei n. 9394/96), em nenhum momento, sugere a existência de parâmetros nacionais. O que se pode encontrar em alguns de seus artigos que falam de currículo para os diversos graus de ensino são as noções de base nacional comum e diretrizes – art. 26, 27 e 36 quanto à educação básica; art. 38, quanto à educação de jovens e adultos; art. 53, quanto ao ensino superior – e a de base comum nacional , para a formação dos profissionais da educação, especialmente aqueles que vão atuar na administração, no planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica – art. 64 (ALVES, 1998: 46, itálicos da autora).
De onde vem a proposta dos PCNs? Segundo CUNHA (1995: 53-54), a Proposta de Governo do candidato Fernando Henrique Cardoso, em 1994, já previa “a manutenção centralizada do controle da qualidade do ensino, implicando um currículo nacional e um sistema nacional de aferição de aprendizagem”, tal como vinha acontecendo na Inglaterra de Margareth Thatcher. Isso não exclui o fato de que a formulação de parâmetros curriculares nacionais tenha tido outras “fontes de inspiração”, o que já teria motivado a presença dessa idéia na própria plataforma do candidato. Vários autores apontam influências para a concepção dos PCNs. AGUIAR (1996:
É possível crer que as afirmações correspondam à realidade se compararmos, por exemplo, como a Constituição Federal de 1988 figura nos PCNs e na Exposição de Motivos formulada pelo Ministro da Educação que justificava o envio da Proposta de Emenda Constitucional 233 (PEC 233), propositora da criação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF (BRASIL, 1995). Nos PCNs, a Constituição Federal de 1988 é tratada como avançada nos temas da cidadania (PCN1,v. 10: 37), norteadora da discussão no tema transversal “ética” (PCN1, v. 8: 70), fundamento dos direitos subjacentes aos conteúdos de relevância social que devem ser abordados ao longo do ensino fundamental^7. Quando o que está em jogo são os recursos que a União deve destinar ao financiamento da educação, tudo muda de figura. Na Exposição de Motivos da PEC 233, o Ministro da Educação diz que a “Carta não explicita de forma coerente as responsabilidades e competências de cada uma das esferas, de forma que o cidadão comum saiba a quem cobrar o cumprimento das garantias constitucionais” (BRASIL, 1995: 8). E prossegue considerando que “a Constituição gerou compromissos que ampliam em muito a complexidade da gestão da Educação, nas três esferas do Poder Público” (BRASIL, 1995: 8). Diante disso, permanece atualíssimo o artigo de Anísio Teixeira (1962). Proclamemos os direitos, mas não há o menor compromisso em satisfazê-los. Os PCNs confirmam essa posição quando, “num descuido”, afirmam que o papel do Estado é “facilitar o acesso à educação” (PCN2, v. 1: 19). Por que não garantir o acesso à educação, depois de tanto defender o ensino fundamental como recurso privilegiado para a instituição da cidadania? A ANPEd afirma, ainda com relação à Versão Preliminar dos PCNs (BRASIL. MEC, 1995), que “não está suficientemente enfatizada a necessidade de investimentos públicos importantes na melhoria das condições físicas das redes de ensino”, na aquisição de recursos materiais e na qualificação de seus recursos humanos, essenciais ao desenvolvimento do processo pedagógico (ANPEd, 1996: 88).
(^7) É recorrente a referência à Constituição de 1988 nos PCNs, praticamente em todas as áreas e temas transversais é citada a Carta Magna como uma espécie de regulação, do que deve ser, um “devir” mesmo dos direitos e das relações sociais no Brasil.
Essas preocupações foram, de certa forma, incorporadas ao documento final dos PCNs, tanto no de 1ª a 4ª séries (PCN1, Introdução: 19-31), como nos de 5ª a 8ª séries (PCN2: Introdução, 38-39). No entanto, a proposta de Plano Nacional de Educação elaborada pelo Executivo (BRASIL. MEC, 2000) apresenta uma estranha “ordem” para a resolução dos problemas do ensino fundamental brasileiro, que acabou figurando no Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.173/1998 – o que já foi anteriormente por mim mencionado, e faz com que se reacendam as preocupações postas pela ANPEd em 1996. Para corrigir este conjunto de deficiências [as dificuldades enfrentadas pela educação no Brasil], especialmente os fenômenos associados de repetência, distorção série/idade e evasão, o Plano Nacional de Educação deve contemplar medidas que não se restrinjam à oferta de vagas. Em primeiro lugar, é preciso um investimento na qualificação dos professores, de forma a capacitá-los para oferecer um ensino adequado. De outro lado, é necessária uma reforma curricular, como a que está sendo proposta pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, que torne o ensino mais relevante e mais interessante para os alunos. Finalmente, deve-se promover a melhoria da infra-estrutura física das escolas, generalizando inclusive as condições para a utilização das tecnologias educacionais em multimídia (BRASIL. MEC, 2000: 31, grifos meus). Compreendo que nem sempre é possível tudo ao mesmo tempo. Mas diante das dificuldades enfrentadas pela educação brasileira e das necessidades para que se processe um ensino de qualidade, como afirmam almejar os PCNs, é difícil imaginar que a ordem de prioridades determinada no PNE (do MEC ou do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 4.173/1998) seja a mais adequada. Talvez este seja o momento – quiçá já não é há muito tempo – de “atacar em várias frentes”.
O que fazer com os PCNs? Diante dessas várias peças da política educacional do Governo Federal, o mais indicado seria que explorássemos o que chamei de “indeterminação” nos PCNs para construirmos, em cada escola, a proposta curricular mais adequada ao atendimento das necessidades educacionais de alunos, professores, pais, funcionários e da sociedade, num sentido bem geral. Esse caminho serve ainda, na minha opinião, a outros fins. Pode ser um meio de evitar que aquele lado chamado por mim de “perverso”, possivelmente presente nos PCNs, se manifeste. Trazer a diversidade da realidade brasileira para a reflexão sobre os Parâmetros pode salvar os diversos sistemas de ensino de municípios e estados de uma tentativa de equalizá-los que seria desastrosa. Não considerar essa diversidade só poderia
Referências Bibliográficas
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